ÍNDICO. Revista BRASIL-EUROPA 123. ACADEMIA BRASIL-EUROPA. Bispo, A.A. (Ed.) e Conselho Especializado. Organização de estudos culturais em relações internacionais
 
 

O ponto de observação do estudioso, por êle assumido ou determinado pelo contexto cultural a que pertence, influenciando visões e aproximações, tem consequências na focalização de determinadas configurações culturais e de processos históricos.  Essa perspectivação pode contribuir aos conhecimentos obtidos por enfoques baseados em outros referenciais, diferenciando-os, e esse fato bastaria para justificar o significado do desenvolvimento de estudos do Índico sob a perspectiva do Brasil.

Ao mesmo tempo, porém, tais estudos devem ser conduzidos na consciência de que são condicionados por uma determinada perspectiva, de natureza geográfico- e histórico-cultural, e portanto particular, exigindo constantemente auto-reflexões por parte do observador quando à sua inserção em contextos culturais e em determinadas rêdes da história das idéias e da pesquisa.

Também os estudos culturais referentes ao Índico necessitam ser conduzidos em estreito relacionamento com aqueles voltados ao exame dos pressupostos culturais e sociais do próprio trabalho de pesquisa e de reflexão, o que corresponde ao escopo da Academia Brasil-Europa.

A partir de uma perspectiva brasileira, a África não pode ser marginalizada nos estudos culturais do Índico. Na visão do globo a partir do Brasil, com o seu direcionamento atlântico, é o continente que se encontrou por séculos a caminho, que devia ser rodeado para alcançar o oceano Índico, é o continente de onde recebeu grandes contributos populacionais e culturais de diversificadas regiões, também das suas partes orientais.

Sob uma focalização baseada em Portugal dos Descobrimentos, os contatos com a África anteciparam a descoberta do caminho marítimo do Índico, o Brasil foi descoberto por uma armada em direção às Índias e, na divisão do mundo pelo tratado de Tordesilhas, passou a pertencer à esfera oriental do globo atribuída a Portugal, não à ocidental.

Caminho das reflexões. Da África Oriental ao Índico

Sob o pano de fundo dessas considerações, compreende-se que o direcionamento da atenção aos complexos culturais do Índico no âmbito dos estudos euro-brasileiros processou-se nas últimas décadas sobretudo pelo caminho da África.

Em simpósio internacional etnológico dedicado às culturas da África Central e do Leste, levado a efeito no Centro de Ciências da então capital da República Federal da Alemanha, em 1979, o Brasil e países africanos de língua portuguesa estiveram presentes através de representantes de várias áreas disciplinares. (Relato do II Simpósio Etnomusicológico em Musices Aptatio, Roma 1980). A atenção foi aqui dirigida sobretudo ao papel de concepções, expressões e modos de vida de fundamentação religiosa em diferentes contextos, de transformações culturais determinadas por processos de natureza religiosa, de interações de diferentes tradições, de mecanismos de difusão, transplantação, de mudança, adaptação, assimilação, integração e outros. Lembrou-se, aqui, introdutoriamente, que a questão da "acomodação" na expansão do Cristianismo na Índia e no Oriente foi de extraordinária relevância e que tal debate marcou a história das relações culturais entre a Europa, o Índico e o Extremo Oriente.(S. Lourdusamy, "Evangelisation und Kultur", Musicae Sacrae Ministerium XVII, 2/XVIII, 1, 1980/81, 27-35) A discussão poderia ser tomada como um ponto de partida para considerações atuais relativas aos caminhos de interação de imagens e concepções do mundo e do homem no encontro de culturas e de religiões.

Esse debate foi aprofundado em função do complexo temático "Unidade e Diversidade" em simpósio internacional levado a efeito em São Paulo, em 1981. No intuito de fundamentá-lo com base em exames históricos mais pormenorizados, desenvolveram-se levantamentos e estudos contextualizados de fontes relativas ao encontro de europeus com culturas africanas no início da era moderna, emprestando-se aqui particular atenção àquele com a Etiópia. (A.A.Bispo, Grundlagen christlicher Musikkultur in der außereuropäischen Welt der Neuzeit, der Raum des portugiesischen Patronatsrechts, in Musices Aptatio 1987/88, Roma 1988, 561 ss., 689 ss.)

