Vitória Regia no Índico. Revista BRASIL-EUROPA 123. ACADEMIA BRASIL-EUROPA. Bispo, A.A. (Ed.) e Conselho Especializado. Organização de estudos culturais em relações internacionais

 
 

O número 119 desta revista incluiu dois textos relativos ao significado da Vitória Régia sob o aspecto da história cultural em contextos internacionais. Referiram-se ao cultivo dessa planta na Austrália, em particular no Jardim Botânico de Adelaide, assim como às suas relações com a arquitetura, em especial com aquela de palácios de exposições universais.


Dando continuidade ao tratamento do tema, considera-se aqui o significado histórico-cultural da Vitória Régia não no Pacífico, mas no Índico, mais particularmente em Maurício. Ainda mais do que em Adelaide, a Vitória Régia adquire aqui uma relevância especial no complexo cultural da nação. Ela representa a principal atração do Jardim Botânico de Pamplemousses, e este é um dos principais monumentos do patrimônio cultural e científico-natural do país. A bacia com essa planta, com flores cujas folhas alcançam diâmetros de mais de um metro, é mundialmente conhecido.


Vitória Régia em Adelaide e em Pamplemousses


Ainda de forma mais expressiva do que em Adelaide, a Vitória Régia demonstra aqui os seus elos com a história cultural da presença britânica no mundo. Representando uma das principais riquezas do jardim de Pamplemousses, criado pelos franceses em meados do século XVIII (Veja artigo a respeito nesta edição), testemunha a contribuição britânica para a Botânica do país. A sua introdução procedeu-se em fase muito posterior à formação histórica do jardim. Ela representa um dos muitos caminhos transnacionais e transcontinentais da história da difusão mundial de plantas no contexto de processos histórico-culturais.


Se os franceses haviam levado para Pamplemousses plantas de várias regiões do mundo, inclusive das Américas, ali as aclimatando, sendo que muitas delas foram trazidas para o Brasil (Veja artigo a respeiuto nesta edição), tem-se aqui o transplante de um vegetal proveniente do Novo Mundo e levado para Pamplemousses já no período da suserania britânica. Tanto a Palmeira imperial como a Vitória Régia vieram do Novo Mundo e foram levadas para o Índico, sendo que a primeira encontrou, de lá, o seu caminho ao Brasil (Veja artigo a respeito nesta edição).


Do ponto de vista histórico-cultural, porém, a transplantação desses vegetais do continente americano ao Índico deu-se sob situações diversas. A Palmeira imperial insere-se em periodo marcado pela ação francêsa, a Vitória Régia surge, ao contrário, como símbolo floral por excelência da presença mundial britânica. Se a Vitória Régia foi descoberta em 1801 pelo botânico P. T. Haenke num afluente do Amazonas, o seu reconhecimento mundial deu-se com a descoberta da planta em 1837, na Guiana Inglêsa, por R. Schomburgh, que a denominou segundo a rainha Victoria. A designação de Victoria regia foi-lhe dada pelo botânico inglês J. Lindley (+1865).


A Victoria regia foi a flor nova por excelência de meados do século. Em Pamplemousses, veio de encontro a uma antiga tradição de pensamento que valorizava a descoberta de novas plantas. Assim, segundo Bernardin de St. Pierre, o escritor de Paul et Virginie, uma planta útil significava mais do que a descoberta de uma mina de ouro e representava um monumento mais durável do que uma pirâmide. Se essa expressão de St. Pierre, gravada em mármore em Pamplemousses reflete um pensamento antes horticultor ou de cunho prático, pois se refere a uma planta útil, a sua aplicação à Vitória Régia pode ser aplicado no sentido mais amplo do termo. A utilidade da Vitória Régia foi, do ponto de vista histórico-cultural o de ter motivado um pensamento estrutural de cunho orgânico e que teria consequências para técnicas construtivas e para a estética.


Vitória Regia e Exposições Universais


A Vitória Régia de Pamplemousses por estar em jardim cercado por grades premiadas na Exposição Universal de Londres de 1862, testemunha de forma particularmente expressiva, os elos dessa planta com a história da técnica, das artes e da arquitetura da época. Torna-se justificável, assim, retomar essa questão já tratada no número anterior desta revista.


Quando a rainha da Inglaterra inaugurou, a primeiro de maio de 1851 a Exposição Universal de produtos da indústria de todas as nações, ela penetrou o recinto do edifício à frente de um cortejo que, embora sem pompa e solenidade de cerimônias oficiais, foi constituído por embaixadores, ministros, pelo arcebispo de Canterbury, por altos militares, por oficiais e damas-da-Côrte. Essa série de autoridades foi aberta pelo arquiteto do palácio da Indústria, Joseph Paxton (1801-1865), além dos dois empresários da exposição.  A tarefa de Paxton foi a de desenhar e de criar jardins com efeitos pitorescos; tinha sido empregado do duque de Somerset, passando a seguir ao serviço do duque de Devonshire, em Chatsworth. Este nele reconheceu um profissional de qualidades administrativas e de grandes conhecimentos, passando a empregá-lo na administração de seus domínios na Inglaterra e na Irlanda.


