Revista

BRASIL-EUROPA

Correspondência Euro-Brasileira©

 

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Observatorio de Peking. Fotos A.A.Bispo©

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Fotos A.A.Bispo
©Arquivo A.B.E.

 

Revista Brasil-Europa - Correspondência Euro-Brasileira 137/17 (2012:3)
Prof. Dr. A.A.Bispo, Dr. H. Hülskath (editores) e Conselho Científico
da
Organização de estudos de processos culturais e estudos culturais nas relações internacionais (reg. 1968)
- Academia Brasil-Europa de Ciência da Cultura e da Ciência -

e institutos integrados

© 1989 by ISMPS e.V. © Internet-edição 1998 e anos seguintes © 2012 by ISMPS e.V. Todos os direitos reservados
ISSN 1866-203X - urn:nbn:de:0161-2008020501

Doc. N° 2901


A.B.E.


Instituições em visita

Astronomia nas relações entre a China e o Ocidente
nas suas inserções em sistemas do pensamento científico
e seu significado para os Estudos Culturais

Museu do Antigo Observatório de Beijing

Ciclo de estudos em Peking/Beijing e Manchester
no ano da participação da China como nação convidada na Feira de Hannover 2012
pelos 500 anos da presença portuguesa na China
em atualização de trabalhos da A.B.E. em Hong Kong e Macau
à época da transferência de soberanias européias à China (1996)

 

A participação da China como nação convidada da Feira de Hannover 2012 demonstra a posição que ocupa e o papel que desempenha no cenário tecnológico, científico e econômico mundial da atualidade. Paralelamente, levantam-se questões de natureza cultural, sobretudo relativas à necessidade mútua de entendimento, e que salientam o significado de estudos e análises da história das relações sino-ocidentais para a compreensão de situações e processos.

Mais do que em qualquer outro contexto do mundo extra-europeu, a ciência e a tecnologia desempenharam papel de extraordinária importância na história das relações entre a China e o Ocidente. O estudo dessa história demonstra que esse papel relevante desempenhado pelas ciências foi em grande parte resultado de pressupostos culturais chineses, determinantes de procedimentos ocidentais.

Observatorio de Peking. Fotos A.A.Bispo©

Astronomia na história missionária. 35 anos do início de trabalhos

O papel extraordinário desempenhado pela Astronomia na história das relações entre o Ocidente e a China foi considerado já há muito e sob diversos aspectos.  Esse significado da Astronomia nas relações sino-européias surge numa primeira aproximação como surpreendente, sobretudo pelo fato de ter sido essa ciência estreitamente relacionada com a ação de missionários, sobretudo Jesuítas. Vários deles entraram na história como grandes astrônomos, matemáticos e construtores de instrumentos e aparelhos técnicos.

Aquele que é confrontado com esse singular desenvolvimento histórico-cultural pergunta-se, naturalmente, qual teria sido a razão pela qual os missionários da Companhia de Jesus deram tanta atenção à Astronomia. Como se explica a importância da Astronomia nos intentos de Cristianização da China?

Para o pesquisador de assuntos culturais brasileiros, evidencia-se aqui uma fundamental diferença com o procedimento dos Jesuítas no Brasil, onde a sua ação teve outras características, salientando-se sobretudo aquelas de ensino, correspondentes, também, àquelas desenvolvidas nos colégios da Companhia em várias outras partes do mundo (veja e.o. http://www.revista.brasil-europa.eu/131/Goa-Bom_Jesus.html; http://www.revista.brasil-europa.eu/131/Goa-Colegio_de_Sao_Paulo.html).

