Revista

BRASIL-EUROPA

Correspondência Euro-Brasileira©

 

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Ile des Pins.Foto A.A.Bispo©

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Ile des Pins.Foto A.A.Bispo©

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Ile des Pins.Foto A.A.Bispo©

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Fotos A.A.Bispo
©Arquivo A.B.E.

 

Revista Brasil-Europa - Correspondência Euro-Brasileira 136/8 (2012:2)
Prof. Dr. A.A.Bispo, Dr. H. Hülskath (editores) e Conselho Científico
da
Organização de estudos de processos culturais e estudos culturais nas relações internacionais (reg. 1968)
- Academia Brasil-Europa de Ciência da Cultura e da Ciência -

e institutos integrados

© 1989 by ISMPS e.V. © Internet-edição 1998 e anos seguintes © 2012 by ISMPS e.V. Todos os direitos reservados
ISSN 1866-203X - urn:nbn:de:0161-2008020501

Doc. N° 2868


A.B.E.



Missionários que revelam nas suas obras as suas próprias inserções culturais I:
O redirecionamento dos totens pelos Irmãos Maristas na Île des Pins - a "ilha mais próxima do Paraíso"


Ciclo de estudos Rio 92-Sydney 2012 da A.B.E. no Pacífico Sul. Île des Pins, Nova Caledônia

 
Ile des Pins.Foto A.A.Bispo©

Há 20 anos realizou-se, no Rio de Janeiro, um congresso internacional dedicado à questões de fundamentos no processo cultural desencadeado nas Américas com o seu descobrimento pelos europeus e às bases epistemológicas de seus estudos. No âmbito desse projeto iniciou-se um projeto de atualização de conhecimentos e de perspectivas no concernente às culturas indígenas.  (Veja Tema em Debate, nesta edição: http://www.revista.brasil-europa.eu/136/Australia-Melanesia-Brasil.html)

Ao desenvolvimento dos trabalhos colaboraram comunidades indígenas e centros missionários, em particular aqueles vinculados ao Conselho Indigenista Missionário CIMI e ao Instituto de Inculturação de Belém, Pará. Nesses encontros, pôde-se constatar a preocupação em dar-se voz aos próprios indígenas em encontros tribais, assembléias intertribais e publicações.

A crítica a uma visão de desenvolvimentos históricos que perpetua aquela do colonizador com o silenciamento da perspectiva indígena levou a uma redirecionamento da atenção dos descobrimentos à revelação da própria cultura pelos indígenas. (A.A.Bispo, "Indigene Perspektive der Geschichte" in "Die Musikkulturen der Indianer Brasiliens: Stand und Aufgaben der Forschung - 4. Teil", Die Musikkulturen der Indianer Brasiliens, Roma/Siegburg 2000/2001,9-420, 415 ss.)

O registro dessas ações e tendências no presente cria as bases documentais para a historiografia futura. Esta porém, não pode dispensar os estudos de fontes do passado, sobretudo aquelas da história missionária, e que oferecem dados a respeito do processo transformador, das expressões culturais abandonadas ou modificadas e das novas adquiridas, surgindo assim como fundamentais para procedimentos conscientes no presente. O estudo dos procedimentos empregados despertam a atenção a possíveis permanências de expressões e continuidade de sua vigência em ações no presente.

Essas fontes, porém, escritas pelos próprios missionários, refletem concepções e interpretações das respectivas ordens, sendo assim conditio sine qua non para a sua leitura adequada conhecer a orientação e a contextualização histórico-cultural das respectivas congregações.

Esses institutos missionários, atuando em diversas regiões da terra, criaram similaridades quanto a acentos dados, a culto de santos, a práticas devocionais e a expressões religioso-culturais apesar dos diferentes contextos e das adaptações que se mostraram necessárias. Há, assim, no intuito de reconstrução histórica, a possibilidade de estabelecimento de cotejos de desenvolvimentos em diferentes partes do globo. Independentemente da existência ou não de elos geográficos ou históricos entre os contextos, comparações se justificam através dos elos comuns entre os agentes dos processos de transformação cultural.

No caso da Oceânia, e em particular da Nova Caledônia, objeto de estudos dos trabalhos desenvolvidos pelos 20 anos do congresso do Rio de Janeiro de 1992, tem-se a possibilidade de observar um contexto que surge como relevante também para os estudos brasileiros. Trata-se da ação dos Maristas na cristianização dos kanaks, da qual importante centro irradiador foi a Île des Pins. Para esses estudos dispõe-se tanto de fontes escritas através de cartas de missionários como de construções que ainda subsistem como patrimônio cultural da ilha, além das possibilidades oferecidas pela observação de expressões culturais e de tendências atuais de revalorização da cultura indígena em celebrações religiosas.

