Revista

BRASIL-EUROPA

Correspondência Euro-Brasileira©

 

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Revista Brasil-Europa - Correspondência Euro-Brasileira 122/19 (2009:6)
Editor: Prof. Dr. A.A.Bispo, Universidade de Colonia
Direção administrativa: Dr. H. Hülskath

Organização de Estudos de Processos Culturais em Relações Internacionais (ND 1968)
Academia Brasil-Europa
Instituto de Estudos da Cultura Musical do Mundo de Língua Portuguesa (ISMPS 1985)

© 1989 by ISMPS e.V. © Internet-edição 1998 e anos seguintes © 2009 by ISMPS e.V. Edição reconfigurada © 2014 by ISMPS e.V. Todos os direitos reservados
ISSN 1866-203X - urn:nbn:de:0161-2008020501

Doc. N° 2516


 


Rêdes sociais na História Político-Cultural
Vínculos entre as famílias reinantes na Europa no período guilhermino
Os Hohenzollern e a Casa de Saxe-Coburg
Alemanha-Portugal-Bélgica-Bulgária

Prosseguimento de reflexões encetadas em Berlim em 2008, a partir de releituras das recordações de vida da filha de Guilherme II, Duquesa Viktoria Luise (1892-1980)

Arquivo A.B.E.

 



Este texto apresenta uma súmula de estudos motivados pelos 150 anos de Guilherme II (1859-1941). Sem objetivos políticos ou de engrandecimento da personalidade do último imperador da Alemanha, os trabalhos justificaram-se pela importância da época guilhermina para o Brasil, sobretudo sob o aspecto das regiões coloniais. Nesse sentido, inscreveram-se no programa da Academia Brasil-Europa dedicado a estudos do mundo de língua alemã e mundo de língua portuguesa.


A orientação teórico-cultural insere-se na tradição da sociedade dedicada à renovação dos estudos culturais (Nova Difusão 1968), a atual Organização de Estudos de Processos Culturais em Relações Internacionais - Academia Brasil-Europa.





Berlin. Foto A.A.Bispo 2009. Copyright

Imagens da Catedral de Berlim. Fotos A.A.Bispo 2008

 
Com a proclamação da República há 120 anos, o Brasil desintegrou-se oficialmente da rêde social constituída pelos elos familiares entre as casas reinantes européias, passando a pertencer a uma outra rêde, em parte então em construção. 

Durante o período imperial, os laços que uniram o Brasil a essa rêde haviam sido bastante estreitos e o Brasil pertencia ao sistema constituído famílias reinantes como importante membro, seu único representante no continente americano.

Os seus laços eram particularmente estreitos com o mundo de língua alemã e portuguesa devido sobretudo à ascendência de Pedro II, o que correspondia também ao significado da grande comunidade de imigração de alemães e colonos da Europa Central no país.

Um terceiro império, sob a égide de sua filha, casada com um representante da casa de Orléans, teria tido influência na tensa situação política interna francesa, com o fortalecimento de determinadas correntes favoráveis à forma monárquica, o que não poderia ter sido bem visto pelos seus oponentes na França.

A proclamação da República no Brasil correspondeu, sob essa perspectiva, a uma expansão de determinadas rêdes político-culturais centralizadas na França com as respectivas implicações relativas à difusão de idéias e de tendências culturais e artísticas de orientação voltada à afirmação de identidade nacional em referencial determinado por tensões com a Alemanha, sobretudo após a Guerra Franco-Prussiana. (Veja textos na edição anterior desta revista)

A mudança na inserção em rêdes do Brasil teria sido assim em grande parte resultado de determinada corrente de difusão político-cultural. Entretanto, a complexidade dos vínculos e as múltiplas possibilidades de seu enfoque exigem a continuidade e o aprofundamento diferenciado dos estudos.