Os estudos marcados pela consideração ampla de contextos globais na tradição a que se prende a A.B.E. levaram já na década de 70 a que a atenção fosse dirigida, na análise de fontes, ao papel do receptor na atuação dos Jesuítas, nos próprios meios empregados e no próprio desenvolvimento da Companhia.  (A.A.Bispo, Grundlagen christlicher Musikkultur in der Außereuropäischen Welt der Neuzeit: Der Raum des früheren Portugiesischen Patronatsrechts, Musices Aptatio 1987/88, Roma 1989)

As diferentes condições culturais encontrados pelos Jesuítas nas várias partes do mundo, de forma particularmente contrastante entre o Brasil e a China, condicionaram o emprêgo de diferentes procedimentos para o alcance de sucesso nos intentos cristianizadores. A Companhia tornou-se, assim nas diferentes partes do mundo, uma organização que se apresentava com outras formas de expressão e outras características, fato determinado pelo uso de diferentes meios para o alcance dos fins propugnados. Apesar disso, as relações com a China marcaram de forma especial o desenvolvimento de estudos científicos dos Jesuítas e na História da Igreja, em particular nos séculos XVII e XVIII.

O extraordinário significado das ciências, em particular da Astronomia na história missionária a partir da perspectivas determinadas pelos estudos culturais foi reconhecida e estudada primeiramente em trabalhos desenvolvidos pelo editor desta revista em instituições romanas, entre outras no Arquivo e no Museu de Etnologia do Vaticano, em 1977. Tiveram prosseguimento nos anos que se seguiram, em outras bibliotecas romanas e, em particular, daquela do museu e dos institutos da Sociedade dos Steyler em Sankt Augustin/Bonn (China-Zentrum).

De armas e máquinas ao estudo de princípios construtivos e mecanismos

Já numa primeira fase dos contatos, decorridos de forma espontânea através de interesses comerciais entre negociantes de mar portugueses e chineses no início do século XVI, foi a supremacia técnico-militar dos portugueses que, vindo de encontro às necessidades de defesa chinesa perante a ameaça representada pelos piratas que possibilitou assentamentos no litoral chinês e o estabelecimento de operações comerciais (veja http://www.revista.brasil-europa.eu/137/Comercio-Cultura-China-Brasil.html).

O interesse nas armas e na tecnologia militar do Ocidente surge, assim, como decisivo no início da história das relações. Seria, porém, insuficiente ver nesse interesse pragmático de obtenção de apoio militar o único fator que explica o significado que a técnica e a ciência adquiriu nas relações posteriores sino-européias.

A técnica construtiva de armas e a arquitetura militar faziam parte, também na tradição do Ocidente, de um edifício de conhecimentos mais amplo, como demonstra o fato de constituirem, em antiga tradição relacionada com a autoridade de Vitrúvio, um capítulo da Arquitetura, da ciência e arte da Edificação. (Vitruv, De Architectura Libri Decem, trad. al. Franz Reber, 1865, reed. Wiesbaden: Marix 2004, 368 ss) Essa menção chama a atenção às dimensões do conceito de Edifício que devem ser consideradas e que incluem o espaço configurado do mundo e do homem, também expresso na organização da sociedade e no Estado.

Seria, assim, absurdo supor que o significado de instrumentos musicais na fase que se seguiu de procedimentos refletidos e dirigidos de entrada na sociedade chinesa por parte de missionários tenha sido resultado de curiosidade ou de uma fascinação pela música por êles produzida, bastando lembrar vez que a música ocidental não era agradável aos ouvidos chineses.

O interesse demonstrado pelos instrumentos, em particular pelos de teclado, foi primordialmente teórico, uma vez que neles podiam ser estudadadas relações numéricas em fenômenos acústicos que permitiam reconhecer leis gerais, vigentes no cosmo, no homem e na organização social. O instrumento musical - assim como relógios - serviram como veículos - instrumentos - para o estudo de ordenações de natureza matemática.

Do ponto de vista do sistema de ciências do Ocidente: artes liberais

Os missionários que se utilizaram desses recursos técnicos, o fizeram por terem reconhecido o significado da procura de conhecimentos de cunho teórico por parte dos chineses e que tinha a sua expressão na própria organização do Estado.