O estudo do passado e do presente da comunidade da Île des Pins adquire também um significado especial para os estudos dirigidos à transformação de culturas indígenas através da missionação por dirigir a atenção às concepções e métodos de ordens mais recentes, surgidas na Europa à época da própria colonização das ilhas.

Há a tendência de considerar-se nos estudos culturais sobretudo a ação missionária dos primeiros séculos após o Descobrimento, conduzida por ordens de origem medieval ou pela Companhia de Jesus, originada ness própria era. A ação religiosa de transformação cultural dos muitos povos no século XIX exige, porém, para a sua consideração adequada, considerar as tendências religioso-culturais na situação político-eclesiástica diversa do século da Restauração religiosa.

Ile des Pins.Foto A.A.Bispo©

A île de Pins (em kanak Kunyié), ao sul da Nova Caledônia, possui um expressivo memorial da conversão de cultura pela ação missionária e de sua inserção no contexto colonial, cujo significado ultrapassa a esfera oceânica. Trata-se de um monumento aos primeiros religiosos Maristas que ali chegaram, edificado no local onde desembarcaram.

À beira-mar, levanta-se uma imagem de Cristo, dedicada ao Sagrado Coração, sôbre um pedestal onde se encontram placas com os nomes dos primeiros missionários: Prosper Goujon e Jean Chatelut, que desembarcaram no dia 12 de agosto de 1848 e ali celebraram missa no dia 15 de agosto, ou seja, na festa da Assunção de Nossa Senhora.

Abaixo, encontra-se uma placa com os nomes dos homens que morreram pela França na Primeira Guerra Mundial.

A expressividade desse monumento, porém, é garantida pelo anel constituido por numerosos totens que o cerca, constituindo uma área reservada e que lembra a tradição de áreas sagradas e tabuizadas do Pacífico.(http://www.revista.brasil-europa.eu/125/Arqueologia_da_Polinesia.html) Para essa disposição foram trazidos totens de casas de toda a ilha.

Com as mais diversas figurações e tamanhos, alguns mais simples e outros mais elaborados, esses totens constituem uma coleção de plástica e histórico-cultural de inestimável valor para uma ilha que não possui um museu histórico ou etnológico.

Interpretações da encenação memorial

A disposição desses totens em círculo, tendo o Sagrado Coração como centro permite diferentes interpretações. Para aqueles que entregaram os totens de suas habitações, que guardavam simbolicamente as suas entradas, possivelmente afastando maus espíritos, podem surgir como guardas da área reservada e que tem Cristo como o seu centro. Para os missionários, essa construção representava a conversão de tudo e todos ao Sagrado Coração.

Tem-se, nessa forma de veneração, uma evidente transplantação para a Nova Caledônia de expressão da religiosidade que marcou século XIX. Indica similaridades, mas também diferenças quanto ao sentido da ação e da prática missionária relativamente àquela de séculos anteriores de outras regiões da terra.

A Île de Pins, descoberta por James Cook (1728-1779) em 1774, de quem recebeu o nome devido à seus bosques de araucária, passou a ser missionada na década de 40 do século XIX. Em 1841, ali chegaram pastores da London Missionary Society, alcançando no ano seguinte em Touaourou, na parte sul da ilha Grande Terre. Nesse mesmo ano, porém, foram obrigados a abandonar as ilhas. (http://www.revista.brasil-europa.eu/125/Missionarios_na_Polinesia.html)

A missão católica francesa, porém, teve, apesar de dificuldades, sucesso duradouro. A sua história é singularmente marcada por epidemias que assolaram as ilhas. Assim, os missionários da Sociedade de Maria que vieram para Balade em 1843, atacados em 1845, quando um irmão morreu e outro foi ferido, tiveram que abandonar a missão em 1847. Em 1848, assentaram-se na Île de Pins, fazendo dela o seu principal ponto de apoio para a missionação da Nova Caledônia.


Terra de missão restauradora e de deportação política francesa

O monumento da Île de Pins possui relevância emblemática para toda a Nova Caledônia. A catolização dos habitantes foi favorecida pelo fato da ilha ter-se tornado pouco tempo depois território francês.

O aumento da população européia deu-se com o seu uso como local de deportação. Sobretudo após a derrota da Comuna de Paris, em 1871, tornou-se um local de reeducação, onde os exilados, através do trabalho forçado e em ambiente marcadamente conservador e restaurador de terra de missão deviam ser punidos e passar por uma reorientação . Das instalações dessa época restam ainda algumas espaços e muros que indicam a fortaleza das construções e as condições insalubres nas quais os exilados viviam. Educação escolar de Maristas e reeducação política de deportados marcaram assim a história da ilha.


