Revista

BRASIL-EUROPA

Correspondência Euro-Brasileira©

 

_________________________________________________________________________________________________________________________________


Índice da edição     Índice geral     Portal Brasil-Europa     Academia     Contato     Convite     Impressum     Editor     Estatística     Atualidades

_________________________________________________________________________________________________________________________________

Revista Brasil-Europa - Correspondência Euro-Brasileira 121/4 (2009:5)
Editor: Prof. Dr. A.A.Bispo, Universidade de Colonia
Direção administrativa: Dr. H. Hülskath

Organização de Estudos de Processos Culturais em Relações Internacionais (ND 1968)
Academia Brasil-Europa
Instituto de Estudos da Cultura Musical do Mundo de Língua Portuguesa (ISMPS 1985)

© 1989 by ISMPS e.V. © Internet-edição 1998 e anos seguintes © 2009 by ISMPS e.V. Edição reconfigurada © 2014 by ISMPS e.V. Todos os direitos reservados ISSN 1866-203X - urn:nbn:de:0161-2008020501

Doc. N° 2481


 


Brasileiros em Paris à época de Napoleão III (1852-1870)


Henrique Alves de Mesquita (1830-1906) e o milieu da Closerie des Lilas

Sobre Une nuit au chateau e/ou Noivado em Paquetá






Une nuit au Chateau
Este texto apresenta uma súmula de ciclo de estudos dedicados às relações França-Brasil/Brasil-França realizados em diferentes cidades francesas em 2009. Foram aqui lembradas as preocupações pelos estudos culturais franco-brasileiros na linha de tradição que remonta à época da fundação da sociedade dedicada à renovação dos estudos culturais (Nova Difusão 1968), a atual Organização de Estudos de Processos Culturais em Relações Internacionais - Academia Brasil-Europa.


Na Europa, a partir de 1974, esses trabalhos e iniciativas receberam a colaboração de muitos estudiosos franceses no decorrer das décadas, e, entre os brasileiros residentes na França, deve-se salientar Luíz Heitor Correa de Azevedo pelo seu empenho no desenvolvimento institucional e pela sua participação em muitas iniciativas. Ao encontro de Royaumont em 1984 sob sua égide remontam impulsos que marcaram a orientação antropológico-cultural do ISMPS e da ABE.Os  trabalhos seguiram impulsos do Colóquio Filosofia Francesa Contemporânea e Estudos Culturais pela morte de J. Derrida (2005), do Congresso Internacional "Música e Visões" pelos 500 anos do Brasil e triênio subsequente (1999-2004) e eventos precedentes, devendo lembrar-se da Primeira Semana de Música França-Alemanha realizada por iniciativa brasileira em 1983 em Leichlingen/Colonia.


Pareceu ser oportuno, para sumarizar e favorecer o prosseguimento ao trabalhos em seminários europeus, recordar alguns nomes de brasileiros e de franceses que atuaram sobretudo em Paris na contextualização de sua época. Essa aproximação antes pessoal facilita os estudos para estrangeiros e traz à consciência o papel mediador desempenhado por muitos brasileiros que estudaram e viveram na França, trazendo impulsos ao Brasil que devem ser analisados sob o pano de fundo da época em que estudaram e atuaram. Os estudos tiveram como objetivo principal oferecer uma contribuição à formação de uma consciência histórica adequada àqueles residentes na França ou descendentes de brasileiros.







A época do Segundo Império francês, sob Napoleão III (1808-1873), entrou na história como um dos períodos de maior brilho exterior do século XIX. Foi uma época marcada pela ânsia de reconhecimento do Império bonapartista, estigmatizado como um sistema de "parvenüs e aventureiras", reconhecimento esse procurado através da demonstração pública de progresso (Veja artigo sobre a Imperatriz Eugènie nesta edição).

As conquistas técnicas e industriais deveriam contribuir ao bem-estar geral, à superação de problemas sociais, resultado da pauperização que acompanhara a política baseada na grande burguesia do período anterior de Louis-Philippe (1773-1850), e ao progresso da Humanidade no seu todo, como manifestado nas Exposições Mundiais de 1855 e 1867.

Em estudos relativos ao Segundo Império, tem-se mencionado que a vida cultural da capital francesa foi marcada por um florescimento da vida mundana, caracterizada pela ascensão de artistas, gêneros e formas de expressão vinculadas ou associadas a classes e situações sociais mais populares, direcionadas ao divertimento e ao humor, ao prazer pelo frívolo e ao interesse pelo "demi-monde".

