Filatelia: MAURÍCIO. Revista BRASIL-EUROPA 123. ACADEMIA BRASIL-EUROPA. Bispo, A.A. (Ed.) e Conselho Especializado. Organização de estudos culturais em relações internacionais

 
 
Estudos culturais que procurem examinar relações e paralelos entre o Brasil e o Maurício não podem deixar de considerar o desenvolvimento dos correios e de outros meios de comunicação dos dois países com a Europa. Significativamente, é justamente na área da filatelia que os dois países são mencionados com uma certa proximidade dado o valor de seus sêlos históricos, em particular o Olho de Boi, do Brasil, de 1843, e o Blue e Red Penny, de Maurício, de 1847.


Sob a perspectiva dos estudos culturais, esse fato chama a atenção para a inserção de ambas as emissões em contextos globais, em particular ao papel desempenhado pela Inglaterra nos dois países, um, Império independente, outro, colonia britânica. Não é sem significado o fato de que maiores coleções de sêlos se encontrem em Londres, respectivamente em propriedade da Rainha Elisabeth II e do British Museum.


Em Maurício, o significado histórico-cultural do desenvolvimento postal para o país parece estar mais presente na consciência geral do que no Brasil. Esse fato explica-se pela localização das ilhas do Índico, distantes de continentes, de difícil comunicação com os grandes centros. Por essa razão, uma das principais instituições museológicas de Port Louis é o Museu dos Correios, instalado no edifício da agência central, na zona portuária, hoje fachada marítima da capital. Esse museu não é porém dedicado apenas à história postal, mas sim a seus vínculos com a história do desenvolvimento das comunicações internas e internacionais do país, em particular das ferrovias e das ligações aéreas. A concepção do museu possui assim um cunho acentuadamente histórico-cultural e que merece ser considerada a partir de outras focalizações de contextos, possibilitando o reconhecimento de paralelos e de desenvolvimentos comuns.


Blue e Red Penny


Se a primeira série de selos emitidos pelo Brasil foi a terceira do mundo, a dos Blue e Red Penny de Maurício foi a quinta e a primeira produzida numa colonia. A diferença da tiragem entre os dois casos foi grande. O Olho de Boi de 30 Réis, que deveria ter sido impresso em 6.000.000 unidades, obteve uma tiragem de 1.148.994; o de 60 Réis, foi impresso em 1.502.142 exemplares, o de 90 Réis, dedicado ao correio internacional, alcançou uma tiragem de 349.182 unidades. Em Maurício, imprimiram-se inicialmente apenas 500 exemplares de cada valor. Foram impressos por unidade e segundo a côr. A maior parte deles foi utilizada por ocasião de um baile oferecido pela espôsa do governador, a 30 de setembro de 1847. O secretário colonial ordenou a seguir a realização de duas placas suplementares, com 12 gravuras de cada sêlo, possibilitando a impressão de uma tiragem maior. Essas placas estiveram em uso por 11 anos. Passaram a ter como carimbo, no lugar de Post Office, a expressão Post paid. Hoje, existem apenas 27 exemplares do Blue e do Red Penny. Dois desses exemplares se encontram em Maurício. Esse pequeno número explica o valor desses sêlos.


Comunicação em diferentes épocas coloniais


A exposição do museu postal de Port Louis parte da história da comunicação postal à época anterior à presença inglêsa na ilha. Considera, assim, o período holandês, de 1598 a 1710, e o francês, de 1715 a 1810. Relativamente à época holandêsa, recorda-se que, ao redor de 1638, apenas ca. de 200 habitantes residiam na ilha. Os arquivos dos Países Baixos, que possuem documentos com referências à Tonneliers Island, chamada então de Kuipers Eylandt, testemunham a existência de um depósito para a recepção e expedição de correspondência. As cartas eram colocadas em garrafas amarradas em árvores, sendo esvaziadas e preenchidas pelos marinheiros que ali aportavam.


Com a tomada de posse pelos francêses, a então Île de France, assim como Bourbon (Réunion), passou a ser administrada pela Companhia Francesa da Índias Orientais, e, a partir de 1767, por um governador. Como administrador, o govêrno recebia as correspondências vindas de fora e as redistribuia. A França possuía uma tradição de emissão de recibos de pagamento de porte, uma vez que o primeiro "Billet de post payé" foi impresso por De Valayer, em 1653, arrendador do Correio de Paris.


