Revista

BRASIL-EUROPA

Correspondência Euro-Brasileira©

 

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Revista Brasil-Europa - Correspondência Euro-Brasileira 118/21 (2009:2)
Editor: Prof. Dr. A.A.Bispo, Universidade de Colonia
Direção administrativa: Dr. H. Hülskath

Organização de Estudos de Processos Culturais em Relações Internacionais (ND 1968)
Academia Brasil-Europa
Instituto de Estudos da Cultura Musical do Mundo de Língua Portuguesa (ISMPS 1985)

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ISSN 1866-203X - urn:nbn:de:0161-2008020501

Doc. N° 2433


 



Questões teórico-culturais e crítica de expressões natalinas no exemplo de Costa Rica


Resenha


Víctor Valembois. Otra Navidad? San José: Editoral Costa Rica, 2005. 268 p.; 21 x 14 cm. ISBN 9977-23-830-8




O autor, de origem belga, é licenciado em Filologia Românica pela Universidade de Lovaina, Bélgica, sendo doutor em Filologia Hispânica pela Universidade Complutense, Madrid. Há mais de três décadas vivendo em Costa Rica, adquiriu renome como especialista em literatura dramática hispânica. Foi professor das mais prestigiadas universidades do país e agregado cultural a Embaixada da Bélgica, de 1984 a 1997. É colaborador permanente de La Nación e do Semanario Universidad. É autor de numerosos trabalhos publicados em revistas culturais e científicas de vários países americanos e europeus.


No prólogo, Arnoldo Mora Rodríguez considera a obra segundo três critérios: o seu tema, o seu autor e a sua apresentação.


1) Quanto ao conteúdo do livro, salienta a originalidade da publicação, pois nenhum outro autor teria considerado, em Costa Rica, o Natal como fenômeno sócio-cultural sob perspectiva crítica. Como importante fato da vida cultural do país, o Natal tem sido objeto de estudos religiosos, poéticos e artísticos.


2) Quanto ao autor, o seu apresentador salienta que é justamente a origem européia do autor e o fato de conhecer profundamente a cultura de Costa Rica que o permite analisar as expressões culturais do país de forma distanciada e, ao mesmo tempo, próxima. A sua crítica por vezes ferina contra os excessos da sociedade de consumo leva a uma proposta de retorno a uma concepção e a práticas inspiradas em renovado espírito cristão, no sentido de fazer do Natal uma ocasião para o retorno a relações sociais mais solidárias. „Para ello, un retorno a nuestras fuentes culturales y espirituales, una bísqueda de nosotros mismos, un lúcido indagar en los pliegues y repliegues de nuestra interioridad, son indispensables si queremos conservar nuestras mejores tradiciones y, con eso, volver a los valores que dan sentido a nuestras vidas.“ (pág. 12).


3) Quanto à apresentação da obra, salienta a sua característica caleidoscópica, lançando luzes multicolores sobre diversos aspectos do tema. O livro não seria constituído por crônicas, mas sim por reflexões de um observador atento.


Na sua introdução, o autor inicia externando aquilo que chama de frustração com relação ao Natalino. O Natal ter-se-ia transformado de contrato social-renovador a contrato mercantil-explorador. O mesmo estaria passando com a Semana Santa. A culpa do que estaria ocorrendo, porém, não se encontraria necessariamente em forma potencial no próprio Cristianismo, mas sim na sua perversão mercantil.


Citando estudos religiosos realizados pela Universidade do Sul da Flórida a respeito da transformação da parte secular do Natal em espécie de religião em si (The Sacred Santa: Religious Dimensions of Consumer Culture, 2002), lembra que, para os comerciantes, o Salvador seria Santa Claus, e não Cristo. Essa cultura religiosa disfarçada teria muitas características de religião tradicional. Já há anos teria tido como objetivo denunciar esse Natal sequestrado, sem porém, cair em nostalgia do passado. Procuraria apenas chamar a atenção para que se pense na possibilidade de outras formas de celebração do Natal.


