Revista

BRASIL-EUROPA

Correspondência Euro-Brasileira©

 

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Dui Xiu Shan, Beijing. Foto A.A.Bispo©

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Fotos A.A.Bispo
©Arquivo A.B.E.

 

Revista Brasil-Europa - Correspondência Euro-Brasileira 137/6 (2012:3)
Prof. Dr. A.A.Bispo, Dr. H. Hülskath (editores) e Conselho Científico
da
Organização de estudos de processos culturais e estudos culturais nas relações internacionais (reg. 1968)
- Academia Brasil-Europa de Ciência da Cultura e da Ciência -

e institutos integrados

© 1989 by ISMPS e.V. © Internet-edição 1998 e anos seguintes © 2012 by ISMPS e.V. Todos os direitos reservados
ISSN 1866-203X - urn:nbn:de:0161-2008020501

Doc. N° 2890


A.B.E.


A Gruta de Camões como Sábio por Excelência e Confúcio do Ocidente
em paisagens sino-inglesas e em transfigurações românticas
- da Literatura à Filosofia intercultural nos estudos de relações China/Ocidente -



Ciclo de estudos em Peking/Beijing e Manchester
no ano da participação da China como nação convidada na Feira de Hannover 2012
Pelos 500 anos da presença portuguesa na China
em atualização de trabalhos da A.B.E. em Hong Kong e Macau
à época da transferência de soberanias européias à China (1996)
Dui Xiu Shan, Cidade Proibida

 

Beijing/Peking apresenta-se hoje como cidade universitária de significado internacional e centro cultural marcado por vital diversidade, procurado por estudantes e artistas da Europa e dos Estados Unidos. Esse desenvolvimento pôde ser constatado e comentado em diálogos não apenas com universitários que ali desenvolvem estudos de idioma e cultura chinesa, mas sim também com jovens produtores culturais que, atraídos pelo interesse pela cultura do Ocidente e pela energia que sentem no desenvolvimento chinês, chegam até mesmo a trocar pela capital chinesa a vida em centros norte-americanos marcados por abertura e internacionalidade, como os da Califórnia.

Essas constatações foram resultados de encontros em Beijing, em janeiro de 2012, e neles considerou-se o interesse pela cultura ocidental por parte de estudantes e intelectuais chineses, em particular também pelos grandes clássicos da literatura e do teatro, razão das perspectivas promissoras vistas por artistas americanos e europeus.

Esse interesse merece atenção, pois implica uma mudança de perspectivas na consideração das relações entre a China e o Ocidente, o que é de relevância para análises culturais em contextos globais. Tentado a ver essas relações antes sob o signo da expansão européia e de tendências de propagação cultural européia, o observador ocidental é hoje confrontado pelo interesse dos próprios chineses para com os grandes nomes e obras do teatro, da literatura, da música, das artes e do pensamento do Ocidente.

O observador conscientiza-se, então, que um interesse chinês por conhecimentos e aptidões dos ocidentais também marcou relações em passado mais remoto, evidenciado na recepção de instrumentos, técnicas e concepções das artes e das ciências.

Dentre os nomes que estudantes e artistas residentes em Peking mencionaram como alvo de especial interesse em círculos universitários e artísticos, salientam-se clássicos da literatura de duas nações que tiveram particular significado na história das relações entre a China e o Ocidente: Shakespeare e Camões.

Para os estudos euro-brasileiros e dos países marcados na sua formação pelos portugueses, a menção do maior vulto da língua portuguesa em diálogos com jovens não-lusófonos em Peking desperta naturalmente particular interesse. Nesse contexto, lembrou-se que a posição da China com relação a Camões devia ser necessariamente ainda mais próxima do que aquela relativa a Shakespeare ou outros grandes nomes da literatura ocidental, uma vez que se encontra na própria China um dos principais monumentos do maior vulto da língua portuguesa: a gruta de Camões em Macau.

Esse local foi e continua a ser um dos principais pontos do patrimônio de Macau, conhecido internacionalmente e procurado por visitantes das mais diversas nações há séculos. Ali é localizada pela tradição a maior obra da língua portuguesa, os Lusíadas, monumento não só do patrimônio literário lusófono e da história dos portugueses, mas da literatura ocidental e da história cultural em dimensões globais.

Essa gruta e o jardim que a rodeia foram objetos de reflexões durante os trabalhos realizados sob a direção do editor desta revista em Hong Kong e Macau em 1996 por motivo da transferência da soberania de ambos os territórios respectivamente da Grã-Bretanha e de Portugal à China (Veja Tema em Debate, nesta edição).

Considerou-se, então, que esse local de extraordinário significado emblemático para o mundo de língua portuguesa encontrar-se-ia logo em território sob a soberania chinesa, um fato de significado transcendente, necessariamente de consequências para edifícios de imagens e sistemas de referências culturais: não há outra cultura literária ocidental que possua um marco simbólico de tal relevância simbólica fora da Europa.

