Revista

BRASIL-EUROPA

Correspondência Euro-Brasileira©

 

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Revista Brasil-Europa - Correspondência Euro-Brasileira 120/12 (2009:4)
Editor: Prof. Dr. A.A.Bispo, Universidade de Colonia
Direção administrativa: Dr. H. Hülskath

Organização de Estudos de Processos Culturais em Relações Internacionais (ND 1968)
Academia Brasil-Europa
Instituto de Estudos da Cultura Musical do Mundo de Língua Portuguesa (ISMPS 1985)

© 1989 by ISMPS e.V. © Internet-edição 1998 e anos seguintes © 2009 by ISMPS e.V. Edição reconfigurada © 2014 by ISMPS e.V. Todos os direitos reservados
ISSN 1866-203X - urn:nbn:de:0161-2008020501

Doc. N° 2470


 


Interiorização na cultura do quotidiano
e Ética de Respeito à Vida na África e no Brasil

O papel da mulher na difusão e realização de ideais de A. Schweitzer

Carolina e Luise Breslau, Tatiana Braunwieser
Reflexões em Mittelbergheim, Alsácia





Mittelbergheim. Foto A.A.Bispo 2009. Copyright
Este texto apresenta uma súmula de reflexões de ciclo de estudos, contatos e observações realizados na Alsácia, França. O ciclo teve como tema o complexo de relações "Cultura e Ética", centralizando-se no vulto de Albert Schweizer e suas repercussões no Brasil. Foram aqui lembrados os 40 anos de trabalhos dedicaos á renovação teórica de estudos de relações França-Brasil e Alemanha-Brasi pelo Ano Paulo 2008/2009.


Os trabalhos seguiram impulsos do Congresso Internacional "Música e Visões" pelos 500 anos do Brasil e triênio subsequente (1999-2004), quando lembrou-se, em colóquio internacional, das relações entre Albert Schweitzer e a Sociedade Bach de São Paulo, presidida por Martin Braunwieser, personalidade de relêvo na tradição em que se insere a A.B.E..


A orientação teórica é marcada pela tradição de pensamento e de iniciativas remontante à sociedade de renovação de estudos e prática cultura fundada em S. Paulo, em 1968 (Nova Difusão), atual Organização de Estudos de Processos Culturais em Relações Internacionais.






Tatiana Braunwieser


Imagens de Mittelbergheim. Ciclo de estudos Alsácia-Brasil

Fotos A.A.Bispo 2009

 
Uma das aldeias oficialmente consideradas como das mais belas da França é Mittelbergheim, nas proximidades de Barr, Alsácia. A sua história remonta a um povoado estabelecido pela Abadia de Andlau, subordinada ao bispo de Estrasburgo.


O castelo local, erigido em 1274, foi destruído poucos anos depois pelo bispo Conrad de Lichenberg. Assim, apesar da existência de resíduos históricos, a aldeia, sem monumentos de particular espetacularidade, com exceção de uma histórica igreja calvinista, impressiona hoje sobretudo pela sua simplicidade sóbria, onde modéstia e comedição de sua arquitetura se harmonizam com a natureza envolvente.


Essa localidade oferece assim um ambiente adequado para reflexões que exigem particular concentração e aguçamento da sensibilidade para estilos de vida marcados pela austeridade.


Uma dessas questões diz respeito ao estudo cultural das relações entre concepções e visões do mundo e a cultura vivida no dia-a-dia por representantes de determinadas correntes do pensamento filosófico-cultural de orientação ética, como no caso daqueles que seguiam concepções correspondentes ou similares às de Albert Schweitzer (1875-1965) no Brasil.


O modo de vida, a cultura do quotidiano desses círculos surge, em considerações menos profundas, como estranhamente contrastantes com uma cultura brasileira marcada na sua imagem por exteriorizações festivas e manifestações de pujança, por tendências ao empolgante, a encenações grandiloquentes e à extravazão de sentimentos e emoções, características vistas muitas vezes como resultados naturais de um mundo tropical.


É compreensível, portanto, que a cultura desses círculos surja, na perspectiva de observadores que partem de estereotipos, como inadaptada à situação brasileira, como expressão de modos de vida transplantados, próprios de imigrantes europeus não assimilados, sem maior relevância para os estudos culturais.


Esquece-se, assim, que a história documental do Brasil inicia-se sob o signo do Franciscanismo de religiosos que celebraram a primeira missa e que marcaram com a sua ação e sua cultura de vida a formação cultural do país.


A lembrança desse fato indica a necessidade de estudos culturais mais diferenciados, que não partam de oposições entre expressões festivas da alegria e uma cultura marcada pelo despojamento material, pela simplicidade, por uma "pobreza" externa, de uma vida em espírito de penitência, de cunho franciscano ou não. Tais estudos podem demonstrar também que houve diferentes correntes, diversas fases e transformações numa história cultural orientada segundo ideais espirituais ou de interiorização,


Sob esse enfoque, impõe-se também uma reconsideração da cultura do quotidiano daqueles círculos que, no século XX, defenderam posições filosófico-culturais de orientação ética correspondentes aos ideais de Veneração à Vida.