Para o pesquisador atual, êle próprio pertencente a contexto histórico marcado por visões posteriores do desenvolvimento, a reconstrução e o exame dessas rêdes apresentam dificuldades muito maiores do que as meramente genealógicas. Apesar de se tratar de um passado relativamente recente, o estudioso se confronta com problemas quase que de natureza arqueológico-cultural e etnológico-européia, obrigado que é a seguir elos de um entrelaçamento de parentescos que abrangia grande parte de uma configuração européia, hoje submersa.

Apesar dessas dificuldades, tais exames são necessários, uma vez possibilitam o reconhecimento de elos e de relações entre países que, numa primeira aproximação, pouco teriam em comum. Apenas levando-se em conta tais vínculos é que se pode compreender determinadas similaridades no desenvolvimento cultural e nas expressões artísticas de nações distantes geográficamente e pertencentes a diferentes contextos histórico-culturais. Este é o caso, entre muitos outros, da difusão de determinados estilos arquitetônicos em residências e edifícios oficiais, assim como de obras, publicações e correntes de pensamento que influenciaram o desenvolvimento das ciências e dos próprios estudos culturais.

Vínculos com Portugal

Nos anos 90 do século XIX e no início do século XX, os elos familiares das famílias reinantes com aquelas do mundo de língua portuguesa continuaram a ser mantidos através de Portugal. Os vínculos entre a família imperial alemã e o rei D. Carlos I (1863-1908) eram fundamentados pelos elos dos Hohenzollern com a Casa de Saxe-Coburg. Esses elos de parentesco aproximavam as famílias reinantes de Portugal, da Bélgica e da Bulgária.

O assassinato do rei português, em 1908, marcou de forma trágica o desmoronamento gradativo da estrutura constituída por elos familiares das casas reinantes, precedendo de alguns anos o assassinato do Arquiduque Franz Ferdinand (1863-1914) da Áustria em Serajevo, ato deflagrador da Primeira Guerra. (Veja matéria em número anterior desta revista: http://www.revista.brasil-europa.eu/116/CarlosI.htm)

Já há muito pensava-se num estreitamento ainda maior dos laços entre a família imperial alemã e o ramo português dos Wettinos da Casa de Saxe-Coburg-Gotha, ramo este não reconhecido pelos legitimistas, adeptos da linha remontante a D. Miguel I (1802-1866). D. Carlos I tivera inicialmente a intenção de unir-se a uma princesa alemã, plano que apresentara dificuldades por questões religiosas, pois traria uma princesa protestante a Portugal, não correspondendo também aos interesses da Grã-Bretanha.

O impacto e a consciência do significado da morte do rei português e do príncipe herdeiro  Luís Felipe na família imperial da Alemanha são documentados pelas recordações da Duquesa Viktoria Luise, filha de Guilherme II (Herzogin Viktoria Luise, Ein Leben als Tochter des Kaisers, 12. ed., Göttingen-Hannover: Göttinger Verlagsanstalt, 1973).

As suas lembranças da posição de Portugal na família imperial alemã são obscurecidas por esse acontecimento . A notícia do atentado alcançou a família imperial alemã a caminho do serviço religioso na Catedral de Berlim. Guilherme II teria exclamado a seus: "Nós todos nos encontramos na lista". Havia, assim, já nesse ano, a consciência das tensões existentes na Europa e do risco que os membros das famílias reinantes corriam. Particular comoção despertou as circunstâncias do atentado, entre elas a tentativa da rainha em cobrir com o seu corpo o príncipe herdeiro atingido.

