Revista

BRASIL-EUROPA

Correspondência Euro-Brasileira©

 

_________________________________________________________________________________________________________________________________


Índice da edição     Índice geral     Portal Brasil-Europa     Academia     Contato     Convite     Impressum     Editor     Estatística     Atualidades

_________________________________________________________________________________________________________________________________

Torre dos Tambores, Peking. Foto A.A.Bispo©

Torre dos Tambores, Peking. Foto A.A.Bispo©

Torre dos Tambores, Peking. Foto A.A.Bispo©

Torre dos Tambores, Peking. Foto A.A.Bispo©

Torre dos Tambores, Peking. Foto A.A.Bispo©

Torre dos Tambores, Peking. Foto A.A.Bispo©

Torre dos Tambores, Peking. Foto A.A.Bispo©

Torre dos Tambores, Peking. Foto A.A.Bispo©

Torre dos Tambores, Peking. Foto A.A.Bispo©

Torre dos Tambores, Peking. Foto A.A.Bispo©

Torre dos Tambores, Peking. Foto A.A.Bispo©

Torre dos Tambores, Peking. Foto A.A.Bispo©

Torre dos Sinos, Peking. Foto A.A.Bispo©

Torre dos Sinos, Peking. Foto A.A.Bispo©

Torre dos Tambores, Peking. Foto A.A.Bispo©

Torre dos Tambores, Peking. Foto A.A.Bispo©

Fotos A.A.Bispo
©Arquivo A.B.E.

 

Revista Brasil-Europa - Correspondência Euro-Brasileira 137/18 (2012:3)
Prof. Dr. A.A.Bispo, Dr. H. Hülskath (editores) e Conselho Científico
da
Organização de estudos de processos culturais e estudos culturais nas relações internacionais (reg. 1968)
- Academia Brasil-Europa de Ciência da Cultura e da Ciência -

e institutos integrados

© 1989 by ISMPS e.V. © Internet-edição 1998 e anos seguintes © 2012 by ISMPS e.V. Todos os direitos reservados
ISSN 1866-203X - urn:nbn:de:0161-2008020501

Doc. N° 2902


A.B.E.

Instituições em visita


Cômputo de tempo e calendário nas relações entre a China e o Ocidente
e suas relações com a história missionária
Johann Adam Schall von Bell S.J. (1592-1666)

Museu da Torres dos Tambores e dos Sinos de Beijing

Ciclo de estudos em Peking/Beijing e Manchester
no ano da participação da China como nação convidada na Feira de Hannover 2012
pelos 500 anos da presença portuguesa na China
em atualização de trabalhos da A.B.E. em Hong Kong e Macau
à época da transferência de soberanias européias à China (1996)

 
Torre dos Tambores, Peking. Foto A.A.Bispo©

Os estudos realizados em Peking/Beijing e em Manchester em janeiro de 2012 foram motivados pela presença especial da China como nação convidada da Feira Internacional de Hannover 2012, um testemunho da sua posição relevante no panorama tecnológico e científico mundial. Esse acontecimento chamou a atenção também a questões que demonstram a necessidade de desenvolvimento de análises culturais e da história das relações científicas (veja Tema em Debate).

Os trabalhos puderam basear-se em estudos e encontros efetuados em 1996 em Hong Kong e em Macau, época da transferência de soberanias européias desses territórios para a China. Esses trabalhos inauguraram uma série de eventos levados a efeito a seguir na Alemanha, em Portugal e no Brasil.

Os trabalhos que prepararam essa iniciativa tinham salientado a singular importância da música nos contatos entre a Europa e a China, sobretudo na história missionária. (A.A.Bispo, Grundlagen christlicher Musikkultur in der Außereuropäischen Welt der Neuzeit: Der Raum des früheren Portugiesischen Patronatsrechts, Musices Aptatio 1987/88, Roma 1989)

Por essa razão, os estudos e os encontros foram sobretudo voltados a questões musicológicas de orientação cultural, sendo os trabalhos desenvolvidos pelo Instituto de Estudos da Cultura Musical do Mundo de Língua Portuguesa (I.S.M.P.S. e.V.).