África do Leste nas religiões de fundamentação bíblica

Nesses estudos, veio à consciência que o Cristianismo na África, em especial do Leste, não representa fenômeno de difusão recente, mas sim de antiquíssimas raízes, remontando a complexos religioso-culturais e a edifícios de visão do mundo e do homem que se relacionam com outras áreas geográficas, com o Oriente Próximo, com o Mediterrâneo, e com a Índia. O diálogo com os coptas e os cristãos do Oriente, em particular com os assim-chamados cristãos de São Tomé foi de particular importância à época das Descobertas. Uma atenção especial à antiguidade do Cristianismo na África do Leste se impõe nos estudos interculturais em contextos globais, também devido à necessidade de critérios adequados para o exame de fenômenos afro-americanos, sobretudo no Caribe, onde essa antiguidade é particularmente salientada.

Independentemente de estudos comparativo-religiosos que procurem mostrar vínculos entre imagens e concepções bíblicas com aquelas da Antiguidade não cristã do Mediterrâneo, do Oriente Próximo e da Índia, deve-se constatar que uma visão do mundo e do homem de fundamentação bíblica, apesar de todas as diferenças, marcou culturalmente de modo considerável um vasto espaço no qual se insere também a costa oriental da África. Essas bases de um edifício de concepções e imagens dizem respeito não apenas aos judeus e aos cristãos, mas também aos mulçumanos, em todas as suas diferenciações e denominações. Esquece-se, frequentemente, em estudos históricos dedicados ao papel relevante desempenhado pelos árabes e pela expansão do Islão no Índico, que aqui se trata de um fenômeno religioso mais recente do que o Cristianismo e também de bases bíblicas.

Um estudo teórico-cultural mais aprofundado do Índico necessita, assim, ser dirigido às relações entre edifícios de concepções e imagens, às suas bases comuns e às suas diferenças, às possibilidades de interrelacionamento e harmonizações, às causas de suas divergências e tensões. Trata-se, assim, de um direcionamento mais profundo dos exames, para além de aproximações mais superficiais de natureza etnográfica ou histórico-cultural no sentido convencional do termo. A consideração de ordens simbólicas e dos fundamentos de concepções e normas inerentes às várias culturas religiosas do Índico impõe-se também para a compreensão de mecanismos inerentes a processos históricos. Representa sobretudo uma exigência para a obtenção de critérios adequados para o exame e o entendimento de fenômenos sincretísticos. Pode contribuir à solução de problemas culturais e de diálogo ecumênico do presente.

Tal orientação dos estudos em direção à análise de culturas imagológicas foi tema do simpósio internacional de estudos euro-brasileiros realizado em Bonn, em 1989, em cooperação com instituições de pesquisa cultural do Brasil. Voltou a ser tratado, sob determinados aspectos, em encontros em Bali e em Macau (1996/7), no simpósio internacional dedicado às relações culturais entre o Ocidente e o Oriente pela passagem de Macau à China, levado a efeito em Lagos, Portugal, em 1997, assim como no colóquio internacional de Antropologia Simbólica realizado em São Paulo, em 1998.

Expansão portuguesa e culturas do Oceano Índico

Nesse ano de 1998, a Comissão Nacional para as Comemorações dos Descobrimentos Portugueses, em cooperação com várias outras instituições, organizou a exposição Culturas do Índico (Museu Nacional de Arte Antiga, Junho a Setembro de 1998), com a publicação de uma substancial obra (Culturas do Índico, 1998). Dedicou ao Índico também um dos cadernos da revista Oceanos com resultados do colóquio "A Expansão Portuguesa e as Culturas do Oceano Índico", realizado em Lisboa nos dias 12 e 13 de Setembro de 1997 (Oceanos 34, Abril/Junho 1998).

Essas publicações incluiram textos relativos a diversos aspectos das culturas do Índico e que testemunham uma diversidade de aproximações teóricas. Apesar da alta qualidade científica e estético-literária das colaborações, muitas delas de teor até mesmo poético, os textos permitem que se reconheça visões e perspectivas decorrentes da inserção de seus autores em determinadas correntes do desenvolvimento das reflexões. Compreende-se, assim, a existência de diferenças quanto a concepções e argumentações apresentadas nessas obras e aquelas discutidas nos anos anteriores a partir da perspectiva euro-brasileira.

