Ivo Cruz: Essencial sobre a Ópera em Portugal. Revista BRASIL-EUROPA 123. ACADEMIA BRASIL-EUROPA. Bispo, A.A. (Ed.) e Conselho Especializado. Organização de estudos culturais em relações internacionais.

 
 



A Imprensa Nacional-Casa da Moeda de Portugal vem publicando uma série denominada de Colecção Essencial, que já inclui uma centena de títulos. Com esse empreendimento, procura-se propagar conhecimentos de forma ampla, através de  pequenos livros, em dimensões e volume, sem cunho especificamente acadêmico e científico, mas contendo exposições bem fundamentados sobre determinados temas, escritas por autores especializados. Trata-se, assim, de um empreendimento de cunho de difusão cultural, educativo no sentido amplo do termo, democratizador do saber, e como tal merece ser considerado em instituição que se dedica ao exame de processos difusivos.


Grande parte dos títulos diz respeito a determinadas personalidades. Entre elas, já foram considerados, entre outros, os seguintes nomes: Irene Lisboa, Antero de Quental, Josefa d'Óbidos, Mário de Sá-Carneiro, Fernando Pessoa, Gil Vicente, Carolina Michaelis de Vasconcelos, Vitorino Nemésio, Eugénio de Andrade, Nuno Gonçalves, Jorge de Sena, Bartolomeu Dias, Jaime Cortesão, José Saramago, André Falcão de Resende, Fernando Lopes Graça, Ramalho Ortigão, Fidelino Figueiredo, Jaime Batalha Reis, Francisco de Lacerda, Raul Brandão, Teixeira de Pascoaes, Tomaz de Figueiredo, Eça de Queirós, José Régio, António Nobre, Almeida Garrett, Delfim Santos, Fialho de Almeida, Oliveira Martins, Miguel Torga, Almada Negreiros, Eduardo Lourenço, Mouzinho da Silvera, Sílvio Lima, Wenceslau de Moraes, Amadeo de Souza Cardoso, Adolfo Casais Monteiro, Jaime Salazar Sampaio, Rafael Bordalo Pinheiro, Francisco de Holanda, Fernando Gil, António de Navarro, Eudoro de Sousa, Bernardim Ribeiro, Columbano Bordalo Pinheiro, António Pedro, Sottomayor Cardia, Camilo Pessanha e António José Brandão.


Como se constata dessa série de nomes, além daqueles de vultos históricos, destacam-se os de literatos, músicos, intelectuais e estudiosos da cultura em geral, alguns deles caídos no esquecimento, o que empresta à série particular interesse sob o ponto de vista dos estudos culturais. Dentre os vários títulos referentes a complexos temáticos e áreas disciplinares salientam-se aqueles voltados a questões culturais portuguesas, tais como A Formação da Nacionalidade, A Cultura Medieval Portuguesa (Sécs. XI a XIV) e Os Provérbios Medievais Portugueses, de José Mattoso, Os Elementos Fundamentais da Cultura Portuguesa, de Jorge Dias, O Romanceiro Tradicional, de J. David Pinto-Correia, O Litoral Português, de Ilídio Alves de Araújo, A Arquitetura Barroca em Portugal, de Paulo Varela Gomes, Portugal e a Liberdade dos Mares, de Ana Maria Pereira Ferreira, A História das Matemáticas em Portugal, de J. Tiago de Oliveira, A Imprensa em Portugal, de João L. de Moraes Rocha, O Cancioneiro Narrativo Tradicional, de Luís Manuel A. V. Bernardo, A Literatura de Cordel Portuguesa, de Carlos Nogueira, e vários textos dedicados à Filosofia Política, de Paulo Ferreira da Cunha. A música está representada com alguns títulos, entre êles A Música Portuguesa Para Canto e Piano e A Música Tradicional Portuguesa, de José Bettencourt da Câmara.


No número 99 da coleção, publicou-se a obra "O essencial sobra a Ópera em Portugal", de autoria de Manuel Ivo Cruz, regente e especialista em música portuguesa, um dos mais renomados representantes da vida musical portuguesa e que, tendo atuado decisivamente na vida lírica do país das últimas décadas, surge como personalidade da mais alta competência para a oferecer, de forma concentrada, um panorama dos conhecimentos relativamente à ópera em Portugal.


O autor desenvolve a sua exposição basicamente a partir de uma perspectiva histórica. Parte de considerações suscintas sobre o início da história do gênero, logo passando para a sua afirmação em Portugal, na primeira metade do século XVIII, sob D. João V, cujas preocupações musicais descreve. Considera em especial Francisco António de Almeida, a sua primeira ópera, La Pazienza di Socrate, assim como La Spinalba, a mais importante obra do compositor. A seguir, trata de António Teixeira e António José da Silva, "O Judeu", de suas óperas, do seu significado como dramaturgo, entrando no problema da autoria das partituras de Guerras do Alecrim e Manjerona de de As Variedades de Proteu. Já aqui se manifesta um dos aspectos mais relevantes do texto, ou seja, a constante referência à situação da pesquisa atual e à integração das obras na vida musical contemporânea, possibilitada pela experiência de vida do autor. Menciona assim recuperações de Filipe de Sousa e as estréias modernas das obras tratadas, em 1968, pela Companhia Portuguesa de Ópera do Teatro da Trindade, fundada pelo Dr. Serra Formigal, personalidade sempre lembrada no texto, em 1972, pelo Teatro de São Carlos.