Sociedade de Maria de M. J. B. Champagnat (1789-1840) e a missão na Oceania

A ação de transformação cultural desenvolvida pelos missionários apenas pode ser considerada à luz do escopo da Sociedade de Maria e das concepções do seu fundador, Marcellin Joseph Benoît Champagnat.

Nascido numa pequena povoação na região do Loire, em família numerosa e de tradições católicas no ano da Revolução Francesa, tendo estudado no Grand Séminaire de Lyon, a partir de 1813 sagrado sacerdote no ano da Restauração, 1816, a biografia de M. J. B. Champagnat insere-se de forma expressiva no movimento restaurativo que marcou a história francesa no período pós-napoleônico. Já na data do seu sacerdócio, Champagnat e seus companheiros se dirigiram a Notre Dame de Fourvière, onde se consagraram a Maria, comprometendo-se a criar a Sociedade de Maria.

O escopo dos Irmãos Maristas por êle criados em 1817 (Frères Maristes), era primordialmente educativo, voltado para o ensino religioso de aldeias. Somente à luz do desenvolvimento político-cultural e religioso dessa época de Restauração é que se pode explicar o excepcional crescimento por que passou a sua fundação.

Os primeiros missionários que partiram para a Oceânia, cinco padres e três irmãos, saíram da França às vésperas de Natal de 1836. A primeira comunidade de Irmãos Maristas foi instalada em Nouméa, em 1873, onde deram início ao ensino de crianças, abrindo posteriormente também um pensionato, um orfelinato e mantendo cursos para adultos. Tendo sido levados a deixar as suas instalações próximas à catedral em 1883, os externos, osórfãos e os pensionistas foram distribuidos em diferentes locais. Em St. Léon de Paita tiveram assim o seu início a escola, o colégio e os liceus que alcançaram renome como instituições de ensino na Nova Caledônia.

O trabalho missionário teve continuidade em várias outras localidades, entre elas em Nathalo, Lifou (Veja http://www.revista.brasil-europa.eu/136/Medievalismo-no-Pacifico.html ). Também atuaram nas Novas Hébridas, em Port-Vila, entre 1905 e 1912.

Os problemas experimentados na fase inicial da missão é explicado pela falta de conhecimentos da cultura local e do idioma por parte dos missionários. Após cordiais boas vindas e fase marcada por amizade, a atitude de chefe e dos habitantes transformou-se. O surgimento de epidemias causadas pelo contato com os europeus pode ter sido aqui o principal motivo das animosidades. Outras razões, porém, antes de natureza cultural, poderiam ser analisadas. Assim,  in Touaouru, ainda que os missionários tivessem tempo de fugir, os conversos foram mortos e comidos. O desenvolvimento mais positivo foi aquele das Ilhas Lealdade, que tornaram-se particularmente conhecidas pela sua forte identidade católica.


Lyon: transplantações de Marianismo francês a Vao

Não muito distante da praia, nas encostas de uma elevação, encontra-se, em Vao, a igreja e os edifícios missionários. Dedicada a Nossa Senhora da Assunção, construída com o trabalho de deportados, testemunha a veneração mariana dos Maristas e que certamente foi decisiva para um povo marcado pela vida junto ao mar e de mar.

Os mecanismos do processo de mudança cultural de Île des Pins e de outras regiões da Nova Caledônia, em particular das ilhas Lealdade, não podem ser estudados sem a consideração do contexto religioso-cultural francês em que se inseriram os Irmãos Maristas.

Como a história de vida de seu fundador indica, as origens do instituto se vincularam estreitamente à devoção mariana de Lyon e sua região. Uma das expressões centrais dessa devoção era aquela de Nossa Senhora de Fourvière, procurada pelo fundador dos Maristas logo após a sua ordenação e que foi determinante para o surgimento da comunidade. Como a sua designação indica, esse culto era relacionado com o monte Fourvière, que domina a cidade de Lyon.

De antigas origens é o significado religioso dessa colina que se eleva dos baixos cortados pelo Saône, remontando à época pré-cristã e romana da Gália, tendo sido alvo de mudança de seus significados na cristianização dos primeiros séculos, cujo testemunho é a igreja de S. João Batista, construida com materiais do antigo Forum (Fourvière = foro vetere).

