Revista
BRASIL-EUROPA
Correspondência Euro-Brasileira©
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Revista Brasil-Europa - Correspondência Euro-Brasileira 122/9 (2009:6)
Editor: Prof. Dr. A.A.Bispo, Universidade de Colonia
Direção administrativa: Dr. H. Hülskath
Organização de Estudos de Processos Culturais em Relações Internacionais (ND 1968)
Academia Brasil-Europa
Instituto de Estudos da Cultura Musical do Mundo de Língua Portuguesa (ISMPS 1985)
© 1989 by ISMPS e.V. © Internet-edição 1998 e anos seguintes © 2009 by ISMPS e.V. Edição reconfigurada © 2014 by ISMPS e.V. Todos os direitos reservados
ISSN 1866-203X - urn:nbn:de:0161-2008020501
Doc. N° 2506
Neobizantinismo sob perspectivas interculturais
Reflexões na Catedral de S. Wladimir em Kiev (St. Volodymyr)
O ciclo deu prosseguimento a eventos anteriormente realizados em diferentes países do Leste da Europa. Esses estudos tiveram o seu início com uma primeira visita à Berlim à época da divisão da Alemanha entre República Federal da Alemanha e República Democrática Alemã, em 1975, seguindo-se viagem de estudos a esta última nos anos oitenta. Dentre os países considerados do Leste, destacaram-se no decorrer dos anos a Rússia, a Polônia, a Hungria, a então Tchecoslováquia e os países Bálticos. No corrente ciclo, tratou-se sobretudo de observar as novas condições que se abrem com as mudanças políticas do Leste para os estudos referenciados pelo Brasil. A orientação teórico-cultural insere-se na tradição da sociedade dedicada à renovação dos estudos culturais (Nova Difusão 1968), a atual Organização de Estudos de Processos Culturais em Relações Internacionais - Academia Brasil-Europa.
Interior da Catedral de S. Vladimir.
Comparação das pinturas do interior com aquelas do Mosteiro de São Bento de São Paulo.
Trabalhos da Academia Brasil-Europa.
Fotos A.A.Bispo 2009
O Mosteiro de São Bento de São Paulo levanta várias questões e suscinta reflexões de natureza teórico-cultural. O atual edifício, projetado pelo arquiteto alemão Richard Berndl, que substituiu a antiga construção colonial, marca a fisionomia de área historicamente relevante do centro da cidade. Pelo seu estilo, diferencia-se fundamentalmente da tradição arquitetônica do passado brasileiro e também das edificações representativas de diferentes períodos e correntes do século XX.
A sua apreciação histórico-arquitetônica e histórico-artística não pode limitar-se a considerações genéricas relativas ao ecleticismo e ao historicismo na arquitetura paulistana e brasileira em geral. Somente perspectivas teórico-culturais mais abrangentes e aprofundadas podem revelar o sentido e o significado de concepções subjacentes à linguagem estética da sua arquitetura e do seu interior.
Desenvolvimento dos estudos
Já há muito se tem procurado caminhos para a consideração adequada do mosteiro no âmbito de uma história da arquitetura das igrejas no Brasil. Marco significativo dessas tentativas foi curso desenvolvido sôbre a arquitetura sacra em São Paulo pela Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo, em 1970.
Os estudos tiveram o seu desenvolvimento com a atuação do editor desta revista junto a instituição de pesquisa vinculada à Abadia Beneditina de Maria Laach, na Alemanha, a partir de meados da década de 70. A atenção foi dirigida de forma mais aprofundada aos vínculos existentes entre a história beneditina na Alemanha e a restauração dos mosteiros brasileiros de fins do século XIX e início do XX.
Deu-se aqui início a uma série de estudos, publicações e eventos que procuraram salientar o papel desempenhado pelos beneditinos alemães na repopulação dos mosteiros brasileiros como fato de particular significado para a história da Igreja e, em geral, das relações culturais em contextos internacionais, em particular entre a Alemanha e o Brasil.
Uma particular consideração mereceu a arte sacra vinculada à abadia de Beuron, cuja influência se fêz sentir sobretudo no interior da igreja abacial de Maria Laach e do mosteiro de São Paulo. Os estudos da respectiva estética, desenvolvidos inclusive com visitas a Beuron e a outros centros do beneditismo europeu, levou à procura dos seus fundamentos teólogicos no contexto da história do Catolicismo do século XIX.