Foram anos de popularidade da opereta, da ópera cômica, de vaudevilles. Já essas menções sumárias indicam o interesse dessa época para estudos orientados segundo recentes tendências dos Estudos Culturais, voltadas sobretudo à cultura popular e à análise de processos performativos e transformadores de identidades. Significativo neste contexto foi o fato de Jacques Offenbach (1819-1880) ter-se tornado um dos nomes mais populares no Paris da Exposição Mundial de 1855, sendo visto, segundo alguns, até mesmo como marco simbólico desses anos do Segundo Império.

Sinal da ascensão de Offenbach foi o fato de ter aberto o seu próprio teatro, em 1855, o Théâtre des Bouffes Parisiens, no 2. Arrondissement, onde se levavam obras de um ato, com não mais de quatro pessoas em cena.

O significado dessa época para a história das relações culturais euro-brasileiras foi considerado em conferências e em seminários por ocasião da abertura do centro de estudos da Academia Brasil-Europa, em 1997. 

Mais recentemente, em 2005, o desenvolvimento dos Bouffes-Parisiens e da vida mundana parisiense foi objeto de discussão por ocasião um Simpósio realizado no âmbito do Festival de Jacques-Offenbach na cidade alemã de Bad Ems. Cada vez mais tem-se tornado evidente a necessidade de uma consideração mais diferenciada dessa época.

Se a esfera cultural representada por Offenbach atingiu o seu apogeu, em meados da década de cinquenta, se o compositor alcançou o ápice de sua popularidade, de seu reconhecimento e criou nesses anos as suas principais obras, êle e o seu mundo cultural não foram produtos dessa época, mas sim resultados de desenvolvimentos anteriores.

Como tal, a esfera intelectual e artística em que se inseriu poderia ser examinada sob a perspectiva da situação social criada pelo regime anterior, sendo assim antes expressão, ainda que crítica, de uma política de liberalismo econômico da época de Louis-Philippe. Essa perspectiva explicaria também a frequente posição satírica de Offenbach relativamente a costumes e acontecimentos do Segundo Império. Não se pode esquecer que o compositor, de origem judeu-alemã, transferira-se para Paris em 1833, ou seja, nos primeiros anos da Monarquia de Julho. Como violoncelista, fora admitido no Conservatório, interrompera porém os seus estudos e passara a procurar o sucesso material e artístico em teatros de Boulevard e na Opéra Comique. Essa sua carreira alcançou um ponto alto quando, em 1849, tornou-se maestro do Théatre français.

O brasileiro que mais se destaca no contexto aqui esboçado foi Henrique Alves de Mesquita (1830-1906). A sua vida e obra foi já há muito objeto de estudos, no qual, ao lado de aspectos históricos, também se considerou o seu papel sob a perspectiva da cultura popular (Baptista Siqueira, Três vultos históricos da música brasileira, Rio de Janeiro 1969).

Falta ainda, porém, um estudo que considere o vir-a-ser e as características da música de Alves de Mesquita na sua inserção em processos euro-latinoamericanos à época da sua estadia em Paris. Um estudo dessa natureza, que exige porém um levantamento de fontes ainda não realizado de forma suficiente, poderá abrir novas perspectivas para a apreciação não apenas da produção do compositor, mas também para a análise mais diferenciada de gêneros, formas e meios de expressão da história da música popular e do teatro no Brasil.

Ascensão social através da música e teatro francês no Rio de Janeiro

Henrique Alves de Mesquita, nascido no Rio de Janeiro, na Ladeira do Castelo, Freguesia de São José, proveniente de classe social menos favorecida, teve a sua formação e o seu desenvolvimento vinculados à prática musical de instrumentos de sôpro, em particular de metal. Tem-se salientado sobretudo a sua aptidão como trompetista. A sua aproximação ao mundo musical da França deu-se com o aprendizado que desenvolveu junto a Desidério Dorison, músico francês atuante no Rio de Janeiro.

Dorison, renomado trompetista, executante também de outros instrumentos, pertencia, com Charles Juste Cavalier, àqueles músicos franceses que, vindo jovens para o Brasil, atuaram como organizadores e diretores de orquestras de danças segundo a moda parisiense (Veja artigo sobre Carlos Cavalier Darbilly nesta edição).

Tem-se notícia que, em 1847, Henrique Alves de Mesquita apresentou-se, com o seu professor, como executante de uma fantasia para corneta de pistons, num benefício a favor do mestre de trompa Luiz José da Cunha. A sua juventude no Rio de Janeiro deu-se à época popularização da polca, iniciada em 1844, e posteriormente, a partir de 1851, do schottisch.