Em 1772, iniciou-se o serviço postal insular a partir das atividades de Nicolas Lambert (1741-1806), diretor da imprensa real. Esse serviço foi uma decorrência da edição de um primeiro jornal de informações coloniais, em 1773, o Annonces, Affiches et Avis divers pour les colonies des Isles de France et de Bourbon, e que necessitava ser entregue a seus subscritores. Já em 1775, nomeou-se um diretor para a administração dos serviços postais independentemente das tarefas da imprensa dessa fôlha. Em 1790, estabeleceu-se um correio central em Port Louis, secundado por agências rurais, situadas em cada cantão.


Essa organização interna dos serviços postais foi prejudicada com a mudança administrativa causada pela Revolução Francesa. A rêde de agências rurais foi abolida, com prejuízo para os serviços internos e o intercâmbio com o Exterior. Essa situação foi agravada com o bloqueio britânico, em 1804. A história interna das comunicações insulares e a troca de informações do Índico com a Europa correlatou-se assim com a história política da França nas suas relações com as outras nações européias.


Desenvolvimento sob os inglêses


Uma nova e decisiva fase na história das comunicações internacionais deu-se já sob a administração britânica. A necessidade de um aumento de efetividade nos contatos com as colonias e nas próprias colonias a serviço do desenvolvimento econômico e da garantia do poder levou a novas medidas de melhor organização postal. Os primeiros sêlos adesivos foram impressos na Inglaterra segundo sugestão de R. Hill, a 6 de maio de 1840.


Sendo Maurício a colonia mais produtiva do império britânico, e em época de substituição do trabalho escravo pelo de trabalhadores vindos de outras regiões, sobretudo da Índia, tornou-se necessária uma melhoria das comunicações internas e externas da ilha. Procedeu-se assim, em 1846, sob o govêrno de Maynard Gomm (1842-1849) a uma reforma destinada a aumentar a efetividade dos serviços (ordenança n° 13).


A reforma do serviço central ficou a cargo de Stuart Brownrigg, apoiado por seis empregados, carteiros e "convicts". Procurou-se criar uma rêde de distribuição, instaladas em lojas, com serviços fora das atividades principais. Uma das principais inovações foi a do estabelecimento do sistema de pagamento prévio, já estabelecido na Grã-Bretanha em 1840, no Brasil e na Suíça em 1843 e na América do Norte, em 1847. De acordo com a ordenança de 1847, conceberam-se os primeiros sêlos adesivos, impressos por Joseph Osmond Barnard em setembro daquele ano.   Com referência ao baile organizado pela espôsa do governador, para o qual foram utilizados quase todos os sêlos primeiramente impressos, há referências no jornal local, de 30 de setembro de 1847.


Ball at Government House Police Notice. Ladies and Gentlemen attending the Ball at Government House, to-morrow the 30th Instant, are requestet to desire their coachmen to set down with their horses heads towards the sea and to drive off by Royal street or the Chaussée. No carriages will be allowed to proceed to Government House either from the Chaussée or Royal street.

After the Ball they will take up in the same way.

General Police Office, 29th Septemger 1847

C. Anderson, Chief Commissary


Se os primeiros sêlos foram impressos na própria ilha, no ano seguinte fêz-se um contrato com Percon, Bacon and Co. para a impressão de sêlos na Inglaterra. A primeira encomenda chegou a Maurício em 1849. A partir daí, com poucas exceções, os sêlos passaram a ser impressos na Grã-Bretanha.



Transporte postal e ferrovias


Se Maurício hoje não possui rêde ferroviária, sendo o tráfego suspenso desde 1964 (o de passageiros já em 1956), esse não foi a situação do passado. Uma das características da administração britânica foi a implantação de ferrovias, a ser considerada dentro da sua estrategia ampla de desenvolvimento colonial.


Antes da introdução da estrada de ferro em Maurício, o transporte - também o postal - era feito por 4500 veículos de carga e carruagens de uso das feitorias de açúcar, então em número de 262. A intensificação da produção, do comércio e a mudança populacional levaram ao desenvolvimento de meios de transportes mais eficientes. Maurício tornou-se assim a primeira colônia inglêsa a possuir uma estrada de ferro, inaugurada a 21 de maio de 1864. A colônia chegou a possuir uma rêde de 156 milhas. Se antes da ferrovia havia 8 agências postais na ilha, em 1875 já operavam 33 e, ao redor da passagem do século, havia uma agência de correio em cada estação. Essas agências fechavam ca. de meia hora antes da chegada do vagão postal, de modo que os funcionários tinham tempo para preparar a remessa.