Como exemplo dessas diferenças, consideram-se aqui alguns aspectos do texto de Sugata Bose dedicado ao tema "Estado, economia e cultura na orla do Índico: teoria e história" (Oceanos 34, op.cit., 25-36)

Crítica à inserção do Índico na área dos Estudos Regionais

Sugata Bose aponta, e com razão, para as deficiências teóricas do conceito de Estudos Regionais, nos quais se enquadram, em geral, os Estudos do Índico. Médio Oriente, Ásia Meridional, Sudeste Asiático e outras configurações subsumidas sob essa designação seriam para ela construções relativamente recentes, projeções arbitrárias do poder colonial no domínio dos conhecimentos. Fronteiras coloniais teriam constituído um obstáculo ao estudo de comparações e laços entre regiões e determinado um foco dirigido aos estudos regionais. Mesmo que a elucidação da autora não possa ser generalizada, havendo em determinados casos justificativas geográficas, históricas e contextuais para a utilização de aproximações regionais, a divisão do objeto dos estudos segundo regiões ou áreas geográficas já tem sido há muito questionado no âmbito dos estudos culturais. A generalização do termo na estrutura universitária de vários países apenas pode ser vista como expressão de critérios pragmáticos de organização de assuntos e instituições. Traz, porém, consequências para a delimitação e o tratamento de complexos temáticos, implicando em retrocesso quanto ao grau de refletividade já alcançado no próprio desenvolvimento dos estudos específicos.

A respeito do conceito de "Mundo Índico"

Para S. Bose, o uso do termo "mundo" apresentaria mais profundidade do que a consideração do Índico como região. Entretanto, o uso da designação "mundo do Oceano Índico" deveria levar em conta que esse mundo apresentaria limites externos e internos flexíveis com relação, por exemplo, ao "mundo do Mediterrâneo". A análise desses mundos não teria recebido até agora a atenção merecida dos especialistas que se dedicam a escrever histórias da era moderna.

S.Bose, porém, conduz a sua discussão em outra direção. O mundo do Mediterrâneo surgiria nos estudos como um mundo submerso por um sistema capitalista de alcance global, na qual a "unidade orgânica" do Oceano Índico teria entrado em ruptura pelo estabelecimento do domínio econômico e político europeu na segunda metade do século XVIII. A sua crítica dirige-se assim antes a aproximações de natureza histórico-econômica global no estudos de complexos interrelacionamentos, tais como no Índico. Tanto abordagens de maior amplitude ("macro"), tais como aquelas baseadas em concepções de sistemas universais, como aquelas de menor abrangência ("micro") seriam para ela insuficientes para um estudo mais aprofundado do Índico, umas por serem por demais difusas para exames diferenciados, outras, por terem-se deixado absorver pelos discursos de comunidades e nações.

Para S. Bose, seria necessário também "subverter" visões essencialistas da "India" ou do "Islão". Uma das possibilidades, aqui, consistiria em deslindar fragmentos internos e, a seguir, ultrapassar criativamente fronteiras externas.

A autora, preocupada com a crítica a concepções de sistemas globais, sobretudo de natureza econômica, não entra em considerações a respeito do uso da palavra "mundo" ou de termos afins nos estudos culturais, tais como universos ou esferas. Poder-se-ia ver no uso desses termos, como um aspecto positivo, uma maior possibilidade de se considerar a perspectiva interna do homem inserido no complexo cultural respectivo. O termo "mundo do Índico" ou "mundo Mediterrâneo" sugere que se trata de uma configuração cultural que representa o "mundo" para aquele que nele vive. Tratar-se-ia, assim, para o estudioso, de procurar ver o mundo como o vêem aqueles nele inseridos.

"Arena inter-regional"?

Insuficientes para a autora seriam sobretudo análises do período posterior a 1750, e especialmente após 1830. Faltariam estudos aprofundados do Oceano Índico como "arena", ou melhor, como complexas arenas inter-regionais de relações econômicas, políticas e culturais. (op.cit. 28)

S. Bose emprega o termo "arena inter-regional" para caracterizar o Oceano Índico, diferenciando-o do conceito de sistema. Para ela, uma arena inter-regional situar-se-ia "algures entre as generalidades de um 'sistema mundial' e as especificidades de regiões particulares" (pág. 26). Esse conceito, porém, é infeliz sob diversos aspectos. Em primeiro lugar, criticando-se o termo região, de conotação geografico-espacial, e a sua inserção na área comumente designada como Estudos Regionais, não parece ser coerente falar de regiões particulares ou de relacionamentos inter-regionais. Independentemente dessa incoerência, o termo arena deve ser visto como totalmente inadequado.