"Meine Erinnerung an die portugiesische Herrscherfamilie wird von dem Königskord im Jahre 1908 überschattet. Auf der Praça do Commercio in Lissabon hatte eine Bande von Verschwörern die in einem Wagen vom Gottesdienst kommende Königsfamilie auf offener Straße überfallen. König Karl X. und Kronprinz Philipp wurden erschossen. Als die ersten Schüsse fielen, warf sich Königin Amelie, eine französische Prinzessin, über den Thronfolger, um ihn mit ihrem eigenen Körper zu bedecken. Doch es war schon zu spät, Philipp war bereits tödlich getroffen. Mein Vater erhielt die Meldung von dem Attentat, als wir gerade zur Kirche, zum Dom, gingen. Eine grauenhafte Nachricht. Er sagte zu uns: 'Wir sind alle auf der Abschußliste'." (op.cit. 41)

Os elos familiares entre a Alemanha e Portugal, não terminaram com a morte de D. Carlos. D. Manuel (1889-1932), o segundo filho dos reis portugueses, nascido no mesmo dia da proclamação da República no Brasil, que subiu ao trono do qual seria deposto dois anos depois, exilando-se na Inglaterra, casou-se em 1913 com uma princesa de Hohenzollern-Sigmaringen, Auguste Viktoria (1890-1966).

O antigo plano de casamento de um rei português com uma princesa alemã, e portanto de uma rainha alemã em Portugal - título que Auguste Viktoria não chegou a ter - realizou-se assim apenas no exílio. Permanecendo esse casamento sem filhos, e com o reconhecimento posterior por D. Manuel de Duarte II Nuno (1907-1976), da linha legitimista, terminaria um elo mais estreito entre as casas então já não mais reinantes de Portugal e da Alemanha.

Auguste Viktoria von Hohenzollern-Sigmarinen, nascida em Potsdam, e portanto no círculo estreito da família imperial alemã, filha do príncipe Wilhelm von Hohenzollern-Sigmarinen (1864-1927), cuja mãe era Antonia Maria de Portugal (1845-1913) e Maria Theresia de Nápoles e Duas Sicílias, unia em si, como princesa das Duas Sicílias, dois universos culturais, o germânico e o latino.

Arquivo A.B.E.

Antes da união entre Auguste Viktoria von Hohenzollern-Sigmaringen com o deposto rei português, havia-se pensado num casamento da princesa com D. Alfonso XIII (1886-1941) da Espanha, cuja mãe era madrinha de batizado da filha de Guilherme II. Alfonso XIII, tendo visitado a família imperial da Alemanha em Potsdam, em 1905, havia deixado, pela sua juventude, uma ótima impressão nas jovens da família alemã. (op.cit. 41) Após a morte de D. Manuel (1939) e novo casamento com Robert Graf Douglas (1880-1955), Auguste Viktora terminaria os seus dias na Alemanha, residindo no Palácio Münchhof, em Eigeltingen.

Vínculos com a Bélgica

Os vínculos entre o império alemão e a Bélgica eram também co-determinados pelos elos de parentesco entre os Hohenzollern e a Casa de Saxe-Coburg e Gotha. Esses elos marcavam o relacionamento com o rei Leopoldo II (1835-1909) e a imagem da família prussiana em Bruxelas.

O soberano belga gozava, na Alemanha, segundo a memória da filha de Guilherme II, renome pelos seus conhecimentos geográficos, sobretudo como especialista em assuntos africanos, em particular referentes ao Congo. O seu sobrinho Alberto (1875-1934), casou-se com Elisabeth da Baviera (1876-1965).

Leopoldo, até 1865 Duque de Brabante e Príncipe da Bélgica, sucedeu a seu pai Leopoldo I (1790-1865). Este - de Saxe Coburg - casou-se com Charlotte Augusta (1796-1817), filha do Príncipe de Gales - mais tarde Jorge IV (1762-1830). Teria tido assim a possibilidade de vir a ser príncipe-consorte da rainha da Inglaterra, caso a sua mãe não tivesse falecido precocemente. Em 1831, foi-lhe oferecido o trono da Bélgica. 

Em 1853, Leopoldo II casou-se com Marie Henriette Anne von Habsburg-Lothringen (1836-1902), Arquiduquesa da Áustria. Os seus elos com o mundo de língua alemã eram portanto muito estreitos, com a Alemanha por parte do pai e com a Áustria através do seu casamento.

