Doc. N° 2010
Direção: Prof. Dr. A. A. Bispo, Dr. H. Hülskath e curadoria científica © 1989 by ISMPS e.V. © Internet-edição 1999 by ISMPS e.V. © 2006 nova série by ISMPS e.V. Todos os direitos reservados - ISSN 1866-203X - urn:nbn:de:0161-2008020501
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Folk Art no estudo das relações interamericanas e transatlânticas Utilidade, Comunidade, Individualidade e Simbolismo Exposição no American Folk Art Museum, New York Reflexões no contexto do programa Transatlântico da A.B.E.
O projeto Transatlântico da Academia Brasil-Europa, preparado em ciclo de palestras e estudos e dedicado ao estudo das interações entre processos interamericanos e transatlânticos na cultura, não poderia deixar de considerar nos seus trabalhos introdutórios as atividades de pesquisa e de difusão da cultura tradicional do continente americano desenvolvidas por instituições dos Estados Unidos. O enfoque foi aqui fundamentalmente teórico, comparando os conceitos e os métodos empregados com aqueles conhecidos do Brasil e de outros países e analisando-os à luz dos debates científico-culturais realizados pela A.B.E. nos últimos anos.
As reflexões tiveram como ponto de partida a exposição Folk Art revealed, apresentada no the American Folk Art Museum em New York. Essa exposição, sob a curadoria de Stacy C. Hollander e Brooke Davis Anderson, foi realizada graças à Peter Jay Sharp Foundation e apoiada pelo Blanchette Hooker Rockefeller Fund, pelo The Brown Foundation, Inc. de Houston, pela Robert Lehman Foundation e pelo Jean Lipman Fellows. O empreendimento teve como objetivo convidar os visitantes a contemplar a natureza da folk art a partir de quatro critérios aplicados em objetos da coleção do museu. Quatro princípios ou temas - Utility, Community, Individuality, Symbolism - foram apresentados pelos realizadores da exposição como inerentes a toda folk art e designados como sendo aspectos essenciais de expressões tradicionais e não-convencionais. Sob esses critérios, os objetos do museu foram dispostos a suscitar contrastes visuais e de informação destinados a auxiliar os visitantes a entender o papel vital da folk art como meio de transmissão do patrimônio cultural e como uma reflexão de síntese entre conceitos tradicionais e nova influências. Os quatro conceitos deveriam servir como chaves para a leitura e a compreensão de uma visão holística do mundo própria da folk art, vista como uma expressão emergente de padrões de vida, ao mesmo tempo afirmativa da estabilidade e resistente a convenções. A amostra incluiu assim objetos das mais diversas épocas e regiões.
A exposição corresponde à conceituação teórica que parece determinar o trabalho geral do American Folk Art Museum, entidade que mantém um vasto calendário de programas interdisciplinares e eventos públicos. Em eventos noturnos, o museu organiza simpósios, discussões, conferências e apresentações musicais de natureza acessível ao público (Let's talk Folk Art) e workshops para famílias aos domingos (Family Art Workshops), possibilitados com apoios de Nancy e Dana Mead assim como D'Arcy e Dana G. Mead Jr. e Susan e Mark C. Mead. Além desses apoios de idealistas, os eventos recebem auxílios da Consolidated Edison Company, Citicroup Foundation, do New York State Council on the Arts e do New York City Department of Cultural Affairs.
As coleções do museu incluem objetos brasileiros, sobretudo cadernos de cordel do Nordeste. Esses objetos, colocados ao lado de alguns outros provenientes da América Latina, testemunham a intenção inter- ou panamericana do museu, sugerindo uma transcendência da folk art relativamente a fronteiras nacionais. Entretanto, no conjunto das muitas expressões dos Estados Unidos de todas as épocas e regiões, inclusive com um grande painel dedicado ao ataque de 11 de setembro, esses objetos perdem a sua representatividade relativamente ao complexo cultural brasileiro e colocam questões relativas aos critérios de seleção.
Como divisão do American Folk Art Museum, o Folk Art Institute, entidade fundada em 1985, oferece possibilidades de estudos na área da American folk art e disciplinas afins. Sob o título de Folk Art Studies são tratados temas tais como arte africana, arte do Sul do Pacífico, folk art e tradições da Pennsylvania, Camino Real e estrada de Santa Fe, artistas com problemas físicos, texteis americanos, folk art na vida americana, artistas auto-didatas no século XX etc. Sob o título Hands-On Craft & Heritage são tratados temas tais como técnicas decorativas de móveis, pintura de paisagens, de retratos e outros. Diretora do Folk Art Institute é Lee Kogan, também curadora de projetos especiais para o The Contemporary Center. As atividades docentes são exercidas sobretudo por pesquisadores formados ou estreitamente vinculados com o American Folk Art Museum.
Nas reflexões, recordou-se o conceito de Folclore como expressão cultural espontânea ou como cultura espontânea defendido por Rossini Tavares de Lima, Julieta de Andrade e outros estudiosos do Museu de Artes e Técnicas Populares (Museu de Folclore) e da Escola de Folclore de São Paulo no início da década de setenta. A discussão de conceitos e de métodos relativos à problemática noção de folk, desenvolvida desde então, tem levado à consideração de outros aportes teóricos nas ciências da cultura, em particular dos Cultural Studies de procedência britânica. Sobre o pano de fundo do colóquio promovido pela A.B.E. em janeiro de 2005 sobre as relações entre a Teoria da Arte contemporânea e os estudos culturais em memória a J. Derrida, a conceituação inerente à exposição analisada levantou questões concernentes à propriedade de categorizações da cultura segundo critérios essencialistas. O próprio conceito de Folk Art surge, no contexto do projeto Transatlântico da A.B.E., como questionável e os critérios sugeridos para a sua leitura como por demais complexos, imprecisos e, ao mesmo tempo, insuficientemente discutidos, apesar da já longa história de seu uso e estudo. No estudo do relacionamento entre processos interamericanos e transatlânticos proposto pelo projeto constata-se a necessidade de uma reflexão teórica mais diferenciada e baseada em outras perspectivas e paradigmas. Para essa tarefa, a exposição do American Folk Art Museum ofereceu impulsos valiosos.
Observação: o texto aqui publicado oferece apenas um relato suscinto de trabalhos. Não tendo o cunho de estudo ou ensaio, não inclui notas e citações bibliográficas. O seu escopo deve ser considerado no contexto geral deste número da revista. Pede-se ao leitor que se oriente segundo o índice desta edição (acesso acima).