Revista

BRASIL-EUROPA

Correspondência Euro-Brasileira©

 

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Revista Brasil-Europa - Correspondência Euro-Brasileira 120/19 (2009:4)
Editor: Prof. Dr. A.A.Bispo, Universidade de Colonia
Direção administrativa: Dr. H. Hülskath

Organização de Estudos de Processos Culturais em Relações Internacionais (ND 1968)
Academia Brasil-Europa
Instituto de Estudos da Cultura Musical do Mundo de Língua Portuguesa (ISMPS 1985)

© 1989 by ISMPS e.V. © Internet-edição 1998 e anos seguintes © 2009 by ISMPS e.V. Edição reconfigurada © 2014 by ISMPS e.V. Todos os direitos reservados
ISSN 1866-203X - urn:nbn:de:0161-2008020501

Doc. N° 2477


 


Resenha


Heitor Villa-Lobos e o "Aufbruch" da música brasileira




Manuel Negwer. Der Aufbruch der brasilianischen Musik. Mainz: Schott, 2008, 276 págs, ilustrações, CD. ISBN 978-3-7957-0168-0



Manuel Negwer
Como o texto de capa desta publicação informa, o autor, nascido em Berlim, em 1952, passou a sua infância na Argentina e em Angola. Estudou Musicologia e Romanística na Universidade Livre de Berlim, doutorando-se em 1982. Paralelamente, estudou violão, atuando como músico prático e como compositor. A partir de 1986, passou a trabalhar para o Instituto Goethe no Brasil, no Japão e na Bolívia. Tem elaborado textos para emissoras radiofônicas e revistas, sobretudo sobre temas relacionados com a música e com a literatura da América Latina.


A obra, aberta por um texto introdutório de título "Eu não vim para aprender", é constituída pelos seguintes capítulos ou ítens principais: "Rio de Janeiro, a cidade maravilhosa“; "Rotas de viagem"; "O caminho ao palco"; "O deslanchar (Aufbruch) das artes"; "Experiências em Paris"; "A era Vargas"; "O compositor cosmopolita".


O livro é finalizado com um texto de título "Villa-Lobos e depois". Seguem-se notas, bibliografia, índice (onomástico-analítico), créditos de imagens e um Bonus-CD ("Villa-Lobos executa Villa-Lobos“). As ilustrações são provenientes em sua maioria do acervo do Museu Villa-Lobos. As gravações, históricas, de propriedade do Museu, incluem obras para violão, piano e canto e piano. As de piano foram realizadas em junho de 1936 na Reichsrundfunk Berlin, as duas peças para violão provavelmente no Rio de Janeiro, na década de 40.


O primeiro capítulo do livro é constituído pelos tópicos: "Cidade em transformação"; "A boemia";  "Rio de Janeiro, cidade musical"; "Com violão e violoncelo". O segundo,  apresenta os seguintes ítens: "Paranaguá"; "Manaus"; "Índios e Escravos". O terceiro capítulo, "O caminho ao palco", inclui os ítens: "Lucília Guimarães"; "O establishment musical"; "Desafios"; "Milhaud e Rubinstein"; "Retoques e metamorfoses". O quarto, é dedicado os tópicos "A Semana da Arte Moderna"; "Mário de Andrade" e "Caminhos para a música nacional". O quinto, considera os ítens: "Choque cultural"; "O selvagem da floresta"; "Os Choros"; "Colheita Parisiense". O sexto, dedica-se aos tópicos: "Educação e Propaganda"; "A tentação do Poder"; "Retorno à tradição"; "Bachianas Brasileiras" e "Música Viva". Por fim, a última parte dedica-se a considerações de títulos "Entre Inovação e Mainstream"; "Na tela e no palco"; "A obra tardia", e "Os últimos anos".


