A. Duarte: Burle Marx. Revista BRASIL-EUROPA 123. ACADEMIA BRASIL-EUROPA. Bispo, A.A. (Ed.) e Conselho Especializado. Organização de estudos culturais em relações internacionais

 
 


                                                                                           

     No início do século XIX a Província de Pernambuco recebia uma grande quantidade de estrangeiros. Diariamente, vários navios chegavam em Recife com viajantes. Na sua maioria eram europeus. O movimento das ruas era frenético, comerciantes portugueses, ingleses e franceses1 que chegavam, vindos do Velho Mundo, sobretudo a partir da chegada da família real para o Brasil, em 1808. Nas ruas não se viam mulheres, estas saiam muito pouco, quase sempre aos domingos; excepcionalmente eram vistas nas suas liteiras ou podiam ser percebidas atrás das treliças de suas janelas. Negros também podiam ser vistos, desembarcando dos navios e colocados expostos à venda, para depois serem levados para os engenhos de açúcar. Entre os estrangeiros que chegaram a Pernambuco entre 1817 e 1823, estava o jovem negociante francês Joseph Isidoro Burle, nascido em 17992 na cidade de Arles3 , em Aix-Provence. 

                                   

                               
                             

Fotos de Joseph Isidoro Burle e de sua esposa Joaquina Peres Campello, anteriores a 1871. Pertencem à Coleção Francisco Rodrigues -
Departamento de Iconografia da Fundação Joaquim Nabuco, n° do Registro 1127

 


     O francês Joseph Isidoro Burle era o bisavô de Burle Marx. Casou-se com Joaquina Peres Campello, moradora da freguesia da Boa Vista. Descrevo abaixo o assentamento de seu casamento (lv..4 fl. 265 de agosto de 1825):


     Aos vinte e dois de agosto de mil oitocentos e vinte e quatro, em oratório privado, feito as denunciações na forma do Sagrado Concílio Tritentino nesta freguesia e nas imediações do Recife e Boa Vista, em um dia festivo dou licença por despacho do Reverendo Vigário Capitular, tendo o nubentes justificado estado livre no lugar de sua origem e dado fiança ao proclamas do dito, como consta do mandato do casamento  que proclamei do despacho feito sem descobrir impedimento algum, de minha licença o Reverendo Francisco do Rego Barros e das testemunhas Manoel Ricou e Miguel Correa Castanheda, moradores nesta freguesia casarão Jose Isidoro Burle, natural do arcebispado de Aix, e morador nesta freguesia filho de Joseph Burle e Claire Arnier, com Joaquina Peres Campello, natural e moradora nesta freguesia, filha de Maria da Penha Torres. O ditto padre lhe deu a bênção conforme o ritto da Santa Madre Igreja. Do que mandei fazer este assento e por verdade assignei.

Cônego Vigário Henrique de Rezende.


     Após o casamento, Joseph Isidoro Burle e sua esposa fixaram residência na freguesia de Santo Antônio. Só anos depois partiram para residir na casa de sua esposa,que ficava em Apipucos, nos arredores do Recife, que então pertencia à Freguesia do Poço da Panella. Apipucos, naquela época, atraia um grande número de pessoas, suas águas e seus banhos medicinais eram famosos em toda a Província. 


     O primogênito dos Burles (avô de Burle Marx) chamava-se Joseph Burle Filho. Nasceu em 22 de maio de 1826 no Recife. Casou-se com Maria Augusta Soares de Souza na Freguesia de Nossa Senhora das Dores do Poço da Panella.

                                                   

                                
 
                              

Fotos de Joseph Burle (filho), da Coleção Francisco Rodrigues -
FUNDAJ e do arquivo de Ann Buyers relativo à família Burle Dubeux

 


                                                               

     Conforme nota de Mary Lorimer4 :


  1.     “ O Senhor Joseph Burle (cazuza), irmão de Dona Josephina Burle Dubeux construiu a sua casa, hoje da família Tasso, e uma das suas filhas casou com o Dr. Alfredo Lisboa, que tanto fez em 1906,  pela capela de Nossa Senhora das Dores.”5


                                                  


Álbum dos Burle Dubeux- Instituto Arqueológico, Histórico e Geográfico de Pernambuco, Claudio Burle Dubeux, foto tirada em 1871

 



