Darwiin em MAURÍCIO. Revista BRASIL-EUROPA 123. ACADEMIA BRASIL-EUROPA. Bispo, A.A. (Ed.) e Conselho Especializado. Organização de estudos culturais em relações internacionais

 
 

Dentre as datas comemoradas em 2009 que tiveram especial repercussão nos meios voltados a estudos da história das ciências e da cultura destacou-se a do bicentenário de Ch. R. Darwin. Para os estudos euro-brasileiros, Darwin assume um papel relevante, uma vez que esteve no país, tendo mantido posteriormente estreito relacionamento com um teuto-brasileiro, Fritz Müller. A troca de idéias e conhecimentos entre Darwin e esse pesquisador que vivia no Brasil não deixaria de ter significado para o desenvolvimento da Teoria da Evolução. (Veja artigos no número 119 desta revista)

O estudo do pensamento científico-natural do século XIX, com todas as suas consequências para visões do mundo e para a filosofia cultural, não pode deixar de ser conduzido a partir de uma perspectiva que considere contextos globais. A inserção desse estudo no contexto da história política e cultural da época, em particular da ação européia no Hemisfério Sul, representa uma exigência para a compreensão adequada de seus pressupostos, do seu vir-a-ser e das suas consequências. Por essa razão, a A.B.E. desenvolveu uma série de estudos dedicada à presença de Darwin em regiões extra-européias, procurando considerar as suas experiências e observações nas esferas do Atlântico e do Pacífico, relacionando-as.

Tendo pisado pela primeira vez solo tropical no Brasil, as impressões do então jovem pesquisador em outras regiões não poderiam ter deixado de trazer a marca dessa sua vivência e de convicções e idéias dela resultantes. A presença de Darwin em outras regiões do continente americano, na Austrália e em outras partes do mundo poderiam ser assim consideradas à luz da sua estadia no Brasil. Para encerrar esse ciclo de estudos dedicado ao "Ano Darwin 2009", considerou-se a presença de Darwin no Índico, mais especificamente em Maurício.

Musicalidade da paisagem

A respeito das impressões e observações de Darwin da antiga Île de France dispõe-se também aqui sobretudo de informações oferecidas pelo próprio pesquisador. Um particular interesse desses registros para os estudos euro-brasileiros pode ser deduzido do fato de aqui Darwin ter encontrado uma natureza que lembrava muito mais aquela que conhecera no Brasil do que a da Austrália. O texto de Darwin referente a Maurício foi recentemente relembrado em publicação dedicada aos viajantes que estiveram na ilha (Travellers: Classic journals & accounts of travellers to Mauritius, Mauritiana: Christian le Comte, 2008, 39-44)

Darwin chegou a Maurício no dia 29 de abril de 1836. Navegando ao redor do norte da ilha, a sua primeira impressão correspondeu às expectativas que tinha a respeito da sua beleza. Trazia consigo as imagens que a Îsle de France tinha na Europa como uma das mais belas regiões da terra. Darwin traçou aqui, com palavras, um quadro marcado pela harmonia de oposições, constituídas estas pelas planícies e pelas montanhas, pelas terras baixas cultivadas e por aquelas ainda cobertas de florestas das serras. Oferece, assim, uma espécie de descrição musical, uma partitura, uma expressão de elos entre concepções musicais e visões da paisagem tão comum na sua época, e na qual menciona também por assim dizer a instrumentação, o colorido tímbrico do todo.

As terras planas de Pamplemousses, intercaladas com casas, oferecia-se ao observador colorida pelas grandes plantações de cana de açúcar. A Darwin pareceu que essas plantações eram de um verde particularmente brilhante, um fato que seria singular, uma vez que essa cor se apresentaria de tal forma intensa apenas a curta distância. A luz porém que irradiava dos canaviais de Pamplemousses poderia ser percebida à distância.

Em direção do centro da ilha, grupos de montanhas cobertas de florestas elevavam-se das terras cultivadas, com picos agudos, como de comum em terras de antiga formação vulcânica. Massas de nuvens brancas cercavam os cumes. A paisagem da ilha possuía uma moldura montanhosa. O cenário oferecia-se como harmonioso, as linhas sugeriam uma elegância perfeita.