Os textos se distribuem no livro em três grandes grupos: artigos de diagnóstico, textos de análise, em contextos cada vez mais amplos do local ao universal e, por fim, artigos com sentido de propostas ou alternativas.


Uma apreciação adequada e justa desta publicação encontra dificuldades de diferentes ordens. Em primeiro lugar, o pesquisador familiarizado com o desenvolvimento dos estudos relacionados com o Natal e suas expressões culturais, com a simbologia da linguagem visual das tradições européias e latino-americanas e com a hermenêutica de imagens é obrigado a constatar que o livro não corresponde ao estado atual dos conhecimentos, ou melhor, não considera as expressões natalinas sob critérios fundamentados do ponto de vista teológico e teórico-cultural. O modo informal de exposição e, sobretudo, a inclusão de desenhos de cunho trivial sugerem, também, tratar-se aqui de uma publicação de interesse meramente jornalístico, sem interesse científico. Em alguns trechos, sobretudo nas sugestões que oferece, poder-se-ia supor que o autor tenha sido guiado não tanto por convicções religiosas mais aprofundadas, mas sim pela nostalgia das tradições que marcaram a sua infância na Europa, apesar de suas afirmações em contrário. A obra seria antes expressão de situações da migração do próprio autor, com os seus problemas de adaptação e suas tendências reativas.


Reflexões mais aprofundadas, porém, e sobretudo o contato in loco é que demonstram que a publicação de Valembois trata e traz à consciência problemas culturais de transcendente significado, detectados pela sensibilidade mais aguçada de um autor de formação antropológica.


As expressões da época natalina - do Advento ao Carnaval - representam grande parte do patrimônio cultural tradicional da América Latina e do Caribe. Em algumas regiões chegam a constituir elementos fundamentais de práticas musicais, coreográficas e teatrais que caracterizam identidades nacionais. Essas expressões, resultado de transplantações e de métodos de transformação religioso-culturais do passado, manifestam uma organização simbólica da cultura que necessita ser compreendida a partir de critérios de leitura de significados que lhe sejam adequados.


Somente a partir de enfoques apropriados, considerando-se as concepções inerentes a essas tradições da memória da „primeira vinda de Cristo“, em carne, é que se pode considerar do ponto de vista antropológico-cultural adequado as afinidades exteriores de expressões lúdicas do Natal e de Reis com aquelas do Carnaval. As transformações apontadas criticamente pelo autor no que diz respeito a uma comercialização e profanização de expressões natalinas necessitariam ser reexaminadas sob o pano de fundo desses fundamentos culturais. Tratar-se-ia, aqui, para os estudos culturais, de um fenômeno de transformação visual de imagens, talvez de perda de orientação ontológica, mas de permanência de mecanismos já vigentes e resultados de ações coloniais. A análise teórico-cultural não necessitaria, aqui, levar o pesquisador obrigatoriamente a sugestões de cunho religioso como aquelas tentadas pelo autor.


O empenho emocionalizado do autor apenas pode ser compreendido considerando-se o grau e as características das transformações da linguagem visual de expressões natalinas em Costa Rica. Tudo indica que, mais do que em outros países latino-americanos, o aspecto jocoso e hilariante próprio ao cunho lúdico de expressões relativas à humanidade carnal dos mistérios da Natividade é aqui atualizado de forma particularmente extrema. Assim, o observador externo pode sentir-se escandalizado ao constatar, em programas e textos de difusão cultural e turística, menções a representações e bonecos que apresentam o Papai Noel, os reis da Espanha ou até mesmo o Pontífice em atitudes de defecação. No guia turístico San José volando (dezembro de 2008) dedica-se toda uma página a comentários de expressões lúdicas natalinas de diversos países do mundo, remonta-se esse costume ao Natal de Barcelona. Apesar de toda a vulgaridade, para os estudos culturais, tais representações são passíveis de ser analisadas de forma teoricamente adequada com base nos próprios mecanismos implantados na América.


A.A.Bispo