O uso dos termos palco, cena ou similares pode ser justificável por motivos literários de expressão ou como formulações metafóricas. Transformar tais termos porém em conceitos condutores de uma aproximação teórica parece ser questionável. Implicaria colocar o estudioso numa posição de espectador, numa platéia, onde observaria desenvolvimentos teatrais, dramáticos ou cômicos, deixando-se emocionar e aplaudindo ou vaiando. Seria essa uma imagem adequada para a atitude de um pesquisador? Mais questionável ainda é falar de arena, ao invés de cena ou palco. Ter-se-ia aqui uma apresentação circense ou de uma luta de gladiadores? O uso do termo cena, encenação, teatro, ou similares pode ser justificavel se a visão do pesquisador for dirigida a determinados processos performativos de identidade, nos quais há a participação daquele envolvido na transformação cultural em ações de cunho representativo de fundamentação simbólica, por exemplo em danças, cortejos e folguedos de cunho dramático. Interpretar essa participação performativa como uma luta em arena exigiria justificativa teórica.

Questões de unidade

S. Bose considera particularmente os problemas dos limites espaciais e da unidade do complexo do Índico. Lembra que não pode haver uma resposta determinada quanto a seus limites geográficos, uma vez também que esses se alteraram de acordo com interações culturais, econômicas e políticas. Quanto à questão da unidade, compreende esse termo antes no sentido de um princípio de união, contraposto a um de desunião, princípios que seriam para ela de fundamental importância para a "manutenção do Oceano Índico como uma arena inter-regional de economia e cultura". (loc.cit.)

A autora lembra que questão da existência de traços comuns entre mundos teria sido abordada por diferentes historiadores, entre êles K.N.Chaudhuri (Asia before Europe: Economy and Civilisation of the Indian Ocean from the Rise of Islam to 1750, Cambridge, 1990), que, nos seus trabalhos relativos à ascensão do Islão formulou a necessidade de uma teoria do conceito de unidade e desunião, continuidade e descontinuidade, rupturas e limiares. Essa unidade da vida econômica e social buscaria coesão analítica não na unidade observável de uma construção espacial, mas sim na dinâmica de relações estruturais. Chaudhuri utilizara para isso três instrumentos analíticos, os de topologia, ordem e metamorfose para tratar da interação histórica entre unidades de espaço e sociedade. (op.cit. 29).

Para Bose, porém, permaneceria em aberto a questão de saber se o recurso à matemática na fixação do limite interno e externo de um conjunto daria melhores resultados do que a aplicação de enfoques intuitivos de um historiador na solução de questões relativas a limites espacias de uma "arena inter-regional de interações humanas". (loc.cit.)

Para o autor por ela citado, Chaudhuri, o Oceano Índico fundir-se-ia na Ásia, com as suas quatro civilizações: a islâmica, a indiana sanscrítica, a chinesa e a sueste-asiática. A África oriental é excluída dessas identidades civilizacionais por que, para êle, parecem ter sido estruturadas por uma lógica histórica separada e independente do resto do Oceano Índico. Essa posição, como observa a autora, e com razão, manifesta as limitações da perspectiva do autor referido, sem considerar, naturalmente, a superficialidade da distinção das supostas quatro identidades civilizacionais.

Outros historiadores teriam sugerido outras aproximações à questão da unidade do Oceano Índico. Uma delas (J.de V. Allen, "A Proposal for Indian Studies, in Historical Relations across the Indian Ocean, Paris 1980, 137-51)) teria visto três níveis de unidade: a racial, influenciada pelas migrações, a cultural, emanada da Índia, e a religiosa, inicialmente configurada pela expansão do Islão. Haveria uma unidade considerável ao nível de monções, portos, navios e marinheiros, outra unidade poderia ser detectada na distribuição de certos produtos de áreas particulares.