No texto de abertura, encimado pela expressão pronunciada por Villa-Lobos à sua chegada em Paris, em 1923, o autor salienta a presença atual da música popular da América Latina na Europa, intensificada com o relativamente recente interesse pela World music e „música etno“. Essa presença não poderia ser constatada no campo da música erudita, com a exceção de Heitor Villa-Lobos, que surgiria quase que como monolito na massa anônima de compositores latino-americanos.


Entretanto, o próprio Heitor Villa-Lobos teria despertado inicialmente irritações no meio musical institucionalizado do Brasil pela sua demonstração de menosprezo por consagrações acadêmicas e por suas provocações. O compositor teria encarado a herança do Velho Mundo com consciência de si e livre de complexos. Na Europa, ter-se-ia estilizado como único representante da música brasileira, utilizando-se de fabulações e de lugares comuns vigentes sobre a América do Sul.


O autor salienta a dimensão da obra de Villa-Lobos. Como primeiro compositor latino-americano teria conseguido estabelecer-se no repertório internacional. De início, difundiu-se a sua música para piano e para violão, através de A. Rubinstein e A. Segovia. Hoje, de forma crescente, as suas sinfonias, música de câmara e a sua obra vocal passam a ser cada vez mais consideradas. Ao mesmo tempo, constatar-se-ia mesmo em países como a Finlândia e o Japão interesses de natureza essaística e de pesquisa pela personalidade e pela obra do compositor. No encontro com a música de Villa-Lobos abrir-se-ia um espaço cultural vital que já há muito teria começado a dialogar à mesma altura com o Velho Mundo.


O texto abre com dados relativos à fundação e aos primeiros anos do Rio de Janeiro, passando a reflexões sobre a imagem, repercussão e a beleza da cidade. A seguir, oferece um esboço histórico do meio familiar em que Villa-Lobos nasceu. Sob o título de "Cidade em transformação", o autor parte singularmente de considerações sobre Pedro II, passando a seguir a discorrer sobre o ambiente musical em que o compositor cresceu em texto entremeado de considerações sobre a abolição da escravatura, proclamação da República e remodelação urbana do Rio de Janeiro.


Sob "A boemia", o autor dirige a sua atenção à fascinação de Heitor Villa-Lobos pela música popular. Aproveita essa oportunidade para discorrer sobre o Choro, sobre a participação de Villa-Lobos em grupos populares da "Choro-Szene" sob o pano de fundo das necessidades econômicas após o falecimento de seu pai, incluindo menções sobre o Maxixe, Ernesto Nazareth, Lundu e de uma boemia orientada segundo Paris. Sob o ítem "Rio de Janeiro como Cidade Musical", o autor oferece um amplo panorama histórico que inclui Emerico Lobo de Mesquita, Sigismund von Neukomm, José Maurício Nunes Garcia, Louis Moreau Gottschalk, saltando a seguir à formação musical de Villa-Lobos.


Entra em considerações sobre Frederico Nascimento e Francisco Braga. O seu principal interesse é também aqui dirigir a atenção à música fora das instituições, sobretudo ao samba e ao carnaval, tratados em longas divagações. O ítem "Com violão e cello" serve para que o autor discorra sobre a guitarra e suas variantes nos países latinoamericanos e sobre as características de instrumentos brasileiros, em particular da viola. Procurando sempre estabelecer pontes para inserir as suas considerações gerais no contexto da vida de Villa-Lobos, passa a tratar de João Pernambuco. Após mencionar as primeiras composições de Villa-Lobos, constatando em algumas obras a influência da técnica violonística, dedica-se a comentários sobre a música de câmara do compositor, detendo-se sobretudo em considerações históricas e analíticas sobre os quartetos.


Sob  o título "Rotas de viagem", o autor trata das excursões empreendidas por Villa-Lobos no período de seus estudos no Instituto Nacional de Música e de seus aspectos fantasiosos. Hoje, essas estórias estariam sendo vistas como produtos da fantasia e da grandeza de auto-representação de um artista extremamente consciente de si. Entretanto, alguns autores teriam dificuldade de afastar-se de tais produtos fantasiosos. Nesse sentido, o cálculo de Villa-Lobos alcançara o seu objetivo. Fora um propagandista inteligente e quase sem escrúpulos em expandir a sua esfera de influência.