Ponto de partida para tal reavaliação é de natureza teórico-cultural, uma vez que o próprio Albert Schweitzer salientou que mesmo as suas concepções de natureza mais imediatamente reconhecidas como culturais, por exemplo aquelas relativas à organística e à interpretação de Bach diziam respeito à dimensão imaterial da cultura e correspondiam a uma determinada atitude de condução de vida marcada pela interiorização.


Caminhos da difusão de concepções de Albert Schweitzer no Brasil


Pressuposto para a consideração da ação das concepções de Albert Schweitzer no Brasil, de sua permanência no presente e de sua potencialidade para o futuro é o estudo dos caminhos históricos de sua difusão e recepção.


Esse estudo é de interesse não apenas sob o ponto de vista da irradiação da obra e da personalidade de um pensador que adquiriu extraordinária projeção em meados do século XX. Surge como significativo para uma história do desenvolvimento de visões e iniciativas relativas a uma concepção de cultura de fundamentação ética e de orientação à vida nas suas relações com uma cultura do quotidiano.


Em presente marcado pelo agravamento de problemas ecológicos e sociais, os anseios relativos ao reconhecimento e a uma conscientização ampla dos problemas, de análise dos processos em vigência, de mudança e superação de fatores que levaram a desenvolvimentos desfavoráveis, de crítica e de ação construtiva no presente necessitam ser êles próprios refletidos e aprofundados, exigindo também a mudança de modos de vida.


A sua inserção em correntes do pensamento e o exame das rêdes de pensadores envolvidos pode oferecer uma possibilidade para auto-exames diferenciados, dando-lhes profundidade histórica. Podem oferecer subsídios para o desenvolvimento das reflexões no presente, uma vez que revelam que idéias que surgem como atuais já foram há muito pensadas e difundidas.


Pode-se então examinar os fatores positivos e negativos no caminho de sua propagação e concretização, evitando-se repetições e desacertos. Esse esforço de reconstrução de uma história do pensamento dirigido a uma cultura de fundamentação ética de orientação ambiental e à vida surge como uma tarefa de uma História das Idéias e de uma História Cultural refletidas, desenvolvidas sob enfoques globais e que considerem questionamentos, pontos de vista, perspectivas e aproximações metodológicas do debate teórico da atualidade.


Concepções de Albert Schweitzer em círculos musicais


O significado de estudos relativos à difusão de concepções filosófico-culturais de orientação ética em determinadas esferas culturais e rêdes sociais torna-se particularmente evidente na história da recepção de Albert Schweitzer em São Paulo, após a Segunda Guerra Mundial. O caminho respectivo deu-se privilegiadamente através do meio musical, em particular em círculos de origem ou de influência centro-européia.


Considerando que Albert Schweitzer, nas suas múltiplas aptidões e atividades, projetou-se internacionalmente como organista e pesquisador de J.S.Bach, compreende-se que também as suas posições filosófico-culturais tivessem encontrado favoráveis condições para a sua recepção sobretudo em círculos da vida musical voltados ao cultivo da música de J.S.Bach.


Seria porém um êrro ver no Movimento Bach no Brasil originalmente uma expressão da influência de Albert Schweitzer. Os esforços de redescobrimento e de propagação da música de J.S.Bach no Brasil, e mesmo a sua consideração mais profunda e diferenciada na crítica e na criação musical foram anteriores a essa recepção, devendo ser examinados no seu desenvolvimento próprio.


Constata-se, sim, um certo paralelo com a situação européia vivenciada por Albert Schweitzer no início do século. Também êle encontrou para a sua obra relativa a Bach pré-condições propícias, vindo de encontro a uma necessidade de reflexões sistematizadas já amplamente sentida. No Brasil, basta-se considerar que a Sociedade Bach de São Paulo, fundada em 1935, de início não tinha conhecimento da obra de Albert Schweizer relativa a Bach, nem muito menos da sua visão do mundo e do sistema filosófico-cultural que desenvolvera. O seu descobrimento, dez anos depois, surgiu como um fato surpreendente, pois veio confirmar concepções e práticas já há muito defendidas e realizadas, fortalecendo-as com a autoridade de uma personalidade de renome internacional e com a sua formulação sistemática,. Essa situação foi descrita por Tatiana Braunwieser, em conferência pronunciada em 1962. (Tatiana Braunwieser e Sonia Oiticica, Albert Schweitzer, Apóstolo de Bach, manuscrito datilografado da conferência. Veja, a respeito, também outros artigos nesta edição)


Quando, por ocasião dos 250° dia de nascimento de J.S.Bach, fundamos a Sociedade Bach de São Paulo, não tivemos, infelizmente, o mínimo conhecimento da existência de Dr. Schweitzer. Dizemos infelizmente, pois em primeiro lugar isso representa uma falha na nossa educação musical e em segundo - quanto mais rico não poderia ter sido o desenvolvimento desta nossa sociedade sob a benção do querido doutor da „mata virgem“?


O veículo para a introdução da obra de Albert Schweitzer e do culto à sua personalidade no âmbito da Sociedade Bach de São Paulo deu-se após o término da Segunda Guerra através de pessoas a êle vinculadas por laços familiares, em particular através de Carolina Bresslau, que encontrou em Tatiana Braunwieser uma personalidade com similares visões e convicções:


Quão grande, porém, foi nossa satisfação, nosso júbilo, podemos dizer, quando em 1945  apareceu para participar do nosso Conjunto Coral D. Carolina Bresslau Aust, a sobrinha de Dr. Schweitzer e, com ela, se iniciou uma aproximação nossa ao fenômeno „Albert Schweitzer“, tão preciosa à nossa Sociedade.


