Revista

BRASIL-EUROPA

Correspondência Euro-Brasileira©

 

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Revista Brasil-Europa - Correspondência Euro-Brasileira 117/1 (2009:1)
Editor: Prof. Dr. A.A.Bispo, Universidade de Colonia
Direção administrativa: Dr. H. Hülskath

Organização de Estudos de Processos Culturais em Relações Internacionais (ND 1968)
Academia Brasil-Europa
Instituto de Estudos da Cultura Musical do Mundo de Língua Portuguesa (ISMPS 1985)

© 1989 by ISMPS e.V. © Internet-edição 1998 e anos seguintes © 2009 by ISMPS e.V. Edição reconfigurada © 2014 by ISMPS e.V. Todos os direitos reservados
ISSN 1866-203X - urn:nbn:de:0161-2008020501

Doc. N° 2411


 


Tema em debate


Comunicação em contextos culturais complexos e Teoria Sistêmica
Pelos dez anos da morte de Niklas Luhmann (1927-1998) - Reflexões em Raesfeld





Raesfeld. Foto A.A.Bispo 2008. Copyright
Este texto apresenta uma súmula de reflexões encetadas no ciclo de estudos interdisciplinares pelos 40 anos da Sociedade Nova Difusão - hoje Organização de Estudos de Processos Culturais em Relações Internacionais - e 10 anos de abertura do centro de estudos da Academia Brasil-Europa em Colonia, sob o patrocínio da Embaixada do Brasil na Alemanha.


Os estudos desenvolveram-se em excursões e retiros preparados pelos seminários "A aproximação científico-cultural na Musicologia: História, Métodos, Tendências, Projetos"(2005), "Conceitos de Diferença na Pesquisa da Música Popular" e "Música na Teoria da Arte" (2005) da Universidade de Colonia 2005 e A.B.E., sob a direção de A.A.Bispo.


Os trabalhos retomaram questões tratadas em seminários dedicados às relações entre Estética, Ética e Estudos Culturais realizados na Universidade de Bonn (2002-2004). Essas preocupações remontam, na tradição dos estudos euro-brasileiros, à cooperação interdisciplinar das disciplinas Estética e Etnomusicologia introduzidas na Faculdade de Música e Educação Artística do Instituto Musical de São Paulo, em 1972.


Impulsos pioneiros de Décio Pignatari, em seminário sobre Arte e Comunicação realizado pelo Departamento de Cultura do Município de São Paulo, em 1968, de influência na orientação da sociedade então constituída, foram considerados à luz de novos desenvolvimentos no decorrer das décadas, salientando-se aqui o pensamento de Niklas Luhmann.










Raesfeld. Foto A.A.Bispo 2008. Copyright
Sob muitos aspectos, questionamentos de fins dos anos 60 parecem manter a sua atualidade, merecendo ser recolocados e rediscutidos, agora sobretudo em contextos culturais complexos marcados pela cooperação internacional.


Para isso, torna-se necessário atualizar modêlos de pensamento, considerar outros tipos de argumentação e tendências dos debates nas várias áreas do saber.


Assim, durante os trabalhos realizados pela A.B.E. em 2008, relembrando os 40 anos de fundação da sociedade Nova Difusão, procurou-se considerar continuidades e descontinuidades no debate teórico nos últimos 40 anos.


Um dos aspectos considerados disse respeito à questão da Teoria da Comunicação nos seus elos com a Teoria de Sistema de N. Luhmann (ponto de partida das reflexões: Dirk Baecker, ed. Einführung in die Systemtheorie, Niklas Luhmann, 2a. ed. 2004, ISBN 3-89670-459-1)


Niklas Luhmann (1927-1998) é um dos mais prestigiados sociólogos das últimas décadas, cujo nome, sobretudo ligado à Teoria de Sistema, tornou-se altamente influente no debate interdisciplinar. Tendo-se formado em Direito, em Freiburg, atuou primeiramente como advogado de administração para o Estado da Baixa Saxônia. Após estudos na Universidade de Harvard, doutorou-se e realizou o seu trabalho de agregação universitária na Universidade de Münster. Em 1969 assumiu cátedra na Universidade de Bielefeld, onde atuou até 1993.