"April 29th. In the morning we passed round the northern end of Mauritius, or the Isle of France. From this point of view the aspect of the island equalled the expectations raised by the many well-known descriptions of its beautiful scenery. The sloping plain of the Pamplemousses, interspersed with houses, and coloured by the large fields of sugar cane of a bright green, composed the foreground. The brilliancy of the green was the more remarkable because it is a colour which generally is conspicuous only from a very short distance." (...) The whole island, with its sloping border and central mountains, was adorned with an air of perfect elegance: the scenery, if I may use such an expression, appeared to the sight harmonious." (op.cit. 39)

Cultura francesa sob administração inglêsa

Darwin passou grande parte do dia 30 de abril em passeios ao redor da cidade e em visitas. A cidade pareceu-lhe contar ca. de 20000 habitantes, tendo ruas limpas e regulares. Embora a ilha já estivesse há muitos anos sob a administração inglêsa, o caráter geral era francês. Os patrões inglêses falavam com os seus serviçais em francês, e este era o idioma do comércio. Para Darwin, Calais ou Boulogne, na França, seriam mais inglêsas do que Maurício. (loc.cit)

Darwin salientou o significado do teatro na capital de Maurício. Nêle levavam óperas em excelente execução. Surpreendeu-se em encontrar grandes lojas de livros, bem sortidas. Música e interesse pela leitura e pela cultura clássica eram muito maiores do que na Austrália e no continente americano. Com essa observação, Darwin sugere que a vida cultural e musical da antiga Île de France teria sido muito mais intensa do que a de outras cidades que conhecera, entre elas também Rio de Janeiro. Port Louis teria tido assim, num panorama global, uma vida lítero-musical e teatral mais intensa do que aquela que tinha sido sede da Côrte Portuguesa e que era a capital do Império brasileiro.

"There is a very pretty little theatre, in which operas are excellently performed. We were also surprised at seeing large booksellers'shops, with well-stored shelves; - music and reading bespeak our approach to the old world of civilization; for in truth both Australia and America are new worlds." (loc.cit.)

Essa apreciação de Darwin surpreende o observador que conhece a situação da vida cultural de Maurício e do Brasil no presente e serve, pelo menos, para chamar a atenção aos perigos de considerações retrospectivas do passado a partir de desenvolvimentos posteriores. Quem poderia supor que a Île de France pudesse ter tido uma vida cultural superior sob determinados aspectos àquela do Brasil, tal como sugerido por Darwin? A descrição da vida cultural da sociedade mauriciana que oferece indica uma configuração sócio-cultural por assim dizer submersa, cuja reconstrução surge como necessária para uma história cultural em contextos globais.

Diversidade étnica

A diversidade étnica das pessoas que se constatava nas ruas de Porto Louis constituia o mais interessante espetáculo para um visitante como Darwin. Embora tendo estado na Bahia e no Rio de Janeiro, essa diversidade étnica surpreendeu o observador inglês. Prisioneiros da Índia, banidos para ilha, à época ca. de 800, eram empregados em vários trabalhos públicos. Antes de tê-los visto, Darwin não julgara que os habitantes da Índia fossem pessoas de aparência tão nobre. Esses homens haviam sido banidos por atos que Darwin não consideraria como graves, tais como desobediência e má conduta, ou por práticas religiosas vistas como supersticiosas. Essas pessoas seriam em geral calmas e bem comportadas, de observância estrita de ritos religiosos. Os banidos indianos em Maurício seriam totalmente diferentes dos "convicts" de New South Wales, na Austrália. (op.cit. 40)

Da contemplação da natureza à geologia

No dia primeiro de maio, um domingo, excursionando pelo norte da capital, Darwin deparou-se com paisagens  que comparou com aquelas de Galápagos, do Tahiti e do Brasil. Maurício ocuparia nesse cotejo uma posição média. O todo seria muito aprazível, mas não teria o encanto do Tahiti ou a grandiosidade das paisagens brasileiras.

No dia dois de maio, subiu La Pouce, a montanha que se eleva próxima à cidade. Das impressões visuais, da apreciação da paisagem no seu todo, Darwin passou a considerações de interesse científico. Descreveu o centro da ilha como sendo uma grande plataforma, emoldurada por velhos blocos basálticos. Nas suas observações sobre a constituição geológica da ilha, registra a sua discordância a respeito das hipóteses relativas à formação de crateras de elevação. Não poderia acreditar que tais montanhas craterifórmicas marginais fossem meramente restos basais de vulcões imensos, dos quais os cumes tivessem explodidos ou caídos em abismos subterrâneos.

Da contemplação da natureza a conjunturas coloniais

Como Darwin salienta, de situações elevadas como a montanha de La Pouce, gozou de uma vista excelente de toda a ilha e que possibilitou uma visão geral do seu desenvolvimento. O país apareceu-lhe ser bem cultivado, dividido em campos e possuindo grandes casas de fazenda. Reconhecia estar numa colonia altamente produtiva.