Nos estudos de fontes documentais em arquivos coloniais e nos encontros realizados salientou-se a dimensão ampla do conceito de música que deve ser considerada no estudo das relações entre a Europa e a China. Esse significado da música não diz respeito tanto a estilos, formas, gêneros, instrumentos musicais, composições ou intérpretes, mas sim à música teórica e/ou especulativa.

Como tratado por diversas ocasiões no âmbito dos trabalhos do I.S.M.P.S., para considerar-se a história das relações científicas e tecnológicas com a China deve-se partir, sob a perspectiva do Ocidente, da organização das disciplinas segundo a tradição das artes liberais. Esse sistema, de remotas origens, compreendia o quadrivium, com as disciplinas de cunho matemático (Aritmética, Geometria, Astronomia e Música), e o trivium (Gramática, Retórica e Dialética). Cumpre, assim, considerar as relações entre essas disciplinas no contexto do sistema quadrivial, as suas associações com concepções filosóficas e teológicas e a razão pela qual desempenharam papel tão significativo nas relações com os eruditos chineses.

Passados agora 15 anos da transferência de soberania de Hong Kong e Macau à China, pareceu ser oportuno reconsiderar esse complexo temático a partir de uma perspectiva centralizada em Peking/Beijing. Tratou-se, aqui, de uma tentativa empática de visão das decorrências a partir de um posicionamento chinês.

Ponto de partida para as reflexões foi o reconhecimento que missionários de erudição ocuparam altos cargos na China, a êles sendo confiadas tarefas de importância. Tendo sido esses fatos considerados até então a partir da perspectiva européia, voltada à valorização dos feitos dos missionários, cumpria agora tentar contemplá-los sob a ótica dos recepientes das inovações que aqueles introduziram.

J.A. Schall von Bell (1592-1666) e a reforma do calendário chinês

Um vulto que se oferece para essa tentativa é Johann Adam Schall von Bell (1592-1666), missionário alemão nascido em Colonia e falecido em Peking/Beijing, onde a sua memória é até hoje cultivada.

Em 1992, por ocasião dos 400 anos de seu nascimento, o I.S.M.P.S., no âmbito do seu programa dedicado à China, realizou um ato perante a placa a êle dedicada na sua cidade natal, quando lembrou-se que uma de suas principais tarefas foi a reforma do calendário chinês segundo modêlos ocidentais (1631) como membro do Serviço do Calendário do Império, tendo escrito também uma introdução ao novo calendário (1634).

O nome de Schall von Bell vincula-se, assim a um marco de extraordinária importância na história cultural da China, uma vez que aqui se tratava não apenas de questões especulativas ou de interesse científico, mas de uma reforma de imediatas repercussões na vida dos homens.

Quanto à sua formação, Johann Adam Schall von Bell foi primeiramente um produto do movimento contra-reformatório na Alemanha, uma vez que foi escolarizado pelos Jesuítas no Collegium Tricoronatum de Colonia, prosseguindo os seus estudos na instituição dos alemães de Roma, o Collegium Germanicum, em 1608.

A sua orientação para as disciplinas quadriviais, porém, foi sobretudo resultado da repercussão na Europa das experiências feitas na China por Matteo Ricci (1552-1610), que ali constatara as possibilidades que se abriam através das ciências à entrada, aceitação e integração de missionários no Império Celeste.

Tendo informado a Companhia a respeito dessas possibilidades, da conveniência e mesmo da necessidade de envio de missionários com conhecimentos matemáticos e astronômicos já em 1605, J. A. Schall von Bell teve os seus estudos dirigidos nesse sentido após a sua entrada na Sociedade de Jesus, em 1611, passando a estudar Matemática e Astronomia, também nas suas relações com as ciências naturais, em particular com a Física.

