Revista

BRASIL-EUROPA

Correspondência Euro-Brasileira©

 

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Revista Brasil-Europa - Correspondência Euro-Brasileira 120/9 (2009:4)
Editor: Prof. Dr. A.A.Bispo, Universidade de Colonia
Direção administrativa: Dr. H. Hülskath

Organização de Estudos de Processos Culturais em Relações Internacionais (ND 1968)
Academia Brasil-Europa
Instituto de Estudos da Cultura Musical do Mundo de Língua Portuguesa (ISMPS 1985)

© 1989 by ISMPS e.V. © Internet-edição 1998 e anos seguintes © 2009 by ISMPS e.V. Edição reconfigurada © 2014 by ISMPS e.V. Todos os direitos reservados
ISSN 1866-203X - urn:nbn:de:0161-2008020501

Doc. N° 2467


 




Conferência da Paz de Versailles. Alsácia, relações franco-alemãs e o papel do Brasil:
Epitácio Pessoa (1865-1942)







Versailles. Foto A.A.Bispo 1980. Copyright
Este texto apresenta uma súmula de reflexões de ciclo de estudos, contatos e observações realizados na Alsácia. França. O ciclo teve como tema o complexo de relações "Cultura e Ética", centralizando-se no vulto de Albert Schweizer e suas repercussões no Brasil. Foram aqui lembrados os 40 anos de trabalhos dedicaos á renovação teórica de estudos de relações França-Brasil e Alemanha-Brasi pelo Ano Paulo 2008/2009.


Os trabalhos seguiram impulsos do Congresso Internacional "Música e Visões" pelos 500 anos do Brasil e triênio subsequente (1999-2004), quando lembrou-se, em colóquio internacional, das relações entre Albert Schweitzer e a Sociedade Bach de São Paulo, presidida por Martin Braunwieser, personalidade de relêvo na tradição em que se insere a A.B.E..


A orientação teórica é marcada pela tradição de pensamento e de iniciativas remontante à sociedade de renovação de estudos e prática cultura fundada em S. Paulo, em 1968 (Nova Difusão), atual Organização de Estudos de Processos Culturais em Relações Internacionais.







Tratado de Versailles. À direita: assinaturas dos representantes do Brasil, P. Calogeras e R. Octavio, e espaço vazio deixado pela ausência de R. Fernandes (marcado a lápis)

 





Congresso da Paz na Galeria dos Espelhos do Castelo de Versailles. M. Clemenceau, presidente, de pé ao lado de Wilson e Lloyd George, declara a abertura da sessão e convida os plenipotenciários da Alemanha a dar a sua assinatura. Desenho de G. Scott, Junho de 1919. L'Illustration, 5 de julho de 1919, 14

 
Os estudos dedicados às relações franco-alemãs e suas repercussões no Brasil, em particular sob o aspecto do binômio Cultura/Ética, não podem deixar de dar especial atenção a um evento que marcou de forma decisiva a história dessas relações no século XX, encerrando uma fase e inaugurando outra, - que seria de graves consequências -, e no qual também o Brasil esteve presente: a Conferência da Paz de Versailles.


Realizada em 1919, selou a mudança fundamental na distribuição de poderes no concerto dos países europeus e de suas relações com o mundo extra-europeu ocorrida com a vitória dos aliados na Primeira Guerra Mundial. A posição de predomínio da Europa Central, em particular da Alemanha, foi substituída sobretudo pela França e, enquanto a Alemanha perdia as suas colonias, a posição francesa no mundo tornava-se extraordináriamente potente.


As mudanças manifestavam-se internamente de forma mais evidente nas zonas intermediárias entre as esferas alemãs e francesas, em particular na Alsácia e Lotríngia, assim como na Renânia e no Sarre, uma transformação de esferas de poder que representara até mesmo importante motivo do conflito bélico.


A nova situação repercutiu nos países aliados, também naqueles de língua inglêsa, criando ou renovando laços, superando divisões históricas, e estabelecendo uma nova fase nas relações franco-americanas e daquelas entre a França, a Grã-Bretanha, seus Dominions e esferas de sua influência em todo o mundo.


A Guerra havia adquirido uma dimensão global, e nela participaram, em território europeu, forças de outros continentes, de colonias e, sobretudo, do Novo Mundo. A nova configuração européia correspondeu também a uma nova posição da América co-vitoriosa no Velho Mundo, do aumento do prestígio, da presença e da influência dos Estados Unidos e dos países que se mostraram amigos, na Europa e entre si.