A. Schweitzer e o Bi-Centenário da morte de J.S.Bach no Brasil


A passagem dos 200 anos da morte de J.S.Bach ofereceu uma oportunidade para a difusão do nome e de concepções de A. Schweitzer em São Paulo e fora de São Paulo. Ainda aqui deve-se salientar o papel feminino, em particular Luise Breslau. Para essa ocasião, a Sociedade Bach de São Paulo promoveu a realização da Paixão Segundo São João, sob a regência de Martin Braunwieser, apresentada no Teatro da Sociedade de Cultura Artística.


Por ocasião desse bi-centenário, a revista Intercâmbio, fundada por Theodor Heuberger, então já no seu vigésimo ano de existência, dedicou todo um número a Johann Sebastian Bach, nele incluindo um artigo de Luise Breslau sobre Albert Schweizer. Editada pela Pró-Arte do Brasil, era um órgão dos mais significativos de círculos musicais marcados pela presença alemã no Brasil e de influência no meio musical em geral, sobretudo através dos Cursos Internacionais de Férias de Teresópolis.


Colaborando com numerosos órgãos oficiais e outras associações, entre elas a Associação de Canto Coral, a Pró Arte do Brasil realizou, no Teatro Municipal do Rio de Janeiro, a 8 de julho de 1950, um Festival Bach. Essa revista comemorativa tornou-se uma publicação de extraordinário interesse para a história da musicologia no Brasil e das relações Alemanha-Brasil. Reune artigos e traduções de textos de varios musicólogos e músicos europeus (W. Gurlitt, H.J. Moser, K. G. Fellerer, A. Koeberle, H. Kralik, P. Fournier, P. Wallfish, E. Fischer e outros), além de renomados intelectuais brasileiros (O. Nogueira de Matos, A. Muricy, E. N. França e outros).


É nesse contexto que deve ser lido o artigo de Luise Breslau intitulado "Albert Schweitzer a respeito de Bach“, publicado em alemão. Nesse texto, a autora cita o exemplar da obra que servira de base aos estudos empreendidos no âmbito da Sociedade Bach de São Paulo. A autora salienta o aspecto a-temporal da música de Bach, ou seja, procura inserí-la, ainda que de forma discreta, numa determinada visão do mundo.


À minha frente tenho o livro de acima de 600 páginas sobre J.S.Bach, de Albert Schweitzer, escrito em 1907 (desde então surgido em várias edições), e originado de seu livro Bach publicado em francês. Foi ampliado substancialmente à época em que o autor acompanhava ao órgão as execuções de Bach na Wilhelmerkirche em Strassburg, sob a direção de Ernst Münch. O livro de Schweitzer não é uma biografia, referindo-se na sua obra sempre à grande biografia de Bach de Philipp Spitta. Ele quis escrever um estudo estético prático e é ainda hoje utilizado por regentes e músicos de todo o tipo.


Uma tentativa de relacionar a música do gênio Bach com a vida quotidiana do Cantor de S. Thomas não é produtiva. Schweitzer diz, a respeito: As obras de Bach seriam as mesmas, mesmo se a sua existência tivesse decorrido de forma totalmente diversa. Se tivéssemos mais conhecimentos da sua vida, do que é o caso, e se todas as cartas que escreveu tivessem sido conservadas, não saberíamos mais do que agora a respeito da origem interna de sua obra.


(...)


Logo após a sua morte, a música tomou caminhos totalmente diversos, nos quais também os filhos do mestre dele se afastaram. Quase um século permaneceu quase que esquecido, e apenas aos poucos começou-se a perceber a magnitude imponderável da obra de Bach. Mas a recepção da música de Bach não aumenta constantemente de forma unificada, havendo discussões surgidas de correntes do tempo sobre as suas características e o seu valor. Um pesquisador do sentido da música de Bach é A. Schweitzer. Ele chama a atenção de forma mais clara do que outros intérpretes de Bach para a sua pintura em sons, para a sua linguagem musical pictórica, na qual alegria, dor, mêdo, arrogância, força etc. são expressos através de motivos determinados, assim como também os movimentos - o correr, o titubear, o tender, o descer etc.. Nas suas Cantatas e Paixões, Bach se prende ao conteúdo do texto, encontrando para êle a linguagem musical. Assim, as suas composições não surgem como envelhecidas, ou apenas como elaborações plenas de arte de todas as possibilidades contrapontísticas, mas sim elas falam ainda hoje a nós, tocando-nos de forma vital. As composições para piano e órgão tornaram-se patrimônio generalizado do mundo musical. Outro é o caso das obras corais, para cuja execução tem-se a necessidade de coros bem preparados e orquestras. Aqui pode-se ainda revelar muito de magnífico, mesmo se repetidamente ouvidas. (op.cit. 50, trad. A.A.B.)


Comemorações de Goethe e Prêmio Nobel. Primeira carta de A. Schweitzer


Assim como na própria vida de Albert Schweitzer a atividade musical e musicológica se transformou quase que em instrumento de sua missão mais ampla de ação médico-humanitária e filosófico-cultural de implantação de uma ética de Veneração à Vida, passando a realizar concertos sobretudo para
angariar fundos para a sua obra, também no Brasil foi o Movimento Bach sobretudo um veículo, um meio para a difusão de concepções ético-culturais.