Partindo em 1619 de Lisboa a Goa e dali a Macau, onde aprendeu o chinês, J.A. Schall von Bell chegou a Peking em 1623. Essa sua chegada caiu assim um ano após a fundação da Propaganda Fide em Roma, instituição que representou um marco na história missionária e da alteração de sistema definido segundo os Direitos do Padroado Português. A sua atuação decorreu, assim, no problemático período marcado pela União Pessoal de Portugal com a Espanha.

Após experiências missionárias em Sian, na província Shenshi, em 1627, e publicação de um texto teológico em chinês, a sua carreira científica teve início em Peking, a partir de 1629, sede do importante e tradicional Observatório Astronômico (veja http://www.revista.brasil-europa.eu/137/Astronomia-China-Ocidente.html).

A sua ascensão social, com a entrada em círculos de influência no Estado, deu-se no âmbito da reforma calendária de acordo com os novos princípios do Ocidente. Em 1630, foi nomeado para o Serviço do Calendário juntamente com Giacomo Rho (†1638) e dois eruditos chineses.

Essa função relacionava-se estreitamente com os seus trabalhos astronômicos, em particular com cálculos de eclipses do sol e da lua, sobre o qual escreveu um livro, em 1633. Tendo também realizado um mapa do céu estrelado (1634), alcançou extraordinário renome como conhecedor da Astronomia.

A reforma do calendário foi apresentada ao Imperador no dia 28 de fevereiro de 1634. Em 1635, sob a direção de Rho, publicou-se uma coleção de pesquisas matemáticas, em 150 cadernos.

Schall von Bell trabalhou como perito em questões tecnológicas, construindo instrumentos astronômicos, musicais, hidráulicos e militares (canhões), o que indica ainda a persistência de tradição de concepções que relacionavam áreas disciplinares do Quadrivium com esferas da arquitetura na tradição de Vitruvio e que incluia na doutrina arquitetônica também a construção de instrumentos de medição de tempo e militares. (Vitruv, De Architectura Libri Decem, trad. al. Franz Reber, 1865, reed. Wiesbaden: Marix 2004)

Ascensão à época da dinastia Qing

Schall von Bell vivenciou a transformação política e político-cultural determinada pela passagem da dinastia Ming à Qing, Mandschu, em 1644. O seu renome alcançou a sua expressão máxima com o início dessa dinastia sob o imperador Shunzhi (1638-1661), filho do soberano mandschu Huang Tai Ji; foi nomeado diretor do Serviço Astronômico em fins desse ano e elevado a mandarim. Em 1658, foi promovido a mandarim de primeira classe, fato de extraordinária relevância e que, para tal, de acordo com a ordenação social determinada por princípios confucianos, precissou adotar um filho de um de seus serviçais.

Assim como Mattheo Ricci, também Schall von Bell conseguiu introduzir-se nas esferas mais internas da Côrte através da instrumentalização de eunucos. Com método comparável àquele de Ricci, conquistou esses homens altamente sensíveis e de interesses artísticos-intelectuais, transformando-os em agentes para a propagação do Cristianismo entre as mulheres e cucumbinas do Imperador.

Assim como já percorrido por Ricci, o caminho estratégico de Schall von Bell foi o da tentativa de infiltração espiritual nas esferas mais elevadas do Poder através das mulheres que tinham convívio com eunucos.

Também aqui parece ter usado das possibilidades abertas pela intercomunicação de imagens da virgem mãe d'água e rainha dos céus como divindade da Misericórdia e a de Nossa Senhora, podendo, assim, erigir um altar a Maria no Palácio Imperial.

Implicando as concepções relacionadas com a Compaixão Divina nos seus fundamentos de não-oposições na dinâmica que se manifesta em polaridades (veja http://www.revista.brasil-europa.eu/137/Comercio-Cultura-China-Brasil.html), compreende-se que eunucos e homosexuais se sentissem integrados no plano divino.

O uso dessa situação de intercomunicação de imagens para o alcance de fins por Schall von Bell surge, porém, como procedimento altamente questionável de falta de veracidade nas relações humanas e, portanto, de ética.