A presença francesa na vida lírica do Rio de Janeiro foi particularmente intensa à época de formação e das primeiras atividades profissionais de Henrique Alves de Mesquita. Deve-se considerar, neste contexto,sobretudo  a atuação da Companhia Lírica Francesa no Teatro São Francisco.

A própria divulgação da música italiana trazia o cunho de sua recepção através da França. Dentre os artistas que maior popularidade alcançaram nessa época salientou-se  Arsène Charton, à qual Henrique Alves de Mesquita dedicaria mais tarde uma composição.

Procurando ampliar os seus conhecimentos musicais, Mesquita passou a estudar a partir de 1847 com Gioacchino Giannini (1817-1860), então influente personalidade da vida musical e compositor de música sacra do Rio de Janeiro. Com êle desenvolveu estudos teóricos aos quais daria prosseguimento no Conservatório Imperial de Música, onde Giannini dirigia a classe de contraponto e órgão.

Em 1851, a renomada cantora Augusta Candiani cantou um Laudamus da autoria do jovem compositor.Com essa aproximação à produção musical para a prática sacro-musical, o desenvolvimento das aptidões de Henrique Alves de Mesquita seguiu o caminho tradicional de ascensão e projeção de músicos provenientes de meios sócio-culturais de menores recursos. O fato de ter sido aceito e apoiado no Conservatório indica a abertura dessa instituição perante um fenômeno social cujas causas remontavam ao período colonial.

Profissionalmente, Henrique Alves de Mesquita fundou, em 1853, juntamente com o clarinetista Antonio Luís de Moura, um Liceu e Copistaria Musical. Também aqui a sua carreira testemunha um caminho comumente encontrado na história da vida de músicos e mestres de instrumentos de sôpro, ou seja, o da dedicação ao ensino de múltiplos instrumentos em conjunto com o comércio de cópias, - o que exige também conhecimentos ainda que rudimentares de harmonia e instrumentação -, e à produção musical, sobretudo de música nos gêneros mais populares. De suas composições dessa fase tem-se mencionado a modinha O retrato (1854), a romança Ilusão (1855), a valsa Saudades de Mme. Charton (1856) e o lundú Beijos de Frade (1856). O lundú Beijos de Frade poderia ser visto como expressão de uma tendência ao humor, à brejeirice e à frivolidade que permite compreender o seu desenvolvimento posterior.

As duas esferas das atividades de Mesquita, a profana, como hábil trompetista e autor de música de salão e de dança, e a sacra, como aluno de Giannini, determinariam uma desenvolvimento na vida e obra do compositor que apenas em visão retrospectiva poderia ser considerado como conflitante. A primeira garantira-lhe cedo popularidade, a segunda, o apoio de personalidades influentes que nele viam a promessa de um compositor de relêvo para o desenvolvimento cultural da nação, alcançando aqui a proteção de Pedro II. Assim, apesar de sua integração no meio popular e da música ligeira do Rio de Janeiro, tornou-se o primeiro estudante do Conservatório Imperial de Música a ser premiado com uma viagem à Europa.

"Il giovane artista, pria di entrare come allievo nell'Imperiale Conservatorio di Musica, ove studia l'armonia nella classe del maestro italiano Gioacchino Giannini, ed ottiene la grande medaglia d'oro, e poscia il premio di viaggio in Europa, godeva già fama di compositore. Senza citare i tanti graziosi ballabili, le romanze per canto, le fantasie e i temi variati per cornette a pistone, del quale era valente suonatore, produzioni inferiori, che l'entusiasmo giovanile strappava alla sua penna, convien ricordare la Messa a grande orchestra, eseguita nella festa di Santa Cecilia, fra l'ammirazione dei suoi colleghi. Questo lavoro, relativamente superiore ai suoi studii musicali, e non mancante di vivace colore melodico, fece concepire grandi speranze sull'avvenire dell'artista, che giunge a meritarsi la protezione dell'Imperatore D. Pedro." (Vincenzo Cernicchiaro, Storia della Musica nel Brasile, Milão 1926, 309)

François-Emmanuel-Joseph Bazin (1816-1878)

Partindo do Brasil a 2 de julho de 1857, Mesquita encontrou em Paris do Segundo Império um ambiente que vinha de encontro àquele que vivenciara no Rio de Janeiro. Prova de que possuía consideráveis aptidões foi o fato de ter sido aceito no Conservatório, onde passou a estudar harmonia com François-Emmanuel-Joseph Bazin.