      Esta casa, em estilo inglês, com grande terraço e jardins, como mostra a foto acima, foi construída na Antiga Estrada do Engenho nº 22, ao lado da casa de Delmiro Gouveia. Hoje faz parte da Fundação Joaquim Nabuco. Joseph Burle resolvera construir sua residência nas terras do Antigo Engenho de Apipucos. Era conhecida, conforme notas que existem no Álbum dos Burle Dubeux, como Solar do Burles.6 Em nota no Guia Prático, Histórico e Sentimental da Cidade do Recife, na página 67, Gilberto Freyre faz referências ao Solar dos Burle, que depois passou a ser da família dos Tassos, como fazendo parte das velhas residências fidalgas do Recife. Na frente da casa percebe-se o apreço do jardim à moda franco-brasileira, onde há uma grande  preocupação com a harmonia, a métrica, a estética, inclusive com um pergolado ao lado da casa. Os jardins de Apipucos, decerto devem ter inspirado sua filha (Cecília Burle) e seu neto Burle Marx. Os jardins de Apipucos eram famosos, como vem citado no livro Apipucos: Que há num nome?, de Gilberto Freyre (pág. 37)  


    Joseph Burle (filho) era comerciante e faleceu em 27 de março de 1907, no prédio nº 22 da Estrada do Engenho, de “infecção urinosa prostática” atestada por um Dr. Malaquias. Foi sepultado no cemitério de Casa Amarela ( lv.09 ,fl 9lv Cartório do Poço da Panella ).7


        A esta  família pertenceu o paisagista Burle Marx, que nasceu em São Paulo, em 1909. 




                                                                    


Pais de Roberto Burle Marx

 




  1. “Comerciante nascido em Triier, Alemanha, mesma terra de Karl Marx, Wihelm especializou em exportação. Pai de Roberto era leitor contumaz e induzia o filho aos mesmos hábitos culturais. Tinha espírito nômade porque, com 19 anos foi para Marrocos onde os primos tinham um firma e ai ficou até 1895. Voltou para Alemanha e daí partiu para os Estados Unidos, onde pretendia estabelecer-se. Gostava de música, virtude que mais tarde se estenderia aos descendentes. Um amigo chamado Rossbach, que dirigia uma grande irmã e sugeriu que Wihelm o representasse no Brasil, onde chegou em 1896. Entre as relações de amizade que fez no Recife, apareceu Cecília Burle, jovem católica que foi sua aluna de alemão e cantava admiravelmente bem. Enamoraram-se até que Wilhem pediu a sua mãe, que residia na Alemanha, consentimento para casar-se. De imediato houve certa oposição, mas Wihelm ameaçou alistar-se para a guerra do Transwaal e então o casamento foi permitido. Wihelm cultivou também a mania de criar cachorros e tinha alguns cavalos de raça. Era homem forte e gostava de esportes, remava no Atlântico quando estava em Marrocos. Resolveu-se por São Paulo em 1901”.8


Em São Paulo, tiveram os seguintes filhos: Walter Burle Marx (23 de julho de 1902), Helena Marx Browne (31 de julho de 1904), Gabriela Burle Marx (29 de outubro de 1905), Roberto Burle Marx (04 de agosto de 1909), Guilherme Sigfried Marx (que nasceu no Rio de Janeiro, 28 de agosto de 1918) e Haroldo Raphael Burle Marx (05 de outubro de 1911).


                                                      

Família de Burle Marx.

Em pé, da esquerda para direita:

Gabriela (irmã), Sigbert (marido de Heyde), Roberto Burle Marx, Cecília (mãe), Haroldo (irmão), Walter (irmão), Helena (irmã).

Sentados da esquerda para direita Heyde (prima) Wihelm (pai) Flora (tia) Sigfried (irmão).

 



Cláudio Burle Dubeux




Coleção Francisco Rodrigues.

Fundação Joaquim Nabuco

(Foto 3596)

 
     Cláudio Burle Dubeux, negociante, empresário e fotógrafo, era filho de Cláudio Dubeux 9 e Josephina Burle,10 nascido em 14 de junho de 1845  na Freguesia do Poço da Panella, em casa de seu pai, como consta em manuscrito que cito abaixo:


     "Cláudio, nascido em 14 de junho de 1845 foi baptisado em casa  e tomou os santos oleos em 14 de agosto de 1859 na fregº do Poço, sendo padrinhos seus tios Antônio Dubeux e sua mulher representada em procuração, por José Burle e D.Joaquina. (...)"11


    Segundo Anne Buyers12 era o filho mais velho do casal Cláudio Dubeux, português de ascendência francesa. Josephina Burle chamava-o pelo apelido de “sinhosinho”. Teve como padrinho seu tio-avô, Jean Antoine Dubeux , que residia na França.