O sucesso dessa estrategia foi em grande parte possibilitado pelo fato desse primeiro soberano da dinastia Qing ter-se tornado imperador com apenas seis anos, sendo a sua educação confiada aos eunucos do Palácio, que o introduziram na cultura e na língua chinesa e o sensibilizaram para as artes. Paralelamente à clara predominância dos mandschu e mesmo perseguição de representantes da antiga dinastia Ming, a continuidade cultural foi possibilitada sobretudo pelos eunucos e pelas mulheres.

A permanência de uma posição privilegiada de Schall von Bell sob a nova dinastia deve ser vista também à luz dessa influência. O jesuíta pôde dar continuidade a seus trabalhos astronômicos e de medição do território da China e tornou-se até mesmo conselheiro e mestre.

Sob o ponto de vista religioso-cultural, deve-se dar particular atenção às relações entre o Budismo e o Cristianismo no procedimento do Imperador para com Schall von Bell. Se Schunzhi permaneceu fundamentalmente budista, passando posteriormente a dedicar-se à vida monacal, manteve ao mesmo tempo relações de amizade com os missionários e tolerou até mesmo a conversão da imperatriz e do príncipe real.

Essa situação à primeira vista paradoxal explica-se em parte pelas possibilidades oferecidas de intercomunicação religiosa, sobretudo através da tradição chinesa da veneração da Divindade da Misericórdia nas suas afinidades com o Marianismo ocidental.

A esse período de apogeu de suas ativades na Côrte, seguiu-se época de perseguição e perda de posições após a morte de Shunzhi, sendo acusado de propagação de falsas doutrinas religiosas e científicas, assim como de espionagem e traição em 1664, sendo, porém, reabilitado após a sua morte (1669).

Essa perda de privilégio é imputada ao Islão, representado por Yang Kuang-hsien, uma oposição baseada sobretudo na crítica da reforma do calendário segundo princípios ocidentais. Diferentemente do calendário ocidental lunisolar, o calendário muçulmano é determinado por um ano lunar, com meses de 30 e 29 dias. 30 anos lunares possuem 19 anos de 354 dias e 11 de 355 dias.

Locais de reflexão: a Torre do Tambor e a Torre do Sino

A atuação de J.A. Schall von Bell em Peking não pode ser compreendida sem que se considere o significado de questões relacionadas com o cômputo de tempo e sistemas de medição em geral na sua época. Essas preocupações eram de antigas origens e continuamente presentes, marcando a vida quotidiana da cidade. A sua maior expressão era a marcação do tempo pelos tambores e sinos de extraordinárias dimensões que ressovam de torres especialmente para isso construídas numa área mais elevada da cidade imperial.

A Torre do Tambor e a Torre do Sino, que a defronta, constituiram o centro da anunciação do tempo na capital da China através dos séculos. Apenas em 1924 tiveram a sua função interrompida, passando em época mais recente a ser reconhecidas como patrimônio histórico sob proteção municipal (1957) e nacional (1996).

A construção da Torre do Tambor teve o seu início no nono ano do govêrno do Imperador Zhiyuan da Dinastia Yuan (1272 A.D.).  Os elos da Torre e dos toques de tambor na medição dos tempos com o sistema global de concepções do cosmos e do homem
manifestam-se no fato de ter sido inicialmente chamada de Torre Qizheng, que implicava no seu significado aquilo que teria vindo dos sete corpos celestiais antigos, relacionados com elementos naturais e astros: ouro, madeira, água, fogo, terra, sol e lua. Essa torre, porém, logo após a sua construção, foi destruída por um incêndio. Foi reconstruída sob o govêrno do Imperador Chengzong (1297 AD).

A torre que ainda hoje existe manifesta os seus vínculos com a ordem simbólica que determinou a configuração urbana da capital. Foi resultado de um esforço reconstrutor à época da dinastia Ming, no ano de 1420 A.D..

A Torre do Tambor, com 46,7 metros de altura, teve primeiramente uma estrutura de madeira coberta com peças de cerâmica cinzas e glasuradas de verde no topo. Possuía, no segundo andar, 25 tambores de guarda, um tambor principal representando o ano todo e 24 tambores normatizados representando os 24 termos solares (Qi) do calendário lunar chinês tradicional.