Os diferentes pêsos dados às esferas do saber para fins de entrada na sociedade chinesa, de atração de chineses e ação transformatória de sua cultura apenas tornou-se possível devido às características do sistema das disciplinas organizadas segundo a tradição das sete artes liberais, fundamento da formação intelectual e científica dos europeus. (A.A.Bispo,Astronomia, Geometria, Cálculo, Música: O Quadrivium e a Universidade", Brasil-Europa & Musicologia, Colonia: A.B.E./I.S.M.P.S. 1999, 25-28)

Nesse sistema, constituido pelo quadrivium de disciplinas de natureza numérico-racional e pelo trivium com as suas disciplinas de natureza verbal, a Astronomia pertencia ao primeiro, juntamente com a Aritmética, a Geometria e a Música. As relações entre o Ocidente e a China surgem, assim, marcadas sobretudo pelas disciplinas do quadrivium, salientando-se correspondentemente os missionários na China como matemáticos, músicos e astrônomos.

É compreensível que a consideração da música em relações sino-européias no âmbito de estudos de processos culturais em contextos globais tivesse que dar especial atenção a seus elos com as outras disciplinas quadriviais.

Por essa razão, o papel da Astronomia e de missionários astrônomos tornou-se objeto de estudos do Instituto de Estudos da Cultura Musical do Mundo de Língua Portuguesa (I.S.M.P.S.). Tendo a sua sede na cidade de onde proveio um dos mais renomados astrônomos entre os Jesuítas, Johann Adam Schall von Bell (1592-1666), é natural que se tivesse dado particular atenção a esse missionário que foi também reformador do calendário, construtor de instrumentos astronômicos, musicais, de medições e de canhões (A.A.Bispo, "Die Rolle der Musik in der Begegnung zwischen Abendland und China (1996)", Brasil-Europa & Musicologia, Colonia: A.B.E./I.S.M.P.S. 1999, 357-366).

O reconhecimento desse significado do conjunto das disciplinas do quadrivium para a compreensão da ação dedicada à Astronomia pelos missionários pôde basear-se em estudos anteriores que haviam salientado os elos entre as disciplinas quadriviais e as concepções da Filosofia da Natureza referentes aos elementos, com as suas múltiplas associações com o ciclo anual e com as concepções do mundo e do homem. Nessas associações, enquanto que a Música surge relacionada com a água, a Astronomia vincula-se com o elemento fogo e, relativamente aos órgãos dos sentidos, com o da visão. (A.A.Bispo,"Tempo, Espaço, Matéria: Uma Introdução ao Estudo da Estética, 1972", Brasil-Europa & Musicologia, Colonia: A.B.E./I.S.M.P.S. 1999, 17-24)


Local de reflexões: Museu do antigo Observatório Imperial

No âmbito dos estudos desenvolvidos em Peking/Beijing, procurou-se considerar a perspectiva chinesa do desenvolvimento histórico das relações sino-européias relativamente à Astronomia.

Como local particularmente adequado para essas reflexões ofereceu-se o Antigo Observatório, considerado como importante parte do patrimônio histórico e cultural chinês.  Para além do próprio edifício com a sua plataforma de observação e históricos aparelhos, já em si monumento de relevância histórico-científica de primeira grandeza, o Antigo Observatório apresenta salas de exposições com quadros elucidativos que manifestam a visão chinesa do desenvolvimento histórico da Astronomia nas suas relações com o Ocidente.


O observador constata, de início, o cuidado dos chineses em chamar a atenção para o fato de ser a Astronomia não uma introdução de europeus, mas ciência já há muito praticada na China.

Salienta-se, nesse sentido, que para além das remotas origens da observação dos céus, o observatório remonta à época da transferência da capital chinesa a Peking/Beijing, em 1421, à época da Dinastia Ming.

Neste contexto, chama-se a atenção aos elos entre os conhecimentos obtidos através da observação dos céus - e dos ciclos do ano com as suas estações - e a arquitetura da Cidade Proibida, construida nessa época.

O observatório foi então edificado ao longo do muro que contornava a cidade e equipado com uma esfera armilar, uma armila montada - uma estrutura de globo feita de anéis utilizada para a determinação de posições de estrêlas e planetas - e com um globo celeste, onde os céus e as principais estrêlas se encontram marcados.

