Revista

BRASIL-EUROPA

Correspondência Euro-Brasileira©

 

_________________________________________________________________________________________________________________________________


Índice da edição     Índice geral     Portal Brasil-Europa     Academia     Contato     Convite     Impressum     Editor     Estatística     Atualidades

_________________________________________________________________________________________________________________________________

Nave della Musica. Foto A.A.Bispo

Nave della Musica. Foto A.A.Bispo

Nave della Musica. Foto A.A.Bispo

Nave della Musica. Foto A.A.Bispo

Nave della Musica. Foto A.A.Bispo

Nave della Musica. Foto A.A.Bispo

Nave della Musica. Foto A.A.Bispo

Fotos A.A.Bispo
©Arquivo A.B.E.

 

Revista Brasil-Europa - Correspondência Euro-Brasileira 137/13 (2012:3)
Prof. Dr. A.A.Bispo, Dr. H. Hülskath (editores) e Conselho Científico
da
Organização de estudos de processos culturais e estudos culturais nas relações internacionais (reg. 1968)
- Academia Brasil-Europa de Ciência da Cultura e da Ciência -

e institutos integrados

© 1989 by ISMPS e.V. © Internet-edição 1998 e anos seguintes © 2012 by ISMPS e.V. Todos os direitos reservados
ISSN 1866-203X - urn:nbn:de:0161-2008020501

Doc. N° 2916


A.B.E.


Brasileiros no Exterior

Um cantor brasileiro na "nave della musica":
Marcelo Alves da Silva (Mamé) e o espírito do Zimbo Trio
Processos culturais na imagem sonora do Brasil à luz do antigo paradigma do Navegante

 
A.A.Bispo e Marcelo Alves da Silva
Como considerado em números anteriores desta revista, a presença, a atuação e as experiências de brasileiros no Exterior merecem por diferentes motivos a atenção dos Estudos Culturais.

Como em grande mosaico em construção, os caminhos de vida e as atividades de artistas, músicos, intelectuais e representantes das mais diversas áreas profissionais em viagens ou residindo fora do Brasil oferecem bases para estudos de processos culturais em dimensões globais.

Sabe-se, do passado, do esquecimento em que cairam muitos daqueles que ficaram entre países e culturas, de migrantes e viajantes, silenciados que foram na literatura delimitada segundo nações e idiomas. Esse fato representa, hoje, um obstáculo para estudos em contextos internacionais e para a análise de processos que explicam situações atuais.

Não há apenas artistas, músicos e intelectuais que apresentam na sua biografia nacional projeções internacionais, mas também aqueles que se encontram em perenes navegações, entre portos e mundos.

As suas atividades e experiências adquirem significado justamente devido a essa itinerância, tanto no sentido literal como figurado de viagens.

Chamam a si necessariamente a atenção de estudos que focalizam não primordialmente esferas da cultura, mas sim processos inter-e transculturais, de difusões e de transformações de identidade para além de fronteiras.

Não é recente o reconhecimento do papel simbólico-antropológico daquele que viaja pelos mares e que, desafiando riscos, prossegue a sua viagem em direção a um porto de chegada. A pesquisa tem-se orientado aqui entre outros por Ulisses que, como fundador mítico de Lisboa, adquire extraordinário significado emblemático para os estudos do mundo lusófono.

Ulisses surge como uma das figuras que correspondem ao paradigma imagológico do Navegador, daquele que chega em diferentes portos vindo de longe, em viagem errante de retorno à terra, dando motivo a festas, oferecendo impulsos e inaugurando nova fase cultural. Movido de saudades, parte novamente, deixando na tristeza e também em saudades aqueles que por êle foram fascinados, agora abandonados ao fado da sua ausência.(Veja http://www.revista.brasil-europa.eu/138/Protis.html)

Como a pesquisa teórico-cultural da ordenação visual do edifício de concepções do mundo vem demonstrando, esse paradigma corresponde, na tradição greco-romana, ao representado por Dionísio. imagem que nem sempre tem sido adequadamente compreendida nos estudos mitológicos e na literatura. (Veja artigo)

Marcelo Alves da Silva. Foto A.A.Bispo©

Marcelo Alves da Silva. Foto A.A.Bispo©
Marcelo Alves da Silva e a música brasileira na "Nave della musica"

Há um empreendimento no mercado de viagens de lazer da atualidade que retoma esses antigos elos entre a nave, a viagem marítima e a música e, com eles revivifica esse complexo simbólico, ainda que esteticamente de forma singular por vir de encontro a preferências italianas.