Desde o século XII pode ser documentado o culto mariano na montanha. Fourvière inscreve-se, assim, no complexo de questões relacionado com a imagem da montanha que vem sendo estudado em trabalhos desenvolvidos pela A.B.E. em várias regiões do mundo (Vide e. o. http://www.revista.brasil-europa.eu/096/StMichele.html). Relaciona-se, assim, sob o ponto de vista de imagens, com a diferença entre baixos e altos, entre terras cortadas por grandes rios e montanhas, entre regiões inundáveis e insalubres com o sêco saudável do alto dos montes. (http://www.revista.brasil-europa.eu/135/Monte-Meru.html)

A força das concepções marianas da região de Lyon manifestou-se através dos séculos nas romarias ao monte no dia 8 de setembro, festa do nascimento de Nossa Senhora e nas expressões relacionadas com a Imaculada Conceição, sendo a sua vida religioso-cultural marcada pelas grandes festas de 8 de dezembro, celebrada com profusão de luzes. A veneração foi sempre sobretudo cultivada por mulheres, cuja espiritualidade apresenta tradicionalmente o seu eixo em concepções marianas.

O culto de Notre Dame do monte de Fourvière foi também marcado através dos séculos pela procura de seu auxílio de proteção contra perigos de assolações de cunho epidêmico. Esse foi, no sentido metafórico para católicos, o caso da Reformação, quando a tradicional imagem foi destruída pelos huguenotes, em 1562, o que intensificou-se no século XVII, quando a região de Lyon foi assolada e um círculo de mulheres implorou a Maria que a cidade fosse poupada. Como Lyon não foi atingido pela epidemia, fato considerado como milagroso, edificou-se uma igreja no alto do monte Fourvière, em 1643, dominando a cidade.

Um novo e extraordinário florescimento experimentou esse culto à época marcada por correntes anti-revolucionárias e restaurativas do início do século XIX. O ato do fundador dos Maristas e as próprias origens da sua instituição inserem-se assim nesse contexto da intensificação da devoção de Lyon.

Revela-se assim um paralelo entre o poupar da cidade da epidemia no século XVII e, em sentido figurado, aquele da Revolução de 1789 e suas consequências, o que explica o sentido restaurativo, conservador e clericalista que críticos apontaram no extraordinário florescimento do culto mariano sobretudo nessa região francesa do século XIX, marcada por aparições.

Basilica de Fourvière como monumento do direcionamento de expressões ao centro

Os missionários que se dirigiram à Oceânia traziam em si necessariamente os ímpetos de piedade fervorosa que levaram, em Lyon, a ampla movimentação dirigida à edificação da grandiosa basílica que hoje é um dos principais monumentos da cidade e reconhecida como parte do Patrimônio Cultural Mundial da Humanidade pela UNESCO.

A arquitetura e a configuração plástico-artística externa e interna da Basílica de Fourvière representam um dos mais exponentes exemplos de combinação de estilos vários, todos referenciados com épocas passadas, neo-românicos, neo-góticos e, sobretudo, neo-bizantinos. Tem sido criticada, assim, pelo seu ecletismo, que nela é concretizado de forma particularmente magnificente.

Nessa crítica, porém, pouco se tem considerado o sentido mais profundo dessa arte combinatória e de intercomunicação estilística, e que pode ser explicado pela história de vida e obra de seu arquiteto, Pierre Bossan (1814-1888).

Nascido em Lyon, a sua vida foi marcada por uma conversão interna sob a influência do Cura d'Ars, Jean-Marie Vianney (1786-1859), e, portanto, em corrente de cultura religiosa inserida na tradição do Grande Seminário de Lyon. A mistura que surge como eclética da Basílica surge nesse contexto como expressão monumental de direcionamento de tudo a Cristo: todos os estilos, todas as expressões artísticas são voltadas para esse centro. A arquitetura concretiza imagens da simbologia mariana: exteriormente, representa a Torre de David, no seu interior, a Casa Dourada.

A edificação da monumental basílica de Fourvière na segunda metade do século XIX manifesta -  como os fatos anteriores da história dessa montanha -, uma estreita inserção na histórica regional e político-cultural francesa. Foi em grande parte resultado do fato de ter sido a cidade poupada da invasão prussiana à época da Guerra Franco-Prussiana de 1870/71.

Assim como Notre Dame de Fourvière fora através dos séculos considerada como protetora contra epidemias, assim como Maria poupara a cidade de ser assolada pela Revolução e a protegera da cólera, em 1832, ou de revoltas, em 1834, assim como de inundações, em 1840,  surgia agora como protetora contra os alemães.

Cultura mariana francesa e a orientação ao Sagrado Coração no contexto kanak

Um outro aspecto da história religiosa do século XIX que deve ser considerado para a compreensão do processo de mudança cultural desencadeado pelos Maristas na Nova Caledônia é o da intensificação da adoração ao Sagrado Coração naquele século, sobretudo após a introdução da festa em toda a igreja pelo papa Pio IX, em 1856, e para a qual o clero francês se empenhou de forma particular.