A interdisciplinaridade desempenhou papel fundamental na própria construção do seu edifício teórico, uma vez que o seu pensamento partiu da observação de desenvolvimentos de outras disciplinas, o que possibilita que a sua argumentação e as suas concepções surjam como produtivas para as reflexões nas mais diversas áreas do saber, da ecologia às ciências, à cultura, à educação e à política. Procurou aproximar e vincular a dicussão sociológica às recentes teorias sistêmicas e desenvolver uma teoria da sociedade.


O objetivo principal da Nova Difusão, entidade constitutiva da organização Brasil-Europa, era o de questionar a prática e os fundamentos conceituais da difusão cultural, procurando caminhos para procedimentos e posições refletidas.


Criticava-se uma prática e uma política de difusão cultural que agiam de forma não consciente e não adequada às transformações sociais e ao desenvolvimento dos meios de comunicação.


Era a época em que os primeiros cursos de Teoria da Comunicação passavam a ser realizados, salientando-se aqueles levados a efeito por Décio Pignatari para o Departamento de Cultura de São Paulo. No âmbito da Nova Difusão, os modêlos teóricos do processo comunicativo passaram a ser aplicados na análise de processos culturais. Analisava-se a questão da difusão cultural privilegiadamente sob essas concepções, examinando-a também no sentido de uma comunicação.


A crítica da passividade do receptor na assimilação do transmitido e o intuito de transformá-lo em observador consciente implicava em colocá-lo numa posição de sensibilidade mais acurada que permitia relativar aquilo que estava sendo difundido.


Comunicação e Sistema. Crítica de uma idéia de transmissão


Segundo N. Luhmann, a Teoria da Comunicação deveria ser pensada juntamente com a Teoria de Sistema. Como esse autor sugere, o sistema seria produzido pela operação. Tem-se assim uma operação como produtora do sistema e deve-se ajustar a teoria de modo a referir-se a essa operação. Essa operação seria a comunicação. A proposta difere assim de forma significativa de conceitos convencionais do que deve ser entendido como comunicação.


Raesfeld. Foto A.A.Bispo 2008. Copyright
Em geral, como aquele sociólogo salienta, a comunicação tem sido compreendida como um processo de transmissão. Haveria um autor e um receptor de uma comunicação. Um assumiria a posição daquele que dá uma notícia, emite uma mensagem, uma informação, o outro seria o receptor. O observador situar-se-ia uma vez aqui, outra vez ali, podendo assumir uma perspectiva correspondente a um papel passivo ou ativo.


De acordo com essa concepção de comunicação no sentido de transmissão, o discurso sobre a comunicação ter-se-ia concentrado em questões tais como aquelas relacionadas com o conteúdo transportado, os processos de transmissão e as interferências ocorrentes no caminho transmissivo.


Esse modêlo de pensamento, porém, baseado na idéia de uma transferência ou transmissão, estaria sendo abandonado.


Humberto Maturana não aceitaria compreender a comunicação ou a utilização da língua como processo de transmissão; seria por assim dizer uma supercoordenação de coordenação de organismos. Assim, saber-se-ia que, na comunicação, não se perde aquilo que se comunica. Aquele que comunica não perde o seu saber.


Haveria portanto uma diferença com relação ao que acontece na economia, onde se perde aquilo que se dá. Trata-se, assim, na comunicação de um processo que se desenvolve multiplicativamente, um processo de transmissão sui generis, onde nada se perde, apenas se multiplica.


Segundo alguns, trata-se, na comunicação, de produção de redundâncias, de saber supérfluo. Supérfluo do ponto de vista daquele que os quer questionar: quando A comunica algo a B, C pode indagar tanto A quanto B. Quando algo é emitido pela televisão, pode-se perguntar a outro telespectador o que foi recebido. Produz-se um excesso de saber, o saber multiplica-se por si próprio, havendo uma quota de esquecimento ou desatualização do conteúdo da comunicação.


Uma outra crítica diz respeito à questão se o modêlo da transmissão não pressupõe que se saiba as situações dos participantes, ou seja, que se saiba o que o conhecimento significa para A ou para B. Se o saber em B e em A é totalmente distinto, então dificilmente pode-se falar de comunicação. Como é que se pode saber o que alguém sabe?


Informação, comunicação e entendimento


No lugar de um modêlo de transmissão, pode-se partir de um outro esquema. Tratar-se-ia aqui de uma concepção baseada numa divisão em três partes. Fala-se de informação, de comunicação e de entendimento.