Ligações aéreas e correio postal


O museu de Port Louis oferece um panorama do desenvolvimento das comunicações de Maurício e das ilhas adjacentes com a Europa no período posterior à implantação das ferroviais, salientando aqui a telegrafia e as ligações aéreas.


Após a Segunda Guerra Mundial, as primeiras linhas áeras comerciais partiam do aeroporto Pleasance no sudeste da ilha. Em 1946, a Air France estabeleceu o primeiro vôo semanal que passou a ligar Maurício à Kenya. Daqui, o correio era enviado à Europa. A partir de 1949, a Air France passou a realizar um vôo direto de Maurício à Europa, em 1948, a Skyways passou a oferecer uma conexão direta a Kenya. Em 1952, a Qantas inaugurou a linha entre a Africa do Sul e Australia via Mauritius. Assim, do elo inicial que unia a ilha à Europa via África, criou-se gradativamente uma rêde diferenciada de relações em diferentes regiões.


Comunicação com outras ilhas. Rodrigues, Agaléga e Saint Brandon


O museu postal de Port Louis oferece informações a respeito do desenvolvimento e do significado das comunicações com as outras ilhas pertencentes ao país. Rodrigues, situada a 340 milhas ao nordeste de Mauritius, teve o seu primeiro correio aberto em 1861, em Port Mathurin. Não havendo entrega doméstica, o sistema empregado era o da distribuição aos gritos após a chegada do navio com a correspondência, o assim-chamado "Crié-Shout". A população, reunida em frente da agência após a chegada do navio, recebia as cartas após terem sido os nomes dos endereçados anunciados pelos funcionários.


Agaléga, localizada a 1000 km ao norte de Mauritius, tem a sua comunicação com Mauritius possibilitada por ligações marítimas e aéreas. Ao contrário, as ilhas e ilhotas do arquipélago de Saint Brandon, oficialmente Cargados Caragos, localizado a ca. de 350 km de Mauritius, podem ser apenas alcançadas por via marítima.


Um desenvolvimento mais recente que o museu considera é a integração de serviço financeiro nas tarefas dos correios segundo projeto da Outer Islands Development Corporation.


O museu postal de Port Louis estabelece assim um amplo panorama que relaciona vários aspectos da história das comunicações internas das ilhas do Índico e dessas com a Europa, inserindo-as em contextos políticos e administrativos mais amplos e considerando as suas repercussões na vida do quotidiano dessas populações. Na exposição de sêlos anexa ao museu, o Brasil também se encontra representado.

(...)


       


F. Söhn e grupo redatorial sob a direção de A.A.Bispo


  1. Observação: o texto aqui publicado oferece apenas um relato suscinto de trabalhos. Não tendo o cunho de estudo ou ensaio, não inclui aparato científico. O seu escopo deve ser considerado no contexto geral deste número da revista. Pede-se ao leitor que se oriente segundo o índice desta edição e o índice geral da revista (acesso acima). Pede-se ao leitor, sobretudo, que se oriente segundo os objetivos e a estrutura da Organização Brasil-Europa, visitando a página principal, de onde obterá uma visão geral e de onde poderá alcançar os demais ítens relativos à Academia Brasil-Europa de Ciência da Cultura e da Ciência (culturologia e sociologia da ciência), a seus institutos integrados de pesquisa e aos Centros de Estudos Culturais Brasil-Europa: http://www.brasil-europa.eu


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  3. Não deve ser confundida com outras instituições, publicações, iniciativas de fundações, academias de letras ou outras páginas da Internet que passaram a utilizar-se de designações similares.

 






  1. Imagens do Museu Postal de Port Louis. Fotos H. Hülskath

 

Revista Brasil-Europa - Correspondência Euro-Brasileira 123/10 (2010:1)
Prof. Dr. A.A.Bispo, Dr. H. Hülskath (editores) e Conselho científico
órgão de
Brasil-Europa: Organização de estudos teóricos de processos interculturais e estudos culturais nas relações internacionais (reg.1968)
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Doc. N° 2544


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Administração inglêsa e desenvolvimento das vias de comunicação

Brasil e Maurício na filatelia


Do programa da Academia Brasil-Europa Atlântico-Pacífico de atualização dos estudos culturais transatlânticos e interamericanos
Ciclo de estudos nas ilhas Maurício, 2009
sob a direção de A.A.Bispo

 

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