Assim, músicos e professores de música passaram a ser admiradores e propagadores de posições de A. Schweitzer mesmo fora da esfera especificamente musical. Duas foram as circunstâncias de projeção internacional que levaram a um contato direto da Sociedade Bach de São Paulo com Schweitzer: as comemorações do bicentenário de nascimento de J.W. Goethe (1749-1832), em 1949, e, alguns anos mais tarde, pelo fato de ter obtido, em 1952, o Prêmio Nobel da Paz.


Esse prêmio foi-lhe concedido por seu trabalho no hospital de Lambarene no Gabão e pelos seus esforços para o entendimento entre os povos. A segunda carta foi enviada apenas em 1954, ano em que se comemorava o IV Centenário da Fundação de São Paulo. Era uma esperança não confessada dos dirigentes da Sociedade Bach de São Paulo que A. Schweitzer pudesse vir ao Brasil neste ano comemorativo.


Quando o Dr. Schweitzer esteve na América do Norte em 1949, onde falou sôbre Goethe e mais tarde em 1954, na ocasião em que foi receber seu prêmio Nobel da Paz (cuja importância em dinheiro foi aplicada integralmente na construção de mais uma dependência do hospital de Lambarene), escrevemos-lhe indagando se êle não poderia tornar possível uma visitinha a São Paulo para falar ou tocar para nós. Ele não podia dispor de tempo necessário para isso, mas escreveu uma gentilíssima carta, que traduzimos:


  1. "Caro Sr. Braunwieser, muitos agradecimentos pelas suas duas cartas. Como eu gostaria de corresponder ao seu convite amável de escrever e mandar um artigo sôbre Bach para sua Sociedade. Porém, não é possível. Meus dias estão repletos de trabalho de tal forma que não encontro tempo para a correspondência mais urgente e não tenho bastante tempo para dormir, porque preciso trabalhar de noite...E quando, finalmente, encontro um tempinho para uma tarefa espiritual, preciso aproveitá-la para terminar o terceiro volume da minha Filosofia da Cultura. A minha idade faz-me pensar nas palavras do Actus Tragicus - Põe em ordem a tua casa... assim preciso cuidar de terminar os trabalhos incompletos...


  2. Soube com muito interesse do senhor e de sua atividade com o Coral Bach e desejo-lhe o sucesso que merece.


  3. Mando-lhe pelo correio simples minha fotografia ao lado de um órgão holandês: uma para o senhor e a outra para por na parede da sala dos ensaios. E se o senhor ficar um dia tentado a levar um andamento rápido demais, ou conseguir uma força maior de som à custa de sua beleza, ou não dar suficiente atenção à dicção defeituosa - então meu retrato olhará para o senhor e o côro implorando.

  4. Com os melhores pensamentos para o senhor, o côro e os instrumentistas, seu

  5. Albert Schweitzer"


25 anos da Sociedade Bach de São Paulo. Segunda carta de A. Schweitzer


Na ocasião do nosso Jublieu de Prata, enviamos-lhe um diploma de sócio honorário, ao que êle respondeu com mais uma carta gentil e amiga:


  1. "Sr. e Sra. Braunwieser, queridos companheiros em Bach. A sra., querida senhora Braunwieser telefonou a sra. Bresslau-Hoff, dizendo que não espera de mim uma carta em resposta a ter ficado sócio honorário de sua Sociedade. Com isso, porém, a sra. me subestimou demais. Não me permitiria de deixar essa carta sem responder. Só que não posso escrever quando quero e desejo. O trabalho que devo realizar diariamente e a correspondência que cresce de um ano para outro, como também a cãimbra da minha mão não me permitem a dar conta dela. Porém, esforço-me em conseguí-lo. Assim, com esta consciência limpa, peço-lhes a ambos e a Sociedade Bach perdoar a minha resposta atrasada.


  2. Sei avaliar a importância de pertencer, mesmo que seja apenas com o nome, ao seu empreendimento artístico. Há 25 anos existe sua Sociedade Bach! Quanto isso significa, como realização cultural no campo ainda não explorado! Queira transmitir aos sócios da Sociedade os meus melhores cumprimentos.

  3. Agradeço-lhe também o bonito diploma, pintado à mão. Sempre o terei na minha lembrança. Cumprimente, por favor, da minha parte os cantores e instrumentistas da Sociedade Bach, como também os dirigentes e solistas. Com quanto gosto iria eu um dia a São Paulo e ouviria Bach nessa cidade. A minha existência, porém, não permite viagens. Tenho múltiplas ocupações e não posso interromper nenhuma delas. Só raramente e por pouco tempo posso visitar a Europa.


