Arte em ferro inglêsa no Índico e no Pacífico. Revista BRASIL-EUROPA 123. ACADEMIA BRASIL-EUROPA. Bispo, A.A. (Ed.) e Conselho Especializado. Organização de estudos culturais em relações internacionais

 
 

A antiga Île de France, uma das colônias de maior significado do mundo colonial francês do século XVIII pela sua posição estratégica no Índico e pela sua produção agrícola, passou definitivamente ao domínio britânico terminado o período napoleônico. Embora a sociedade creola mantivesse o idioma francês e continuasse a cultivar tradições e modos de vida francêses, a administração inglêsa, sob a qual o país voltou a designar-se como Maurício, trouxe profundas modificações na economia, na legislação, na infra-estrutura, na configuração urbana e em vários aspectos da vida prática.


O passado colonial inglês manifesta-se hoje de forma mais imediata no uso do idioma como língua oficial, nas normas de condução de veículos, na legislação, na educação e em edifícios e monumentos. Muitos sinais da atuação administrativa inglêsa já desapareceram, entre êles a rêde ferroviária da ilha, um dos principais sustentáculos da sua infra-estrutura e do seu desenvolvimento econômico do passado.


Na diversidade cultural da ilha, a percepção da presença inglêsa, que perdurou mais de século e meio, exige muito maior atenção do que em algumas outras regiões do império britânico, sobretudo na Austrália e na Nova Zelândia. A razão dessa maior dificuldade de leitura reside no fato de a colônia já se encontrar formada quando da passagem do poder colonial aos inglêses, ou seja, a atuação britânica foi antes a de remodelação, reestruturação, reorientação de desenvolvimentos.


O país surge, assim, muito menos britânico do que a Austrália e a Nova Zelândia. Por essa razão, a leitura de sinais da presença britânica no complexo cultural da ilha surge como um exercício de percepção particularmente útil para observadores brasileiros, uma vez que também no Brasil a ação britânica não foi pioneira, além de não ter sido poder colonial.


Arte de ferro inglêsa: Pamplemousses


Assim como no Brasil, um dos elos mais evidentes com a Inglaterra no passado é aquele manifestado pelos trabalhos em ferro que ornamentam parques, jardins e edifícios.


Exemplo excepcional da arte em ferro em Maurício é a grade do Jardim Botânico de Pamplemousses. Essa grade envolve o portão de entrada do parque, também este um exemplo da qualidade técnica extraordinária alcançada pela arte inglêsa na época.


Essa obra, na profusão ornamental de suas rendas e das aplicações, representa uma das mais significativas produções do gênero e adquire valor artístico, não podendo deixar de ser considerada numa história cultural dirigida a contextos globais.


Esse valor técnico e artístico foi reconhecido mundialmente quando o portão foi premiado na Exposição Universal de Londres, em 1862. Essa exposição, como as seguintes, caracterizou-se por um estreito relacionamento entre o progresso técnico e as artes, por uma concepção de cultura relacionada com noções de civilização e desenvolvimento industrial. Foi uma expressão da fé no progresso, no desenvolvimento, de uma nova fase na história da produção artesanal a partir das novas possibilidades abertas pela industrialização e de um direcionamento utilitarista nas artes.


O portão e as grades de Pamplemousses surgem assim como testemunho de visões e concepções de uma época, como manifestação concreta de idéias e tendências, de significado portanto para a história da cultura, das idéias e da técnica.


Comparações com portões de Adelaide e Hobart



Portão do Jardim Botânico de Adelaide

 
A arte em ferro da Exposição Universal teve também repercussões em outras regiões do Império Britânico, bastando aqui que se mencione o portão do Jardim Botânico de Adelaide. O portão de Adelaide pode ser comparado, no trabalho rendado, com o portão de Pamplemousses, além de possuir as luminárias hoje apenas sugeridas nas pilastras das grades de Pamplemousses.


O trabalho em ferro das grades de Adelaide é mais delicado, os motivos menores. O de Pamplemousses é mais volumoso, com volutas, desenhos, folhas de acanto e guirlandas massiças, sugerindo um novo barrôco. Quase que não apresenta elementos retilíneos e figuras quadriculares, ao contrário do de Hobart.


Arte em ferro e motivos vegetais



Portão do Jardim Botânico de Hobart

 
No caso de Pamplemousses, porém, o portão e as suas grades adquirem significado simbólico local. Esse jardim havia sido um dos grandes empreendimentos da colonização francesa, representando importante elemento numa estrategia botânico-agrícola de emancipação comercial e de fomento do desenvolvimento.