O Conservatório, nessa época, diferia da instituição que, décadas mais tarde, tornar-se-ia internacionalmente conhecida pelo seu cunho elitário e culto ao refinamento. Também o seu professor, embora teoricamente convencional, era voltado ao alcance de popularidade, à ópera burlesca e ao Vaudeville. O professor de Mesquita fora aluno de Jacques Fromental Halévy (1799-1862), músico de origem judaica, compositor da famosa La Juive (1835), mestre de coro do Teatro Italiano e uma das mais influentes personalidades da vida musical parisiense. Estudara também com Henri Montan Berton (1767-1844), mestre-capela da Opéra Comique, autor de vasta produção de óperas cômicas, entre elas,Les Créoles (1826).

Bazin ganhara o Prêmio de Roma em 1840, com a cantata Loyse de Montfort, executada na Académie Royale de Musique. Em Roma, a sua produção de obras de maior envergadura dera-se primeiramente no âmbito da música sacra (Missa solene para a Igreja de São Luís dos Franceses; Oratório La Pentecote; Salmo Super Flumina Babylonis). Entretanto, a sua estadia na Itália foi também marcada pelo entusiasmo pela ópera bufa de G. Rossini (1792-1868). Várias obras de sua produção para a ópera cômica alcançaram posteriormente considerável popularidade, sobretudo La Trompette de Monsieur le Prince, em um ato, apresentada em 1846, Le Malheur d'être Jolie, em um ato, levada em Paris, em 1847 e La Nuit de la Saint-Sylvestre, executada também em Paris, em 1849. Pouco antes da chegada de Alves de Mesquita compusera uma de suas obras mais consideradas: Maitre Pathelin (1856).

À época dos estudos de Mesquita, Bazin já era há vários anos professor de Harmonia no Conservatório, uma vez que assumira essa posição em 1849. Em 1858, escreveu uma obra didática para o uso de seus alunos, o Cours d'harmonie théorique et pratique, adotado oficialmente pelo Conservatório. Mais tarde, quando já desempenhava a função de professor de Composição (1871), escreveria Exercices de lecture musical: recueil de solfèges (Paris 1880).

Sob a orientação de Bazin, o músico brasileiro recebeu uma orientação teórica conservadora, certamente não discordante do ensino que obtivera no Rio de Janeiro. Tudo indica ter sido influenciado pelo estilo instrumental do desenvolvimento melódico impregnado de humor e verve na tradição de Rossini, o que também vinha de encontro à tradição improvisatória que conhecia da prática popular no Brasil. Mesquita teve, no seu professor, um exemplo de músico ligado ao aspecto popular e comercial da produção musical, voltado ao burlesco e ao Vaudeville. Nele encontrou também um fascínio cheio de humor por situações exóticas e fantasiosas (Le Voyage en Chine, 1865; L'Ours et le Pacha, 1870), o que também se manifestaria nas suas próprias obras.

Alexandre Charles Lecocq (1832-1918) e o fascínio pelo mágico-fantasioso

Um dos colegas de Mesquita na classe de Bazin foi Alexandre Charles Lecocq. Pouco mais jovem do que o compositor brasileiro, também provinha de família de poucas posses e de meio social desprivilegiado, além de possuir um defeito físico. Quando Mesquita entrou no Conservatório, Lecocq já estudava há anos na instituição, onde entrara em 1849. Cursava harmonia com Bazin, composição com Halévy e órgão com Benoist. Também aqui, portanto, apresentava uma similaridade com Mesquita, uma vez que também este estudara órgão no Brasil.

Lecocq foi colega e amigo de Georges Bizet (1838-1875), e Ch. Camille Saint-Saens (1835-1921), então também estudantes do Conservatório. Por falta de meios, não pode prosseguir os seus estudos até o Concurso de Roma. Também Mesquita seria obrigado a interromper os seus estudos, embora por outros motivos. À época da chegada de Mesquita, já ganhava o seu sustento como professor particular.

Um primeiro sucesso de Lecocq foi alcançado em concurso aberto por Jacques Offenbach destinado à composição de música de Docteur Miracle, com libreto de Ludovic Halévy e Léon Battu. O seu Docteur Miracle, premiado juntamente com o de Georges Bizet, foi apresentado nas Bouffes-Parisiens, em 1857. Nos anos da estadia de Mesquita em Paris, escreveu várias obras, ainda que sem muito sucesso, tais como Huis-Clos para as Folies-Nouvelles (1859), Le Baiser à la porte e Liliane et Valentin (1864).