Decorridos agora mais de 15 anos, os diálogos em Peking despertaram a atenção para uma mudança de perspectivas, ou seja para uma necessária consideração de um olhar chinês da Gruta de Camões, sobretudo em época que se constata também na China um especial interesse por questões de patrimônio cultural intangível. (Veja http://www.revista.brasil-europa.eu/137/China-Brasil.html)

Tentar perceber o significado e as conotações que esse memorial adquire sob a perspectiva chinesa surge como pressuposto para a compreensão mútua e, assim, para aproximações e cooperações intelectuais.

Local de reflexões: Dui Xiu Shan - Jardim Imperial na Cidade Proibida

Se em 1996 as reflexões foram encetadas na própria gruta de Camões em Macau, escolheu-se, em Peking, um espaço também marcado por uma gruta em formação rochosa, também com plataforma panorâmica e de particular significado histórico-cultural: o Dui Xiu Shan, na área recôndita do Jardim Imperial da Cidade Proibida.

Edificado em, 1417, esse jardim pode ser considerado como um dos mais relevantes exemplos de paisagismo chinês. Marcado por
pavilhões nos seus quatro cantos - associados com as quatro estações -, o jardim possui árvores centenárias, marcadas por texturas e retorcimentos, formações rochosas e plásticas de inspiração pétreo-vegetal, impressionando o observador pela valorização de formas que sugerem movimentações e interações vegetais e pétreas, liquidificações e solidificações, e que se apresentam como um rendilhado que tudo abrange e interliga.
Talvez o principal elemento paisagístico do Jardim seja o Dui Xiu Shan, traduzido em geral como "Colina da Elegância Acumulada" ou
"Colina do Rendilhado Potencializado", uma formação rochosa artificial, de ca. de 10 metros de altura, tendo, no seu topo, um pavilhão, o Yu Jing Ting, o "Pavilhão do Panorama Cênico Imperial".

A colina artificial foi feita de rochas cortadas junto ao Guan Huan Dian ("Sala da Apreciação de Flores"), na parede norte do palácio. Aos pés da colina há uma gruta abobadada, com uma pedra gravada em forma de dragão. Sobre a entrada vê-se, numa trave horizontal, as palavras Dui Xiu ("Elegância Acumulada"). A meio caminho da escada lateral que leva ao pavilhão no cimo, encontram-se jarros de bronze de água; correndo da colina, a água jorra das cabeças de dragão sôbre costas de leões que se encontram à esquerda e à direita.

A colina foi durante séculos alvo de um ato cerimonial praticado anualmente em contexto festivo no qual o imperador, a imperatriz e as concubinas imperiais subiam ao pavilhão por uma escada lateral. O ato servia à contemplação do cenário, fazendo com que a subida da montanha correspondesse figurativamente a uma elevação a uma posição sobranceira, relacionando, assim, cultura e natureza.

O maior edifício do Jardim Imperial é o Qin An Dian, o salão da Paz Imperial, situado no eixo central da Cidade Imperial. Foi construído em 1535. No centro da parede que dá ao pátio encontra-se o portão Tian Yi Men, no interior do qual se encontra um cipreste com galhos geminados. Nas dinastias Ming e Wing, o edifício abrigava a imagem do deus das águas, Zhenwu, uma divindade taoista. Durante a dinastia Qing, no Ano Novo, o Imperador queimava incenso às divindades e celebravam-se rituais taoistas.



Leitura da Gruta de Camões nas suas diferentes configurações através do tempo

A experiência e a contemplação do Dui Xiu Shan no Jardim Imperial aguça a sensibilidade para a percepção de valores paisagísticos e de significados que trazem à consciência a necessidade de revisão de posições e perspectivas concernentes à Gruta e ao Jardim de Camões em Macau.

Em ambos os casos tem-se uma formação rochosa com gruta e um pavilhão panorâmico em meio a luxuriante jardim, o que corresponde a motivos frequentes na arte pictórica chinesa e que apresenta paralelos com modêlos conhecidos de representações visuais, pinturas e mesmo formações rochosas artificiais de inspiração chinesa em parques do Ocidente.

Esse confronto faz com que o observador se compenetre que a Gruta de Camões se apresenta hoje em configuração que recebeu em meados do século XIX e que foi resultado de reformas, o que dificulta a percepção mais imediata de similaridades com o modêlo chinês do pavilhão sôbre uma rocha com gruta ou com correspondentes chinoiseries. Toma-se consciência que a consideração das remodelações por que passou a Gruta de Camões pode abrir perspectivas para análises culturais de transformações nas relações entre a China e o Ocidente.

Pode-se contar, para isso, com um valioso estudo realizado para a promoção do projeto de reconfiguração da gruta no século XIX que contava com a edificação, no seu cimo, de uma estátua monumental a Camões.

O autor, com a intenção de justificar a importância do local e da necessidade de sua valorização, realizou uma coletânea de referências sôbre a gruta e o jardim de viajantes de diferentes países. Esse estudo adquire um significado especial para a história cultural local e estudos arquitetônicos, paisagísticos e de história das artes em geral, uma vez que oferece um exemplo de projeto de orientação cultural fundamentado em pesquisas literárias de surpreendentes dimensões. (J. F. Marques Pereira,Ta-Ssi-Yang-Kuo, Arquivos e Anais do Extremo-Oriente Português II, Lisboa: Bertrand-José Bastos 1900; reed. Macau:  DSEJ/FM 1995, 525 ss., 612ss. e.o.)