Uma questão que a autora coloca é se a orla do Oceano Índico teria continuado a constituir uma "arena inter-regional" coerentemente definível após a imposição do domínio político e econômico europeu na segundo metade do século XVIII e na primeira metade do século XIX. Nesse caso, quais teriam sido os princípios de unidade que teriam sustentado esse nível de economia e cultura? Essa questão não teria sido abordada pela maior parte dos historiadores, aceitando o término da unidade do sistema do Índico no período que vai de meados do século XVIII a seu final.

Já há muito (C.J. Baker) ter-se-ia salientado que capital e mão-de-obra migrantes teriam desempenhado um papel crucial na construção de um sistema de especialização e interdependência inter-regional. Recentemente, ter-se-ia constatado que a imposição da hegemonia do capital ocidental e a ruptura da antiga economia do Índico constituiria um processo muito mais complexo, que não pode ser entendido em termos de uma história unidimensional da expansão da economia mundial capitalista. Segundo os próprios estudos da autora relativos ao período de ca. 1800 a 1950, redes inter-regionais pré-existentes foram utilizadas, reordenadas e tornadas subservientes ao capital ocidental, mas não se teriam quebrado antes dos anos 1930. Isso não deveria ser confundido com continuidade entre era pré-colonial e era colonial, exigiria uma reinterpretação da natureza do empreendimento de dominação para-colonial e colonial européia, bem como uma compreensão mais subtil das unidades e dos traços distintivos das culturas e idiomas da resistência anti-colonial. (op.cit. 30)

Já esses pontos indicam que a discussão relativa à questão da unidade no complexo do Índico está sendo desenvolvida a partir de pressupostos não suficientemente refletidos sob o ponto de vista teórico. As relações entre unidade e diversidade não implicam obrigatoriamente em união e desunião, e não se tem considerado o fato de poder haver uma unidade na diversidade e uma diversidade na unidade, uma expressão que já representa até mesmo quase um lugar comum. Princípios ou impulsos que levam à unidade ou à diversidade não podem ser identificados sem maiores diferenciações com conceitos de ruptura, limiaridades, continuidade ou discontinuidade. Todos esses conceitos devem ser considerados de forma diferenciada, independentemente da problemática unidade/diversidade. É possível que a imagem de um complexo dinâmico como sendo uma "arena" reflita uma visão voltada mais à questões de desunião; necessitaria, então, ter como contrabalanço, a imagem de uma união ou aliança, o que surge como singular. Já esse fato demonstra a necessidade de uma reflexão mais profunda das próprias imagens empregadas pelos estudiosos na sua argumentação.

Necessidade de consideração de organizações imagológicas

Como a imagem da "arena" sugere, a discussão parece estar sendo conduzida de forma demasiadamente da perspectiva de um espectador de platéia que observa o relacionamento entre os atores, as movimentações, os agrupamentos no palco e os cenários.

Uma observação mais aprofundada e sensível necessitaria considerar estruturas, mecanismos e sentidos internos aos processos. Princípios de unidade e diversidade devem ser procurados nos próprios edifícios de concepções e imagens, e o interrelacionamento desses princípios na interação entre edifícios deveria vir a ser uma das preocupações do estudioso.

Não se pode esquecer que o Índico não é produto primário de determinações geográficas e políticas do colonialismo e imperialismo, mas fundamenta-se na linguagem simbólica que é comum aos grandes complexos culturais de fundamentação bíblica que ali se encontram e interagem.

Sob essa perspectiva, a atenção se dirige aos rios do Paraíso, dos quais o Ganges era um deles, na tradição bíblica, pleno de conotações simbólicas referentes à visão do mundo e do homem. Trata-se de uma imagem que determinou por séculos uma etnologia simbólica, caracterizando povos e regiões, constituições psíquicas e espirituais do homem. Possui implicações simbólico-antropológicas, ou melhor, apenas pode ser compreendida a partir de uma determinada concepção do homem. Os rios do Paraíso foram associados com sentidos, modos de percepção da realidade, com temperamentos, ofereceram imagens para modos de leitura do mundo e da escrita. Querer determinar a posteriori delimitações geográficas, políticas ou outras de natureza "positiva" a uma concepção originada simbolicamente é um empreendimento questionável, impossível de ser realizado a contento. Assim, a própria teoretização do ìndico deve estar consciente dos seus próprios pressupostos.