Grande sucesso viria apenas em 1868, com Fleur de thé, levada à cena no teatro Athénée. Após o término do período napoleônico, alcançaria considerável sucesso com as Cent vierges (1872), e, sobretudo, com La Fille de Madame Angot (1872), ambas apresentadas primeiramente em Bruxelas. Outro grande sucesso, também alcançado em Bruxelas, seria Giroflé-Girofla (1874). A partir deste ano, tornar-se-ia um dos mais destacados e festejados compositores de operetas da França. Também na sua obra encontram-se temas de cunho exótico e mágico-fantasiosos, tais como La Princesse des Canaries, em 3 atos (1883, Folies Dramatiques) e Ali Baba, em quatro atos (1887, Bruxelas). Assim como Mesquita no Brasil, também Lecocq  criararia uma obra baseada na estória do Barba Azul (Barbe-Bleue, Ballett pantomimico, apresentado no Olympia, 1898).

Closerie des Lilas. Tentativas de reconstrução de um milieu

Apesar de sua atuação na vida musical parisiense, Mesquita manteve vivos os seus contactos com o meio musical do Brasil. No Rio de Janeiro, esperava-se o desenvolvimento do autor em esferas mais sérias da produção musical e o próprio Mesquita procurava fomentar esse prestígio através do envio de obras.

Assim, em 1861, ouviu-se uma Missa de sua autoria na igreja de Santa Cruz dos Militares, sob a regência de Francisco Manoel da Silva (1795-1865), e executou-se a sua abertura sinfônica L'Étoile du Brésil na solenidade de distribuição de prêmios do Conservatório. A 24 de outubro de 1863, levou-se, no Teatro Lírico Fluminense, pela Ópera Nacional, a obra O vagabundo ou A infidelidade, sedução e vaidade punidas, com libreto em italiano de Francesco Gumirato, traduzido para o português.

Embora ainda pouco estudada, a produção musical de Henrique Alves de Mesquita em Paris incluiu, além das obras já citadas, em particular a abertura L'Étoile du Brésil, uma quadrilha intitulada Soirée brésilienne, que alcançou popularidade na França e no Brasil, além da ópera cômica, em um ato, de título Une Nuit au Château.

Durante il periodo dei suoi studi, egli compone una bellissima ouverture L'Etoile du Brésil, eseguita con successo dappertutto, e specialmente in quella famosa società orchestrale Closerie des Lilas, il cui esito fu dei più brillanti. Indi scrive la celebre quadriglia Les soirées brésiliennes, la quale ebbe l'onere della popolarità in Francia e nel Brasile, ove per molti anni fu la delizia dei balli privati e pubblici. Un'altra, sua composizione di maggior lena, che molto contribuì alla sua rinomanza, è l'opera intitolata: Noivado em Paquetá, poscia tradotta in francese, col nome: Une nuit au chateau, stampata e pubblicata dalla casa editrice Laforge, di Parigi .

Più tardi, sentendosi capace di trattare la grand'opera, prende a musicare un libretto in portoghese, che gli mandava un suo caldo amico ed ammiratore, il dottor De-Simoni, libretto che aveva per titolo: O Vagabundo.

Quest'opera, scritta nella capitale francese, il cui stile riomane, in verità, poco profondo, giacchè non aveva ancora compiuto i suoi studi, ma distinto per le risorse melodiche (...) (op.cit. 309)

Essa menção da Closerie des Lilas abre caminhos para a reconstrução  das atividades de Henrique Alves de Mesquita em Paris e do meio que frequentou nos seus anos de estudante.

Closerie des Lilas era um dos principais centros de diversão da vida parisiense, frequentado por estudantes, vendedores de lojas de novidades femininas e grisettes, ou seja, por moças de camadas mais modestas da sociedade, lavadeiras, costureiras, talhadeiras, fazedoras de flores artificiais, com reputação de vida fácil. Tornara-se um local da moda, conhecido pelo traje refinado ou extravagante de mulheres e de homens, frequentado por artistas, intelectuais, políticos, escritores, entre êles Pierre-Jean de Béranger (1780-1857), também de origem humilde, de renome à época do Rei Cidadão.