Considerando a importância da exportação de açúcar, a ilha prometia vir a ser uma colonia de grande valor no futuro. Desde que a Inglaterra dela tomara posse, em período de apenas 25 anos, a exportação açúcar crescera consideravelmente.

Uma das principais causas dessa prosperidade residia no excelente estado das estradas. Na vizinha Ilha de Bourbon, onde permanecia a administração da França, as estradas encontravam-se ainda em estado deplorável. Embora os residentes franceses lucrassem com a prosperidade, o govêrno inglês estava longe de ser popular.

Com essas palavras, Darwin menciona a principal estrategia colonial inglêsa, ou seja, o desenvolvimento econômico do país a partir da melhoria da infra-estrutura, dos meios de transporte e comunicação. Nesse sentido, a administração britânica - pelo menos aos olhos não neutros de um leal súdito - diferenciava-se daquela dos franceses. Apesar de todas essas melhorias técnicas, porém, a população permanecia, na sua identidade cultural marcadamente de orientação francêsa, e isso ainda um quarto de século após a mudança de suserania.

Seria uma questão a ser tratada, porém, se esse elo com a França testemunhado por Darwin representava uma simples continuidade do passado colonial ou se já expressava uma nova fase do colonialismo francês, aquele que, com a perda do poder material causado pela derrota napoleônica, voltara-se decididamente à missão cultural. Ter-se-ia, nesse caso, uma situação similar àquela do Brasil, onde também houvera um incremento da ação cultural francêsa desde a Missão Artística de 1816.

Vida colonial inglêsa

No dia três de maio, Captain Lloyd, supervisor geral, bem conhecido na época por suas obras no ístmo do Panamá, convidou a Darwin e outra pessoa à sua casa de campo, situada no Wilhelm Plains, a cerca de 6 milhas do porto. Darwin ali permaneceu dois dias, registrando o aprazível da residência, rodeada de florestas e situada a 800 pés acima do nível do mar, o que tornava o ar fosse fresco e agradável.

No dia 5, Darwin foi levado pelo Captain Lloyd à Riviere Noire, a várias milhas em direção ao sul, para que pudesse examinar corais. Atravessaram jardins agradáveis e campos de acúcar, dos quais se elevavam montes de lava. As estradas eram ladeadas por cercas de mimosa e, próximas às zonas habitadas, por mangueiras, formando-se alamedas. As vistas eram extremamente pitorescas. Darwin sentia-se constantemente tentado a exclamar "How pleasant it would be to pass one's life in such quiet abodes!".

Captain Lloyd possuía um elefante, de modo que Darwin pôde fazer uma viagem à moda da Índia. Surpreendeu-se pelo caminhar silencioso dos animais. Era o único elefante na ilha, mas os inglêses pensavam em introduzir outros desses animais provenientes de seus domínios no subcontinente.

(...)

R. Möller e grupo redatorial sob a direção de A.A.Bispo


  1. Observação: o texto aqui publicado oferece apenas um relato suscinto de trabalhos. Não tendo o cunho de estudo ou ensaio, não inclui aparato científico. O seu escopo deve ser considerado no contexto geral deste número da revista. Pede-se ao leitor que se oriente segundo o índice desta edição e o índice geral da revista (acesso acima). Pede-se ao leitor, sobretudo, que se oriente segundo os objetivos e a estrutura da Organização Brasil-Europa, visitando a página principal, de onde obterá uma visão geral e de onde poderá alcançar os demais ítens relativos à Academia Brasil-Europa de Ciência da Cultura e da Ciência (culturologia e sociologia da ciência), a seus institutos integrados de pesquisa e aos Centros de Estudos Culturais Brasil-Europa: http://www.brasil-europa.eu


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  1. Imagens de Trou aux Cerfs, Chamarel, Black River Gorges, Plaine Champagne. Fotos H. Hülskath

Imagens do Domaine de l'Étoile. Fotos H. Hülskath
 

Revista Brasil-Europa - Correspondência Euro-Brasileira 123/8 (2010:1)
Prof. Dr. A.A.Bispo, Dr. H. Hülskath (editores) e Conselho científico
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Doc. N° 2542


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Índico na história britânica da observação da Natureza

Charles R. Darwin (1809-1882) em Maurício

"It is a very pleasant country, but it has not the charms of Tahiti, or the grandeur of Brazil"

Encerramento do ciclo de estudos desenvolvido pelo Ano Darwin 2009 da Academia Brasil-Europa
Programa da Academia Brasil-Europa
Atlântico-Pacífico de atualização dos estudos culturais transatlânticos e interamericanos
Ciclo de estudos na Ilha Maurício, 2009
sob a direção de A.A.Bispo

 

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