  4. Com os melhores pensamentos, seu dedicado

  5. Albert Schweitzer"



Tatiana Braunwieser. Foto da época da conferência

 
Como gostariamos de conversar a miude com este mestre tão amigo nosso e tão amigo do nosso patrono. Quantas idéias fecundas poderiamos colher para o nosso trabalho!° Gostariamos de saber a posição que êle toma em vista das hipóteses que surgem a respeito de Bach em conseqüência das investigações atuais. Pois os estudos, análises e experiências a respeito dessa personalidade tão impressionante e da sua obra continuam sempre. Atualmente está sendo editada aos poucos (assim como o foi a obra em 46 volumes editada por Breikopf und Haertel) por Bärrenreiter Verlag a obra completa em cerca de 80 volumes. Pode-se imaginar como essa edição estará enriquecida por prefácios, pareceres e, enfim, trabalhos científicos de toda espécie. O que intriga muito os estudiosos são os . textos das Cantatas e dos Corais. Qualquer bom músico pergunta: como é possível que um tão grande compositor tão universal, se servia da letra tão pouco condizente com o valor da sua música? Essa pergunta cruciante levou alguns musicólogos ao ponto de julgar que Bach não escreveu inicialmente as Cantatas para o culto, mas sim com letra profana para o teatro e adaptou-as ao culto, mundado a letra na medida que foi obrigado em Leipzig a fornecer cada domingo uma nova Cantata.


Não nos parece de algum valor perder tempo em suposições e investigações para provar ou combater essas idéias. Pois mesmo se assim fosse - perderiam essas obras magníficas alguma coisa do seu valor? A letra, de fato, na sua maioria não é bonita e desagrada bastante quanto à sua coordenação. Os textos profanos, porém, não faziam exceção a esta regra e, portanto não se entende êsse desejo ardente de provar que Bach teria escrito com mais entusiasmo óperas do que Cantatas. Pois se o tivesse desejado, não o teria feito? Porque então, além das Cantatas, Corais, enfim, música religiosa, escreveu tanta obra instrumental? Cravo bem temperado, Sonatas para toda espécie de instrumentos, concertos, suítes, para não falar nas duas obras monumentais, sem indicacão de instrumento: a Oferenda Musical e a Arte da Fuga? Quanto à sua profunda fé e piedade não existe a mais fraca margem de dúvida, pois tudo que êle escrevia era Soli Deum Gloria.


Parece-nos, também um tanto estéril o grito dos Neo-românticos, que ecoa até os nossos dias: Como seria feliz Bach se possuísse um Bechstein de cauda, ao invés do pobre cravo ou clavicórdio. Ou um coro de Oratório de 300 vozes, ao invés dos 25 ou 30 meninos de São Tomás?


Talvez êle teria sido feliz, se... porém já que não tinha e nem sonhava com nada disso, vamos executar suas músicas da maneira mais condizente com a sua intenção, assim como, também o procurou sempre fazer Albert Schweitzer.


50 anos do Hospital de Lambarene


Uma nova data significativa para a ampla difusão da obra e da personalidade de A. Schweitzer no Brasil foi a passagem dos 50 anos do hospital de Lamberene, quando sobretudo a sua ação médico-humanitária passou a constituir o principal centro de atenções. Assim, os próprios professores de música e propagadores da obra de J.S.Bach passaram a olhá-lo sobretudo a partir deste seu empenho. Preparando essa data, Tatiana Braunwieser, em audição de encerramento de 1962 da Escola de Música de Piracicaba, dirigida por Ernst Mahle, realizou um recital de seus alunos de canto, juntamente com aqueles de violino de Olenio Veiga e de clarineta de Salvador Masano, proferindo, na primeira parte da sessão, uma conferência na qual salientou, de início, a atividade de A. Schweitzer no hospital de Lambarene e a fundamentação ética desse empenho:


No próximo ano de 1963, o Hospital de Lambarene, fundado e dirigido por Dr. Albert Schweitzer, amigo do Governador, o qual, logo à proclamação da independência do Gabão, emitiu selos de correio com a efígie do maior benfeitor de seus súditos, festeja seu jubileu de ouro.


Albert Schweitzer, médico da „mata virgem“ que vive há meio século no minúsculo país da África Equatorial Francesa - Gabão, situado exatamente no Equador, dedicando totalmente seu tempo, suas forças, sua saúde ao tratamento de clientes pretos, portadores de graves doenças tropicas; este médico que sacrificou a carreira brilhante, a vida de família, o conforto do ambiente da sua terra natal, para viver o resto da vida entre nativos africanos - é a maior autoridade atual em tudo que se refere a Bach. Porque?


Albert Schweitzer resolveu estudar medicina com 30 anos completos para seguir, depois de se formar, à selva da África, levando aos nativos auxílio físico e espiritual, expiando assim pelo menos uma pequenina parte da culpa que a raça branca tem perante seus irmãos pretos; de todo o mal que lhes causou, seja nas suas colonias, seja nas duas Américas.


E antes do estudo de medicina qual foi a tarefa desse homem extraordinário? Pois, além do sacerdócio (êle é pastor protestante, como o foi também seu pai) - música e, principalmente música de Bach.


Cultura de despojamento e o papel da mulher na obra de Schweitzer


Em 1963, os admiradores e seguidores de Albert Schweitzer no Brasil surpreenderam-se com duas relativamente longas e substanciosas matérias publicadas pelo jornal A Folha de São Paulo e que muito contribuiam para a ampla difusão do seu nome e do seu trabalho em Lambarene. Os textos, exclusivos para aquele jornal, foram escritos por Vere Connaught e Richard Boyd, jornalistas britânicos que entrevistaram uma pessoa que estivera em Lambarene e observara as condições do hospital dirigido por Albert Schweitzer, então com 88 anos.