Também o Brasil participou nessa nova configuração, e o período posterior à Guerra, a década de 20, seria caracterizado pela intensificação da presença da França no Brasil e do Brasil na França. Esse seria um processo acompanhado por gradual e crescente "americanização" e que, portanto, apenas aparentemente surge como paradoxal, contrariando opiniões que colocam um recrudescimento de influências norte-americanas em antionomia a influências européias no país.


A inserção do Brasil na nova constelação internacional não foi apenas marcada pela recepção de impulsos externos e influências internacionais, mas sim pela modificação de situações internas. O Brasil possuía consideráveis contigentes de imigrantes de língua alemã, vastas regiões marcadas na sua formação e desenvolvimento por colonos e seus descendentes da Europa Central e que vivenciaram na própria terra de sua eleição - e até mesmo de nascimento - as tensões bélicas e a nova situação estabelecida.




Sessão histórica do 7 de maio em Versailles. Mesa dos delegados aliados: ao fundo, representantes da Tchecoeslováquia, à frente, da China e do Brasil. L'Illustration, 10 de maio de 1919, 486

 
Análises e panoramas históricos, ainda que sumários, não podem deixar de considerar o significado cultural da Conferência da Paz de Versailles. Esse significado não diz respeito somente ao extraordinário fortalecimento do papel histórico-cultural da França em contextos europeus e em países extra-europeus, reciprocamente acompanhado na própria França por uma nova simpatia pela cultura dos países que se mostraram amigos e que explica, entre outros aspectos, uma nova auto-consciência de artistas e intelectuais americanos e latino-americanos em Paris. É a própria Conferência em si que pode ser examinada sob uma perspectiva histórico-cultural, ou melhor, sob um enfoque teórico-cultural.


Poucas foram as reuniões internacionais nas quais a dimensão simbólica desempenhou um papel tão evidente como naquela de 1919. Com a escolha de Versailles, procurou-se estabelecer um sinal poderoso de mudança da situação, contrapondo-o ao sinal que havia sido instituído há décadas com a proclamação do Império Alemão nesse edifício histórico, ato inusitado que sempre havia sido sentido pelos francêses como humilhante, como imagem do poderio e da vitória alemã na Guerra Franco-Prussiana e de seu domínio na Alsácia-Lotríngia. Seria a Alemanha que agora que deveria ser humilhada com o evento de Versailles.


A escolha desse palácio e de sua Galeria de Espelhos, porém, não poderia ter deixado de revificar imagens muito mais antigas, despertando a memória da França de Luís XIV. Torna-se compreensível, assim, que publicações de ampla divulgação na França e no Exterior, tal como l'Illustration, hajam dedicado no ano de 1919 tanta atenção aos trabalhos de restauração do palácio de Versailles, à sua arquitetura e às suas obras de arte, assim como à época de sua edificação.


A linguagem de sinais e de símbolos foi assim um fator relevante na preparação e na condução dos atos, constituindo um exemplo de que as relações histórico-políticas internacionais não se definem apenas por pronunciamentos verbais e de que na diplomacia a comunicação mais sutil criada por ambientes e configurações de natureza cultural é tão ou talvez mais atuante do que a representação manifesta de interesses e de posições.


Versailles determinou com a sua imagem estados de espírito e agiu na intensificação de sentimentos de auto-consciência e auto-afirmação dos franceses, refocalizando a própria história nacional e correntes de pensamento, inclusive aquelas extremamente conservadoras. Como intencionado, a sua imagem marcou também de forma profunda a Alemanha vencida: não apenas as condições concretas impostas pela Conferência representaram atos humilhantes que seriam constantemente lembrados e considerados como justificativos de desenvolvimentos políticos de excepcional gravidade que levariam à Segunda Guerra Mundial.


A consideração dos fatores culturais em análises históricas da Conferência de Versailles dirige a atenção a seus componentes éticos. Por demais evidentes são aqui as intenções de humilhação moral do vencido, de retribuição de humilhações sofridas, de justificação moral de acontecimentos, de procedimentos e medidas. A mudança de conteúdos ou de associações de imagens, a própria encenação da Conferência não podem ser examinadas sem a consideração de suas dimensões éticas e que dizem respeito tanto a seus pressupostos como a suas consequências. Os representantes do poder vencido foram mesmo de forma não verbal confrontados com uma situação na qual se tratava não de negociações, mas sim do recebimento de ditames quanto a reparações: foram conduzidos por choferes franceses e obrigados a percorrer salões vazios até os seus lugares.