Hoje, apenas resta um tambor principal. O diâmetro da cabeça do tambor é de 1,4 metros e a altura de 2,22 metros. É coberto com uma só peça de couro de vaca. O instrumento evidencia também atos ocorridos à época da invasão de Beijing pela 8a. Forças Armadas Aliadas em 1900. São, assim, vistos como relitos de significado para a consciência histórico-política da nação.

A Torre do Sino e o sistema de marcação de tempo

A Torre do Sino tem 47,9 metros de altura e ocupa uma área de 1478 metros quadrados. A construção e a estrutura foram adaptadas à prevenção de fogo quando de sua reconstrução à época da dinastia Qing. A estrutura interna foi planejada para permitir uma transmissão vigorosa e longa do som do sino através da ressonância possibilitada pela estrutura do edifício. Para isso, utilizaram-se de recursos técnicos especiais, de remota tradição na arquitetura chinesa.

O sino para anunciar o tempo, conhecido como o "rei dos antigos sinos", foi fundido durante o reino do Imperador Yongle da Dinastia Ming. O sino tem no total 7,02 metros de altura, sendo o seu corpo de 5,55 metros. O diametro da parte baixa é de 3.4 metros, a espessura de 12 a 24,5 centimetros, o peso de 63 toneladas.

A singularidade - e a complexidade - do sistema de cômputo de tempo se manifesta no fato do sino ser tocado, segundo a tradição, 108 vezes. A razão desse número é alvo de investigações e especulações. Há um sistema para o toque do sino anunciar o tempo através de 18 batidas rápidas, 19 lentas e 18 que "não são nem rápidas nem lentas". Essa sequência é repetida duas vezes, perfazendo um total de 108 batidas.

A razão desse número 108 reside no antigo ano do calendário chinês, que era representado por 108 tempos. Como registrado no Manuscrito das sete categoria", escrito durante a dinastia Ming, os 108 tempos de toques do sino equivaliam a um ano, que tem 12 meses, 24 Qi (termos solares) e 72 Hou. No antigo sistema de marcação de tempo, cinco dias eram chamados de Hou (pentade) e seis Hou perfaziam um mês, de modo que 72 períodos Hou perfaziam um ano. O número 108 era calculado de acordo com essas medidas de tempo.

Linguagem de imagens: a narrativa da Deusa do sino

O significado da Torre do Sino para os estudos culturais reside também na lenda que narra circunstâncias de sua fundição e a intervenção divina.

Diz-se que no ano em que foi construída a Torre do Sino, o imperador que ordenou a fundição do grande sino para anunciar o tempo na capita convocou todos os artesãos do país para o trabalho, e que, para isso, deslocaram-se à capital. Entretanto, passava-se o tempo e a fundição não se realizava, não se alcançando sucesso na amálgama dos metais. Impaciente, o Imperador fixou um prazo para o término dos trabalhos, estipulando 80 dias para que o sino fosse fundido; caso contrário, os artesãos seriam decapitados.

Aproximando-se a data, e a fundição continuando a falhar, os trabalhadores cairam em desespêro. Hua Xian, a filha de um velho fundidor de nome Hua Yan, percebendo que alguma razão espiritual estava impedindo a realização da obra, pediu permissão a seu pai para estar presente no local onde se processava a fundição, acompanhando os trabalhos.

No dia final, já estando presentes oficiais enviados pela Côrte e todos os responsáveis pelos fundidores, apenas encontraram o cobre ainda líquido borbulhando entre as nuvens de fumaça.

O mestre Hua Yan, pressentindo que à última nuvem de fumaça a fundição iria falhar mais uma vez, e certo que êle e seus companheiros seriam mortos, perdeu todas as esperanças. Nesse momento, porém, a sua filha Hua Xian saiu de dentro da fumaça e disse a seu pai: Olhe para o céu! Este, levantando os olhos, viu nuvens coloridas que se fechavam ao alto. Nesse momento, Hua Xian atirou-se no metal em fundição. O seu pai procurou ainda sustê-la, ficando porém apenas com o seu sapato esquerdo na mão. De repente, porém, a "rosa do fogo" se abriu, sinal de que o cobre atingira o ponto que permitia a fundição do sino. Resistindo à sua dor, o mestre deu ordem para que a obra fosse realizada.