Trata-se da nave Costa Pacífica, compreendida como "nave da música", significativamente decorada com sinais musicais e que confere às apresentações musicais particular atenção.

Esse papel extraordinário concedido à música é desempenhado em considerável parte por brasileiros, salientando-se aqui Marcelo Alves da Silva (Mamé), cantor nascido em São Paulo, em 1971. Através da sua atuação, Marcelo Alves da Silva impregna o antigo símbolo da nave musical representada pela Pacífica com os meios de expressão da música popular brasileira, em particular da Bossa Nova e de sua tradição.

Marcelo Alves da Silva. Foto A.A.Bispo©
Com o seu canto, Marcelo Alves da Silva transporta para o público internacional na italiana nave da música um vasto repertório musical representativo de determinados contextos da história músico-cultural do Brasil, interpretando-o segundo determinada tradição e impregnando-o com qualidades resultantes de sua experiência em diversas esferas das artes e da cultura e de visões de novos e ambiciosos projetos.

Tendo obtido a sua formação musical no Clam Zimbo, a escola do Zimbo Trio, onde teve como professores Amilton Godoi, Geraldo e Maria Lucia Cruz Sizigan, tendo estudado também Educação Musical Infantil, Marcelo Alves da Silva desenvolveu não apenas intensas atividades musicais como cantor, mas também como ator e assistente de direção de várias produções teatrais.

Marcelo Alves da Silva tomou parte em 25 produções de teatro e de ópera, salientando-se Macbeth e La Figlia del Reggimento, de G. Donizetti, além de Chapéu de Palha, de Florença de Nino Rota, atuando em muitos teatros do Brasil, entre êles no Teatro Municipal do Rio de Janeiro e no Teatro Amazonas, em Manaus. Trabalhou sob a direção, entre outros, de Iacov Hillel, José Possi Neto, Naum Alves de Souza e Flávio de Souza. Como ator, apresentou-se em várias produções do SESC, juntamente com artistas como Mika Lins e José Geraldo Rodrigues. Participou também de filmes publicitários de diferentes produtos e empresas.

Nave della Musica. Foto A.A.Bispo
É sobretudo como ator cinematográfico que Marcelo Alves da Silva pretende dar prosseguimento à sua trajetória artística, acalentando como um de seus sonhos poder apresentar-se como cantor em filmes. Como produtor artístico-cultural, desenvolve atualmente dois projetos de grandes dimensões e que se encontram em fase de captação de recursos: o da montagem de Pierrot Lunaire, de A. Schönberg, a ser regido por Fabio Bezutti, atualmente residente em New York, e Soror Angelica de G. Puccini.

O espírito do Zimbo Trio na "Nave della musica"

Devido à sua formação, Marcelo Alves da Silva faz com que o Brasil se torne presente na "Nave della musica" na tradição e no espírtio do Zimbo Trio. Nesse sentido, toda a consideração da imagem musical do Brasil que transmite pressupõe que se atente ao contexto cultural dos anos sessenta, particularmente em São Paulo, uma vez que aquele conjunto remonta a fins de 1963, tendo-se apresentado primeiramente em 1964.

Constituído pelo pianista Amilton Teixeira de Godói, pelo contrabaixista, orquestrador e compositor Luís Chaves Oliveira da Paz e pelo percussionista Rubens Alberto Barsotti, o trio manifesta interações entre o erudito e popular, superações de fronteiras entre esferas culturais. Com a elevada formação musical de seus componentes - Amilton de Godói provinha da escola Magda Tagliaferro - essas interações possibilitaram que o trio se tornasse importante exemplo e veículo de um processo de refinamento quanto à execução, à técnica de harmonização e instrumentação e aos meios de expressão que marcou a vida musical em amplos círculos da sociedade paulistana e mesmo do desenvolvimento músico-cultural do Brasil.

Esse fenômeno de superação de delimitações entre esferas e categorias do erudito e popular na prática musical correspondeu também a preocupações teóricas nos estudos culturais, podendo ser considerado como expressão de um processo de mudança na compreensão de cultura. Esta passava já não mais a ser vista como privilégio de uma esfera erudita representada na vida musical por determinados círculos, instituições de ensino e salas de concerto, nas quais a música popular não era admitida.