Comentários da imprensa da época salientam o significado do Tratado como um documento a satisfazer a consciência do mundo. Entretanto, demonstram nos seus textos a eficiência da demoralização dos vencidos, manifestada no tratamento concedido a seus representantes. Esses são ridicularizados na sua aparência, trajes e atitudes. Na sua aparência projetava-se a inferioridade cultural que os vencedores atribuíam aos vencidos e que se manifestava sobretudo numa falta de gosto, aptidão que os franceses viam como de seu privilégio. Fatores estéticos, portanto, nos seus vínculos com a Ética, não manifestaram a sua vigência apenas na arquitetura e nas artes de Versailles. A crítica a um mau gosto alemão em comparação com um refinamento do gosto francês surge repetidamente em textos da época; a falta de gosto surge como comprovação de falta de cultura e de rudeza ou embrutecimento de espírito, ou seja, no sentido de deficiência ético-cultural.




Le Départ de France du Président du Brésil.
L'Illustration, 7 de junho de 1919, 580

 
Presença do Brasil na Conferência


O papel do Brasil na Conferência da Paz de 1919 tem sido considerado sobretudo sob o aspecto dos interesses econômicos e da potência do país após a vitória dos aliados e na nova configuração de poderes. Menciona-se a questão da venda de café armazenado em portos europeus e o tratamento de navios alemães apreendidos durante o conflito bélico. A perspectiva cultural, porém, não deveria ser também aqui subestimada. Esta dirige a atenção à extraordinária relevância da participação de representantes brasileiros que dominavam a língua francesa e que, pelos modos de procedimento, postura e atuação demonstravam traços profundos da cultura francesa na sua formação, sendo assim aceitos como personalidades dignas de simpatia e consideração e vistos como homens de distinção e cultivo.


A delegação brasileira, que  deveria ter sido liderada por Rui Barbosa (1849-1923), teve à sua frente o Presidente Epitácio Pessoa. Na sua pessoa tinha-se um representante estreitamente vinculado com a cultura francesa e declarado admirador da França. Esses elos e a sua afinidade emocional foram fortalecidos sobretudo no período de seus estudos em Paris nos anos que precederam a Guerra Mundial.


Assim, na ocasião de uma entrevista dada à imprensa em 6 de junho de 1919, às vésperas de sua partida, Epitácio Pessoa salientou que o Brasil desejava uma aproximação cada vez mais estreita com todas as nações amigas e aliadas, não haveria porém outra nação com a qual o Brasil mais ardentemente desejava uma tal comunidade de interesses e reciprocidade de serviços do que a França.


Pelo lado francês, a elevada simpatia e alta consideração pelo Brasil e seu Presidente manifestaram-se no desejo que este retornasse a seu país a bordo de navio francês. O simbolismo desse ato foi intensificado pela escolha do cruzador encouraçado Jeanne-D'Arc, conduzido sob a bandeira do Contra-Admiral Grout. Essa alta consideração pelo país e seu representante pode ser também constatada pelo fato de que, como nenhum outro político, Epitácio Pessoa recebeu, na sua partida, particular atenção da publicidade francesa.


Le Départ de France du Président du Brésil


L‘éminent chef de la délégation brésilienne à la Conférence de la Paix, M. Epitacio Pessoa, président élu du Brésil, a quitté Paris, mardi matin, se rendant en Angleterre sur l‘invitation du roi George, avant de regagner son pays, où la confiance de ses compatriotes l‘a appelé à exercer la magistrature suprême. La délégation brésilienne a eu, dans les négociations qui ont précédé l‘établissement des conditions de paix, une influence particulière, justifiée par la haute personalité de ses membres et par les intérêts économiques considerables que le Brésil représente à l‘heure actuelle.


M. E
pitacio Pessoa ne nous aura pas quittés sans emporter les vifs regrets de ceux qui ont pu voir à l‘oeuvre son activité courtoise et qui connaissent son attachement pour notre pays. Notre gouvernement a voulu que ce fût un navire français qui le conduise au Brésil, et, à cet effet, le croiseur Jeanne-d‘Arc, arborant le pavillon du contre-amiral Grout, attendra le président à Lisbonne où l‘amènera, avec sa famille et sa suite, un navire anglais.