    Nasceu em meio aristocrático, em família entrelaçada com vários comerciantes, entre eles os Burles, Needham, Bowell, Brotherhood, e Dubeux.


    O arrabalde de Apipucos neste período se desenvolvia rapidamente, a localidade recebia  um grande número de estrangeiros ligados ao comércio, transporte,  à ferrovia, às vias urbanas, à companhia de águas e esgotos e a fundições. Os negócios familiares estavam em ascensão e seu pai foi um dos pioneiros das carruagens e diligências. Morava em Apipucos e tinha um escritório na Rua Nova. A carruagem era chamada de imperiale e era puxada por quatro cavalo, tinha às vezes dois andares. Seu avô Joseph Burle negociava com artigos diversos vindo da França. Sua mãe, Josephina Burle , participou ativamente da luta pela abolição com senhoras da sociedade de Pernambuco, promovendo quermesses e saraus para recolher fundos para a alforria dos escravos, conforme consta em livro de agradecimento feito pelo pintor Telles Junior.


                                                                           


Foto do Álbum dos Burle Dubeux de autoria de Cláudio Burle Dubeux, IHGPE.
Abaixo da foto: "Apipucos casa do meo pai (onde nasceu Cláudio Burle Dubeux, na Estrada do Engenho de Apipucos)

 

                                           


Cláudio Burle Dubeux casou-se em 19 de Janeiro de 1884 com D. Amália de Amorim Leão, nascida em 11 de julho de 1861, conforme  o assentamento abaixo transcrito:


Aos dezenove de janeiro de mil oitocentos oitenta e quatro, na capella do Palácio da Soledade o verº José Affonso de Lima Sá não lhe constando de impedimento algum assistiu em virtude de licença o recebimento matrimonial de meus parochianos Cláudio Dubeux e Dona Amália D’amorim Leão e lhes deu bênção nupcial. Foram testemunhas o Comendador Henrique Burle e Luis D’Amorim Leão o que para consta faço este assento e assigno.

Virgrº João Rodrigues Costa ( livro 2 fl 43 de 1868 à 1886 da Igreja de Nossa Senhora das Dores do Poço da Panella)


Dona Amália Leão Dubeux era filha do comendador Manoel Joaquim da Silva Leão,13 português de Setúbal. Segundo Pedro Paulino Fonseca, Manoel Joaquim da Silva Leão negociava em Maceió com secos e molhados: "Estabeleceu-se em Maceió nos tempos em que a Província achava-se em grande atraso, conseguindo por seu grande gênio ativo e esclarecida inteligência para grandes melhoramentos para Maceió, desenvolvendo o seu comércio e relacionando-o diretamente com as praças da Europa. A sua atividade deve Alagoas a linhas dos carros urbanos na capital, a navegação a vapor dos lagos, a estrada de ferro do Jaraguá, a cidade da Usina e devido ainda os seus esforços é que a Companhia Southampton principiou a fazer escala em Jaraguá, uma vez por mês", como consta do assentamento de casamento.14

        Vale salientar que com a morte do Comendador Manoel Joaquim da Silva Leão em 1881, entre outros bens deixou para os filhos o engenho Utinga, o engenho Oficcinas e o Engenho Boa Paz.

       Alguns anos depois, em 1893, Cláudio Burle Dubeux e os cunhados resolveram transformar o engenho Utinga em uma pequena usina, que recebeu o nome de Usina Leão. Com falecimento de Cláudio Burle Dubeux em 12 de março de 1919, sua parte da sociedade passou para seu único herdeiro, Cláudio o Dubeux, nascido em 2 de novembro de 1884 e casado a 3 de setembro de 1913 com Carmem Lemos.

        Um aspecto interessante é que a Usina da família Leão Dubeux tinha os seus membros pertencentes às famílias estreitamente entrelaçadas entre si, como pode ser visto nos casamentos dos filhos do Comendador Manoel Joaquim da Silva Leão:

Manoel Amorim Leão, casado com Laura Dubeux;

Luiz Amorim Leão, casado com Laura Dubeux Leão (em segundas núpcias com cunhada a Laura Dubeux após o falecimento do irmão);

José de Amorim Leão, casado com Emília B. Leão;

Amália de Amorim Leão, casada com Cláudio Dubeux;

Gertrudes de Amorim Leão (solteiro) e

Francisco de Amorim Leão (solteiro).


                                                                       


Cláudio, José, Eduardo, Antonio e Luís Dubeux.
(Col. Francisco Rodrigues; FR-06283)

 





1 No período de 1814 a 1817, a França negociava com Portugal a exportação de algodão e os comerciantes franceses vinham buscar o algodão nos portos brasileiros. O porto do Recife era um dos mais freqüentados. No momento da eclosão da Revolução de 1817 havia no porto 4 embarcações francesas.