Apesar do seu indiscutível significado histórico e do valor ainda atual como coletânea de referências, esse estudo deve ser visto como produto do seu tempo e das circunstâncias locais em meados do século XIX, como um documento que testemunha a tomada de consciência do significado da memória local e do estudo da história e das tradições da presença portuguesa no Oriente em situação de decadência econômica de Macau.

"Causa lástima, senão vergonha e indignação, considerar que em Macáo, nas differentes e longas epochas em que os cofres publicos transbordavam de dinheiro, se hajam desbaratado centos e centos de milhares de patacas, em gastos puerís, em funcções, e em extravios, e que nunca houvesse a lembrança de erigir um monumento, uma estátua, á memoria do grande Camões, que tão viva e perenne devêra ser nesta cidade. Em nenhuma parte da Monarchia ficaria melhor collocada, do que sobre o grande rochedo que cobre a Gruta, no pavimento onde hoje se acha o mirante chim: parece que a natureza lhe tem expressamente preparado o soberbo e formoso pedestal, no monticulo que tentámos descrever: a estatua sendo de dimensões convenientes, póde, surgindo do vertice, lindamente rematar aquelle bosque pyramidal, e ser vista pittorescamente de muitos pontos de Macáo, e do mar.
Não seria difficil realisar este pensamento, se os moradores de Macáo nisso se empenhassem: a estatua feita em Portugal não importaria em muito e a sua conducção poderia obter-se do governo, em algum vaso de guerra que fosse á China, ou do patriotismo d'algum dos proprietarios dos navios mercantes que vão a Macáo."
(op.cit. 537-538)

O projeto assim explicado previa a construção de uma estátua que, do alto, dominasse e marcasse a cidade, transformando em sinal e símbolo, recebendo os que se aproximavam pelo mar. Seria um monumento emblemático como aqueles que, remontando à antiga tradição de Rhodos, passaram a caracterizar várias cidades do mundo com os mais diferentes significados e conotações, como tratado em vários exemplos em outros textos desta revista (Veja p.e.http://www.revista.brasil-europa.eu/122/Kiev_Mat_Rodina.html).

Esse projeto de edificação de uma estátua monumental a Camões pode ser visto como uma expressão particularmente relevante do Historicismo e do Romantismo europeu no Extremo Oriente.

O intento historicista de construção do monumento apresenta também conotações políticas de natureza conservadora e restaurativa, voltada à afirmação do poder português e correspondente à orientação política do editor do Ta-Ssi-Yang-Kuo.

O projeto de construção do monumento partia de uma restauração do estado natural da gruta implica em crítica estética às remodelações que nela tinham sido feitas pelo proprietário da quinta em que se localizava. Para a realização do projeto, - e sob a argumentação de que haveria um interesse de aquisição da área por um estrangeiro - tornou-se necessário que passasse para o Govêrno.

Se o monumento nunca chegou a ser edificado, a gruta foi reconduzida a um estado natural. O estado atual da Gruta de Camões representa, assim, um torso de projeto que não chegou a ser realizado. A "naturalidade" da gruta é resultado de uma intenção historicista e restaurativa à qual pertencia como elemento de importância a estátua-monumento no seu topo.

Essa crítica havia sido formulada por observadores estrangeiros, entre êles Jules Zanole, em 1851:

"Pourquoi ces ornements, et ce double portique,/Ces modernes frontons masquant la grotte antique,/Ces frivoles decors, tout ce luxe emprunté?/Rendez, rendez plutôt à ce lieu solitaire/Son simple et noble aspect, son cachet de mystère, /Et sa sauvage majesté" (...) (op.cit. 539)

Reconsideração da obra poético-paisagística de Lourenço Marques

O proprietário da área era Lourenço Marques, membro do Senado e procurador da cidade de Macau que, com grande dispêndio, realizou obras na gruta em 1840, sendo a remodelação projetada por A. J. de Vasconcellos.

Esses trabalhos tinham sido necessários devido a atos de vandalismo que ali ocorrera, o que levou também a que os pórticos fossem guarnecidos por grades de madeira e que passasse a ser controlado o acesso ao jardim.

Foi a obra deste último que tornou-se motivo das severas críticas do autor do projeto do monumento, que nela via uma deturpação da gruta. Esta, na ótica romântica, era por natureza tão bela na sua rudeza e simplicidade que toda e qualquer alteração representava um desfiguração, um atentado contra o bom gosto. Por essa razão, o autor do estudo defendia a demolição dessa obra, restaurando a gruta no seu primitivo estado, o que era possível pelo fato dos rochedos não terem sido quebrados. (op.cit. 534)

Uma fotografia da gruta no seu estado anterior à demolição, incluida no estudo, possibilita, hoje, uma reapreciação da obra de A. J. de Vasconcellos e Lourenço Marques. 