O Gui Ying Tang com gnomon e a clepsidra (relógio de água) foram construidos quatro anos mais tarde.

A plataforma de observação de estrêlas Dengfeng na província Her Nan havia sido construída anteriormente, à época da dinastia Yuan (1279-1368). É o mais antigo observatório existente na China e um dos sítios astronômicos historicamente mais importantes do mundo.

Os textos da exposição salientam a preocupação já então existente por questões de medição de tempo e de determinação do calendário. Registram que o famoso astrônomo Guo Shoujing projetou um gnomon com uma altura de 9.46 metros e um definidor de sombras com base em escala graduada segundo a sombra solar com o objetivo de aumentar a precisão da observação.

Após muitos cálculos, Guo Shoujing conseguiu reconhecer que o ano solar abrangia 365,24,25 dias, o que corresponde ao valor númerico do moderno calendário, ou seja, teria antecipado aos cálculos que fundamentaram a reforma gregoriana dos europeus em fins do século XVI. O termo solar de 24 pôde ser calculado acuradamente através da medição da sombra solar.

Guo Shoujing inventou também o instrumento "de face voltada para cima", equipado com semi-esfera em bronze gravada com horas, direções e coordenadas equatoriais na sua parte interior, e que servia para medir a posição do sol e o processo completo da eclipse solar.

O Renascimento e a atividade de Jesuítas sob a perspectiva chinesa

Os quadros da exposição do Museu do Observatório explicam aos leitores chineses o impacto que representou o Renascimento no Ocidente.

As explanações salientam que Renascimento representou um ressurgimento cultural que, do século XIV até o início do XVII, pôde recuperar conhecimentos sufocados das grandes civilizações da Grécia e de Roma.

Essa explanação, que indica a importância dada à Antiguidade ocidental pelos chineses, salienta também que foi nessa época de ressurgimento que viveram famosos astrônomos como Nicolaus Copernicus (1473-1543), Tycho Brahe (1546-1601), Johannes Kepler (1571-1630), Giordano Bruno (1548-1600) e Galileo Galilei (1564-1642).

Os textos da exposição chamam a atenção para o fato de que não só na Europa houve astrônomos de competência, mas sim também em várias outras culturas. Surge como uma particular preocupação dos chineses salientar que a Astronomia já se encontrava desenvolvida em diferentes partes do mundo antes da chegada dos europeus.

Na ótica chinesa, os missionários jesuítas foram os primeiros que chegaram à China e tomaram ali contato com o significado da Astronomia, transmitindo dados relativos à cultura do Extremo Oriente à Europa, entre êles também conhecimentos astronômicos. Tendo a atenção assim despertada, tornaram-se a seguir veículos de difusão da Astronomia européia na China.

Considerando a ação de Matteo Ricci S.J. (1552-1610), a exposição chinesa dirige a atenção primordialmente a Xu Guangol (1562-1633), astrônomo que colaborou com o missionário, traduzindo para êle textos científicos ocidentais para o chinês. Tornou-se famoso pela sua contribuição ao desenvolvimento do Chongzhen Lishu, o primeiro tratado de maiores dimensões em Astronomia matemática produzido na China, em 137 cadernos, uma espécie de enciclopédia astronômica do período Chongzhen, criada no espaço de cinco anos. A exposição chinesa salienta ter sido essa obra a primeira que ajudou a difundir a Astronomia ocidental na China, salientando-se aqui os esforços dos missionários jesuítas Nicolas Longobardi (1368?-1644), Johann Terrenz (1576-1630), Johann Adam Schall von Bell (1591-1666) e Giacomo Rho (1593-1638).

Nova fase de desenvolvimento sob a dinastia Qing

O Museu salienta que, assim como a construção do Observatório sob a dinastia Ming tinha coincidido com a mudança da capital para Peking, uma nova fase do desenvolvimento astronômico iniciou-se em 1644, época da Dinastia Qing, marcada pelo retorno da capital a Peking.