Com base nessas informações, escreveram uma reportagem que revelava aspectos desconhecidos da personalidade e das atividades do médico, „por muitos considerado como o maior homem vivo do mundo“, como salientou o King Features Syndicate. (Vere Connaught e Richard Boyd, „As grandes auxiliares de Schweitzer - I e II, Folha de São Paulo, 17 e 18 de setembro de 1963)


O artigo inicia com a afirmação de que A. Schweitzer destacava-se em todo o mundo como símbolo do inabalável espírito humano e como seu porta-voz. Teria tudo abandonado na Europa para „enterrar-se em Lambarene, na África, e lá, literalmente cercado por canibais e gorilas (sic!), travar contra a doença e a feitiçaria uma luta a que dedicou toda a sua vida“. Os relatos daqueles que visitavam Lambarene haviam-no transformado em vulto quase que lendário. Várias estórias de difícil comprovação contribuiam para a criação do mito Schweitzer e do seu princípio de Veneração pela Vida. Contava-se que, ao receber um bispo africano, uma formiga começou a andar em seu rosto. O prelado, procurando tirá-la, foi impedido com um grito, pois poderia machucá-la. Nem mesmo mosquitos, perigosos para a transmissão de doenças, não poderiam ser mortos no refeitório de Lambarene, a não ser no momento da picada; deveriam ser apanhados e soltos através das paredes de tela de arame.


Os jornalistas, porém, dirigiram a atenção não a essas estórias que corriam no Exterior e que criavam o mito Schweitzer, mas sim a aspectos desconhecidos de sua vida pessoal e a de seus colaboradores em Lambarene. A imagem que transmitem de Schweitzer é a de um ancião severo, com face e modos ásperos e enérgicos, que não permitia que algo fosse registrado do que dizia sem expresso consentimento. Salientam sobretudo o papel de mulheres no trabalho de Lambarene:


„As mulheres parecem ser irresistivelmente atraídas para seu serviço. A maioria das pessoas que o ajudam é constituída de mulheres, pois ele trabalha com apenas alguns médicos do sexo masculino. Todo ano, em peregrinações anuais, mulheres visitam Lambarene para lá sujeitar-se a desconfortos durante alguns dias, semanas ou meses.“


Helene Breslau e Rhena Eckert


Duas mulheres mereceram particular atenção dos relatores. Uma delas foi Helene Breslau, sua esposa, ajudante dos primeiros anos de instalação do hospital, decantada por Schweitzer pela sua dedicação como enfermeira, anestesista e auxiliar de operação, mas pouco mencionada em escritos posteriores.


„A partir desse ponto, porém, torna-se cada vez mais silencioso a respeito dela. Menciona-a rapidamente em 1915 e outra vez no ano seguinte, para contar depois como, durante a guerra, ambos foram embarcados para a Europa e internados pelos franceses (tendo nascido na Alsácia, ele era legalmente alemão). Sete anos mais tarde, porém, quando regressou a Lambarene, estava sozinho.


A sra. Schweitzer estava doente e exausta, na autobiografia, o doutor nada diz capaz de lembrar ao leitor que ela tinha também uma filha pequena para cuidar. Rhena, a única filha do dr. Schweitzer, nasceu em 1919, em 14 de janeiro, data de seu próprio aniversário. O dr. Schweitzer diz apenas que a sua esposa não pôde voltar para a África em sua companhia devido a seu estado de saúde e acrescenta que o consentimento dela à sua partida é algo pelo qual sempre será grato. A partir desse ponto, conserva-se silencioso a respeito dela. Nunca houve uma separação oficial, mas durante os trinta anos seguintes, marido e mulher encontraram-se apenas raramente, às vezes em Lambarene e às vezes na Europa.


A verdade, diz um observador íntimo, é que o casamento foi um fracasso. Nenhum homem pode mesmo ser elevado às proporções quase divinas que a admiração do mundo deu a Schweitzer, sem tornar difíceis suas relações pessoais, sobretudo com a esposa.“


Como prova desse difícil temperamento de Schweitzer e de seus problemas de relacionamento humano, o texto menciona a sua atitude para com a própria filha. Rhena, que casara-se jovem com um fabricante de órgãos, Jean Eckert, desejando visitar o pai após 20 anos, dirigiu-se a Lambarene um ano após o falecimento de sua mãe em Zurique (1957). Numa ceia em sua homenagem, A. Schweitzer proferiu um discurso que foi anotado secretamente. Schweitzer teria dito: „Sou um homem velho cuja vida não foi exatamente como eu desejava“. Após referir-se a seu trabalho, dirigiu-se à filha, dizendo: „A Luz do Mundo olhou hoje não só para mim, mas tambem para minha filha. Agradeço-lhe por ter vindo celebrar seu aniversario comigo, por sua propria iniciativa. Não conheço muito bem sua biografia e não sou muito bom psicologo, de modo que não posso calcular se sua vida correspondeu a seus desejos.“ Essa citação é utilizada pelos relatores como prova de uma estranha distância e frieza de Schweitzer, aparentemente incompatível com as suas concepções.


Ema Hausknecht, Mathilde Kottmann e Ali Silver


Ao lado da cruz que assinalava a sepultura com as cinzas de Helene Breslau, havia nas proximidades do quarto de Schweitzer uma outra cruz, dedicada a Ema Hausknecht, também alsaciana, falecida em 1956, e que o auxiliou durante 31 anos. Outra enfermeira que colaborava com Albert Schweitzer já há 39 anos  era Mathilde Kottmann, a sua mão direita, também procedente da Alsácia.