Voltando ao desenvolvimento histórico, passa a descrever o extraordinário incremento da ópera no reinado de D. José, considerando-o no contexto da atuação de David Perez, a partir de 1752, e à luz de contrato estabelecido com o compositor napolitano N. Jomelli. Salienta como particularmente relevante o fato de que vários portugueses realizaram estudos na Itália, em particular em Nápoles.  Lembra em poucas linhas o régio teatro mandado construir por D. José, o mais espetacular da Europa, destruído no terremoto de Lisboa. Uma exposição mais extensa é dedicada a João de Sousa Carvalho, sucessor de David Perez, e que teria sido aquele que concretizara a passagem da estética barroca à fase rococó. Estabelecendo a ponte com a vida musical mais recente, lembra que a sua ópera mais divulgada, O Amor Industrioso, voltou à cena em 1943, no Teatro Nacional de São Carlos, integrada no Festival Comemorativo dos 150 anos do Teatro e, em 1967, na mesma casa de espetáculos, sob a direção de Filipe de Sousa. Considerando o período de D. Maria I, dirige a sua atenção à inauguração do Teatro do Salitre, em 1782, onde Leal Moreira e Marcos Portugal iniciaram as suas carreiras.


Trata mais pormenorizadamente, a seguir, do Real Teatro de São Carlos, inserindo a sua construção no contexto histórico-político da época, mencionando seus mecenas, seu arquiteto (José da Costa e Silva), as suas características, o seu primeiro maestro-diretor, António Leal Moreira, dirigindo aqui a sua atenção à obra A Vingança da Cigana. Salienta que essa composição, revista por Filipe de Sousa, foi realizada em 1964, sendo encenada no Teatro da Trindade, passando a fazer parte do repertório permanente da Companhia Portuguesa de Ópera e sendo também apresentada em Brasília, em 1983. Dirigindo a atenção do leitor ao Porto, menciona o Teatro do Corpo da Guarda, que iniciou as suas atividades em 1760, e o Real Teatro de S. João, construído a partir de 1796 e inaugurado em 1798. Considera o seu programa da inauguração, lembrando do incêndio de 1908, que destruiu a sala e os seus arquivos, onde se conservavam manuscritos do mais alto valor.


A partir daqui, o autor discorre sobre a "Expansão Cultural no Mundo Lusófono", emprestando particular atenção à atividade operística no Brasil. Aqui, salienta a existência de várias casas de ópera e o repertório então cultivado. Também neste contexto insere a sua própria experiência como músico e estudioso, referindo-se a uma visita que fêz a Pirenópolis, quando constatou a continuidade de tradições de representações operísticas. Como um excurso justificável em texto dirigido à arte lírica, o autor trata da Modinha como contribuição importante "do mundo lusíada para o mundo da música em geral". (pág. 44)


Na consideração do século XIX, no qual o autor é especialista em particular, parte do vulto de Marcos Portugal (1762-1830). Lembra que, de todo o repertório operístico legado por Marcos Portugal, no século XX apenas se representaram algumas obras, entre elas Ouro não Compra Amor, dirigida por Pedro de Freitas Branco, em 1953, e As Damas Trocadas, em 1994, sob a regência do autor. Dando continuidade ao desenvolvimento operístico do século XIX, considera as principais tendências do movimento lírico português e as mais significativas obras de seus compositores. Dessa produção, salienta Serrana (1899), de Alfredo Keil, como a única grande composição oitocentista de autor português (com exceção de Bontempo) que continuou a ser apresentada em várias cidades portuguesas, no Brasil e até mesmo na Alemanha. Uma particular atenção merece o fato de o autor ter recordado o compositor Oscr da Silva, autor de música para o Auto Pastoril, de Gil Vicente.


No capítulo dedicado ao século XX e ao tempo presente, cita várias óperas de compositores nacionais, entre elas Amor de Perdição, de João Arroyo, estreiada em 1907, cantada em Hamburgo (1910) e realizada novamente em 1948,  e La Borghesina, de Augusto Machado (1908), executada em versão concertante em 1999. Uma especial consideração dedica a Rui Coelho (1892-1986), apreciando-o como "o compositor português moderno que mais se dedicou ao teatro cantado, procurando estabelecer na nossa cultura uma linguagem lírica própria, ligada à História e aos valores literários" (pág. 56).