Les adieux à la France de M. Epitacio Pessoa furent ceux d‘un ami qui nous reviendra et dont les sympathies, dans l‘exercice de ses hautes fonctions, nous resteront fidèles, ainsi qu‘il en a formulé la promesse.

- Si, a-t-il dit à une délégation de presse, la veille de son départ, mon pays souhaite un rapprochement de plus en plus étroit avec toutes les nations amies et alliées, il n‘est pas de nation avec laquelle le Brésil souhaite plus ardemment cette communauté d‘intérêts, cette réciprocité de services qu‘avec la France. (L‘Illustration, 7 de junho 1919, 580)


Brasil no Trianon-Palace e no Ministério de Assuntos Estrangeiros


Esse aspecto cultural de uma diplomacia influenciada pela cultura francesa, talvez mais do que o propriamente os interesses econômicos representados tornam compreensiveis a atenção dispensada ao Brasil nos trabalhos preparativos da Conferência e no posicionamento de seus delegados nas sessões. Seria necessário, porém, examinar mais pormenorizadamente o papel desempenhado pelo Brasil nas negociações que precederam o Congresso e onde se estabeleceram as condições de paz a serem impostas à Alemanha. Seria possível que a cultura de cunho francês dos delegados - ao lado dos interesses econômicos em questão - tivesse exercido uma influência nas transações que levaram à formulação dos termos de condições que seriam determinativas para o relacionamento entre as nações européias.


Nesse contexto, merece uma particular atenção a sessão realizada no dia 7 de maio de 1919, uma quinta-feira, no Trianon-Palace. Essa sessão representou o ponto culminante na história de um edifício que tinha sempre tido uma vocação à internacionalidade. Fora construído pela família francesa Koenigswarter nos lados do parque do Trianon, em terrenos desapropriados de congregações, com a anuência do bispo de Versailles. A escolha desse edifício correspondia a intenção de desenvolver os trabalhos em local que era considerado como uma das grandes glórias das construções de sua época. A sessão obteve grande repercussão pública, e grande número de autoridades militares, diplomatas e representantes de diversas instituições, jornalistas e interessados em geral a porta de entrada do Trianon-Palace.



Sessão plenária no Salon de l'Horloge, Ministère des Affaires Étrangères, Paris, Os representantes do Brasil se encontram ao fundo, à direita (M.O. de Magalhães; M. E. Pessoa).
L'Illustration, 10 de maio de 1919, 503

 
Sourires, effusions contenues, poignées de main discrètes, saluts éloignés, on sentait régner dans l‘ombre de ce printemps affairé une satisfaction qu‘il était de bon aloi de ne pas rendre intempestive. (La Séance du Trianon-Palace, l‘Illustration, 10 de maio de 1919, 488).


Nessa sessão, comunicou-se à delegação alemã o tratado de paz elaborado pelos representantes das potências aliadas. Após palavras de Georges Clemenceau (1841-1929), o tratado a ser assinado foi entregue aos delegados, guiados por Ulrich von Brockdorff-Rantzau (1869-1928).  Posição de particular relevo coube aos Estados Unidos e à Grã-Bretanha, que tinham afirmado, desde o início, apoio à França em caso de agressão não provocada. 


O Tratado, entre outros pontos, dava especial atenção à questão de reparações e da definição do regime da Alsácia-Lotríngia. A Alemanha assuimiria o serviço das pensões, e represálias econômicas eram previstas no caso de sua não execução.


Na sala do Trianon-Palace, a mesa foi encabeçada pelos Estados Unidos, com os seus secretários, juntamente com a  França, e  pela Grã-Bretanha. Do outro lado, encontravam-se os delegados e os cinco comissários da delegação alemã.


Na divisão da mesa, sentaram-se, na fila exterior, em ordem de proximidade, a França, a Itália, a Bélgica e o Brasil, demonstrando, assim, a relevância emprestada ao país. O Brasil localizou-se na ponta da mesa em proximidade à delegação alemã. À frente dos delegados brasileiros, sentaram-se representantes da China.


Nessa fila, encontravam-se representantes de países de influência francesa: Sião, Panamá, Nicarágua, Libéria, Honduras, Hedjaz (ausente), Haiti, Guatemala, Cuba. Na ala dominada pela Grã-Bretanha, sentaram-se representantes do Canadá, da Austrália, da Nova Zelândia, do Japão, da Grécia, da Rumênia e da Tchecoslováquia e, na ala interna, África do Sul, Índia, Polonia, Portugal e Sérbia.