Os três rochedos, que formavam duas paredes quase paralelas, com um terceiro assentado horizontalmente, já apresentavam, de construções anteriores, dos dois dois lados da abertura, em lápides lisas de pedra, inscritos gravados com seis oitavas dos Lusiadas: (Canto X. Est. XXIII. - C. VII. Est., LXXIX, LXXX, e LXXXI, - C. VI. Est. XCV. - C. VIII Est. CLII. Entre os dois rochedos já se encontrava um pedestal com um busto de Camões, realizado por artistas chineses, baseado em gravura publicada na edição dos Lusíadas do Pe. Thomaz José d'Aquino, reproduzida em Paris, em 1815, e que tinha sido alvo do ato de vandalismo.

As edificações realizadas tinham consistido na criação de dois pórticos em cada lado da abertura, em estilo clássico renascentista, de ordem dórica, com emblemas no friso e sugestões chinesas no seu cimo. A gruta foi, assim, transformada em pequeno templo.

Acima da rocha horizontal que forma o teto da gruta, havia um mirante com telhado de conotação chinesa, do qual se descortinava o panorama. Essa configuração da gruta de Camões estabelecia relações entre concepções poético-sentimentais do Ocidente, conhecidas desde o século XVIII através da idealização da natureza, e aquela da representação da natureza na China. Estabelecia também, como mencionado, uma relação com as chinoiseries nos parques e jardins do Ocidente e a presença da tradição humanística do Ocidente na configuração paisagística na própria China.

Constata-se que foi uma remodelação que não apenas foi sensível em não destruir os rochedos, mas sim que relacionou concepções de cunho poético de relações Cultura/Natureza do Ocidente e do Oriente. Refletiu também certamente impulsos recebidos da Europa sobretudo em pinturas de idílios pastorís e bucólicos de fundamentação mitológica na tradição humanística, na qual ruínas desempenhavam importante papel.

Essa configuração da Gruta de Camões - demolida para a sua recondução a estado natural como suporte de um monumento - foi, porém, precedida por outras.

Bucolismo poético e paisagismo inglês

As referências em relatos de viajantes que visitaram a gruta de Camões em fins do século XVIII indicam que a área correspondia a ideais do bucolismo e da vida pastoral cultivados na poesia e nas artes européias.

Que o jardim de Macau não seguia nessa época critérios dos jardins franceses do Barroco, caracterizados por estruturação geométrica de canteiros com flores, emoldurados e marcados com buchos podados em formas artificiais, isso o indica o relato oficial do botânico George Leonard Staunton (1737-1801)

Staunton pertenceu à expedição do Earl George Macartney (1737-1806), empreendimento diplomático que, embora sem ter levado a resultados esperados, foi de extraordinário significado para o estudo das relações entre a China e o Ocidente.

Na publicação, baseada em parte em dados de outros participantes da expedicão, entre êles do seu comandante Erasmus Gower (1742-1814), selecionados sob a responsabilidade do naturalista Sir Joseph Banks (1742/3-1820), presidente da Royal Society, Staunton expressa a impressão positiva deixada pelo jardim aos inglêses. Staunton enaltece o fato de ser as suas plantas dispostas irregularmente, criando a aparência de espontaneidade. (George Leonard Staunton, An Authentic Account of an Embassy from the King of Great Britain to the Emperor of China, 3 vols, London: Nichol 1797; trad. Johann Christian Hüttner, Reise der englischen Gesandtschaft an den Kaiser von China, in den Jahren 1792 und 1793, Zürich: Geßner 1798).

"Sa surface est très-variée, et il contient un très-grand nombre de beaux arbustes et d'arbres fruitiers qui y sont entremêlés avec une heureuse irrégularité, et semblent y croitre spontanément. Les sentiers y suivent diverses pentes, traversent des bosquets, passent sous des rocs suspendus, et se croisent l'un l'autre; (...)"  (cit. op.cit. 613)

O tradutor do relato para o alemão, Johann Christian Hüttner, que também participou da embaixada, referiu-se à gruta como capaz de inflamar a imaginação de um poeta, que ali podia imaginar Camões contemplando o mar. (Johann Christian Hüttner, Nachricht von der Britischen Gesandtschaftsreise durch China und einen Theil der Tartarei, Berlin: Voss, 1797, nova edição Sigmarinen, Thorbeck 1996, série Fremde Kulturen in alten Berichten I).

Essa apreciação do viajante alemão correspondia às tendências da estética de sensibilidade e de sentimentos (Empfindsamkeit, Gefühlsästhetik) e do paisagismo britânico de parques, também altamente apreciado na Alemanha (Veja e.o. http://www.revista.brasil-europa.eu/127/Machern-Pilgerfahrt-der-Rose.html). Assim como as ruinas, templos, pagodes chineses, rochedos artificiais e grutas dos parques inglêses do século XVIII, o jardim de Macau oferecia a gruta do poeta em meio a grandes árvores e um pagode que possibilitava a visão de grande cenário e do mar que se perdia no horizonte. Era, assim, um quadro pitoresco natural, no qual aquele que o percorria tinha a surprêsa de descobrir elementos inesperados e descortinar panoramas.

Como Staunten indica a existência de árvores frutíferas no jardim, pode-se supor que um antigo pomar português da quinta na qual situava-se a gruta tivesse sido reconfigurado segundo o gosto inglês. Essa transformação seria justificada pelo fato da ali situada Casa do Horto ter sido ocupada por inglêses, como citado no relato de viagem do orientalista Joseph de Guignes (1721-1800) (Voyages à Peking, Manille et L'Ile de France, Paris: Imprimerie Impériale, 1808), fato, porém, negado pelo autor do estudo aqui considerado. (loc.cit.)