Salienta-se que, a conselho de Johann Adam Schall von Bell, os chineses começaram a usar o cômputo de tempo e o sistema de medidas do Ocidente. Para a China, diferentemente do Ocidente, foi a reforma do calendário segundo modêlos ocidentais que teria impulsionado o desenvolvimento da ciência e da tecnologia chinesas (veja http://www.revista.brasil-europa.eu/137/Schall-von-Bell.html).

Grande enriquecimento do patrimônio de instrumentos técnicos do Observatório deu-se entre 1669 e 1674, à época do Imperador Kangxi (1654-1722). Segundo a sua ordem, o Jesuita belga Ferdinand Verbiest (1623-1688) projetou váríos aparelhos astronômicos: um azimut velho para a determinação de ângulos de altura e horizontais de objetos celestes, uma esfera armilar eclíptica, uma esfera armilar equitorial, um quadrante, um sextante e um globo celeste no qual os objetos celestiais podem ser localizados, assim como as suas posições em tempos determinados.

Verbiest surge como personalidade de extraordinário significado para a história das ciências e da tecnologia nas relações entre a China e o Ocidente, uma vez que a êle é atribuida a invenção de um primeiro veículo automóvel, tendo também feito experiências com aparelhos a vapor.

Ao lado de Verbiest, o museu salienta a contribuição do Jesuita alemão Kilian Stumpf (1655-1720) que recebera formação na Universidade de Würzburg de um discípulo do famoso Athanasius Kircher S.J. (1602-1680): Gaspar Schott SJ (1608-1666).

Tendo obtido sólida formação em diferentes disciplinas na tradição ampliada das antigas artes liberais, compreendendo agora não apenas Aritmética, Geometria, Astronomia e Música, mas também Trigonometria, Mecânica, Estática, Arquitetura Militar e outras áreas, pôde atuar na China como astrônomo, matemático, músico e construtor de aparelhos técnicos.

Indo como Visitator da Companhia de Jesus no Extremo Oriente, chegou a ser diretor do Serviço Astronômico de Peking e contribuiu ao desenvolvimento tecnológico no âmbito da produção de vidros.

Na exposição, lembra-se que Stumpf projetou, em 1715, o teodolito azimuth, instrumento de medição de ângulos verticais e horizontais.

O patrimônio de instrumentos do Observatório foi completado em 1744 com a construção de uma nova esfera armilar por ordem do Imperador Qianlong (1711-1799).

Nova fase: China/Ocidente na Astronomia sob o predomínio britânico

O Museu do Observatório designa como época de mudança na Astronomia chinesa aquela marcada pela influência britânica no Extremo Oriente.

Papel de relêvo na transmissão de novos conhecimentos ocidentais foi desempenhado pelo matemático chinês Li Shanian (1815-1882) por ter traduzido Outlines of Astronomy (1849) de John Frederick William Herschel (1792-1871), filho de Frederick William Herschel (1738-1822).

Nesse trabalho, teve a colaboração do Jesuíta Alexander Wylie (1815-1887), sendo a obra publicada em 18 volumes, em 1859. No preâmbulo, Li Shanian enfatizou que o sistema planetário heliocêntrio e as órbitas elípticas dos planetas ao redor do sol estavam comprovadas e não eram apenas hipóteses teóricas; foi, assim, o momento decisivo que marcou a difusão definitiva da Astronomia ocidental na China.

Retirada de instrumentos por potências ocidentais como experiência traumática

O observador constata, na exposição, o quanto representou para os chineses a retirada dos aparelhos do Observatório durante a invasão de Pekjing/Beijing pelos oito países aliados, em 1900.

De forma acentuada, menciona-se que alemães e franceses entraram no Observatório e levaram os históricos instrumentos. Registra-se que os franceses levaram para a Embaixada da França a armila montada, a armila equatorial, a armila eclíptica, o teodolito azimuth e o quadrante, devolvendo-os, porém, no ano seguinte. Os alemães levaram para a Alemanha cinco aparelhos - a esfera armilar, o globo celeste, a nova armila, o azimuth velho e o sextante, depositando-os em Potsdam. Apenas em 1921, após a Guerra, é que os instrumentos foram devolvidos.