O autor insere Villa-Lobos com as suas fantasias em tradição de aventureiros lusitanos, lembrando de Fernão Mendes Pinto. Aproveita aqui o ensejo em entrar em considerações sobre uma "mania de expedições" do século XIX e sobre a Missão Francesa de 1816. Das viagens passíveis de serem comprovadas do compositor, trata de sua estadia em Paranaguá, em 1908. Mais uma vez aproveita a oportunidade para entrar em considerações de contexto, no caso sobre o Paraná, descrito como um dos menos brasileiros estados do país, e sobre o Fandango. A viagem ao Nordeste e a Manaus, em 1911, como membro de companhia teatral e da orquestra de Luís Moreira, é exposta no sentido de dirigir a atenção ao saxofonista e pianista Romeu Donizetti e à viagem por ambos realizadas de Fortaleza a Belém.


O autor sugere dúvidas quanto a viagens à Ilha de Marajó e ao Solimões e considera improvável uma extensão da viagem a Barbados. O autor aproveita o ensejo aqui de ampliar o seu texto com exposições relativas à decadência da borracha e ao Teatro de Manaus.


Seguem-se panoramas de cunho literário a respeito da floresta amazônica, do mercado de Belém, da flora, da fauna e de mitos, sugerindo o papel que a atmosfera do Norte teria desempenhado na fantasia e na imaginação do compositor. Um pensamento interessante do autor é a sua sugestão de uma atitude "colonialista interna" ao lado do sensacionalismo de Villa-Lobos: o habitante branco do Rio de Janeiro e São Paulo enxergariam as culturas dos "povos naturais" do país como algo estrangeiro.


Villa-Lobos teria compreendido que poderia vir de encontro ao interesse europeu pelo exótico e no qual êle próprio se inseria. Neste contexto, o autor inclui um ítem designado por "Escravos e Índios", composto de diversificadas exposições de cunho histórico sobre o Descobrimento e o início da colonização do Brasil, salientando o significado de José de Anchieta. Passa daqui a tratar de José de Alencar, a citar a música sacra colonial do Nordeste, voltando-se para a questão da herança afro-brasileira.


Villa-Lobos teria sido um dos primeiros compositores que se aproximaram da música afrobrasileira sem intenções políticas ou etnológicas; a êle interessava a dimensão estética e a possibilidade de seu emprêgo na composição. Lembra, aqui, de uma "fase Afro" na obra de Francisco Mignone. Finalizando as suas conjunturas, o autor entra sumariamente na problemática da música no contexto de práticas rituais afro-brasileiras.


O tópico intitulado "Caminho à ribalta" é iniciado com considerações sobre Lucília Guimarães, descrevendo as circunstâncias sob as quais se conheceram e o seu matrimônio com o compositor. O autor salienta a influência de Lucília Guimarães como parceira e conselheira de Villa-Lobos e oferece um panorama cronológico comentado de concertos e apresentações de obras do compositor.


Nas suas considerações sobre o "establishment“ musical do Rio de Janeiro, oferece uma breve história do Instituto Nacional de Música. Entre as personalidades particularmente mencionadas, encontram-se Alberto Nepomuceno e Luciano Gallet. O autor trata das tensões com o crítico Oscar Guanabarino e procura elucidá-las.


Sob "Desafios", o autor parte da obra pianística de Villa-Lobos, manifestando a opinião de que justamente a sua técnica pouco desenvolvida e inconvencional teria levado a experimentações produtivas no processo criador. Com as Danças Características Africanas, Villa-Lobos teria iniciado com as fabulações que passariam a ser vistas como típicas da sua pessoa. Somente com A Prole do Bebê teria produzido uma obra que mereceria particular atenção.