Leopold II e o mundo extra-europeu

Os conhecimentos geográficos e do comércio mundial pelos quais era admirado na Alemanha, Leopoldo II obtivera em várias viagens que realizara. Visitou várias vezes o Egito (1854 e 1855, 1860 e 1862), o Oriente Médio (1854-55), a Índia e a China (1864/65). Esses seus conhecimentos relacionaram-se com planos de colonização. Para um Estado de configuração recente, pequeno, marcado por tensões internas de grupos populacionais pertencentes a diferentes complexos culturais, dividido em tendências ao mundo francês e ao alemão, o aumento de poderio da nação apenas parecia poder ser realizado através de uma política externa dirigida à aquisição de colonias. Os Países Baixos, também uma nação pequena, testemunhavam a possibilidade de enriquecimento e de aumento de poder político global através de colonias, no caso do mundo insular indonésio. Já o seu pai pensara em criar colonias na América do Sul.

Não havendo também possibilidades de fundar colonias na esfera asiática, a atenção de Leopoldo II dirigiu-se à África. Não encontrando para os seus planos de fundação de colonias apoio suficiente no parlamento e no povo belga, decidiu realizar tal empreendimento por conta própria, uma vez que dispunha de grande riqueza, em parte decorrente de investimentos no Canal de Suez. Paralelamente às suas viagens, estudava com atenção os relatos de exploradores. Previu visionariamente as possibilidades que se abriam com o desenvolvimento da navegação e do uso do quinino na superação de problemas de saúde nos trópicos.

Desenvolvimento científico e interesses coloniais. "Abertura" da África como "cruzada" do século XIX

Com a neutralidade que a Bélgica conseguiu manter durante a Guerra Franco-Prussiana, em 1870/71, o país encontrou-se em posição favorável para o desenvolvimento de cooperações internacionais entre especialistas dos vários países.

Em 1876, Leopoldo II realizou uma conferência geográfica em Bruxelas, na qual tomaram parte cientistas, em particular geógrafos, e exploradores. A questão principal que se colocava era a de como se poderia "abrir a África Central à civilização". Os interesses internos e os objetivos coloniais foram assim subsumidos em escopo científico e civilizatório. No seu discurso de abertura, Leopoldo II designou o necessário desenvolvimento da África como uma "cruzada" do século XIX, o século do progresso, e o empreendimento belga como tendo exclusivamente cunho filantrópico. O plano de "abertura" da África Central previa a criação estratégica de pontos de apoio numa linha que unia Luanda na parte ocidental com Zanzibar no Leste do continente. Fundou-se, para a coordenação dos empreendimentos, uma "Associação Internacional africana".

Esses planos, porém, que contrariavam interesses inglêses - e portugueses -, levaram a problemas coloniais na África, entre outros ao deslocamento de forças britânicas do Sul da África, causando a guerra Zulu. Os empreendimentos de Leopoldo II foram marcados pela colaboração com o explorador inglês H.M. Stanley (1841-1904), recebendo este financionamento do rei belga, aquele a ação prática do viajante na própria região. Em 1878, fundou-se o Comitê de Estudos do Alto Congo, transformado no ano segundo na Associação Internacional do Congo. As atividades de Stanley não eram porém exclusivamente científicas, mas sim serviam para o objetivo de Leopoldo II de aquisição de terras e do comércio de marfim. Assim, o explorador fundou povoações, entre elas Leopoldville e fechou contratos com numerosos chefes de grupos, nos quais estes transferiam as suas terras ao rei dos belgas, agindo aqui pelo que tudo indica sem maiores escrúpulos éticos.

Significado da Bélgica para as relações Europa-Brasil

A Bélgica transformou-se, assim, na segunda metade do século XIX, em particular após a Guerra Franco-Prussiana, em importante centro de conhecimentos e de relações científicas, em particular geográficas e referentes aos diversos países do mundo, também da América Latina. Compreende-se, assim, o significado dos elos entre a Bélgica e o Brasil nessa época, sobretudo sob a representação do país na pessoa de Tomás Fortunato de Brito (Barão de Arinos).