Com um direcionamento da atenção ao mundo visto por aqueles nele inseridos, pelo tentar ver o que vê aquele que vê, o pesquisador teria a possibilidade de penetrar em dimensão muito mais profunda dos "mundos" que deseja estudar com sensibilidade. Mostraria mais respeito para aqueles que pertencem a esse mundo, aprenderia a falar com a sua língua e concepções, não faria projeções de fora na análise do objeto, não se resumiria a uma perspectiva positivista. Teria a possibilidade, sobretudo, de relacionar diferenças e similaridades nos diferentes complexos de ordem simbólica, contribuindo com os resultados de seus esforços para o entendimento mútuo e, talvez, para a superação de tensões.

Tratando-se de emprêgo de imagens na própria linguagem do pesquisador, talvez a metáfora de uma submersão poderia ser adequada. Essa imagem também poderia servir para aguçar a sensibilidade para processos de submersão e emersão de configurações culturais no decorrer do tempo. Poderia contribuir assim para que se evite compreender o desenvolvimento histórico de forma por demais linear e projetar-se situações do presente no passado. Maurício poderia ser visto aqui como um exemplo de processos de submersão e emersão, lembrando-se que uma configuração cultural que correspondia à antiga imagem da Île de France e que oferecia paralelos com a do Brasil parece imergir nos fluxos de um processo de transformação populacional e cultural que caracteriza o país.

(...)

Grupo redatorial sob a direção de A.A.Bispo


  1. Observação: o texto aqui publicado oferece apenas um relato suscinto de trabalhos. Não tendo o cunho de estudo ou ensaio, não inclui aparato científico. O seu escopo deve ser considerado no contexto geral deste número da revista. Pede-se ao leitor que se oriente segundo o índice desta edição e o índice geral da revista (acesso acima). Pede-se ao leitor, sobretudo, que se oriente segundo os objetivos e a estrutura da Organização Brasil-Europa, visitando a página principal, de onde obterá uma visão geral e de onde poderá alcançar os demais ítens relativos à Academia Brasil-Europa de Ciência da Cultura e da Ciência (culturologia e sociologia da ciência), a seus institutos integrados de pesquisa e aos Centros de Estudos Culturais Brasil-Europa: http://www.brasil-europa.eu


  2. Brasil-Europa é organização exclusivamente de natureza científica, dedicada a estudos teóricos de processos interculturais e a estudos culturais nas relações internacionais. Não tem, expressamente, finalidades jornalísticas ou literárias e não considera nos seus textos dados divulgados por agências de notícias e emissoras. É, na sua orientação culturológica, a primeira do gênero, pioneira no seu escopo, independente, não-governamental, sem elos políticos ou religiosos, não vinculada a nenhuma fundação de partido político europeu ou brasileiro e originada de iniciativa brasileira. Foi registrada em 1968, sendo continuamente atualizada. A A.B.E. insere-se em antiga tradição que remonta ao século XIX.


  3. Não deve ser confundida com outras instituições, publicações, iniciativas de fundações, academias de letras ou outras páginas da Internet que passaram a utilizar-se de designações similares.

 





  1. Nomes de representantes de diferentes áreas do saber considerados como benfeitores de Maurício. Monumento no Jardim Botânico de Pamplemousses.
    Fotos H. Hülskath

 

Revista Brasil-Europa - Correspondência Euro-Brasileira 123/2 (2010:1)
Prof. Dr. A.A.Bispo, Dr. H. Hülskath (editores) e Conselho científico
órgão de
Brasil-Europa: Organização de estudos teóricos de processos interculturais e estudos culturais nas relações internacionais (reg.1968)
- Academia Brasil-Europa -

e institutos integrados

© 1989 by ISMPS e.V. © Internet-edição 1998 e anos seguintes © 2010 by ISMPS e.V. Todos os direitos reservados
ISSN 1866-203X - urn:nbn:de:0161-2008020501

Doc. N° 2536


©


Submersões e emersões

"Teoria do Índico" sob enfoques euro-brasileiros


Do programa da Academia Brasil-Europa
Atlântico-Pacífico de atualização dos estudos culturais transatlânticos e interamericanos
Ciclo de estudos nas ilhas Maurício, 2009
sob a direção de A.A.Bispo

 

_________________________________________________________________________________________________________________________________


Índice da edição     Índice geral     Portal Brasil-Europa     Academia     Contato     Convite     Impressum     Editor     Estatística     Atualidades

_________________________________________________________________________________________________________________________________