2  DUBEUX, Cláudio Burle apud Arquivo Silvio Paes Barreto, Instituto Histórico e Geográfico de Pernambuco, IHGPE.

3 Conforme livro (Lv.12, fl 98 1868-1886) do obituário da  Igreja de Nossa Senhora das Graças em Recife.  O primeiro Burle é advindo da cidade de Arles, no arcebispado de Aix-Provence. Apud Fernando Loyo Meira Lins, obra inédita, Instituto Arqueológico, Histórico e Geográfico de Pernambuco-IAHGP.

4 Conhecida como a “ Inglesa de Apipucos ”, casou-se com Inglês Lorimer; era filha de Dona Joaquina Burle Dubeux e Phillip Needham. Tinha ares da aristocracia e cultiva hábitos ingleses em Apipucos.

5 REVISTA DO ARQUIVO. Ano VII a X  nº IX a XII , ob. cit, pág. 557, Recife.

6 O casarão hoje pertence a FUNDAJ e ainda preserva suas características originais. 

7 LOYO MEIRA LINS, Fernando, obra inédita, IAHGP, op.cit., pág 57.

8 COELHO FROTA, Lélia et alii, Burle Marx, Uma Poética da Modernidade, Minas Gerais 1989, pág.27.
9 Nascido a 19 de fevereiro de 1806 em Lisboa. Era filho de José Dubeux e Dona Getrudes Cândido Dubeux.

10 Nascida a 25 de abril de 1828 na Freguesia de Santo Antonio do Recife. Casou-se com Cláudio Cândido Dubeux em oratório privado na residência de Joseph Isidoro Burlena Freguesia de Nossa Senhora do Poço da Panella. 

11 DUBEUX, Cláudio. Manuscrito, Notas de Nascimento e idades, Arquivo Silvio Paes Barreto, IAHGPE-1844. 

12 ARQUIVO FAMILIAR. Manuscritos em francês (correspondência) de Maria Cristina Dubeux Paes Barreto, neta de Cláudio.

13 Em 1869, por carta imperial dada no Rio de Janeiro, a 29 de setembro , foi naturalizado brasileiro por resolução da Assembléia Geral Legislativa, sancionado por decreto nº 179 de 23 de setembro de 1869. Em 1870, a 17 de outubro, foi registrada na Câmara Municipal de Macéio a carta de naturalização de cidadania brasileira na conformidade do artigo 9 da lei  de 23 de outubro de 1832. Barreto-IHGPE.

14 IAHGP- Arquivo Silvio Paes Barreto. caixa 13, notas sobre a família Amorim Leão.



Proveniência de imagens e autorizações:

Ann Bayer -Arquivo familiar

Fundação Joaquim Nabuco, Pernambuco
Instituto Histórico e Geográfico de Pernambuco
Fundação Burle Marx



BIBLIOGRAFIA



(? MUNDICO). Árvore genealógica da família Burle-Dubeux. Rio de Janeiro, maio de 1957.


ARQUIVO NACIONAL DO RIO DE JANEIRO. Fichário nominal de processos de inventário. Eduardo Alexandre Burle - Inventariante Carolina da Silva Burle, 1892, Processo nº 640.


BEZERRA CAVALCANTI, Carlos. "O Recife e seus bairros". A Tribuna, Recife,14 de agosto de 1954.

  

COELHO FROTA, Lélia; de Hollanda, Gastão; Leenhardt, Jacques e Kruger, Bernd. Burle Marx, uma poética da modernidade. Minas Gerais: Compoart Ed., 1989.


FREYRE, Gilberto. O guia do Recife, Guia prático, histórico e sentimental da cidade do Recife. Rio de Janeiro: José Olympio, 1942.


FREYRE, Gilberto. Apipucos: Que há num nome? Recife: Massangana, 1983


REVISTA DO ARQUIVO PÚBLICO, ano VII a X, nº IX a XII, Recife,1952-1956.


SIQUEIRA VERAS, Lúcia Maria de. De Apé-puc a Apipucos. Numa encruzilhada. A construção e a permanência de lugar urbano. Recife: Bagaço,1999.




*O autor é sociólogo vinculado a projeto social do PAC junto à Prefeitura Municipal de Olinda e estudante concluinte de Direito. É correspondente da Academia Brasil-Europa.



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Álvaro Duarte, Sociólogo*

 

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