Em 1837, quando a lília aquática foi descoberta na Guiana Inglêsa (Veja artigo a respeito de Schomburgk no número 119 desta revista), uma flor que causou imediatamente admiração pelas suas dimensões e beleza, denominando-a de Victoria regina, o duque de Devonshire dedicou uma de suas estufas dos jardins de Chatsworth à aclimação da nova planta. Paxton foi encarregado da instalação, recriando engenhosamente todas as condições de existência da lília aquática. Procurou conservar a temperatura de ar segundo o meio ambiente original, procurou criar uma corrente de água com a velocidade e a temperatura do rio Berbice, de onde a planta havia sido retirada, alcançando que a Vitória Régia se desenvolvesse com todo o seu vigor. Constatando o sucesso do empreendimento, o duque de Devonshire mandou que se construísse novo viveiro, especial para a planta. Esse viveiro foi construído por Paxton, em vidro e ferro, com 20 metros de comprimento e 12 metros de largura. Esse viveiro tornou-se o modêlo germinal da idéia que levou ao palácio da Indústria.


O comitê executivo da comissão real abriu um concurso para a construção do edifício. Decidiu-se que seria levantado em tijolos e caracterizado por uma grande cúpula. Mais de 245 projetos foram recebidos, dos quais 27 da França. A opinião pública, porém, era contrária à edificação de um prédio monumental no Hyde Park, o que teria exigido a destruição de grandes árvores. A comissão procurou, então, um projeto que levasse em consideração as necessidades da exposição e a conservação natural. Dos muitos projetos realizados, nenhum deles correspondia às expectativas.


Em junho de 1850, Paxton, receando que a comissão se decidisse a realizar um edifício sem maiores características, propôs a realização de um projeto baseado nas suas anteriores experiências. Esboçou-o, e, em encontro casual em viagem ferroviária com o engenheiro da Exposição, êste incentivou-o a apresentá-lo. Não acreditava, porém, que fosse possível construir um edifício que diferia de tudo o que até então havia sido feito, cujos materiais e cujas técnicas de construção nnao eram conhecidas dos construtores. Papel relevante no processo de aprovação do projeto foi desempenhado pelo Príncipe Albert, que recebeu Paxton no palácio de Buckingham. Relatado em jornais, o projeto despertou o entusiasmo da opinião pública.


Para a execução do colossal edifício do Hyde Park no período curto de cinco mêses, tornou-se necessário escolher com cuidado e eficiência os materiais empregados, fornecer às manufaturas dados precisos dos objetos e ajustá-los por meio de uma máquina engenhosa que passou a ter o seu nome. A construção do edifício foi assim realizada com o auxílio de máquinas diversas, algumas delas remontantes à época da construção do viveiro em Chatsworth.


O palácio de cristal devia encerrar, segundo as concepções da época, as riquezas do universo. Segundo alguns, foi o próprio palácio da exposição a principal contribuição da Inglaterra à mostra universal. Ela contribuiu com uma idéia elevada, correspondente à potência mundial do país. A energia da nação espelhara-se na rapidez da construção, o sistema administrativo e o espírito do self government evidenciaram-se no fato de que foi realizado apenas a partir da boa vontade dos cidadãos, sem contribuição do Estado. (Magasin Pittoresque, XVIII, 1851, 343-344)


(...)


R. Gröner e grupo redatorial sob a direção de A.A.Bispo


  1. Observação: o texto aqui publicado oferece apenas um relato suscinto de trabalhos. Não tendo o cunho de estudo ou ensaio, não inclui aparato científico. O seu escopo deve ser considerado no contexto geral deste número da revista. Pede-se ao leitor que se oriente segundo o índice desta edição e o índice geral da revista (acesso acima). Pede-se ao leitor, sobretudo, que se oriente segundo os objetivos e a estrutura da Organização Brasil-Europa, visitando a página principal, de onde obterá uma visão geral e de onde poderá alcançar os demais ítens relativos à Academia Brasil-Europa de Ciência da Cultura e da Ciência (culturologia e sociologia da ciência), a seus institutos integrados de pesquisa e aos Centros de Estudos Culturais Brasil-Europa: http://www.brasil-europa.eu


  2. Brasil-Europa é organização exclusivamente de natureza científica, dedicada a estudos teóricos de processos interculturais e a estudos culturais nas relações internacionais. Não tem, expressamente, finalidades jornalísticas ou literárias e não considera nos seus textos dados divulgados por agências de notícias e emissoras. É, na sua orientação culturológica, a primeira do gênero, pioneira no seu escopo, independente, não-governamental, sem elos políticos ou religiosos, não vinculada a nenhuma fundação de partido político europeu ou brasileiro e originada de iniciativa brasileira. Foi registrada em 1968, sendo continuamente atualizada. A A.B.E. insere-se em antiga tradição que remonta ao século XIX.


  3. Não deve ser confundida com outras instituições, publicações, iniciativas de fundações, academias de letras ou outras páginas da Internet que passaram a utilizar-se de designações similares.

 




  1. Fotos H. Hülskath

 

Revista Brasil-Europa - Correspondência Euro-Brasileira 123/11 (2010:1)
Prof. Dr. A.A.Bispo, Dr. H. Hülskath (editores) e Conselho científico
órgão de
Brasil-Europa: Organização de estudos teóricos de processos interculturais e estudos culturais nas relações internacionais (reg.1968)
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Doc. N° 2545


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História botânico-cultural das relações entre o Índico e o Brasil. Pamplemousses II

Da Guiana inglêsa à Europa e a Maurício: Victoria regina


Do programa da Academia Brasil-Europa Atlântico-Pacífico de atualização dos estudos culturais transatlânticos e interamericanos
Ciclo de estudos nas ilhas Maurício, 2009
sob a direção de A.A.Bispo

 

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