O local remontava ao Prado d'Eté, situado na rue de l'Observatoire, criado em 1838, e que substituira um baile criado em 1804, conhecido como Closerie des Lilas, posteriormente La Chartreuse, lembrando um antigo convento que havia sido extinto após a Revolução. Ao redor de 1840, tornara-se um dos principais locais de baile no Quartier Latin, ao lado da Grande-Chaumière, no boulevard do Montparnasse, onde se dançava também nos jardins. Um dos nomes femininos que entraram na história cultural como "sacerdotisas" dessa vida mundana foi o dee Clara Fontaine, considerada por alguns como criadora do cancan; outra, Elise Sergent, conhecida como rainha Pomáre, lançou a Polka à Mabille. A orquestra dos bailes, dirigida por Carnaud, era conhecida pelos efeitos sonoros produzidos por instrumentos não convencionais, entre eles bigornas e pistolas. Exercia as funções de regente, primeiro violino, maitre de restaurante, compositor e literato. Procurava constantemente motivos para festas, lançando um mote e apresentando uma nova quadrilha.

Em 1847 (ou 1843), François Bullier (1796-1869), um antigo empregado do Bal de la Grande Chaumière, adquiriu o Prado d'Eté, ali plantou ca. de 1000 pés de lilas, decorou-o em estilo orientalizante, com girândolas de vidros coloridos, instalou numerosos bicos de gás, montou mesas de jogo em recantos de cunho campestre, criou possibilidades para encontros discretos e rebatizou o local de Closerie des Lilas. Passaria a ser conhecido também como Jardin Bullier ou le Bulli.

O repertório de baile seguia as tendências da moda. A soberania da polca dera lugar à da quadrilha e da valsa, a estas se seguiram a mazurca e a schottisch. Popular tornou-se também ali o galope do inferno, cancan ou chahut. Os programas apresentavam sugestões exóticas, com referências a países longínquos.

O estabelecimento abria-se de início pela manhã. Durante o dia, estudantes e moças passeavam pelos jardins, em atmosfera pastoril e campestre, divertiam-se em balanços, no bilhar e em outros jogos. À época de Mesquita, ocorreu uma transformação no funcionamento da Closerie: passou a ser aberta apenas às noites de baile, aos domingos, terças e quintas. Tornando-se conhecida pelo nome de Bullier, ganhou em fascínio pelo resplandecer da iluminação feérica de sua sala de colunas orientais e pelos fogos de artifício nos seus jardins. A orquestra, consideravelmente ampliada, dirigida por Auguste Desblins, apresentava novas peças, entre elas, do próprio regente, a quadrilha Magenta, então popular, e a polca dos Beijos.

Sob esse pano de fundo parece ser compreensível que o primeiro bolsista do Conservatório Imperial tenha-se envolvido com aventuras amorosas que lhe custariam a carreira na Europa. Embora de forma não esclarecida, os problemas criados parecem ter sido tão graves que o levaram à prisão.

Com a ajuda de parentes e amigos brasileiros, que realizaram concerto em seu benefício no Rio de Janeiro, pôde ser auxiliado financeiramente. Foi obrigado a deixar o Conservatório e a sua pensão, por intervenção de Pedro II, foi suspensa devido a tais problemas de conduta pessoal. O imperador até mesmo evitaria, no futuro, a assistir às suas obras e o artista não receberia as provas de reconhecimento oficial que outros compositores alcançaram.

Come si può supporre, l'inizio della carriera del giovane maestro, la rinomanza acquisita in terra straniera, era movito di orgoglio per l'arte nazionale della sua patria; egli era, per meglio dire, una sicura speranza della nascente arte melodrammatica. Disgraziatamente, una leggerezza amorosa della sua vita giovanile, che gli fruttò parecchi anni di carcere, nonchè la perdita della protezione dell'Imperatore, che, per antica abitudine, non soleva perdonare gli atti indecorosi, gli fecero perdere il miglior tempo pei suoi studi, e un brillante avvenire artistico. (op.cit. 310)

Mesquita retornou ao Brasil em julho de 1866, pouco antes da Segunda Exposição Mundial de Paris. No Rio de Janeiro, tornou-se músico da orquestra do Alcázar e, a partir de 1869, regente da orquestra do Teatro Fênix Dramática. Tornou-se autor de operetas que alcançaram sucesso, entre elas Trunfo às avessas (1871); Ali Babá (1872); Coroa de Carlos Magno ((1873); Loteria do diabo (apresentada no Teatro Fênix Dramática, 1877) e A Gata Borralheira (apresentada em 1885). Assim como em Paris, não se limitou à ópera cômica e à música de ciunho mais popular. Em 1872, o ex-aluno de Bazin tornar-se-ia professor de solfejo e princípios de harmonia do Conservatório e organista da Igreja de São Pedro. Em 1890, já sob a República, seria nomeado professor de instrumentos de metal, aposentando-se em 1904.