Ermitage - a gruta de Camões como local de contemplação e refúgio romântico

O jardim com a gruta de Camões veio de encontro ao ideal de solidão e retiro que marcou a história do paisagismo europeu com as suas ermidas artificiais e grutas para os que se exilavam voluntariamente das atribulações da vida. Vários são os exemplos de parques que possibilitavam a experiência da vida contemplativa de forma secularizada e poética. 

A gruta de Camões foi local de refúgio contemplativo de Grégoire-Louis Domeny de Rienzi (1789- 1843?) quando esteve em Macau entre 1827 e 1829. Exemplo de personalidade romântica, Domeny de Rienzi teve uma vida de lutas por ideais libertários em várias regiões do mundo, tendo atuado em Wagram e Waterloo, participado em batalhas pelos gregos em 1818 e 1822, lutado por Bolivar em 1819, com os Carbonari em 1821 e sob Mehemet Ali em 1823. Com os seus conhecimentos do globo, tornou-se mais tarde professor de Geografia em Paris.

Refugiando-se em Macau em período marcado na França pela Restauração, Domeny de Rienzi considerava-se em paralelos com Camões, ambos de prenome Luís, "um grande e outro pequeno", um "português de origem castelhana", o outro "francês de origem romana", um "soldado religioso, viajante e poeta exilado", o outro "viajante religioso, soldado e poeta expatriado".

Como Camões, também êle fugira do mundo marcado pela inveja e pelos tiranos. Na sua gruta, Rienzi encontrava a paz e a tranquilidade de coração que necessitava, tendo-a visitado inúmeras vezes tal como a um nobre asilo, inspirando-se na sua vegetação.

"Lusus et les Chinois honorent sa memoire: Le temps qui détruit tout agrandira sa gloire. Moi qui chéris ses vers, qui pleurai ses malheurs J'aimais à saluer ces bois inspirateurs. Je visitais cent fois cet humble et noble asile; Dans ta Grotte, o Louis, mon coeur fut plus tranquille. Agité plus que toi, je fuyais dans les champs Et le monde et mon coeur, l'envie et les tyrans." (op.cit. 537)

Nas palavras de Rienzi manifestam-se as imagens musicais que se prendiam à gruta de Camões em visões românticas, e na qual a lira do poeta constituia o principal símbolo: "Ici Camoens, au bruit du flot retentissant, Méla l'Accord plaintif de son luth gémissent". (loc.cit.)

Rienzi fala do "canto do Héros da Lusitânia à luz dos raios de Apolo que iluminavam o seu gênio",; para êle Camões havia sido um novo Homero que alcançara o seu gênio a preço da miséria e que teve como consolo, em Macau, o amor e os cantos das nove irmãs.

Como expressão dessa sua veneração por Camões como novo Homero, Rienzi concebeu uma inscrição em chinês e versos em francês para serem gravados em pedra, emoldurando a gruta, e que trazem a data de 30 de março de 1827. A inscrição foi traduzida do francês para o chinês pelo Pe. Lamiot, missionário francês, e, quando da sua realização em pedra, em 1840, aprimorada em "estilo sublime" por um competente literário chinês, Gai-Tang. (op. cit. 537)

A crítica a Rienzi feita pelo autor do estudo justificativo do monumento a Camões explica-se por diferenças quanto a tendências políticas, uma vez que, ao contrário de Rienzi, esse projeto e o órgão que o promovia eram marcados por conservativismo.

O papel exercido pela França na valorização da memória de Camões em Macau expressou-se também no busto colocado na gruta. Ferdinand Denis (1798-1890), um dos maiores conhecedores da história e da cultura portuguesa e brasileira na França da primeira metade do século XIX, por muitos considerado tambémcomo pai da Americanística (http://www.academia.brasil-europa.eu/Materiais-abe-76.htm), salientando no seu Portugal Pitoresco o significado da gruta, menciona empenho do Vice-Consul da França em Macau em mandar trazer um busto de bronze de autoria do renomado escultor Julio Droz para a cidade, obra então encomendada pelo proprietário da quinta, Lourenço Marques, o que, porém, demorou a ser realizado (loc.cit.).

A gruta nos estudos sinólogos. Sir John Francis Davis (1795-1890)

A gruta de Camões, valorizada pelo espírito romântico, entrou no estudos voltados à China e aos chineses através da obra de Sir John Francis Davis, autor de obra que, pela sua grande difusão, marcou por décadas a imagem da China no Ocidente (John Francis Davis, The Chinese: A general description of the Empire of China and its inhabitants, 2 vols, London: Charles Knight, 1836; New York: Harper & Brothers 1836).