A retirada desses instrumentos pelas potências estrangeiras sugere, na exposição, uma experiência quase que traumática experimentada pela China, o que apenas é compreensível considerando-se o alto significado dado à Astronomia, aos conhecimentos e à tecnologia em geral por parte dos chineses.

Uma estela de pedra com inscrições, à entrada do museu, de 1905, registra esforços feitos para que se pudesse dar continuidade à observação astronômica apís a retirados dos instrumentos. Construiu-se, para isso, um pequeno globo celestial e um pequeno teodolito azimut.

Entretanto, com o desenvolvimento técnico-científico, já se sentiu na época a necessidade de ereção de outros observatórios, entre êles o de Shanghai, em 1900. Em 1929, o Observatório encerrou as suas atividades, após aproximadamente 500 anos de trabalhos de observação, tornando-se o primeiro museu astronômico da China. Após a fundação da República Popular da China, o Antigo Observatório de Beijing tornou-se o berço histórico do Planetário da capital; em 1982, o antigo Observatório foi reconhecido como importante parte do patrimônio nacional, sendo reaberto ao público em 1983.

Reciprocidades na história da Astronomia nas relações entre a China e o Ocidente

Assim exposto, os quadros informativos do Museu do Antigo Observatório de Peking revelam o intuito de apresentação do desenvolvimento da Astronomia na China a partir de uma perspectiva chinesa, acentuando o alto nível alcançado antes da chegada dos europeus.

Sugerem que, ao contrário do que convencionalmente se considera, a reforma de calendário segundo modêlos do Ocidente, então largamente discutidos na Europa devido à introdução do calendário gregoriano, teria sido não consequência, mas fator que impulsionou transformações no pensamento relativo à Astronomia.

Os Jesuítas ter-se-iam porém confrontado na China com o significado transcendente da Astronomia nos seus elos com as demais ciências, levando a um recrudescimento de interesses na Europa pelos conhecimentos filosófico-naturais da Antiguidade e para a análise de edifícios globais do pensamento.

A China teria, assim, contribuido de forma relevante ao desenvolvimento das ciências no Ocidente, dirigindo em particular a atenção dos Jesuítas para os estudos científicos em perspectivas comparadas, relacionando entre si dados de diferentes contextos culturais.

O fato de Kilian Stumpf SJ ter obtido a sua formação na tradição de pensamento de Athanasius Kircher não pode ser suficientemente valorizado. O significado desse vínculo decorre não apenas da transmissão do pensamento de Athanasius Kircher na China, mas sim também no fato de indicar a recepção dos desenvolvimentos chineses na Europa e as suas consequências para a história do pensamento ocidental.

O fascínio de Kircher pela cultura chinesa se manifestara já na sua juventude, quando, em 1629, expressou a sua intenção de servir como missionário na China. Os seus conhecimentos abrangeram não apenas a história e a geografia da China, mas foram também resultados de estudos tanto da mitologia chinesa como da tradição cultural do Ocidente, em particular da hermenêutica de imagens, transmitida através dos séculos sobretudo na mística. Na sua obra China monumentis qua sacris qua profanis (...) considera aspectos que demonstram fundamentos e afinidades entre a cultura chinesa e o Cristianismo, procurando-os explicar através de elos históricos.

Os elos históricos entre a China e Cristianismo podiam ser documentados por um achado feito em 1625 em Sianfu, que indicava a presença de Nestorianos em remotas épocas da China. Como porém muitos outros missionários, entre êles já Mattheo Ricci (1552-1610), Kircher partia do princípio de que a China já havia sido cristianizada em época apostólica. Essa concepção valia, na verdade, não só para a China, mas para toda as partes do mundo - inclusive para o Brasil -, pois era resultado da lógica do edifício de concepções que previa necessariamente que os 12 apóstolos tivessem atuado em todo o mundo.

Essa ação apostólica surgia sob o pano de fundo da tipologia determinada pelo Alto Testamento, das doze tribos, sendo que esta era remontada à expansão da humanidade na época mais remota de Noé, no caso da China à descendência de Ham.