O tratamento teórico dessa tríade não é uniforme nos vários autores. A literatura do speech act consideraria vários desses aspectos.Tem-se a idéia de que a tríade representa tipos de atos, neles podendo ser dividida. A língua deve estar em condições de oferecer possibilidades de comunicação, de dar informação e de prever efeitos de entendimento. Tratar-se-ia de componentes de uma unidade. Ter-se-ia a tese de que uma comunicação se realiza quando há uma unidade de exposição, informação e entendimento.


Esses componentes não podem acontecer isoladamente: representam sempre aspectos de uma unidade que se realiza operativamente.Informação surge, nessa visão, sempre como momento de uma comunicação. Ela representa apenas algo dentro do sistema.


Problemas da comunicação escrita


Haveria um outro problema no caso da comunicação escrita. Poder-se-ia dizer que comunicação depende da igualdade de tempo de informações e de compreensão. Não se trata que alguém diga algo e um outro o compreenda após algum tempo. A perda de tempo é mínima e não é registrada psiquicamente.


A igualdade de tempo na comunicação surge assim como um momento essencial na comunicação oral. Comunicação ocorre ao mesmo tempo e num espaço que é dominado ou identificado pela comunicação. No caso da comunicação escrita, ter-se-ia comunicação nesse sentido quando nela se reflete uma informação de textos antigos.


Significado para os estudos em contextos euro-brasileiros


Essas reflexões podem contribuir a uma maior diferenciação e precisão dos debates relativos à cooperação internacional no âmbito dos estudos culturais, em particular naquela promovida pela A.B.E..


Pela sua própria história, devido à fundação da sociedade Nova Difusão, em 1968, problemas relacionados com a difusão cultural e com a comunicação encontram-se sempre no âmago das atenções.


A entidade e os eventos por ela organizados nunca se consideraram a serviço da Difusão Cultural no sentido da divulgação de expressões culturais do Brasil na Europa ou da Europa no Brasil. Pelos próprios objetivos da entidade fundada em fins da década de 60, o empenho dos trabalhos é exclusivamente teórico, ou seja, o de análise de processos e do instrumentario teórico e metodológico correspondente.


Os trabalhos e iniciativas - entre elas o da publicação desta revista - não possuem em primeira linha escopo de transmissão de conhecimentos ou de difusão de saber, de fatos e ocorrências. Não possui intuitos informativos, instrutivos ou de propagação.


Uma concepção de comunicação que se afasta da idéia de transmissão vem de encontro a esses intuitos. Uma das mencionadas críticas do modêlo de transmissão é até mesmo de natureza cultural, pois salienta a necessidade de que se saiba o que o conhecimento significa para A ou para B, ou seja, os pressupostos culturais que possibilitam a comunicação.


Quanto ao debate relativo à comunicação escrita, porém, as novas condições criadas pela Internet sugerem a necessidade de uma maior diferenciação dos argumentos.


(...)


Anotações sumárias dos assuntos tratados. Grupo Redatorial



  1. Observação: o texto aqui publicado oferece apenas um relato suscinto de trabalhos. Não inclui aparato científico. O seu escopo deve ser considerado no contexto geral deste número da revista. Pede-se ao leitor que se oriente segundo o índice desta edição e o índice geral da revista (acesso acima). Pede-se ao leitor, sobretudo, que se oriente segundo os objetivos e a estrutura da Organização de Estudos de Processos Culturais em Relações Internacionais - Academia Brasil-Europa (A.B.E.) - e do Instituto de Estudos da Cultura Musical do Mundo de Língua Portuguesa (Institut für Studien der Musikkultur des portugiesischen Sprachraumes, I.S.M.P.S. e.V.), visitando a página principal, de onde obterá uma visão geral e de onde poderá alcançar os demais ítens: http://www.brasil-europa.eu


  2. A A.B.E. é entidade exclusivamente de natureza científica, dedicada a estudos teóricos de processos interculturais e a estudos culturais nas relações internacionais. Não tem, expressamente, finalidades jornalísticas ou literárias. É, na sua orientação teórico-cultural, a primeira do gênero, pioneira no seu escopo, independente, não-governamental, sem elos políticos ou religiosos, não vinculada a nenhuma fundação de partido político europeu ou brasileiro e originada de iniciativa brasileira. A Organização de Estudos de Processos Culturais remonta a entidade fundada e registrada em 1968 (Nova Difusão). A A.B.E. insere-se em tradição derivada de academia fundada em Salzburg pelos seus mentores, em 1919, sobre a qual procura sempre refletir.