Como poucas outras, essa obra, nas suas várias edições e atualizações, documenta as mudanças na situação político-cultural da esfera chinesa, sobretudo devido à crescente presença britânica (London: Charles Knight, 1840; 1844; China: A general description of that empire and its inhabitants; with the history of foreign intercourse down to the events which produced the dissolution of 1857, 2 vols., London, John Murray 1857). Tendo sido traduzida em vários idiomas, marcou também a imagem da China e dos chineses do público de língua francesa e alemã  (La Chine: ou description générale des moeurs et des coutumes, du gouvernement, des lois, des religions, des sciences, de la littérature, des productions naturelles, des arts, des manufactures et du commerce de l'Empire chinois; trad. A. Pichard, A. Bazin Ainé, Paris: Pibrairie de Paulin 1837; Bruxelas, Haumann 1838) China oder allgemeine Beschreibung der Sitten, Gebräuche, Regierungsverfassung... der Chinesen, trad. F. Wesenfeld, 2a. ed., Magdeburg, Falckenberg 1843; China und die Chinesen: eine allgemeine Beschreibung von china und dessen Bewohnern, Stuttgart: Expedition der Wochenbd. 1847-1848).

A coletânea de estudos para a edificação do monumento a Camões registrou uma poesia em latim de John Francis Davis, na qual o fascínio romântico pelas ruínas se mescla com o lamento pelo ato de vandalismo que destruira o busto do poeta.

In Cavernam Ubi

Camoens

Opus Egregium Composuisse Fertur

Hic, in remotis sol ubi rupibus/Frondes per altas mollius incidit,/Fervebat in pulchram camoenam/Ingenium Camoentis ardens://Signum et poetae marmore lucido/ Spirabat olim, carminibus sacrum,/Parvumque, quod vivens amavit,/Effigie decorabat antrum://Sed jam vetustas, aut manus impia/Prostravit, eheu! Triste silentium/Regnare nunc solum videtur/Per scopulos, virides et umbras!// At fama nobis restat - at inclytum,/Restat poetae nomen-at ingenii/Stat carmen exemplum perenne,/Aerea nec monumenta quaerit.//Sic usque Virtus vincit, ad ultimas/Perducta fines temporis, exitus/Ridens sepulchrorum inanes,/Marmoris et celerem ruinam!" (cit. op.cit. 538)

Monumento à saudade em época do declínio de Macau

As vozes de portugueses registradas no estudo aqui considerado indicam que o desenvolvimento que levou à decadência de Macau acentuou o conteúdo de significados e conotações da gruta com um sentimento de melancolia, nostalgia e de saudades. Já em 1818, J.A. de Guimarães e Freitas, em "Memorias sobre Macao", menciona os jardins da Quinta do Conselheiro Manuel Pereira, "não sem multiplicadas emoções de ternura e respeito, o pintoresco rochedo (...)." (loc.cit.)

Carlos José Caldeira, autor de Apontamentos de uma viagem de Lisboa à China e da China, menciona como, antes de partir, foi dizer um último adeus à gruta de Camões, onde "tão doces horas de tristeza, de saudade" passara, pois nada mais lhe aprazia do que ali divagar sozinho ao fim da tarde, à luz da lua ou mesmo na escuridão da noite, em inesquecíveis horas doces repassadas de solidão e melancolia, encanto e saudade. (op.cit. 541)

Nos textos coligidos para a obra, o autor considera testemunhos posteriores, como aquele do livro Oriente - De Napoles a China, de Adolpho Loureiro, de 1883. Nesse texto, o romantismo da gruta de Camões é acentuado pela descrição do estado abandonado do jardim e pela situação ruinosa da cidade, fazendo de toda Macau em si um local marcado por melancolia, tristeza e saudade.

Oh! Gruta de Macau, solidão querida/ Onde tão doces horas de tristeza/De saudade passei! Gruta benigna/Que escutaste meus languidos suspiros,/Que ouviste minhas queixas namordas!/ Oh! Fresquidão amena, oh! grato asylo, /Onde me ia acoitar de acerbas maguas,/ Onde amor, onde a patria me inspiraram/Os maviosos sons, os sons terriveis/Que hão de affrontar os tempos e a injustiça!" (cit. op.cit. 542)

Emblema do romântico Macau em ruinas na Europa Central

A gruta tornou-se, como monumento à saudade, principal monumento de Macau que, na sua decadência, sobretudo após a fundação de Hong Kong, adquiriu uma aura romântica na Europa, sendo por isso procurado por viajantes.

Esse é o caso do austríaco Josef Lehnert, que realizando uma viagem ao redor do mundo na corveta imperial Arquiduque Frederico na década de 70, dirigindo-se de Cantão a Hong Kong, passou por Macau apenas para visitar a gruta, o que compara com uma peregrinação. (Josef Lehnert. Um die Erde. Reiseskizzen von der Erdumseglung mit S.M. Corvette Erzherzog Friedrich in den Jahren 1874, 1875 und 1876 II. Viena: Alfred Hölder 1878, 636 ss)