A seguir, passando da música para piano à sinfônica e comentando o vasto grupo de obras na sua grande amplitude estilística e de conteúdo, detecta alguns elementos estilísticos comuns: a permanência em princípio da forma clássica da sinfonia com os seus quatro movimentos, e a forma sonata. Algumas das sinfonias lembrariam antes partitas ou suites.


O próximo conjunto de considerações é dedicado a Milhaud e Rubinstein. Milhaud teria familiarizado Villa-Lobos com a música francesa mais recente e este introduzido o compositor francês em esferas culturais populares. O autor empresta particular significado à opinião de Milhaud sobre os compositores brasileiros de que estes não se ocupariam suficientemente com a música popular, excetuando-se M. Tupinambá e E. Nazareth. Quanto a Rubinstein, além de tratar das circunstâncias que o levaram a conhecer Villa-Lobos, menciona a questão da origem do poema sinfônico Amazonas.


Sob "Retoques e metamorfoses", o autor lembra que esse poema sinfônico, assim como o Uirapuru são citados frequentemente como exemplos de um desenvolvimento não-contínuo, não-orgânico da manifestação do gênio de Villa-Lobos. Embora Villa-Lobos afirmasse que ambas as obras teriam sido escritas em 1917, parte-se hoje da opinião de que teriam surgido em fins da década de vinte. O mais provável seria que ambas tivessem sido escritas o mais tardar durante a sua primeira estadia na França.


O próximo capítulo, „"Aufbruch" das artes“, é aberto com amplas considerações históricas sobre tendências de uma "libertação de algemas européias" após a Segunda Guerra e de um direcionamento à própria cultura. Uma particular atenção é dado à "Antropofagia“ de Oswald de Andrade, mencionando também a orientação ao Nacional para um círculos de modernistas ao redor de Plínio Salgado e no âmbito do Verde-Amarelismo. Na pintura, o autor salienta E. Di Cavalcanti como o principal artista do Modernismo.


Após essas considerações preparatórias, o autor trata da Semana de Arte Moderna. Também aqui aproxima-se do cerne do tema com amplas excursões panorâmicas na consideração de contextos e pressupostos. Após descrever o vir-a-ser e a realização da Semana, salienta que esse evento adquiriu uma dimensão simbólica na cena intelectual do Brasil. Passa, no próximo sub-ítem, a tratar de Mário de Andrade, dirigindo a atenção do leitor, - após extensões de elucidação de contextos e dados biográficos -, ao fato de Mário de Andrade ter defendido, na literatura, a submissão do intelectual ao subconsciente, valorizando a espontaneidade, a rapidez e a polifonia no processo criador. Salienta que o relacionamento entre Villa-Lobos e Mário de Andrade foi já de início estreito e amigável.


O capítulo culmina com considerações acerca dos "Caminhos à Música Nacional". Como nos ítens anteriores, o autor realiza inicialmente uma ampla viagem histórico-cultural para tratar da canção, incluindo os esforços pela Ópera Nacional, Carlos Gomes, Alberto Nepomuceno até chegar a Villa-Lobos. Na Lenda do Caboclo, de 1920, o autor salienta que aqui Villa-Lobos não reelabora melodias ou rítmos populares, mas alcança que uma atmosfera brasileira se estabeleça de forma inconsciente.


Aproveita a oportunidade aqui, como de regra, para tecer considerações genéricas, neste caso sobre o caboclo e Monteiro Lobato. Finalizando, o autor sugere que o encontro com o Modernismo teria confirmado a Villa-Lobos o seu caminho criativo, mas não o teria inspirado esteticamente nem lhe oferecido um aumento de novos conhecimentos. Decisiva teria sido a sua ida à Europa.