A memória da jovem que se sacrificou para o sino passou a ser cultivada, sendo Hua Xian venerada no templo Jiniu Shengmu Zhuzhong Niangniang, o "Templo da Fumaça Dourada da Deusa da Fundição do Sino", e que ainda existe (24, Xiaoheihu Hutong).


Museu do cômputo do tempo. O calendário no Ocidente e relações sino-européias

O significado da reforma do calendário chinês sob a ação de Schall von Bell sob o ponto de vista dos estudos das relações entre a China e o Ocidente apenas pode ser compreendido considerando-se a atualidade de questões relativas à reforma do calendário na Igreja da época.

Os anos de estudos de Schall von Bell tinham sido marcados pela reforma do calendário ordenada pelo Papa Gregório XIII (1502-1585) em 1582 e que tinha exigido o trabalho conjunto com especialistas em Astronomia.

Para a Igreja, a relevância dessas preocupações decorria em grande parte da fixação da data da Páscoa. Na época, observava-se que a incongruência intrínseca a determinações do calendário já levara a 10 dias de diferença causadas pelo fato do ano juliano ser 0,0078 mais longo do que aquele que orientava a fixação da festa pascal.


O Ocidente tinha herdado o ano juliano, resultande da reforma de Julius César no ano 46 A.C., e que previa a introduçãoo de um dia nos anos divisíveis por quatro, tendo o ano em média 365,25 dias. A festa da Páscoa continuou a seguir outros critérios, sendo fixada no domingo após a primeira lua cheia de primavera, decidindo-se posteriormente que ela não devia cair em período posterior ao 18 de abril. O início da primavera foi fixado pelo Concílio de Niceia, em 325, no dia 21 de março. No decorrer dos séculos, a diferença entre o ano juliano e as medições do ano que determinavam a festa pascal já era tão sensível que tornou-se necessária uma reforma. 

O calendário gregoriano previu uma orientação segundo os anos que determinavam passagens de séculos (1600, 1700, 1800, 1900), considerando como ano de intercalação àqueles com primeiras cifras divisíveis por quatro.  Se o ano juliano tinha uma média de 365,25 dias, o gregoriano engloba 365,2425 dias, de modo que apenas depois de 3000 anos o ano gregoriano se modifica com relação àquele do periodo solar.

O calendário remontante à tradição romana e que correspondia também em parte ao calendário egipcio, previa o início do ano no dia primeiro de março, sendo transferido para o dia 1 de janeiro em 153 A.C.. Essa divisão em meses correspondia a conceitos da filosofia natural e mantinha-se em tradições populares, por exemplo nas calendas.


Problemas fundamentais: orientação segundo percursos da lua e do sol

Questões de divisão de tempo e de determinações do calendário resultaram de observações empíricas a partir de ciclos da lua e do sol. As fases da lua, mais evidentemente perceptíveis, parecem ter constituido a base de concepções. O período de tempo entre duas luas novas determina o mês sinódico (19,5306) dias, o ano determinado pelo curso do sol, de 365,2422 dias.

O ano lunar,constituido por 12 ciclos da lua, tem 11 dias menos do que o solar. O seu início varia, caindo em diferentes estações, perfazendo todas elas em 33 anos. Por essa razão, em várias culturas alternaram-se anos de 12 e 13 meses para possibilitar a concordância do princípio do ano lunar com o solar, surgindo dessa vinculação do ano lunar ao solar, o ano lunisolar. A divisão do ano solar em 12 partes é resultado de subdivisão segundo princípios antes numéricos, não decorrentes da observação empírica como dos ciclos da lua.