Kircher procurou, nessa lógica histórica, explicar aspectos da cultura chinesa como relitos da experiência histórica de Israel no Egito e de sua saída. A escrita chinesa foi por êle elucidada como resultado de transformações de hieroglifos (Oedipus Aegyptiacus, 1652/4). Assim como em Ricci, o Imperador Fohi teria desempenhado aqui papel importante, tendo recebido na explanação de Kircher a escrita hieroglífica da linha de Ham, três séculos após o Dilúvio.

Não se pode esquecer que o princípio hieroglífico de interpretação de imagens marcou o pensamento de Jesuitas  também no referente aos indígenas americanos, como demonstrado na obra de Joseph François Lafitau S.J. (1681-1746) Moeurs des sauvages amériquains comparées aux moeurs des premiers temps/ Die Sitten der amerikanischen Wilden Im Vergleich zu den Sitten der Frühzeit (Halle: Johann Justinus Gebauer 1752)  (veja http://www.revista.brasil-europa.eu/128/Imagem-do-indio.html).

Assim como este, Kircher relacionou conhecimentos empíricos de sua época com a arqueologia cultural, tornando-se um representante de fase importante da etnologia ou antropologia de orientação histórico-arqueológica e, ao mesmo tempo, um antecessor de estudos culturais em contextos globais.

Para os seus estudos de comparatística e arqueologia cultural relativos aos indígenas, Lafitau pôde considerar manuscritos de missionários que atuaram na China e que possuiam textos dos cinco livros clássicos com dados a respeito de antigas concepções religiosas e que comprovavam que os chineses teriam tanta veneração pelos livros de Moisés como os ocidentais.

Nesses livros falava-se de uma virgem-mãe e do seu Filho em termos que coincidia de forma surpreendente com a tradição cristã; esses documentos chineses indicavam uma tradição de conhecimentos dos antigos tempos conservada de forma muito mais fidedigna do que aquela dos indígenas das Américas. (op.cit. 112)

O significado histórico de Kircher para estudos de religião comparada também não podem ser subestimados, Assim como Lafitau, relacionou vultos da história bíblica com personalidades de outros contextos religiosos; ainda que interpretando-os a partir de imagens bíblicas, que permaneciam, assim, como fundamentos, o procedimento elucidativo de Kircher implica em considerar os vultos e a estrutura das Sagradas Escrituras a partir de um edifício de pensamento, de uma estrutura e de sentidos velados que passam a ser objeto de estudos.

A antiga tradição de pensamento das artes liberais vigente na obra de Kircher se manifesta na sua obra mais famosa, a Musurgia Universalis (1650), onde as disciplinas quadriviais definidas pelo número se apresentam em estreitas relações recíprocas, em particular a Música e a Astronomia, oferecendo fundamentos para considerações sobre proporções e harmonia no cosmos. Uma particular atenção é dada aqui à construção de instrumentos, em especial de órgãos, oferecendo Kircher planos para a construção de órgãos hidráulicos.


Mudança de paradigmas: da Astronomia aos Estudos Culturais em contextos globais

A exposição do Museu do Antigo Observatório de Peking permite o reconhecimento de fases no desenvolvimento histórico da Astronomia na China nas suas relações com o Ocidente.

Uma cisão fundamental é apresentada como tendo ocorrida no século XIX com a recepção de obras inglêsas, o que é salientado como momento decisivo da adoção definitiva do heliocentrismo e da Astronomia ocidental na China.

Essa visão dos acontecimentos, porém, chama a atenção do observador ao fato de ser o desenvolvimento histórico considerado na exposição apresentado a partir da perspectiva da moderna Astronomia.

Nessa visão, os séculos mais remotos surgem como antecedentes históricos da moderna Astronomia e marcados, no seu arcaísmo, por singulares e mesmo incompreensíveis concepções. Assim considerando, relações com a música, com a astrologia, com o imaginário ou com a história bíblica dos antigos tempos surgem naturalmente como estranhamente absurdos.