No capítulo dedicado ao tema "Experiências em Paris", parte da ação exercida por Rubinstein quanto à motivação e à preparação do plano da viagem à Europa e salienta o apoio de membros da família Guinle e de outros simpatizantes. A chegada do compositor em Paris é tratada no sentido de um "Choque Cultural". Ele teria constatado o quanto o mundo musical do Rio de Janeiro seria distante de Paris como centro da vanguarda. O autor menciona ter sido o compositor logo integrado no círculo dos brasileiros que residiam na capital francesa, entre eles Tarsila do Amaral e Oswald de Andrade, chamando a atenção do leitor a diferenças que teriam surgido entre Jean Cocteau e H. Villa-Lobos.


Discorrendo sobre a música francesa da época, lembra da concepção de Jean Cocteau relativa à superação do Romantismo e do Impressionismo através de um direcionamento ao jazz, à música de cinema e de variedades. Entre os brasileiros residentes e que apoiaram Villa-Lobos, menciona Vera Janacopoulos. Albert Roussel e Tomás Terán também são mencionados, assim como a amizade - não a afinidade estética - com Edgar Varèse. A viabilização de outra viagem a Paris é considerada em pormenores, assim como os concertos realizados na capital parisiense.


Em "O selvagem da floresta", o autor considera o ambiente musical da capital francesa na sua abertura a novos e exóticos impulsos, como porta de entrada para as artes da Ásia e da África, assim como do jazz, favorável à recepção de novidades. O que não mais se desejaria, na época, seria o encontro com imitações da própria cultura ou reimportações de artistas epigonais.


Villa-Lobos teria aqui correspondido a tais expectativas. Embora ter Villa-Lobos sempre afirmado não ser influenciado por outros compositores, constata-se uma afinidade com Strawinsky. O compositor utilizava-se da imagem do selvagem brasileiro para chamar a atenção, fato que não foi bem visto na sua pátria, por exemplo por Mário de Andrade. Por fim, o autor menciona Alejo Carpentier, que descreve o meio no qual Villa-Lobos viveu em Paris.


O ítem especial dedicado aos "Choros" parte da observação de que Villa-Lobos conhecia os conjuntos de choro de seus primeiros anos de violonista, teria porém utilizado o conceito para criar um gênero decididamente brasileiro. O escopo do compositor seria produzir uma síntese de todos os elementos de estilo e forma da música brasileira que lhe pareciam relevantes.Como em poucos outros casos ter-se-ia libertado tanto das convenções da tradição européia.


Após comentar pormenorizadamente esse grupo de obras, o autor passa a considerar „As colheitas de Paris“. Salienta, de início, que as duas estadias na capital francesa trouxeram um grande aumento da produtividade criadora do compositor. Para violão, escreveu em Paris obras que teriam superado o significado de composições anteriores para o instrumento; ali travou conhecimento com Andrés Segovia, dando início a um relacionamento altamente produtivo. Após a consideração da obra violonística, o autor passa a considerar canções e peças para piano, entre elas as Cirandas e o Rudepoema.


A parte do livro que segue é a dedicada à "Era Vargas". O relato inicia-se com a viagem realizada pelo compositor e sua esposa, J. de Souza Lima e Maurice Raskin ao Nordeste, e logo mais ao Rio de Janeiro e São Paulo, aqui a convite de Olivia Guedes Penteado. O autor procura explicar a situação político-social da capital paulista após a crise de 1929 e a ação que teria tido uma certa paralisia provinciana do meio musical na pessoa e na criatividade de Villa-Lobos. Este teria retomado então a idéia de estabelecer uma educação musical de nível no sistema educacional brasileiro.


O autor procura expor os pressupostos da subida de Vargas, as razões de sua popularidade e, já sob o ítem "Educação e Propaganda", as consequências da mudança do regime para Villa-Lobos. Lembra que já em novembro de 1930 saudara o novo Govêrno com um artigo que salientava a arte como fator revolucionário poderoso e expunha, em outro texto, os seus planos músico-educativos. Menciona as excursões artísticas possibilitadas pelo interventor de São Paulo e a participação de Lucilia Guimarães, Souza Lima, Guiomar Novaes, Antonieta Rudge, Nair Duarte Nunes e Maurice Raskin.