Em 1873, tratou-se do empenho do Brasil no apoio da de uma creche da rainha Louise Marie de Orléans, em 1874 enviava-se a Pedro II obras sobre o Equador, Costa Rica e Nicarágua e realizavam-se assinaturas de publicações, entre elas de uma História da Vacina. O Brasil mantinha contatos científico-culturais com representantes de países centro-americanos na Bélgica, entre êles com o vice-consul do Haití. Obtia também publicações sobre desenvolvimentos relativos a técnicas de mineração e metalurgia, à astronomia de posição, de interesse para viagens exploratórias e empreendimentos militares, mantendo aqui contatos com a Escola de Guerra Belga. Também manteve elos com a Sociedade Belga da Cruz Vermelha e campanhas de higiene da infância. (Ministério da Justiça/Arquivo Nacional, Dom Pedro II e a Cultura, Rio de Janeiro 1977).

Através da Bélgica, realizaram-se também contatos com os EUA. Assim, o Vice-Consul dos EUA em Verviers e Liège, Alphonse Müllender, preparou o capítulo sobre o Brasil no relatório da Exposição da Filadélfia, de 1878. O Brasil tinha interesse em obras que tratavam do país, como aquela sobre a América do Sul, de Eugène de Robians. Pedro II recebia atas de congressos internacionais de americanistas, relatórios da Sociedade de Geografia de Anvers e boletins da Academia Real da Bélgica. Pedro II mantinha-se informado sobre a história do povo belga, de seus costumes e do sistema de instrução pública do país. Sobre os empreendimentos no Congo informava-se também a partir da representação diplomática do Brasil em Paris, recebendo, por exemplo, em 1887, um mapa do curso inferior do Congo. (op.cit.)


Princesa Clementine, filha mais nova de Leopoldo II no Concurso hípico em Spaa, com Lords inglêses, 1906

 
Desenvolvimentos no Congo e deterioração da imagem de Leopoldo II

Em 1884/85, como a questão colonial também passara a ser discutida na Alemanha, organizou-se em Berlim a Conferência do Congo. Os vários estados europeus presentes e os Estados Unidos aceitaram o "Estado Independente do Congo" como propriedade particular de Leopoldo II. No mesmo ano, o Parlamento belga selou a união pessoal do Congo e da Bélgica. Apesar do pretexto científico dos estudos africanos, em particular geográficos, o do pretexto filantrópico, em particular missionário, e o pretexto desenvolvimentista ou civilizatório, o empreendimento africano tornou-se sobretudo econômico, voltado à exploração do marfim e do caucho. Com relação a este último produto, a exploração do caucho congolês desenvolveu-se paralelamente ao comércio da borracha no Brasil. Dois anos após a abolição da escravidão no Brasil, a Bélgica decidiu, em Conferência realizada em Bruxelas, em 1890, terminar com a escravidão na África.

A posição de Leopoldo II no período guilhermino parece ter sido marcada por uma certa ambivalência. Ao lado da admiração pelos seus conhecimentos de geografia, de economia internacional e pela campanha contra a escravidão, o seu nome passou a ser envolvido cada vez mais com fatos divulgados a respeito dos métodos cruéis em uso no Congo, denunciados sobretudo por missionários, a partir de 1904. Quatro anos depois, o sistema vinculado ao nome de Leopoldo II foi internacionalmente criticado pelos Estados Unidos e pela Grã-Bretanha, com grande prejuízo para a sua imagem. De propriedade particular, o Congo foi transformado em Colonia.