No sistema grego, um conjunto de 8 anos solares era constituído por cinco
anos de 12 meses e três anos de 13 meses. A partir de 432 A.C., Meton criou o ciclo de 19 anos, no qual 12 anos tinham 12 meses e 7 anos 13 meses. A lua nova caia sempre no mesmo dia do ano após um período de 19 anos. Esse ciclo metomico continuou a ser usado para a determinação da data da Páscoa. .

Na China existia uma concepção lunisolar, com um ciclo metonico de 19 anos. Havia desde remotas eras uma relação do ciclo de 12, representados pelas imagens de animais do Zodíaco, com um princípio de 60 dias, sendo este relacionado com a Filosofia Natural. O ciclo de 60 dias criava um espaço de tempo comparável ao da semana ocidental.

A divisão do caminho do sol em 12 partes era concebido na China como se o sol percorresse com diferente velocidade as doze partes. No ano de 365 dias, o tempo médio era de 30,42 dias. Como os períodos entre duas luas novas era de 29,53 dias, ocorria, depois de algum tempo, caiam duas luas novas numa só parte do ano dividido por 12. Para resolver essa questão, o mês iniciado pela primeira dessas luas era considerado como extraordinário.

O sino de tradição ocidental na China. Um marco: sinos da igreja de Hong Kong


Assim como a construção de instrumentos astronômicos, musicais, em particular órgãos, também a fundição de sinos segundo a tradição cristã preocupou os Jesuítas que atuaram na China. Também a campanologia ocidental na China necessita ser considerada no contexto do sistema de relações disciplinares de antiga tradição e de suas fundamentações teológicas.


Não é necessário salientar que os sinos desempenharam papel de importância nas comunidades cristãs, em particular em Macau. Com o desenvolvimento de Hong Kong, a aquisição de sinos e a edificação de igrejas com campanários representaram também preocupações para a Missão Italiana e a comunidade portuguesa ali residente. O movimento de restauração católica, que ali teve um de seus principais centros, acentuou o significado sacral do sino segundo antigas tradições. Ponto alto da história campanológica cristã do Extremo Oriente deu-se  com a aquisição de cinco novos sinos em Milão para a igreja de Nossa Senhora da Conceição de Hong Kong. A cerimônia de batismo dos sinos, comentada pelo jornal O Patriota de Kowloon, a 9 de março de 1904, surge, à luz do Motu proprio de Pio X recentemente promulgado, como um dos atos de maior significado simbólico da implantação da Restauração litúrgica no Extremo Oriente. Os pormenores da cerimônia registrados pelo cronista dão testemunho do cuidado com que os responsáveis locais dedicaram ao estudo de textos teológicos relacionados com sinos e à consecução de uma solenidade segundo antigas tradições.


"Como tinhamos noticiado, celebrou-se com grande pompa a cerimonia do baptismo de 5 sinos novos da nossa egreja de Nossa Senhora de Conceição. Não obstante o mau tempo, grande foi a concorrencia dos fieis. Os padrinhos foram os srs. dr. Antonio S. Gomes, Francisco Taz-yat e D. Eugenia Leiria do Rozario.
Transcrevemos em seguida umas informações que nos deram a respeito d'esta cerimonia para o conhecimento dos nossos leitores.
É muito antiga a origem dos sinos, mas não está bem estabelecido o tempo em que a egreja principiou a fazer uso dos mesmos. O que é certo é que a egreja institutiu importantissimas cerimonias para a benção dos sinos que vulgarmente se chama "baptismo dos sinos", porque lavam-n'os primeiramente com agua benta e dão-lhes em seguida um ou mais nomes, impostos pelo padrinho ou madrinha.

Os sinos que vieram de Milão para a egreja de Nossa Senhora da Conceição foram baptisados:
O maior com o nome de Maria S.S. Immaculada.
O segundo com o de S. José
O terceiro com o de S. Francisco de Assiz
O quarto com o de Sto. Alexandre e Sto. Augusto.
O ultimo com o de Sto. Antonio de Padua.