Também a Basílica de Fourvière é dedicada ao Sagrado Coração de Jesus. Na Europa, a veneração marcou sobretudo a espiritualidade de círculos que acentuavam a união com Roma e com o Papa, assim por exemplo na Alemanha durante o "combate cultural" (Kulturkampf).  A expansão dessa veneração no mundo foi em grande parte devida aos jesuítas franceses através do Apostolado da oração. (Veja http://www.revista.brasil-europa.eu/128/Ultramontanismo-e-arquitetura.html)

São os estreitos elos religiosos e de contextos histórico-culturais - e políticos - entre a intensificação mariana do século XIX na França e a veneração do Sagrado Coração que permitem ler de forma mais aprofundada o memorial de Vao.

Quando, em 1896, a igreja de Notre-Dame de Fourvière foi consagrada, a veneração do Sagrado Coração experimentava um período de particular intensidade. Poucos anos depois, em 1899, todo o globo era consagrado ao Coração de Jesus pelo papa Leão XIII através da Encíclica Annum Sacrum. A sua expressão mais conhecida é a da igreja do Sacre-Coeur de Paris, nos altos de Montmartre.


Nesse contexto, a igreja de Nossa Senhora da Assunção, levantada junto à colina de Vao, assume sentidos mais profundos, inseridos em processos globais.

O movimento de conversão interna na França, secular, nas suas expressões do século XIX, surge como que transplantado para a Île des Pins.

O pesquisador compreende, assim, a razão pela qual, em entrevistas realizadas, não se poder constatar a existência de antigas formas de expressão festivo-religiosas do ciclo do ano, remontantes a antigas tradições, tais como são conhecidas do Brasil - e da América Latina em geral - ou mesmo da Índia e de outras regiões do globo.

Não tendo sido missionadas no século XVI, mas sim no XIX, a cultura local manifesta formas de devoção e práticas religioso-festivas desse século.

A conversão dos kanaks processou-se, assim, no espírito da conversão interna de franceses.

A transplantação disse respeito não tanto a expressões externas, que seriam facilmente identificáveis pelos pesquisadores, mas de forma mais sutil, a de motivos condutores de mecanismos de metanoia aplicados por agentes que estavam êles próprios imbuídos de impulsos de auto-conversão.


Grupo de estudos sob a direção de
Antonio Alexandre Bispo


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Indicação bibliográfica para citações e referências:
Bispo, A.A. "Missionários que revelam nas suas obras as suas próprias inserções culturais I:
O redirecionamento dos totens pelos Irmãos Maristas na Île des Pins - a "ilha mais próxima do Paraíso". Revista Brasil-Europa: Correspondência Euro-Brasileira 136/8 (2012:2). http://www.revista.brasil-europa.eu/136/Totens-e-Cristianismo.html




  1. Observação: o texto aqui publicado oferece apenas um relato suscinto de trabalhos. Não tendo o cunho de estudo ou ensaio, não inclui aparato científico. O seu escopo deve ser considerado no contexto geral deste número da revista. Pede-se ao leitor que se oriente segundo o índice desta edição e o índice geral da revista (acesso acima). Pede-se ao leitor, sobretudo, que se oriente segundo os objetivos e a estrutura da Organização Brasil-Europa, visitando a página principal, de onde obterá uma visão geral e de onde poderá alcançar os demais ítens relativos à Academia Brasil-Europa de Ciência da Cultura e da Ciência (culturologia e sociologia da ciência), a seus institutos integrados de pesquisa e aos Centros de Estudos Culturais Brasil-Europa: http://www.brasil-europa.eu


  2. Brasil-Europa é organização exclusivamente de natureza científica, dedicada a estudos teóricos de processos interculturais e a estudos culturais nas relações internacionais. Não tem, expressamente, finalidades jornalísticas ou literárias e não considera nos seus textos dados divulgados por agências de notícias e emissoras. É, na sua orientação culturológica, a primeira do gênero, pioneira no seu escopo, independente, não-governamental, sem elos políticos ou religiosos, não vinculada a nenhuma fundação de partido político europeu ou brasileiro e originada de iniciativa brasileira. Foi registrada em 1968, sendo continuamente atualizada. A A.B.E. insere-se em antiga tradição que remonta ao século XIX.


  3. Não deve ser confundida com outras instituições, publicações, iniciativas de fundações, academias de letras ou outras páginas da Internet que passaram a empregar designações similares.