As recordações da Duquesa Viktoria Luise já pertencem ao período posterior da era de Leopoldo II. No seu texto, salienta que, em jantar de gala oferecido à visita imperial alemã, sentou-se ao lado do rei Alberto e de um arcebispo. Os estreitos elos entre o novo rei belga e a Alemanha eram garantidos pelo fato de ser a sua mãe Marie da família dos Hohenzollern (1845-1912) e pelo seu casamento com Elisabeth da Baviera. Dos seus três filhos, Leopoldo (1901-1983) viria a ser o futuro Leopoldo III, pai do rei Baudouin (1930-1993), e Marie-José (1906-2001) viria a ser rainha da Itália. Quando da visita da família alemã a Marie de Hohenzollern, uma grande multidão ovacionou os alemães, dissipando os receios de que os sentimentos anti-alemães da população dos valões de Bruxelas pudessem levar a um atentado. (op.cit. 41)

Vínculos com a Bulgária

Uma particular atenção, sob a perspectiva brasileira, merece ser dada aos elos de parentesco entre a família imperial alemã e a Casa Real da Bulgária, também fundamentados nos vínculos dos Hohenzollern com a Casa de Saxe-Coburg. Ferdinand I (1861-1948), nascido em Viena e falecido em Coburg, pertencia à dinastia Saxe-Coburg-Koháry dos Wettins. O seu pai era um general austríaco, Augustus de Saxe-Coburg-Koháry (1818-1881) e de Clémentine von Orléans (1817-1907), filha do rei Louis-Philippe (1773-1850) da França. Era um primo de segundo grau do Príncipe Albert (1819-1869), consorte da rainha Vitória.


Solenidade pelos 100 anos do 41° Regimento de Dragões Russo, chefiado pela Duquesa Marie de Coburg, no Castelo de Rosenau. Terceiro à esquerda:  Zar da Bulgária Ferdinand

 
Após a retirada do príncipe búlgaro Alexandre I de Battenberg, Ferdinand, gozando do apoio austríaco, foi elevado a Príncipe-Regente. O país ainda pertencia nominalmente ao Império Osmânico. Em 1887, um regimento de infantaria da Baviera passou a denominar-se com o seu nome. Somente em 1896 foi a Bulgária reconhecida pela Turquia e pelas potências européias. Sob o seu reinado, processaram-se reformas liberais. A sua nomeação equivaleu a reorientação da Bulgária em direção à Europa Ocidental, o que não poderia ter sido bem vista pela Rússia. Assim, após o assassinato do Ministro-Presidente, Ferdinand procurou uma reaproximação com a Rússia. O príncipe herdeiro, Boris III (1894-1943), batizado no Catolicismo, foi rebatizado na Igreja Ortodoxa, tendo o Czar Nicolau II (1868-1918) como padrinho.

Em 1908, Ferdinand tomou o título de Zar da Bulgária. O seu escopo nos primeiros anos do século XX era o de garantir a posse de território turco, promovendo a Bulgária a potência na região balcânica.

Havia também aqui razões ou pretextos de cunho ideal para a justificação dessas ambições. O objetivo seria o da recuperação cristã de uma Constantinopla perdida pela ocupação turca de séculos, transformando novamente a Hagia Sophia em catedral da ortodoxia cristã. Esse plano, já acalentado pelo Czar da Rússia, se alcançado pela Bulgária, daria ao país uma extraordinária posição no mundo marcado pela ortodoxia. Essa situação significaria o renascimento do antigo Bizâncio, tendo à testa um soberano búlgaro.

Segundo as informações da filha de Guilherme II, o Zar Ferdinando da Bulgária pertencia, juntamente com o rei Leopoldo II da Bélgica ao rol dos soberanos mais admirados pelas suas qualidades intelectuais e pelos seus interesses científico-naturais. Já antes de sua subida ao trono havia realizado viagens de estudos pela América do Sul. Também era admirado na sua forma de proceder com o seu filho, o príncipe herdeiro Boris, fazendo-o participar desde cedo nos negócios do govêrno, procedimento este que contrastava com o relacionamento tenso entre Guilherme II e o seu herdeiro. O Zar Ferdinando causava admiração pelos seus conhecimentos técnicos, sobretudo aqueles relativos às estradas de ferro, sendo um hábil condutor de locomotivas, dirigindo êle próprio o trem especial que o conduzia em visitas oficiais.

