Doc. N° 2016
Direção: Prof. Dr. A. A. Bispo, Dr. H. Hülskath e Curadoria Científica © 1989 by ISMPS e.V. © Internet-edição 1999 by ISMPS e.V. © 2006 nova série by ISMPS e.V. Todos os direitos reservados - ISSN 1866-203X - urn:nbn:de:0161-2008020501
94 - 2005:2
Mascaradas e corporações nas relações interamericanas e transatlânticas
Atividades da A.B.E. em Charlotte Amalie, St. Thomas, Virgin Islands/US
Os trabalhos no âmbito do projeto Transatlântico da Academia Brasil-Europa incluíram uma estadia de contatos e estudos em St. Thomas, Charlotte Amalie, nas US-Virgin Islands, efetuada em março de 2005. Tendo como objetivo o estudo das interações entre processos interamericanos e transatlânticos, pareceu ser produtivo, no contexto do projeto, não apenas estudar a questão da latinoamericanização de determinadas esferas dos EUA e da norteamericanização de regiões de antiga formação latina e daquelas de marcada influência não-latina, nórdica ou anglosaxônica na sua formação cultural. Este é o caso das Ilhas Virgens no Caribe, - St. Thomas, St.Crux e St. John -, situadas entre Porto Rico e as Ilhas Virgens britânicas. Eram, no passado, conhecidas pelo nome de Ilhas Ocidentais Dinamarquesas. Retomaram-se assim trabalhos já desenvolvidos pela A.B.E. em St. Thomas, nos anos 80. St. Thomas adquire um singular significado para os estudos culturais em contextos internacionais. Devido em parte às atividades da University of the Virgin Islands, os estudos de expressões culturais locais estão mais desenvolvidos do que em várias outras regiões. Adquiridas pela Dinamarca em 1917, as Ilhas Virgens são hoje um território dos Estados Unidos. No passado, porém, os holandeses desempenharam importante papel nas plantações, deixando a sua marca na língua creola. O inglês tornara-se lingua geral já no período anterior à emancipação devido à influência de inglêses, irlandeses e escoceses como sucessores dos holandeses nas plantagens. Apesar do variado repertório de folk songs, as expressões culturais que mais chamam a atenção dos pesquisadores teem sido aquelas atribuídas sobretudo aos africanos e seus descendentes. Essas expressões teriam sido reforçadas com a vinda de trabalhadores de outras ilhas anglófonas após a emancipação em meados do século XIX , tais como Barbados, Antigua e St.Kitts-Nevis. Dentre os estudos culturais relativos a essas expressões salienta-se a obra de Robert W. Nicholls, Old-Time Masquerading in the U.S. Virgin Islands, publicadas pelo The Virgin Islands Humanities Council, em 1998. Nas discussões desse estudo, já empreendidas várias vezes em eventos da A.B.E., tem-se salientado a necessidade de uma mudança dos princípios teóricos que guiaram até hoje as pesquisas. No estudo das mascaradas não se deve confundir a constituição social e étnica daqueles grupos que a praticam com a questão da origem histórica dos folguedos. Seria um êrro considerá-las como extensão de expressões culturais autóctones ou originalmente africanas. A análise cultural e os estudos comparativos, baseados também nos resultados de pesquisas de expressões brasileiras, têm demonstrado que as mascaradas representam expressões de uma ordem simbólica medieval implantada como mecanismo lúdico de transformação de identidades a serviço da conversão e da integração de indígenas e de africanos na sociedade cristã. Não é por menos que essas expressões são cultivadas em épocas determinadas do calendário religioso, sobretudo na época do Natal, quando se rememora o nascimento do Logos na humanidade carnal. Elementos das culturas originais desses grupos, se permanecem ainda nas tradições culturais, sofreram o procedimento desvalorizador de sua integração no repertório das expressões grotescas do "homem velho", "carnal", segundo a visão teológica e não representam simples extensões, resíduos ou lembranças das culturas nativas. O estudo desse mecanismo leva, portanto, a uma reconsideração básica dos estudos dessas expressões e de suas interpretações sociais. As mascaradas são expressões do processo colonial e, se vistas como manifestações de resistência, esta não se refere às culturas nativas, superadas pelos cristianizados, mas sim documentam uma cultura católica tornada marginal pela supremacia protestante dos dinamarqueses, holandeses e inglêses nessas ilhas. Justamente essa resistência conservadora, porém, - mantendo mecanismos de conversão simbólica e de performatividade identificatória em situações de dominância não-católica -, levou à permanência de um rico repertório de expressões que em muitos casos apenas sobrevivem de forma fragmentária em outras regiões. Cita-se, por exemplo, nesse contexto, a Bamboula. Essa dança e expressão musical foi analisada em pormenores nos seus vínculos interamericanos e transatlânticos durante os trabalhos. O estudo cultural das mascaradas das Ilhas Virgens, apesar de sua aparente distância geográfica e cultural do Brasil, pode, portanto, oferecer valiosos subsídios para o entendimento de várias expressões culturais brasileiras já às vezes não observáveis nos seus vínculos com as festas do ano religioso.
As mascaradas mantém atuantes, portanto, mecanismos provenientes de uma fase antiga do contato euro-africano e euro-americano, fase da catequese em ambos os lados do Atlântico. Uma outra situação é aquela que diz respeito às corporações musicais, produtos já de uma sociedade secularizada de meados do século XIX. As Ilhas Virgens oferecem também sob esse aspecto possibilidades elucidadoras para o estudo de desenvolvimentos similares em outras regiões das Américas. Os elos não-latinos que levaram à eclosão das bandas de música no século XIX em contextos internacionais não têem sido até hoje suficientemente considerados. Ter-se-ia, no caso, a superposição de estruturas sociais da prática musical - grupos de antiga tradição e grupos organizados segundo corporações - que representariam não instituições estáticas, mas sim antes configurações dinâmicas, expressões de processos coloniais de diferentes conotações. O significado da música de banda na vida cultural de St. Thomas é reconhecido pela comunidade, fato manifestado no monumento em memória a David E. Monsanto (1904-1969), Bandmaster da St. Thomas Comunity Band de 1935 a 1969, e que ornamenta um dos jardins principais da capital. A.A.B.
Observação: o texto aqui publicado oferece apenas um relato suscinto de trabalhos. Não tendo o cunho de estudo ou ensaio, não inclui notas e citações bibliográficas. O seu escopo deve ser considerado no contexto geral deste número da revista. Pede-se ao leitor que se oriente segundo o índice desta edição (acesso acima).