O autor passa então a descrever o projeto de Educação Musical de Villa-Lobos, a fundação da SEMA e as suas concepções didático-musicais. Entra em considerações sobre o histórico do Canto Orfeônico e a criação do Guia Prático, sobre a técnica de direção e liderança de massas corais e sobre o manosolfa. Tal método é visto pelo autor como negativo a um ensino musical diferenciado, contribuindo para uma ampliação dos traços monomânicos do compositor em direção a um autoritarismo.


De suas composições, considera como mais relevantes o Descobrimento do Brasil. Menciona que Villa-Lobos esteve como representante do Brasil na Europa, apresentando em Praga o seu projeto do Canto Orfeônico, dirigindo-se também a Viena, Berlim, Barcelona e Paris. Nesse contexto, menciona a carta de separação enviada a Lucília Guimarães e o seu relacionamento com Arminda Neves d'Almeida. Sob o ítem "A tentação do Poder", o autor salienta que Villa-Lobos empenhou-se muito mais do que frequentemente admitido pelo regime de Vargas e não era tão ingênuo politicamente como é por muitos exposto.


O autor levanta até mesmo a questão de ser Villa-Lobos um precursor do Fascismo no Brasil, deixando porém a pergunta em aberto. Lembra, porém que tanto o Futurismo italiano quanto o Modernismo brasileiro tinham traços em comum com os movimentos nacionalistas dos anos vinte e trinta e que teriam levado a regimes fascistas. Considera a ação de Villa-Lobos em eventos de propaganda, mencionando o papel simbólico-político do Canto do Pagé e o significado arregimentador das Concentrações Orfeônicas. Neste contexto, o autor chama a atenção à intensificação da consciência de si do compositor e ao cunho rude e despótico que tomaram as suas atitudes e procedimentos.


Sob "Retorno à Tradição", o autor expõe o desenvolvimento de Villa-Lobos após 1930, salientando que a sua obra e as suas atividades, voltadas ao nacionalismo, diferem daquelas do período anterior marcado pela criatividade do ambiente de Paris. Esse período teria sido marcado pelo interesse pelas formas tradicionais da música brasileira e pelo idioma português, aproximando-o de poetas, tais como Manuel Bandeira e Carlos Drummond de Andrade. Das obras comentadas, atenção particular é dedicada à coleção Modinhas e Canções, a quartetos, ao Ciclo Brasileiro, à Missa São Sebastião e música para violão.


Um ítem especial é ocupada com comentários sobre as Bachianas Brasileiras, emoldurados por considerações e conjecturas sobre o Barroco. A esses comentários segue-se, em contraste, um texto dedicado à "Música Viva", onde expõe a biografia de Hans-Joachim Koellreutter, trata das implicações políticas do movimento e da reorientação de alguns de seus representantes ao estudo da cultura popular, sobretudo César Guerra-Peixe. O autor não esconde mais uma vez a sua predileção pela música popular, manifestando também neste contexto uma singular apreciação de Antonio Carlos Jobim.

 

O capítulo designado como "O compositor cosmopolita" é dedicado ao período posterior a 1945, marcado pelo fim do regime de Getúlio Vargas e pelos laços do compositor com os Estados Unidos. O autor menciona as transformações da música contemporânea no período posterior à Segunda Guerra e o fato de Villa-Lobos não ter maior afinidade estética com as novas tendências. Sob "Entre Inovação e Mainstream", a situação de Villa-Lobos é interpretada sob o pano de fundo da insegurança trazida pela perda da posição que possuíra. Entre as obras mencionadas, particular atenção é dada aos poemas sinfônicos, à Fantasia Concertante para conjunto de violoncelos e ao concerto para violão. Salienta a proximidade de Villa-Lobos com Aaron Copland e à sua idéia de também escrever "música vendável".