„Seu rosto fino, com olhos belos e cansados, revela a serenidade adquirida através do sofrimento. Seus cabelos são puxados para trás, onde formam um coque. Não usa maquilagem. E, como todas as mulheres de Lambarene, veste uma túnica branca simples, com meias brancas e um capacete contra o sol quando sai. Ao jantar, senta-se ao lado do doutor. Há nela um inabalável ar de autoridade.“


A „mão esquerda“ de Schweitzer era uma holandesa, Ali Silver, que ali atuava há 15 anos. „É mulher pequena, gorda e jovial, de cabelos prateados e olhos brilhantes. Fala bem o inglês e serve como intérprete para os visitantes“.


Mottmann e Silver administravam o hospital e o dirigiam na prática com férrea determinação. Trabalhavam ininterruptamente e dormiam em quartos ao lado do aposento de Schweitzer. Elas erguiam „uma muralha“ ao redor de Schweitzer e mantinham apenas com o olhar pessoas à distância.


Havia também um número elevado de mulheres mais jovens que trabalhavam como auxiliares. Jovens que solicitavam ser admitidas para o trabalho idealista eram em maior número do que as vagas existentes.


Albertina van Beck-Vollenhoven, Trudi Breslau, Clara Urquhart, Marion Mill Preminger


Os jornalistas começam a descrever a sensação das mulheres que se dirigiam a Lambarene para trabalhar com Schweitzer em texto que não deixa de ter traços discriminatórios para com os africanos:


„Depois de emocionante viagem pelo ar ou por mar, a mulher que vai trabalhar pela primeira vez para o dr. Schweitzer é levada até Lambarene em uma canoa nativa na qual remam leprosos curados do hospital. No desembarcadouro, é recebida pelo dr. Schweitzer, uma figura austera com um cãozinho ao lado. Talvez fique decepcionada com a miséria e desordem do hospital, mas isso é explicado como necessário para fazer os nativos sentirem-se à vontade e afastá-los dos feiticeiros. Em sua primeira refeição, a recém-chegada encontra-se com todo o pessoal. A atmosfera é semelhante à de um convento, com Mathilde Kottmann e Ali Silver como abadessa e madre superiora.


Reina a mais rígida disciplina. Logo que um nativo bate com uma barra de ferro em um pedaço suspenso de trilho ferroviário, há uma correria para chegar ao refeitório. Todos precisam estar em seus lugares na hora em que o doutor entra, joga seu capacete sobre um velho piano e se senta sem olhar para a direita ou para a esquerda. Ele domina a mesa, se está de temperamento silencioso, o pessoal sussura. (...)Ao término da refeição da tarde, o doutor toca um hino, lê uma ou duas páginas das Escrituras e retira-se. Mathilde e Ali seguem-no.“


A descrição de um dia de trabalho e das condições de alojamento dos funcionários do hospital é feita de modo expressivo. Os quartos eram pequenas celas, com paredes de madeira ou de tela, mobiliadas com uma cama de ferro, um cabide para roupas coberto com uma cortina, uma mesa com bacia e uma cadeira. A iluminação era feita por lamparinas a óleo, de fraca luminosidade. A sala de operação tinha sido doada pelo Príncipe Rainier do Monaco, possuindo um gerador elétrico. Era a única dependência em que a eletricidade seria permitida.


As condições de trabalho seriam muito desfavoráveis devido ao calor, à péssima qualidade da água e ao número elevado de pacientes que davam pouca atenção à higiene. Apesar dessas condições de vida e de trabalho que as jovens européias encontravam em Lambarene, algumas delas ficavam mais tempo do que previsto. A fascinação exercida por A. Schweitzer sobre elas resultava segundo os informantes de sua atitude patriarcal, severa mas generosa. Duas dessas auxiliares são mencionadas expressamente: Albertina van Beck-Vollenhoven, holandesa, responsável pelos doentes mentais, que teve de retornar à Europa por doença, e Trudi Breslau, suíça, responsável pela seção dos leprosos.


„Era mãe, enfermeira, guarda, magistrada, professora e amiga dos internos nessa seção semi-autonoma. Trabalhava o dia inteiro e, à noite, muitas vezes andava pela selva à luz de uma lanterna para ir cuidar de um nativo doente. Seu nome tornou-se uma espécie de lenda entre milhares de pessoas ao redor de Lamberene. Após 7 anos de atividades, casou-se com um médico que visitou o hospital."


Sob o título „Herdeira“, o artigo menciona Olga Deterding. Possuidora de vasta fortuna, teria abandonado a Europa em 1957 para ir em auxílio de Schweitzer. Em Lambarene, conhecera o Dr. Frank Catchpool, um dos médicos do hospital. Mais tarde, após o retorno desse médico à Inglaterra, encontraram-se novamente em Londres, seguindo ambos para os Estados Unidos. Após retornarem a Lambarene, Olga Deterding foi designada para serviços domésticos, o que teria sido sentido como humilhante; além do mais, o Dr. Catchpool sentiu-se atraído por uma recém-chegada mulher espanhola. Quando de uma viagem de Schweitzer à Europa, ambas foram despedidas por Mathilde Kottmann. Posteriormente, Olga Deterding teria trabalhado em um hospital inglês na seção de doenças tropicais.