Debate sobre Une nuit au chateau e/ou Noivado em Paquetá

A pesquisa de Henrique Alves de Mesquita é marcada por uma polêmica relativa à sua ópera Une Nuit au Château (Opéra-Comique en Un acte de Paul de Kock.

O mencionado V. Cernicchiaro foi severamente criticado por J. Baptista Siqueira (1906-1992) por ter identificado o Noivado em Paquetá com Une Nuit au Château.

Esta última teria sido, para Cernicchiaro, uma transposição, em versão para o francês da ópera intitulada de Noivado em Paquetá.

Como Baptista Siqueira salienta, o libreto desta última ainda não foi encontrado e a referência mais antiga existente é a da revista Brazil Artístico, de julho de 1857, dizendo que esta teria sido prometida, mas nada mais ter-se-ia dela ouvido falar. A seguir, essa revista comunicava que a ópera teria três atos e que estaria sendo impressa na casa dos sucessores de Laforge. Um anúncio do Jornal do Comércio menciona que a Abelha Musical N° 1 publicara a ária de soprano e o romance da ópera, de janeiro de 1857.

Tratar-se-ia aqui, portanto, segundo Baptista Siqueira, de uma composição anterior à viagem à Europa de Henrique Alves de Mesquita, estando enganados aqueles que se pronunciaram a esse respeito (op.cit. pág. 48). Uma outra notícia, de janeiro de 1858, informa que o Noivado em Paquetá teria dois atos.

Para esse pesquisador, a ópera cômica Une nuit au chateau teria sido escrita especialmente para o Teatro Alcazar, em 1870. Uma ópera em três atos não poderia ser traduzida para outra de um só ato. Poderia apenas ter havido um aproveitamento de material de composição anterior.

Sobre a publicação da partitura de Une nuit au chateau, a Revista Musical de 1879 informa que teria sido graças aos esforços de Narciso José Pinto Braga, chefe da firma Narciso & Cia que a obra de Alves de Mesquita pôde ser publicada em Paris.

Nesse ano, a ópera foi à cena e repetida cinco vezes. É dessa época que remontam as partes cavadas conservadas na biblioteca da Escola de Música da Universidade Federal do Rio de Janeiro. A tradução do francês foi feita por Lino de Assunção. (op. cit. 69)

"Depois de todas essas explicações, é possível esclarecer que a ópera Uma noite no Castelo teve sua primeira representação assegurada no Teatro Lírico Fluminense, no ano de 1870, e sòmente foi publicada (por interferência do editor Narciso) nove anos após sua estréia no Rio de Janeiro. (...) Conclui-se de tudo, que a ópera cômica referida nada tem de comum com o Noivado em Paquetá, que foi escrita precisamente treze anos antes. Estão enganados redondamente os que afirmam que Uma noite no Castelo é tradução daquela ópera." (op.cit.70)

A discussão, porém, não pode ser vista como encerrada enquanto não forem encontrados materiais que comprovem ser O Noivado em Paquetá obra distinta de Une Nuit au Château. É grande a probabilidade de ter sido a obra Une Nuit au Château criada durante a estadia de Alves de Mesquita em Paris, com a possível utilização de partes já existentes, e apenas posteriormente representada no Rio de Janeiro e publicada na capital francesa por intermédio da firma Narciso. Ela pertence, pelo seu libreto, ao ambiente frequentado por Mesquita. O conteúdo, nas sugestões amorosas, galantes e pastorís, coadunando-se com o ambiente dos jardins e bosques dos jardins de Lilas, poderia muito melhor ser transposto para a ilha de Paquetá, com as suas associações amorosas, do que para um castelo, não existente no Brasil. A temátida do noivado é presente no texto de Une Nuit au Château:

  1. "Homem que seja ciumento
    E a noiva aqui venha buscar
    P'ra ser feliz no casamento
    Mil precauções deve tomar"
    (do Couplets N° 6). 


Com relação a ter sido composta em um ato, Henrique Alves de Mesquita inseriu-se na tradição da ópera cômica cultivada por seu mestre Bazin e também usual nas obras de Offenbach de meados dos anos cinquenta.

A edição, de Choudens, Père et Fils, em redução para piano (A.C. 4366) é uma das mais belas e cuidadas publicações musicais brasileiras do século XIX na Europa, com capa gravada por J. Bourgeois.