Coerentemente, o próximo ítem é dedicado ao tema "Na tela e no palco", iniciado com comentários sobre a música para o filme Green Mansions e continuado com uma exposição sobre Magdalena. O autor aproveita aqui para discorrer sobre a obra operística do compositor, situando-a na história do gênero no Brasil, chegando por fim a Yerma, A Menina das Nuvens e ao Ballett The Emperor Jones. Sob "A Obra tardia", o autor trata de uma quinta fase na história criadora do compositor, marcada por uma atitude mais reservada e objetiva. Para o autor, esse estilo tardio se manifesta já na sexta sinfonia; analise sob essa perspectiva as sinfonias de números 7, 8 e 9, os quartetos de números de 11 a 17, a Fantaisie Concertante de 1953, terminando com as obras religiosas Magnificat Aleluia e Bendita Sabedoria. "Os últimos anos", considerados a partir de 1948, tratados à luz da doença e de uma consciência do pouco tempo de vida que restava ao compositor, são marcados na exposição pela 10a. sinfonia, pormenorizadamente comentada, seguida das sinfonias de números 11 e 12.  O autor lembra das comemorações do ano 1957, e menciona o pessimismo de Villa-Lobos numa época que preparava uma mudança na história do país.


Nas suas considerações de encerramento, intituladas "Villa-Lobos e depois", o autor inicia salientando que Villa-Lobos não aceitava alunos. Mesmo Camargo Guarnieri, que dentre todos poderia ser antes visto como seu sucessor, teria sido mantido a uma certa distância. A obra do norte-americano George Hufsmith, que afirmava ter sido discípulo de Villa-Lobos, não apresentaria relações com a sua obra. Se o estilo nacional teria „caído de moda“ após a Segunda Guerra, dando razão aos esforços de Hans-Joachim Koellreutter, os alunos deste último teriam voltado a um princípio nacional-brasileiro, embora de outro cunho ideológico.


Assim como nascera em período de transição histórica da Monarquia à República, Villa-Lobos falecera em momento que iniciava a era de Tom Jobim (!).


O autor parece querer justificar essa sua curiosa opinião mencionando ter sido Tom Jobim ex-aluno de Koellreutter. Villa-Lobos teria contribuído à auto-consciência do Brasil, embora muitas de suas iniciativas se desfizessem, como por exemplo o seu projeto de Educação Musical popular. Esse projeto não poderia ter sido mantido sem a liderança de Villa-Lobos e não seria totalmente adequado a um povo que saberia muito bem como organizar-se por conta própria.


À Música Popular Brasileira caberia o maior peso da vida musical. Longe da música erudita, ela seria uma área de inovações e procedimentos „crossover“, do jazz de Egberto Gismonti a Milton Nascimento. Todos os compositores de maiores ambições após a morte de Villa-Lobos teriam mostrado a sua influência. Se Oscar Lorenzo Fernandez já havia sido considerado seu sucessor, esse título havia sido concedido também a Cláudio Santoro, Francisco Mignone, Camargo Guarnieri e Marlos Nobre. Caminhos próprios teriam sido seguidos por outros compositores, entre eles Ronaldo Miranda, Jorge Antunes e Gilberto Mendes; estes, porém, não teriam conseguido ser tão conhecidos quanto Villa-Lobos.


Para o autor, a crítica musical e a musicologia na Alemanha teriam tido durante muito tempo problemas de contato com a obra de Villa-Lobos. A musicologia alemã, a partir de uma estética e morfologia européias, teria criticado, entre outros aspectos, a sobrecarga inventiva e uma insuficente exposição e desenvolvimento temáticos. Também acasos na temática teriam sido notados e uma certa falta de critérios e de sentido de valor nas relações entre música popular e erudita na sua obra. Seria difícil, assim, enquadrá-lo em categorias de cunho europeu. Somente aos poucos ter-se-ia cristalizado uma forma de ver orientada interculturalmente e que preparara o terreno para a recepção e o redescobrimento de Villa-Lobos, acentuado-se o fato de encontrar-se, na sua obra, o diferente e o familiar. Cada vez mais a atenção ter-se-ia dirigido à questão da função e da posição da música nas diferentes culturas.