Em fotografia do U.S.Signal Corps tem-se um testemunho visual da disposição dos delegados dos diferentes países e dos representantes da Alemanha vencida. Tendo-se sentado os plenipotenciários da Alemanha, Georges Clemenceau, levantando-se, iniciou a sua alocução com as palavras:


Vous avez devant vous les plénipotentiaires des pays qui se sont unis pour supporter la guerre qui leur fut imposée. L‘heure est venue des règlements de compte.


Entre os delegados aliados, essa fotografia perpetua a presença de Portugal (Affonso Costa), que surge ao lado de Paderewski (Polonia), a do Brasil, que aparece ao lado da Bélgica e da China, representado por .F. Pessoa e P.
Calogeras. Uma fotografia, que focaliza as extremidades das mesas dos delegados aliados, mostra, ao fundo, os representantes da Tchecoslováquia e, à frente, os da China e do Brasil. (L‘Illustration 1919, pág. 487). Outra fotografia testemunha uma sessão plena no Salon de l‘Horloge do Ministère des Affaires Étrangères, acompanhada por um desenho de J. Simoni com a precisa identificação dos retratados. O Brasil surge aqui representado por O. de Magalhães, ao lado dos representantes da Guatemala e da Bélgica; o já citado F. Pessoa aparece ao lado de representantes belgas.


Assinatura do Tratado


Como acima salientado, a escolha do palácio de Versailles obedeceu a motivos culturais e simbólicos. As lembranças do passado deveriam tomar conta do espírito dos participantes ao percorrer a Galeria dos Espelhos até a Sala do Congresso. O longo caminhar em ambiente resplandecente deveria servir a uma preparação psicológica ao ato. Todos deveriam recordar que a proclamação do Império Alemão no dia 18 de janeiro de 1871 representara uma humilhação premeditada. Luís XIV, que havia reunido a Alsácia à França, fora ofendido conscientemente pelos alemães. A dinastia prussiana que se fêz aclamar pela Alemanha teria pensado em deixar uma marca indelével no palácio de Versailles.


O Tratado constituiu uma obra à qual emprestou-se o máximo cuidado sob o aspecto documental e artístico. Ele próprio deveria ser visto como um monumento cultural pela qualidade de seu papel, pela impressão, encadernação, pelos lacres e pela sua disposição visual interna. Foi assinado por personalidades das mais relevantes do mundo político internacional e pelos representantes dos muitos países participantes.


Infelizmente, o Brasil se encontra entre aqueles que deixaram três lugares vazios no rol das assinaturas do Tratado. Se os dois delegados da China se recusaram a assiná-lo, a causa da terceira ausência foi de cunho pessoal: R. Fernandes, delegado do Brasil, não assistira à sessão solene na Galeria dos Espelhos e não assinara o Tratado por razões do adoecimento de sua esposa:


Enfin, trois places restent vides, en face de trois de ces cachets de cire apposés par procuration dans les conditions que j‘ai dites: M. R. Fernandez, delégué du Brésil, n‘a pu, obligé de se rendre auprès de sa femme gravement malade, assister à la séance solennelle de la galerie des Glaces, et Lou Tseng-Tsiang et Changting Thomas Wang, les deux délégués de la Chine, ont refusé de signer. (Gustave Babin In l‘Illustration, 6 setembro de 1919, 200).


Antonio Alexandre Bispo

   





                                                        

Plano de distribuição da Galeria dos Espelhos para a assinatura do Tratado da Paz.

Os representantes do Brasil se encontram à direita do leitor














  1. Observação: o texto aqui publicado oferece apenas um relato suscinto de trabalhos. Não inclui aparato científico. O seu escopo deve ser considerado no contexto geral deste número da revista. Pede-se ao leitor que se oriente segundo o índice desta edição e o índice geral da revista (acesso acima). Pede-se ao leitor, sobretudo, que se oriente segundo os objetivos e a estrutura da Organização de Estudos de Processos Culturais em Relações Internacionais - Academia Brasil-Europa (A.B.E.) - e do Instituto de Estudos da Cultura Musical do Mundo de Língua Portuguesa (Institut für Studien der Musikkultur des portugiesischen Sprachraumes, I.S.M.P.S. e.V.), visitando a página principal, de onde obterá uma visão geral e de onde poderá alcançar os demais ítens: http://www.brasil-europa.eu


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