"Foi apenas interesse histórico que nos levou a realizar uma excursão a Macau, na verdade poder-se-ia falar de uma peregrinação, uma vez que era o de visitar uma cidade cujo bairro europeu apenas podia apresentar ruas vazias de população e muitos edifícios e casas caídas ou arruinadas.
(...) por todo o lado via-se destruições feitas pelo último taifun - montes de dejetos e ruínas - que não foram retirados, pois os habitantes encontram-se empobrecidos e, como nos disseram, são lânguidos.
(...) De tempos melhores data o manifesto orgulho, que, perante as condições deprimentes, necessariamente causa impressão trágico-cômica no estrangeiro. A aparência dos colonizadores portugueses, em geral, não é simpática; os vultos sêcos e enfraquecidos com a cor de pele amarela combinam bem com a cidade desertificada.
A única lembrança sorridente da época florescente de Macao é certamente o monumento a Camões num jardim situado no término leste da cidade. Caminhos cobertos de musgo cortam uma mata romântica que cobre a descida de uma colina; já há muito esse parque sente falta da mão de um jardineiro. Um ou outro visitante que, imerso em pensamento nos magníficos poemas do imortal Camões, tomou a gosmenta picada para a gruta e ali se encontrou estarrecido, viu-se, despertado de suas contemplações, de repente caído no sujo chão. Tais surprêsas poderiam ser evitadas com poucos recursos, de outra forma a peregrinação ao monumento do poeta tornar-se-á perigosa demais.
No ponto mais elevado do jardim encontra-se a assim-chamada gruta, uma pequena cavidade numa rocha saliente. Ali se encontra sobre um pedestal de pedra o busto de Camões. Alguns versos do Lusíadas encontram-se gravados nas superfícies laterais do pedestal.
A vista da cidade e do mar que a envolve, cheio de vida com os seus numerosos juncos, é encantadora. Também se pode ver uma grande parte do labirinto de ilhas que se extende à frente e na desembocadura do rio Pérola. Sem querer pensa-se no canto de Camões."


Símbolo romântico de Macau nos Estados Unidos - visita do Presidente U.S. Grant

Um dos pontos altos da história da gruta de Camões no século XIX foi a visita do ex-presidente dos EUA U.S. Grant. A visita foi documentada pelo correspondente do New York Times e divulgada no seu relato de viagens. (J. F. Packard, Grant's Tour Around The World, San Francisco, Cal: S. W. Dunn, 1880, 694-695).

Também aqui a gruta de Camões foi a principal razão da ida de U.S. Grant e sua comitiva a Macau. Como no caso do visitante austríaco acima citado, representou uma intercalação na sua rota de Cantão a Hong Kong. O texto menciona expressamente ser a gruta o único atrativo que dava a Macau fama mundial. Aproximando-se da cidade pelo mar, Macau demonstrava toda a sua beleza romântica, sendo o pitoresco do panorama acentudo pelos traços nostálgicos de passada grandeza.

Ainda que Macau surge como uma das poucas estações da viagem em que o ex-presidente dos EUA não tenha sido recebido pela autoridade máxima do Govêrno, pôde, na visita à Gruta, no dia seguinte à sua chegada, ser recebido à altura por Lourenço Marques, apresentado como proprietário da área.

Camoens lived in the age when it was not unbecoming for a poet to be a soldier, and to engage in adventurous enterprises. He lost his sight in a conflict with the Moors, and, dissatisfied with the condition of his affairs in Portugal, sailed for the East in the thirty-sixth year of his age. In the Portuguese colony of Goa he made enemies by the freedom with which he criticised the rulers, and the result was that he came in banishment to Macao, where in time local friendschip procured him the appointment of administrator to the estates of deceased persons. Here he wrote a good part of the Lusiad.

Senhor Marques, a Portuguese resident, is now the owner of what is now known as Camoens' Grotto. General Grant visited it the morning after his arrival, and was shown over the grounds by Senhor Marques, who, in honor of our coming, had built an arch over the entrance with the inscription - "Welcome to General Grant."

The grounds surrounding the grotto are beautiful and extensive, and for some time we walked past bamboo, the pimento, the coffee, and other tropical trees and plants. Then we ascended to a bluff overlooking the town and sea, and from the point we had a commanding view of the town, the ocean, and the rocky coasts of China. The grotto of Camoens is enclosed with an iron railing, and a bust of the poet surmounts the spot where, according to tradition, he was wont to sit and muse and compose his immortal poems. General Grant inscribed his name in the visitors' book, and, accompanied by Senhor Marques, returned to the Ashuelot, which at once steamed for Hong Kong. Salutes were fired from the Portuguese battery as we left, and at two o'clock we landed in Hong Kong harbor, where Governor Hennessy met the General and took him to the Government House. (op.cit. 694-695)

Da perspectiva chinesa: Camões como Confúcio do Ocidente

A gruta de Camões já possuia, no século XVIII, um pavilhão chinês no seu cimo, do qual se descortinava amplo panorama e que constituia elemento de significado na configuração do conjunto tanto nas suas relações com a tradição chinesa como com a de "pagodes" chineses no paisagismo ocidental. A sua demolição para a construção do projetado monumento a Camões teria roubado do local importante elemento simbólico de relações do Ocidente com a tradição chinesa. A inscrição concebida por Rienzi contribuiu para que Camões surgisse para os chineses como um Sábio e um Confúcio do Ocidente.

Os chineses não podiam ter deixado de registrar que na sua esfera encontrava-se um memorial rspeitado e procurado por pessoas de cultura e autoridades não só de Portugal como por representantes e eruditos das mais diferentes nações.