Sob o pano de fundo desses estudos, dedicou-se uma particular atenção ao Mosteiro de São Bento de São Paulo no âmbito do Simpósio Internacional "Música Sacra e Cultura Brasileira", realizado na capital paulista em 1981, sob os auspícios do Govêrno do Estado de São Paulo e com a colaboração de organizações pontifícias. Contando também com a participação de pesquisadores vinculados com a abadia de Maria Laach e com especialistas na história do beneditismo europeu, considerou-se a tradição cultural a que se prende o mosteiro na sua fase restaurada em função do complexo temático do simpósio - Unidade na Diversidade e Diversidade na Unidade.
Dos eventos que se seguiram, cumpre relembrar exposição dedicada em 1999 às relações histórico-culturais entre a Alemanha e o Brasil no âmbito do Congresso Internacional pelos 500 anos do Descobrimento do Brasil, quando os elos entre a história da Ordem Beneditina na Alemanha e no Brasil e as concepções culturais e histórico-artísticas correspondentes, em particular aquelas que se manifestam no Mosteiro de São Bento de São Paulo, foram reconsideradas em função do tema dedicado à visões do passado, sua atualidade e suas consequências para o futuro à entrada do terceiro milênio.
Neo-Bizantinismo e Relações com o Leste Europeu
Um aspecto dessas discussões merece ser particularmente salientado sob o ponto de vista das novas situações criadas para os estudos euro-brasileiros com as ampliações da comunidade européia e a consequente atualidade dos estudos relativos ao Leste Europeu. Trata-se aqui das dimensões interculturais e interconfessionais do fascínio exercido pela tradição bizantina na história cultural da Europa e que emprestam ao neo-bizantinismo do século XIX um significado transcendente comparativamente às outras correntes histórico-artísticas do século XIX.
A arquitetura religiosa da Restauração católica do século XIX, correspondendo à reconscientização romântica da história, foi sobretudo marcada pelo neo-gótico e, em menor escala, pelo neo-românico, além do neo-renascentista e do neo-barroco, tendências estilísticas que também repercutiram em vários países extra-europeus.
Diferentemente de tais expressões, referenciadas no passado dos países do Ocidente, em particular no medieval, o neo-bizantinismo manifesta concepções mais abrangentes da história do Cristianismo, dirigindo à atenção ao Oriente cristão e às suas remotas relações com o Ocidente.
A presença de Bizâncio na Europa ocidental, perpetuada em monumentos arquitetônicos tais como Ravenna e em Aix-la-Chapelle, permitiu que o neo-bizantino não surgisse como corpo estranho à cultura européia. Trouxe porém à consciência os fundamentos de uma história do Cristianismo remontante à época do Império Romano do Oriente, ao período de uma unidade anterior à separação das Igrejas do Oriente e do Ocidente. Tornou também presente o fato de extraordinária gravidade que foi para a Cristandade a tomada de Constantinopla pelos osmanos em 1453, época que o Ocidente se preparava para a sua expansão em outras partes do mundo.
Essa reconscientização adquiriu particular atualidade política e cultural, uma vez que a intenção de recuperação da antiga posição de hegemonia cristã se revitalizava nos países do sudeste europeu e, em particular, nos países da Ortodoxia, sobretudo na Bulgária e no Império Russo.
Significado histórico-cultural para a identidade dos países do Leste
Compreende-se, assim, a especial relevância histórico-cultural do neo-bizantino para os países do Leste da Europa e para a Rússia. Foi uma tendência estilística que marcou a arquitetura não apenas de várias igrejas e mosteiros, sobretudo daqueles de particular significado histórico e histórico-político, mas sim também de edifícios públicos. Representou uma expressão estilística estreitamente vinculada com processos de reconscientização e construção de identidades nacionais do Leste.
Consequentemente, ao lado do emprêgo de elementos construtivos considerados como básicos e simbolicamente de particular relevância da arquitetura e da arte bizantina, tais como arcos e cúpulas, o neo-bizantino russo e do Leste Europeu apresenta elementos da arquitetura tradicional dos respectivos contextos e também de atualizações e referências a atualizações na história das relações entre o Leste e a Europa ocidental.
Assim, a reconscientização da antiga Constantinopla foi acompanhada também por aquela dos antigos elos entre Veneza e o Oriente, e sobretudo a arte dos mosaicos perpetuada sobretudo em São Marcos revitalizou-se na arquitetura neo-bizantina da Ortodoxia russa e do Leste Europeu.
Konstantin Thon (1794-1881)
Um arquiteto russo de ascendência alemã merece ser particularmente lembrado nos estudos relativos ao neo-bizantino. Trata-se de Konstantin Andrejewitsch Thon (1794-1881). Após ter obtido a sua formação em São Petersburgo, aperfeiçoou-se em Roma e em Florença, entre 1819 e 1828. Retornado, tornou-se membro e professor da Academia das Artes de São Petersburgo, chegando a dirigir a sua seção de Arquitetura.