"Zar Ferdinand war passionierter Lokomotivführer. Er legte die Lokomotivführerprüfung ab. Wenn er in Deutschland Lokomotiven für Bulgarien einkaufte, waren die Ingenieure baß erstaunt über seine Fachkenntnisse. Ferdinand fuhr seinen Salonzug meist selbst. Es wurde berichtet, welch erstaunte Gesichter festlich gekleidete Abordnungen, die zum Empfang des Monarchen erschienen waren, machten, wenn dieser nicht dem Salonwagen entstieg, sondern rußgeschwärzt von der Lokomotive kletterte. Die Lokomotivführer-Passion Ferdinands ging auf seinen Sohn Boris über. Wenn der Zar durchs Land fuhr, hat auch er häufig die Maschine gefahren. Eine große Verantwortung für einen jungen Menschen." (op.,cit. 40)

Entretanto, o seu principal interesse dizia respeito a questões relativas à natureza e à vida animal. Era admirado pelos seus conhecimentos de Botânica e Zoologia. No Brasil, interessou-se sobretudo pela proteção das florestas, dos animais e dos pássaros, revoltando-se com o seu exterminío, sobretudo em regiões de colonização italiana. Quando de sua estadia em Potsdam, demonstrou particular interesse pelo Jardim Botânico de Berlim.

Em 1912, declarou Guerra á Turquia, alcançando saída do país para o mar Egeu (Contrato de Londres, 1913). No mesmo ano, desencadeou-se a guerra contra a Sérbia pela posse da Macedônia. Sendo derrotado na luta contra a Rumênia, Sérbia, Grécia e Montengro, sofreu uma humilhação que pode explicar a aliança com as Potências centrais na Primeira Guerra. A Bulgária foi o primeiro país a capitular em 1918. Como a Áustria negou-lhe asilo, dirigiu-se a Coburg. Aqui, passou a dedicar-se a seus estudos de ervas, ornitologia e a coleções de insetos. Realizou várias viagens, entre elas à África do Leste, ao Egito e ao Sudão. Das viagens trouxe numerosos pássaros a Coburg. Tornou-se membro honorário da Sociedade Alemã de Ornitologia e doutor honoris causae da Universidade de Erlangen.

(...)


Síntese de trabalhos apresentados por estudantes em seminários. As discussões terão prosseguimento




  1. Observação: o texto aqui publicado oferece apenas um relato suscinto de trabalhos. Não inclui aparato científico. O seu escopo deve ser considerado no contexto geral deste número da revista. Pede-se ao leitor que se oriente segundo o índice desta edição e o índice geral da revista (acesso acima). Pede-se ao leitor, sobretudo, que se oriente segundo os objetivos e a estrutura da Organização de Estudos de Processos Culturais em Relações Internacionais - Academia Brasil-Europa (A.B.E.) - e do Instituto de Estudos da Cultura Musical do Mundo de Língua Portuguesa (Institut für Studien der Musikkultur des portugiesischen Sprachraumes, I.S.M.P.S. e.V.), visitando a página principal, de onde obterá uma visão geral e de onde poderá alcançar os demais ítens: http://www.brasil-europa.eu


  2. A A.B.E. é entidade exclusivamente de natureza científica, dedicada a estudos teóricos de processos interculturais e a estudos culturais nas relações internacionais. Não tem, expressamente, finalidades jornalísticas ou literárias. É, na sua orientação teórico-cultural, a primeira do gênero, pioneira no seu escopo, independente, não-governamental, sem elos políticos ou religiosos, não vinculada a nenhuma fundação de partido político europeu ou brasileiro e originada de iniciativa brasileira. A Organização de Estudos de Processos Culturais remonta a entidade fundada e registrada em 1968 (Nova Difusão). A A.B.E. insere-se em tradição derivada de academia fundada em Salzburg pelos seus mentores, em 1919, sobre a qual procura sempre refletir.