A redução inclui a Ouverture e 8 peças da obra, com textos em duas línguas, francês e português: 1) Air (Quels doux moments/Ah! que prazer; Le Comte); 2) Couplets (En fait de plaisirs et de belles/Em casos d'amor, meu amigo; Le Comte); 3) Choeur (Nous v'là/Aqui); 4) Quatuor (V'là Monseigneur qui s'avance/Eis ahi vem nosso ano; Colette, Mathurine, Alain, le Comte); 5) Duo (Aux champs, nous avons pour usage/Em paz nós gosamos a vida; Colette, le Comte); 6) Couplets (Vous que e'fripon d'amour engage/Homem que seja ciumento; Jérôme, Alain, Colette); 6) bis Mélodrame; 7) Duo et trio (Avançons je ne vois personne/Eis-me enfim! Da noute o socego; Colette, Jérôme, le Comte); 8) Final (Bannissons la tristesse/A tristesa sombria; Colette, le Comte, Choeur).

Com a escolha de Charles-Paul de Kock (1793-1871) como autor do libreto, novelista, criador de vaudevilles e comédias (Gustave ou le Mauvais Sujet, 1821; Le Cocu, 1831; La Jolie Fille du faubourg, 1840), Mesquita voltava-se a um escritor que era conhecido como mestre do "roman gai", autor de estórias cheias de vivacidade, humor, sentimentalismo e frivolidade, de retratos alegres da gente do povo e da vida parisiense e que tratou da grisette como personagem literária, tipo da mulher francesa de costumes fáceis.

Teria sido pela orquestra da Closerie des Lilas que o estudante brasileiro apresentara a sua ouverture l'Étoile du Brésil e no âmbito desses bailes que alcançara sucesso com a sua quadrilha Les soirées brésiliennes.

Também seria nessa atmosfera que se poderia considerar a sua obra Une nuit au chateau ou Noivado em Paquetá com as suas graciosas sugestões amorosas e levemente frívolas.

Redescobrimento de um repertório e de uma esfera cultural

Uma reavaliação da obra de Henrique Alves de Mesquita deveria assim ser procurada na sua inserção em contextos internacionais e em cooperação com os esforços que atualmente se desenvolvem no sentido de redescobrimento da música festiva de danças de Paris do século XIX, em particular na tradição da assim-chamada "musique musardienne", ou seja, daquela impregnada pelo espírito de Philippe Musard (1792-1852) e do seu rival Louis-Antoine Jullien. (1812-1860).

Nas tentativas de levantamento de fontes e de nomes de compositores dessa esfera musical do século XIX tem-se constatado a presença de músicos de regiões extra-européias, tais como Eugène Dédé, das Antilhas, e, sobretudo, da sua repercussão em vários países, sobretudo nas colonias francesas e em outras regiões marcadas mais intensamente pela França. Abrem-se aqui novas perspectivas para estudos histórico-musicais em contextos internacionais e que, necessariamente, exigem ser conduzidos de forma teoricamente refletida segundo perspectivas dos estudos culturais da atualidade.



Antonio Alexandre Bispo

 

                                                                                      



  1. Observação: o texto aqui publicado oferece apenas um relato suscinto de trabalhos. Não inclui aparato científico. O seu escopo deve ser considerado no contexto geral deste número da revista. Pede-se ao leitor que se oriente segundo o índice desta edição e o índice geral da revista (acesso acima). Pede-se ao leitor, sobretudo, que se oriente segundo os objetivos e a estrutura da Organização de Estudos de Processos Culturais em Relações Internacionais - Academia Brasil-Europa (A.B.E.) - e do Instituto de Estudos da Cultura Musical do Mundo de Língua Portuguesa (Institut für Studien der Musikkultur des portugiesischen Sprachraumes, I.S.M.P.S. e.V.), visitando a página principal, de onde obterá uma visão geral e de onde poderá alcançar os demais ítens: http://www.brasil-europa.eu


  2. A A.B.E. é entidade exclusivamente de natureza científica, dedicada a estudos teóricos de processos interculturais e a estudos culturais nas relações internacionais. Não tem, expressamente, finalidades jornalísticas ou literárias. É, na sua orientação teórico-cultural, a primeira do gênero, pioneira no seu escopo, independente, não-governamental, sem elos políticos ou religiosos, não vinculada a nenhuma fundação de partido político europeu ou brasileiro e originada de iniciativa brasileira. A Organização de Estudos de Processos Culturais remonta a entidade fundada e registrada em 1968 (Nova Difusão). A A.B.E. insere-se em tradição derivada de academia fundada em Salzburg pelos seus mentores, em 1919, sobre a qual procura sempre refletir.