Continuava, sob a administração britânica, a resplandecer essa aura do passado colonial francês da ilha. Essa imagem baseava-se em grande parte na muito difundida história de Paul et Virginie, localizada em Pamplemousses. Cercar o jardim com grades inglêsas representou, assim, uma iniciativa de alta expressividade simbólica.

Comum a esses três exemplos de portões de jardins botânicos da esfera colonial britânica é o motivo vegetal, de fôlhas, flores e, no caso de Pamplemousses, de frutos. Se a utilização de motivos vegetais representava uma tradição já de séculos na arte da fundição, tudo indica ter havido aqui um elo consciente com a função do trabalho em ferro para os jardins.


Portão dos jardins da Suprema Corte de Justiça, Port Louis

 
O elo entre a arquitetura em ferro e o mundo vegetal era tema discutido à época da Exposição Universal de Londres, debate que vinculava-se sobretudo com o nome de Paxton (Veja artigo sobre a Vitória Regia nesta edição e, relativamente a Adelaide, em número anterior desta revista).

Os jardins botânicos recebiam, assim, grades que se harmonizavam com a natureza vegetal, e o visitante era preparado já à entrada, de forma representativa, a defrontar-se com o mundo das plantas. A botânica era valorizada pela arte e pela indústria, e essa recebia a sua inspiração da natureza vegetal.

Os jardins botânicos da esfera inglêsa oferecem assim um testemunho de uma nobilitação do mundo das plantas, correspondendo assim ao interesse pela história natural dos pesquisadores britânicos. Para o Hemisfério Sul, difundiu-se uma nova manifestação do Barroco, agora sem sentidos religiosos de transfiguração do mundo natural em direção metafísica e ontológica.



Portão do mercado central de Port Louis

 
Significativamente, grades com outras funções apresentam outra motívica. O portão do edifício da Suprema Côrte, em Port Louis, é o que mais se aproxima dos portões considerados. A ornamentação prende-se porém a motivos mais antigos da arte da fundição, com predomínio de ferros batidos e, nas grades, elementos em formas de colunas salomônicas e coríntias simplificadas, com flores pendentes.

O portão do mercado de Port Louis já apresenta muito menos motivos vegetais, com exceção da ornamentação das iniciais centrais, encimadas pela corôa. Portões e colunas laterais são estruturados de forma mais simples, com uma maior tendência a motivos geométricos.

(...)


M. S. Gutierrez e grupo redatorial sob a direção de A.A.Bispo


  1. Observação: o texto aqui publicado oferece apenas um relato suscinto de trabalhos. Não tendo o cunho de estudo ou ensaio, não inclui aparato científico. O seu escopo deve ser considerado no contexto geral deste número da revista. Pede-se ao leitor que se oriente segundo o índice desta edição e o índice geral da revista (acesso acima). Pede-se ao leitor, sobretudo, que se oriente segundo os objetivos e a estrutura da Organização Brasil-Europa, visitando a página principal, de onde obterá uma visão geral e de onde poderá alcançar os demais ítens relativos à Academia Brasil-Europa de Ciência da Cultura e da Ciência (culturologia e sociologia da ciência), a seus institutos integrados de pesquisa e aos Centros de Estudos Culturais Brasil-Europa: http://www.brasil-europa.eu


  2. Brasil-Europa é organização exclusivamente de natureza científica, dedicada a estudos teóricos de processos interculturais e a estudos culturais nas relações internacionais. Não tem, expressamente, finalidades jornalísticas ou literárias e não considera nos seus textos dados divulgados por agências de notícias e emissoras. É, na sua orientação culturológica, a primeira do gênero, pioneira no seu escopo, independente, não-governamental, sem elos políticos ou religiosos, não vinculada a nenhuma fundação de partido político europeu ou brasileiro e originada de iniciativa brasileira. Foi registrada em 1968, sendo continuamente atualizada. A A.B.E. insere-se em antiga tradição que remonta ao século XIX.


  3. Não deve ser confundida com outras instituições, publicações, iniciativas de fundações, academias de letras ou outras páginas da Internet que passaram a utilizar-se de designações similares.

 













  1. Portões do Jardim Botânico de Pamplemousses. Fotos H. Hülskath

 

Revista Brasil-Europa - Correspondência Euro-Brasileira 123/12 (2010:1)
Prof. Dr. A.A.Bispo, Dr. H. Hülskath (editores) e Conselho científico
órgão de
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Doc. N° 2546


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História botânico-cultural das relações entre o Índico e o Brasil. Pamplemousses II

Arte em ferro inglêsa em Jardins Botânicos do Índico e do Pacífico


Do programa da Academia Brasil-Europa Atlântico-Pacífico de atualização dos estudos culturais transatlânticos e interamericanos
Ciclo de estudos nas ilhas Maurício, 2009
sob a direção de A.A.Bispo

 

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