No sino Maria S.S.Immaculada foi posta esta invocação: Sub tuum presidium confugimus, Santa Dei Genitrix.
No de S. José: In extremis laborantes tu nos defende, Joseph.
No de S. Francisco: Vox Domini in virtute, vox Domini in magnificentia.
No de Santo Alexandre e Sto Augusto, Si Dominus per nobis, qui contra nos?
No de Sto. Antonio: Die se noeta non cesso laudare Dominum.

Depois que os sinos são lavados por dentro e por fora com agua benta pelo bispo celebrante, este com o oleo dos enfermos faz um signal da cruz em cima de cada um d'elles rezando em seguida uma oração em que pede a Deus que, quando é soar aos ouvidos do povo, segundo nos christãos a devoção e a fé, que sejam pelo mesmo som repellidos todas as insídias do inimigo infernal: que seja afugentado o impeto dos furacões e das procellas, e que faça parar saraiva, trovoadas, etc. Concluida esta oração, o bispo, ainda com o oleo dos efermos faz sete signaes da cruz no exterior de cada sino; e em seguida quatro signaes da cruz no interior com o Santo Crisma, dizendo: Seja santificado e consagrado este sino: Em nome do Pae, do Filho e do Espirito Santo.

Depois o bispo reza outra oração em que suplica a Deus para que os christãos, chamados á egreja pelo som do sino, sejam livres de todas as tentações e sigam sempre os ensinamentos da fé catholica.

Põe-se então debaixo de cada sino um thuribulo com incenso, thymiama e mirrha, a fim de que todo o fumo suba até ao sino.

Conclue-se a grandiosa cerimonia com o canto do Evangelho segundo S. Lucas em que Jesus Christo proclma ao mundo todo, que uma só cousa é necessaria: salvar a almaSegundo Polydoro Virgilio, foi o Papa Sabiniano, successor immediato do Papa Gregorio, o magno, quem primeiro introduziu a prática de tocar os sinos na missa (Rev. Liturg. 352) (O Patriota, 9 de março de 1904, 131)


Antonio Alexandre Bispo


Todos os direitos relativos a texto e imagens reservados. Reproduções apenas com a autorização explícita do editor.

Indicação bibliográfica para citações e referências:
Bispo, A.A. "Cômputo de tempo e calendário nas relações entre a China e o Ocidente e suas relações com a história missionária. Johann Adam Schall von Bell S.J. (1592-1666)". Revista Brasil-Europa: Correspondência Euro-Brasileira 137/18 (2012:3). http://www.revista.brasil-europa.eu/137/Schall-von-Bell.html





  1. Observação: o texto aqui publicado oferece apenas um relato suscinto de trabalhos. Não tendo o cunho de estudo ou ensaio, não inclui aparato científico. O seu escopo deve ser considerado no contexto geral deste número da revista. Pede-se ao leitor que se oriente segundo o índice desta edição e o índice geral da revista (acesso acima). Pede-se ao leitor, sobretudo, que se oriente segundo os objetivos e a estrutura da Organização Brasil-Europa, visitando a página principal, de onde obterá uma visão geral e de onde poderá alcançar os demais ítens relativos à Academia Brasil-Europa de Ciência da Cultura e da Ciência (culturologia e sociologia da ciência), a seus institutos integrados de pesquisa e aos Centros de Estudos Culturais Brasil-Europa: http://www.brasil-europa.eu


  2. Brasil-Europa é organização exclusivamente de natureza científica, dedicada a estudos teóricos de processos interculturais e a estudos culturais nas relações internacionais. Não tem, expressamente, finalidades jornalísticas ou literárias e não considera nos seus textos dados divulgados por agências de notícias e emissoras. É, na sua orientação culturológica, a primeira do gênero, pioneira no seu escopo, independente, não-governamental, sem elos políticos ou religiosos, não vinculada a nenhuma fundação de partido político europeu ou brasileiro e originada de iniciativa brasileira. Foi registrada em 1968, sendo continuamente atualizada. A A.B.E. insere-se em antiga tradição que remonta ao século XIX.


  3. Não deve ser confundida com outras instituições, publicações, iniciativas de fundações, academias de letras ou outras páginas da Internet que passaram a empregar designações similares.