Por vários lados ocorreram iniciativas de aberturas desses espaços reservados, convidando-se artistas populares a atuarem com orquestras sob a regência de maestros de renome e oferecendo-se música popular nobilitada através de tratamento harmônico e instrumental refinado.

Esse movimento foi em grande parte consequência de um determinado desenvolvimento do ensino teórico, em particular da assim-chamada harmonia funcional, podendo ser considerado sob o aspecto das relações entre a teoria e a prática, em particular da relevância prática da teoria.

Nesse sentido, foi expressão de uma determinada época do pensamento e da compreensão da teoria da linguagem musical nas suas relações com a cultura.

Se hoje a atenção é mais dirigida à relativação de práticas de harmonização e instrumentalização como expressões de determinadas épocas e contextos, o desenvolvimento dos anos sessenta, ainda que sentido como superador do academismo conservatorial, serviu ao emprego de técnicas de arranjamento na eruditização e elevação social do popular, tornando-o aceitável pelas suas qualidades técnicas e distinção de modos de expressão de público de salas de concerto.

Nessa distinção, manifestada entre outros momentos através de expressões de delicadeza de sentimentos, reserva e sutilidade, vinculando o social e o estético, dizia respeito a imagens. Nesse sentido, passou também a marcar a imagem do Brasil no Exterior, manifestando em outros contextos um processo cultural que era resultado de determinadas condições e situações metropolitanas brasileiras e que surgia como exemplo de cultivo de sentimentos e de educação refinada de sentimentos na despretenciosidade e modéstia cativante do popular.

A irradição internacional desse processo cultural pode ser seguida exemplarmente na trajetória do Zimbo Trio a partir de meados dos anos sessenta. Já em 1965, o conjunto viajou ao Peru e à Argentina, obtendo o prêmio Cancioneiro das Américas no Festival de Mar del Plata. Em 1966, apresentou-se em Portugal e em Angola, então ainda colonia portuguesa.

Os elos com o mundo do cinema foram marcados pela participação do trio no Festival Internacional do Cinema em Cannes, assim como na sua atuação em filmes (Noite vazia, A margem).

Com a sua competência técnica e refinamento de formas de expressão, o trio contribuiu de forma relevante à valorização estética de cantores como Jair Rodrigues, Elis Regina e Elisete Cardoso com as suas participações nos programas O Fino da Bossa e Bossaudade.

Com esta última cantora - que recebeu particular atenção nas iniciativas voltadas à superação de fronteiras entre o popular e o erudito da época -, o trio realizou, em 1968, juntamente com o conjunto Época de Ouro, de Jacó do Bandolim, uma gravação produzida por Hermínio Belo de Carvalho para o Museu de Imagem do Som. Com a mesma cantora apresentou-se, em 1972, em Portugal e na Espanha.

Do início da década de 70, dois momentos merecem ser salientados por trazerem à consciência dois aspectos significativos de uma trajetória remontante a contextos do início da década de sessenta. A interação entre o erudito e o popular, manifestando-se desde o início sobretudo através de uma elevação do nível técnico-qualitativo quanto à execução, harmonização e instrumentação da música popular segundo critérios do ensino avançado da época, foi marcada fundamentalmente por um impulso educativo e que se evidenciou na criação do Centro Livre de Aprendizagem Musical (CLAM), em 1973. Por outro lado, o cultivo do popular assim valorizado não poderia deixar de ser aceito por círculos dedicadas primordialmente ao erudito, fato demonstrado exemplarmente na execução, em 1974, pela Orquestra Sinfônica de Buenos Aires, sob a regência do maestro Simon Blech, do Pequeno concerto para o Zimbo Trio, de Ciro Pereira.

O cantor e a tradição navigatória: impacto da visita a centros da antiga cultura

Tendo tido a sua formação no Centro fundado como decorrência desse desenvolvimento, Marcelo Alves da Silva não pode ser apenas visto como um "cantor de bossa nova", como muitos que se apresentam em bares, restaurantes e boates, mas sim como expressão de um processo cultural contextualizado em determinadas situações do Brasil e que, pelas suas múltiplas dimensões, pode ser considerado sob diversos aspectos.

Êle transporta, à "nave della musica", através do canto, um universo músico-cultural que apenas pode ser compreendido adequadamente através de desenvolvimentos brasileiros e que, manifestando uma cultura de cultivo de sentimentos, de reserva, de refinamento erudito do popular e de educação, contrasta com outras ofertas musicais da nave.