Com a sua obra, Villa-Lobos levanta problemas que vão muito além do estético-musical, por exemplo se o centro da música erudita hoje pode ser localizado na Europa e se esta tem força vital fora de seus centros. Entre outros aspectos, o autor lembra da questão da validade daquilo que poderia ser considerado como de regra na formação de compositores, sobretudo para jovens provenientes da América Latina.


No contexto de múltiplas e sugestivas considerações, o autor lembra da singularidade do colonialismo português, que teria uma tradição muito mais ampla de contatos culturais e mesclas do que o espanhol. Salienta a obra de Gilberto Freire relativamente ao „luso-tropicalismo“ e ao conceito de brasilidade.


Villa-Lobos teria lançado um equivalente musical à obra literária de Jorge Luís Borges, Gabriel García Márquez e João Guimarães Rosas e às obras sócio-analíticas de G. Freire, D. Ribeiro e R. Da Matta.


Devido à complexidade da realidade latino-americana, os musicólogos e críticos europeus encontrariam dificuldades em considerar a obra de Villa-Lobos, uma vez que este teria seguido na sua vida diferentes estrategias e linhas de orientação. Causaria irritação também constatar que a tradição musical européia seria apenas uma peça nesse mosaico cultural, não representando mais o fundamento de um desenvolvimento futuro da música na América


Latina. A grande contribuição de Villa-Lobos residiria no fato de ter o compositor alcançado „conteúdos brasileiros“ através de técnicas européias. Seria o criador e o ápice do estilo nacional brasileiro.


Na contra-capa da publicação, lê-se que "neste livro unem-se de forma a prender a atenção o Biográfico com o Histórico-Cultural e o Epocal do país natal de Villa-Lobos".


Essa afirmação pode ser considerada como absolutamente pertinente e justa. Trata-se de uma Biografia, na qual o vir-a-ser e o desenvolvimento do compositor e de sua obra são tratados convencionalmente de forma cronológica, sendo a exposição intercalada e emoldurada por considerações gerais de cunho histórico-cultural e histórico-musical.


A linguagem do autor é tão fluente, o seu vocabulário tão diversificado, o seu estilo tão ameno e brilhante e os seus comentários tão espirituosos que a publicação prende, de fato, a atenção do leitor.


A obra difere porém dos simples romances de vida de compositores pela quantidade de dados e pela atenção dada à interpretação das informações compiladas da literatura.  As considerações gerais que preparam, perpassam e encerram as exposições biográficas são tão amplas e repletas de tantas informações que podem transformar a publicação aparentemente em introdução à História da Música brasileira no século XX, ainda que focalizada a partir do vulto e da obra de Villa-Lobos.


Aqui, porém, é que se exige um particular cuidado do leitor consciente.


É Villa-Lobos que deveria ser considerado na sua inserção em processos culturais do Brasil e não estes inseridos no vir-a-ser e no desenvolvimento de sua personalidade e obra.


Uma perspectiva musicológica de orientação teórico-cultural não se reduz ao intuito de considerar-se até mesmo privilegiadamente a música popular, no passado de fato negligenciada: exige uma reflexão mais ampla sobre métodos historiográficos que superem excessivas personalizações e evitem novos arroubos heroicizantes, perpetuando exagêros e reduções injustas, até mesmo revivendo e fortalecendo questionáveis mecanismos de cunho propagandístico e político-cultural.


Seria portanto inadequado ver nessa obra mais do que uma biografia e uma obra de divulgação de alto nível.


Antonio Alexandre Bispo