A extraordinária posição concedida à erudição na tradição confuciana da organização da sociedade e de Estado dirigiu necessariamente a atenção chinesa a um local que surgia como de peregrinação de intelectuais e de pessoas cultas, sobretudo por não ser explicitamente religioso, não de missão, mas sim dirigido a um vulto da literatura, da história do pensamento e do conhecimento.

Neste contexto, o nome chinês recordado no estudo aqui considerado foi o do estadista Ki-ing (Ki-ying). Vice-Rei de Cantão, delegado e alto comissário imperial nos dois Kuangs, o significado de Ki-ing manifestou-se no privilégio que lhe foi concedido pelo Imperador de suicidar-se quando condenado à morte à época das negociações com inglêses e franceses, em 1858.

Esse dignatário, quando na  na sua qualidade de Vice-Rei esteve em Macau em 1845, visitou várias vezes a gruta de Camões, ali realizando atos de homenagem.

O Vice-Rei ali podia ler, em letras chinesas, os dizeres "O Sabio por excelência" e, nas pilastras laterais do pórtico construído perante a gruta, também em caracteres chineses, as frases:

"As qualidades do espírito, e do coração o elevaram acima da maior parte dos homens. Os literatos sábios o honraram e veneraram; mas a inveja o reduzio à miséria. Seus sublimes versos estão espalhados por todo o mundo. Este monumento foi erigido para transmitir a sua memória à posteridade."

Essa referência no próprio estudo que defendia a remodelação da gruta, afastando as edificações de Lourenço Marques indca que estas correspondiam de forma muito mais adequada às dimensões simbólicas sino-européias do local do que a projetada estátua.

Da perspectiva literária è Filosofia de condução intercultural

O ver em Camões um "sábio por excelência" e "Confúcio do Ocidente", tendo sido assim venerado por chineses de erudição, não deveria permanecer apenas uma estranha curiosidade da história cultural. Essa visão chama a atenção para possibilidades de reorientações e deslocamentos de pêsos em estudos relacionados com Camões a serviço da intensificação da compreensão mútua sino-européia em resposta ao interesse atual constatado pelos grande monumentos literários do Ocidente na China. A leitura das obras de Camões sob a perspectiva dos estudos culturais já vem sendo feita em cursos e seminários, onde não apenas são consideradas nos seus contextos históricos de extraordinárias dimensões globais, mas sim também pelas imagens que contém, tanto da mitologia na tradição humanística como naquelas que até hoje são estudadas pela pesquisa empírica em expressões tradicionais mantidas de forma particularmente vitais no Brasil. As reflexões agora encetadas chamam, porém, a atenção às potencialidades de uma ampliação ainda maior da orientação teórico-cultural na consideração de Camões. Dirigindo a atenção, entre outros aspectos, à linguagem de imagens, às relações entre tradições imagológicas de diferentes proveniências, à estrutura e os mecanismos que as possibilitam, assim como a seus sentidos intrínsecos, o grande vulto da lusofonia transcende a esfera dos estudos do idioma e literários, sem perder, ou até mesmo ganhando em significado para Portugal, para o Brasil e para todos os países e comunidades marcados culturalmente pelos portugueses. Mais ainda, permite que essas nações desempenhem um papel de particular relevância nas relações culturais entre a China e o Ocidente.

Em seminário universitário realizado em Colonia em cooperação com a A.B.E., em 2004/2005, dedicado a relações entre o Pensamento da Antiguidade e à Filosofia intercultural, foram discutidas tendências voltadas à valorização das tradições de pensamento de culturas não-européias na Filosofia no passado e no presente que se registram em vários centros europeus, em particular nos Países Baixos.

Salientou-se nesse debate que, para além de estudos da história do pensamento de diferentes culturas, a concepção de uma Filosofia intercultural deve ser considerada antes como uma Filosofia de condução intercultural: a não relativação cultural sobretudo da Ética - por exemplo no concernente aos Direitos Humanos, e que deveriam ser ampliados aos dos Seres Viventes em geral - exige que se atente a essa distinção.

O diálogo a ser conduzido interculturalmente não pode limitar-se à consideração de obras especificamente de natureza filosófica, mas deve também considerar edifícios de pensamento e de imagens intrínsecos a obras da literatura e a expressões culturais estudados em outras esferas disciplinares. O diálogo entre pensadores de diferentes culturais desenvolve-se aqui em plano ainda mais abstrato do que o daquele da consideração de literatura especificamente filosófica, exigindo maior cuidado reflexivo, abre porém perspectivas para a compreensão mútua e para o reconhecimento de problemas e procura de soluções que dizem respeito à Humanidade no seu todo, principalmente também daqueles de natureza ética.

grupo de trabalho sob a direção de Antonio Alexandre Bispo


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Indicação bibliográfica para citações e referências:
*Bispo, A.A. "A Gruta de Camões como Sábio por Excelência e Confúcio do Ocidente em paisagens sino-inglesas e em transfigurações românticas. Ca Literatura à Filosofia intercultural nos estudos de relações China/Ocidente." Revista Brasil-Europa: Correspondência Euro-Brasileira 137/6 (2012:3). http://www.revista.brasil-europa.eu/137/Camoes-na-Filosofia-Intercultural.html





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