De particular interesse surge, no tratamento do período mais recente, as observações do autor que refletem a sua própria vivência. Lembra que, em 1991, iniciou-se no São Carlos e em teatros italianos uma colaboração com José Saramago, como libretista, e o compositor Azio Corghi. Menciona vários compositores e obras, referindo-se às obras de Eurico Carrapatoso e Emmanuel Nunes. Passa a considerar o histórico do Teatro da Trindade, em Lisboa, inaugurado em 1867, salientando o fato singular de continuar até hoje mantendo uma grande atividade. Tendo sido adquirido pela FNAT (INATEL), em 1962, passou a sediar a Companhia Portuguesa de Ópera, empreendimento que funciou até 1975. A esse período, que o autor considera como extraordinariamente importante, dedica todo um capítulo, denominado de "Momentos altos na história do profissionalismo lírico em Portugal".


Quanto ao Porto, oferece um informativo panorama das iniciativas privadas que marcaram a história mais recente do cultivo do gênero lírico. Parte do Grupo Experimental de Ópera de Câmara, na década de 60, lembra o Círculo Portuense de Ópera, fundado por Günther Arglebe, em 1966, e a Companhia do Teatro Musicado, criada pelo próprio autor e o cantor Hugo Casaes.


Dos anos mais recentes, lembra da sua própria atuação, juntamente com Armando Vidal e a cantora Elsa Saque, na criação da Ópera de Câmara do Real Teatro de Queluz, em 1991. Menciona também a "Ginásio Ópera", fundada por João Maria de Freitas Branco, em 2001, a associação "Eventos Ibéricos", criada pelo tenor Pedro Chaves e, em 2002, a sociedade "Amar as Artes", criada pelo barítono Manuel Pedro Nunes. Um capítulo especial é dedicado à opereta, salientando a forte tradição portuguesa de "peças com música", e que teria levado à revista de épocas mais recentes. Faz especial referências a alguns compositores, entre eles a Joaquim Casimiro (1808-1862).


Quanto aos momentos altos na história do profissionalismo lírico em Portugal, cita dois períodos particularmente gratificantes, correspondentes às atividades da Companhia Portuguesa de Ópera do Teatro da Trindade e da Companhia Residente do Teatro Nacional de São Carlos. Volta a tratar, agora mais pormenorizadamente do Teatro da Trindade, mencionando as suas principais datas e as obras realizadas, assim como a sua restauração, ocorrida em 1966. A Companhia Portuguesa de Ópera do Teatro da Trindade foi "compulsivamente" extinta em 1975, apesar de ter sido o mais criterioso projeto nacional do gênero. Hoje, levantam-se vozes para o restabelecimento da atividade regular da Companhia.


Quanto ao Teatro de São Carlos, considera a sua estabilização a partir dos anos 40, sobretudo sob a ação de José Duarte de Figueiredo. Dedica maiores considerações à época da direção de João Paes, quando o teatro tornou-se um teatro lírico de produção própria copm o início da Companhia Residencial. Esse período representou uma fase de estabilização da vida profissional dos músicos portugueses, ameaçada com a extinção da Companhia Portuguesa de Ópera do Teatro da Trindade. Voltando a mencionar José Manuel Serra Formigal, sucessor de João Paes, a partir de 1982, lembra que contou com a colaboração do pesquisador Mário Moreau e, posteriormente, de João de Freitas Branco. Critica a administração iniciada em 1989, e que levou à extinção da Companhia Residente: "Encerrou-se assim um importante período de actividade lírica profissional continuada dos cantores portugueses, iniciado na Companhia de Óperas do Trindade m 1963, prosseguido na Companhia Residente do São Carlos" (pág. 77-78).


Por fim, o autor cita algumas estreias tardias, entre elas a do Auto de Coimbra, do Pe. Manuel Faria (1916-1983), destinada a comemorar o IX Centenário da Reconquista de Coimbra, realizada pela Ópera de Câmara do Real Theatro de Queluz, em 2004. Considera algumas escolas de música, com o repertório lírico que realizaram, e o Conservatório Superior de Gaia, onde o Estúdio de Ópera da instituição apresentou, em 2007, a ópera Irene, de Alfredo Keil. Terminando a sua exposição, o autor refere-se ao papel desempenhado pela RTP e pela RDP na difusão da arte lírica em Portugal, ao concurso de óperas curtas promovido pelo Teatro Municipal de São Luiz e aos "Concursos de Canto Luísa Todi", realizados em Setúbal.


A.A.B.


Revista Brasil-Europa - Correspondência Euro-Brasileira 123/22 (2010:1)
Prof. Dr. A.A.Bispo, Dr. H. Hülskath (editores) e Conselho científico
órgão de
Brasil-Europa: Organização de estudos teóricos de processos interculturais e estudos culturais nas relações internacionais (reg.1968)
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Doc. N° 2558


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Publicações




  1. Ivo Cruz, Manuel. O essencial sobre a Ópera em Portugal. Imprensa Nacional - Casa da Moeda. Lisboa, 2008,85 págs, ISBN 978-972-27-1598-0

 

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