A mudança que ocorreu no século XIX na Astronomia chinesa, como salientada na exposição, representou antes uma mudança de paradigmas no edifício científico.

Assim, a consideração adequada do passado não pode ser feita a partir da moderna Astronomia, mas exige outras perspectivas teóricas. Somente sob uma outra compreensão do sistema disciplinar revela-se em todo o seu significado, não mais representando apenas um período encerrado da história do pensamento, mas uma forma de compreensão integrada das ciências, de um edificio que talvez possua potencialidade para desenvolvimentos atualizadores. Os Estudos Culturais em contextos globais apresentam aqui possibilidades para a focalização sob outras perspectivas dos conhecimentos alcançados no passado.

A necessidade que vem sendo reconhecida de relacionamento entre estudos empíricos e históricos e o direcionamento da atenção a processos, que passam a ser analisados quanto a sistemas, mecanismos intrínsecos e significados de imagens e suas configurações retomam sob aspectos atualizados tipos de aproximação e preocupações do passado concernentes à ciência nas relações entre a China e o Ocidente.

Os trabalhos desenvolvidos pelos estudiosos nos séculos XVII e XVIII surgem como bases valiosas para análises de expressões culturais tradicionais em várias regiões do mundo, em particular naquelas de tradição cristã. Realizados em época em que essas expressões se encontravam mais vitais do que no presente e na qual vigoravam princípios de interpretação hermenêutica das Escrituras que hoje já surgem como estranhos a eruditos e teólogos, esses trabalhos abrem portas à compreensão de linguagem de imagens de expressões tradicionais ainda constatadas no presente. (A.A.Bispo, Typus und Anti-Typus: Analyse symbolischer Konfigurationen und Mechanismen zur Erschliessung neuer komparatistischer Grundlagen für den Interrelitiösen Dialog und den Dialog der Kulturen, Colonia: A.B.E./I.S.M.P.S./I.B.E.M. 2003).

Neste sentido, as análises culturais de tradições remontantes à Idade Média européia mantidas em países como o Brasil podem encontrar nessas obras importantes elementos e, ao mesmo tempo, contribuir para a valorização dessa fase da história do pensamento em contextos sino-europeus.

As possibilidades para a intensificação da cooperação intelectual entre pesquisadores chineses e ocidentais que se abrem a partir dessa perspectiva teórico-cultural são promissoras.

Em particular, porém, não se pode minimizar o extraordinário interesse dessa literatura surgida no âmbito das relações entre a China e o Ocidente para que estudos de questões religiosas e teológicas retomem com novos pressupostos caminhos que se supõem encerrados do passado, contribuindo para que o Homem possa superar lamentáveis estreitezas na compreensão da religião e que fundamentam o estado de obscurantismo que ainda hoje vigora.

Antonio Alexandre Bispo


Todos os direitos relativos a texto e imagens reservados. Reproduções apenas com a autorização explícita do editor.

Indicação bibliográfica para citações e referências:
Bispo, A.A. "Astronomia nas relações entre a China e o Ocidente nas suas inserções em sistemas do pensamento científico e seu significado para os Estudos Culturais". Revista Brasil-Europa: Correspondência Euro-Brasileira 137/17 (2012:3). http://www.revista.brasil-europa.eu/137/Astronomia-China-Ocidente.html




  1. Observação: o texto aqui publicado oferece apenas um relato suscinto de trabalhos. Não tendo o cunho de estudo ou ensaio, não inclui aparato científico. O seu escopo deve ser considerado no contexto geral deste número da revista. Pede-se ao leitor que se oriente segundo o índice desta edição e o índice geral da revista (acesso acima). Pede-se ao leitor, sobretudo, que se oriente segundo os objetivos e a estrutura da Organização Brasil-Europa, visitando a página principal, de onde obterá uma visão geral e de onde poderá alcançar os demais ítens relativos à Academia Brasil-Europa de Ciência da Cultura e da Ciência (culturologia e sociologia da ciência), a seus institutos integrados de pesquisa e aos Centros de Estudos Culturais Brasil-Europa: http://www.brasil-europa.eu


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