O seu vir-a-ser, portanto, apresenta similaridades com aquele de brasileiros que estudaram à mesma época nas mesmas cidades italianas e que passaram posteriormente a desempenhar papéis significativos na história do Romantismo no Brasil (Veja textos no número anterior desta revista). Se as concepções obtidas na Itália foram similares, o impeto relativamente à revalorização do passado levou necessariamente a resultados distintos.
O direcionamento aos fundamentos dirigiu a atenção de Thon a outros contextos e à época muito mais remota. Dentre as suas obras consideradas como de particular relevância para o desenvolvimento do neo-bizantino encontram-se várias igrejas e catedrais.
Catedral de S. Wladimir em Kiev
A catedral de Wladimir em Kiev, hoje igreja-mãe da Igreja Ortodoxa Ucraniana do Patriarcado de Kiev é uma das mais significativas expressões do neo-bizantino do Leste Europeu e da Rússia. Insere-se no rol de monumentos arquitetônicos nesse estilo e que inclui o novo mosteiro de Athos em Sochumi, a Catedral de S. Nicolau em Kronstadt/S.Petersburgo e a Catedral Alexander Newski em Sofia.
Já a sua dedicação, ao Grão-Príncipe Wladimir (960-1015), a quem se atribui a cristianização do Rus de Kiev, evidencia o significado do templo sob o ponto de vista da consolidação da identidade do império russo na segunda metade do século XIX. A construção de uma grande catedral foi sugerida pelo Metropolita de Moscou, Filaret , em 1852, para que se celebrasse os 900 anos do "batismo da Rússia" em Kiev.
Como uma dos maiores empreendimentos arquitetônicos do império zarista, exigiu levantamento de fundos em todo o império. O convento das cavernas de Kiev (Lavra) (Veja artigo a respeito nesta edição) forneceu materiais para a sua edificação. A construção, com as suas 7 torres douradas, com 3 apsidas, foi terminada em 1882, o seu interior em 1896.
Também aqui constata-se a atuação de arquitetos alemães. O primeiro projeto da catedral foi realizado por I.Storm, na sua construção atuou o professor R. Bernard (1819-1887). Em estilo neobizantino, teve os seus mosaicos realizados em parte por artistas venezianos, e os afrescos por pintores russos de renome, entre eles Michail Wassiljewitsch Nesterow, Michail Alexandrowitsch Wrubel e Wiktor Michailowitsch Wasnezow.
O significado da catedral para a consciência de uma "aacra Rússia" e também da Ucrânia torna-se evidente considerando-se que, no período soviético, tomou-se o cuidado de refuncionalizá-la, transformando-a em Museu da Religião e do Ateísmo. Após a Segunda Guerra, foi entregue novamente ao culto. Antes da destruição da igreja conventual de São Miguel na década de 30 levaram-se para ali religuias de Santa Bárbara, remontantes ao século III. Hoje, a liturgia ali celebrada é considerada como modelar e o coro um dos mais renomados do Leste.
(...)
As discussões terão prosseguimento
Antonio Alexandre Bispo
Observação: o texto aqui publicado oferece apenas um relato suscinto de trabalhos. Não inclui aparato científico. O seu escopo deve ser considerado no contexto geral deste número da revista. Pede-se ao leitor que se oriente segundo o índice desta edição e o índice geral da revista (acesso acima). Pede-se ao leitor, sobretudo, que se oriente segundo os objetivos e a estrutura da Organização de Estudos de Processos Culturais em Relações Internacionais - Academia Brasil-Europa (A.B.E.) - e do Instituto de Estudos da Cultura Musical do Mundo de Língua Portuguesa (Institut für Studien der Musikkultur des portugiesischen Sprachraumes, I.S.M.P.S. e.V.), visitando a página principal, de onde obterá uma visão geral e de onde poderá alcançar os demais ítens: http://www.brasil-europa.eu
A A.B.E. é entidade exclusivamente de natureza científica, dedicada a estudos teóricos de processos interculturais e a estudos culturais nas relações internacionais. Não tem, expressamente, finalidades jornalísticas ou literárias. É, na sua orientação teórico-cultural, a primeira do gênero, pioneira no seu escopo, independente, não-governamental, sem elos políticos ou religiosos, não vinculada a nenhuma fundação de partido político europeu ou brasileiro e originada de iniciativa brasileira. A Organização de Estudos de Processos Culturais remonta a entidade fundada e registrada em 1968 (Nova Difusão). A A.B.E. insere-se em tradição derivada de academia fundada em Salzburg pelos seus mentores, em 1919, sobre a qual procura sempre refletir.