Haveria, para os informantes, outro tipo de mulheres na vida de Schweitzer. Trabalhariam em todo o mundo para a sua obra e para o seu nome, apenas visitando Lambarene esporadicamente. Uma delas teria sido a já falecida C.E. B. Russel, assistente social inglesa que colaborara com Schweitzer nos anos posteriores à Primeira Guerra. À época da entrevista, a mulher mais próxima a Schweitzer era uma sul-africana que vivera em Londres, Clara Urquhart, herdeira de um proprietário de siderurgia. Trabalhando abnegadamente junto a Schweitzer, realizava também viagens aos Estados Unidos e a outros países para angariar fundos e procurar apoios para a campanha de Schweitzer contra a bomba atômica. Havia publicado um livro de fotografias sobre o hospital e sobre A. Schweitzer. A maioria das fotografias tinha sido tirada por uma norte-americana, Erica Anderson. Também havia realizado um filme sobre a vida de Schweitzer, premiado pela Academia de Artes Cinematográficas de Hollywood. Outra auxiliar de Schweitzer era Marion Mill Preminger, húngaro-americana, primeira esposa do produtor cinematográfico Otto Preminger. Havia escrito uma auto-biografia de título All I Want Is Everything e realizava conferências a favor de Schweitzer nos Estados Unidos. Realizava há anos uma peregrinação anual a Lambarene por ocasião do aniversário de Schweitzer, retornando depois aos Estados Unidos.


As especulações a respeito da sucessão de A. Schweitzer giravam sobretudo em torno de sua filha e que dele se aproximara desde 1958. Fizera, após a sua visita a Lambarene, um curso de técnico de laboratório em Zurique. Distinguia-se pelo seu altruísmo e por uma forte determinação.


O jornal publicou fotos de Mathilde Kottmann, Ali Silver, Rhena Eckert, de sua filha Rhena e de uma companheira, Trudi Breslau. Incluiu também fotos de Olga Deterding e Albertina von Beck-Vollenhoven.


Críticas a Albert Schweitzer


Nesses textos publicados pela imprensa pode-se constatar, nas entrelinhas, críticas a atitudes e modos de procedimento de A. Schweitzer na sua vida quotidiana, que surgem como patriarcais e excessivamente austeras ou estranhamente frias. Essas questões podem ter prejudicado a sua imagem junto aos leitores em geral, não foram porém de grande significado para os círculos teuto-brasileiros que cultivavam a sua memória e propagavam as suas concepções. Correspondiam, em geral, a modos de vida e à cultura doméstica que também caracterizavam a vida familiar e social desses círculos.


Um prejuízo à imagem de A. Schweitzer foi, porém, a divulgação de uma carta que dirigira a Walter Ulbricht (18093-1973), Presidente do Conselho de Estado da República Democrática Alemã.


Um recorte desse jornal, devidamente arquivado pelos responsáveis da Sociedade Bach de São Paulo, mostra a estranheza que causou esse gesto de Schweitzer, visto como sinal de sua instrumentalização pelo regime da antiga DDR. A República Democrática Alemã enviara um Secretário Geral a Lambarene, e este trouxera uma carta de A. Schweitzer na qual este manifestava ter constatado, na missiva de Ulbricht, que este concordava com aquilo que defendia sobre a paz e simpatizava com a sua idéia da Veneração pela Vida. O jornal comentava:


„Veneração pela Vida? É Veneração pela Vida quando se coloca homens atrás de cercas de arame farpado, quando a êles se apontam canhões de blindados, os obrigam a saltar do terceiro andar, quando se permite que policiais alemães atirem em alemães?

Há Veneração pela Vida sem liberdade? Uma vida sem liberdade é vida?

Nós sabemos que Schweitzer leva a sério a Veneração. Ela é um dos pensamentos básicos de seu sentimento de vida. Surge em todas as suas obras. Nasceu já em 1915, quando um vapor africano passou sem escrúpulos por cima de um grupo de hipopótamos. Respeito também pela vida dos animais.

E o que vale para hipopótamos não deve também valer para os homens nos campos de concentração de Ulbricht?

Não como desculpa, mas talvez para a compreensão devemos constatar que a carta de Schweitzer é datada de 9 de agosto. Ou seja, antes daquele 13 de agosto que assassinou de vez o Respeito pela Vida“. (trad.A.A.B.)


Antonio Alexamdre Bispo




  1. Observação: o texto aqui publicado oferece apenas um relato suscinto de trabalhos. Não inclui aparato científico. O seu escopo deve ser considerado no contexto geral deste número da revista. Pede-se ao leitor que se oriente segundo o índice desta edição e o índice geral da revista (acesso acima). Pede-se ao leitor, sobretudo, que se oriente segundo os objetivos e a estrutura da Organização de Estudos de Processos Culturais em Relações Internacionais - Academia Brasil-Europa (A.B.E.) - e do Instituto de Estudos da Cultura Musical do Mundo de Língua Portuguesa (Institut für Studien der Musikkultur des portugiesischen Sprachraumes, I.S.M.P.S. e.V.), visitando a página principal, de onde obterá uma visão geral e de onde poderá alcançar os demais ítens: http://www.brasil-europa.eu


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