Correspondendo à tradição na qual se formou, Marcelo Alves da Silva leva ao Exterior uma determinada imagem do Brasil. Há muito sentia-se chamado a percorrer o mundo. Já em 1995, dirigiu-se, a convite, a Milão, onde viveu e trabalhou por vários mêses, adquirindo conhecimentos da cultura italiana e do idioma.

Em 2010, apresentou-e em audição para participar, juntamente com um trio, em produções musicais em cruzeiros pelo Brasil, o que não se chegou a realizar pela saída dos demais componentes; convidado a nova audição, agora como solista, foi contratado para temporada européia.

Desde então, Marcelo Alves da Silva tem percorrido várias regiões do mundo, levado a sua mensagem músico-cultural a viajantes de inúmeros países. Êle vê as suas viagens e atuações artísticas na Europa como oportunidades excepcionais para o conhecimento de culturas e povos, para a abertura de mente e recebimento de impulsos para a sua vida pessoal e artística.

Compreende a sua própria vida como a de um navio que não apenas navega por mares imensos, levando-o geograficamente, no espaço, a países e paisagens distantes, mas sim também no sentido figurado de uma nave que o leva, tal como em caminho no tempo, a mundos históricos e culturais do passado.

Nessa consciência, um dos pontos altos de sua trajetória deu-se quando, pouco antes da abertura das Olimpíadas, visitou monumentos e sítios históricos da Antiguidade na Grécia. Tomado de emoção ao pisar o chão que conheceu momentos iniciais da antiga Tragédia e do culto de Dionísios, não pode deixar de descalçar-se em respeito à memória desse patrimônio que sob diversos aspectos ainda continua vivo na tradição cultural.

Essa menção de Marcelo Alves da Silva adquire particular significado no contexto dos estudos euro-brasileiros por representar um gesto de consciência quanto à vigência de paradigmas de um edifício imagológico da concepçnao do mundo e do homem no caso específico daquele que surge como o modêlo do Navegador que chega de mundos longínquos, traz impulsos frutificadores e parte novamente movido por saudades de retorno.


Todos os direitos relativos a texto e imagens reservados. Reproduções apenas com a autorização explícita do editor.

Indicação bibliográfica para citações e referências:
Bispo, A.A. "Um cantor brasileiro na "nave della musica": Marcelo Alves da Silva (Mamé) e o espírito do
Zimbo Trio. Processos culturais na imagem sonora do Brasil à luz do antigo paradigma do Navegante". Revista Brasil-Europa: Correspondência Euro-Brasileira 138/13 (2012:4). http://www.revista.brasil-europa.eu/138/Marcelo-Alves-da-Silva.html



  1. Observação: o texto aqui publicado oferece apenas um relato suscinto de trabalhos. Não tendo o cunho de estudo ou ensaio, não inclui aparato científico. O seu escopo deve ser considerado no contexto geral deste número da revista. Pede-se ao leitor que se oriente segundo o índice desta edição e o índice geral da revista (acesso acima). Pede-se ao leitor, sobretudo, que se oriente segundo os objetivos e a estrutura da Organização Brasil-Europa, visitando a página principal, de onde obterá uma visão geral e de onde poderá alcançar os demais ítens relativos à Academia Brasil-Europa de Ciência da Cultura e da Ciência (culturologia e sociologia da ciência), a seus institutos integrados de pesquisa e aos Centros de Estudos Culturais Brasil-Europa: http://www.brasil-europa.eu


  2. Brasil-Europa é organização exclusivamente de natureza científica, dedicada a estudos teóricos de processos interculturais e a estudos culturais nas relações internacionais. Não tem, expressamente, finalidades jornalísticas ou literárias e não considera nos seus textos dados divulgados por agências de notícias e emissoras. É, na sua orientação culturológica, a primeira do gênero, pioneira no seu escopo, independente, não-governamental, sem elos políticos ou religiosos, não vinculada a nenhuma fundação de partido político europeu ou brasileiro e originada de iniciativa brasileira. Foi registrada em 1968, sendo continuamente atualizada. A A.B.E. insere-se em antiga tradição que remonta ao século XIX.


  3. Não deve ser confundida com outras instituições, publicações, iniciativas de fundações, academias de letras ou outras páginas da Internet que passaram a empregar designações similares.