Revista

BRASIL-EUROPA

Correspondência Euro-Brasileira©

 

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Catedral de Sydney.Fotos A.A.Bispo©

A.B.E.

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Fotos A.A.Bispo
©Arquivo A.B.E.

 

Revista Brasil-Europa - Correspondência Euro-Brasileira 136/2 (2012:2)
Prof. Dr. A.A.Bispo, Dr. H. Hülskath (editores) e Conselho Científico
da
Organização de estudos de processos culturais e estudos culturais nas relações internacionais (reg. 1968)
- Academia Brasil-Europa de Ciência da Cultura e da Ciência -

e institutos integrados

© 1989 by ISMPS e.V. © Internet-edição 1998 e anos seguintes © 2012 by ISMPS e.V. Todos os direitos reservados
ISSN 1866-203X - urn:nbn:de:0161-2008020501

Doc. N° 2862


A.B.E.


Descobrimentos e revelações, renovações e restaurações
Paradoxias de Novos Mundos e edifícios historiográficos
no exemplo de Pedro Fernandes de Queirós (1565-1614), o descobridor português da Oceania

100 anos de morte do Arcebispo D. Patrick Francis Cardeal Moran (1830-1911)


Ciclo de estudos Rio 92-Sydney 2012 da A.B.E. no Pacífico Sul. Catedral de Sidney

 

Após 20 anos do Congresso Internacional realizado no Rio de Janeiro por motivo dos 500 anos do Descobrimento da América, - ano da realização da conferência do meio-ambiente -,  foram retomados complexos temáticos então discutidos no contexto do Pacífico Sul em ciclos de estudos desenvolvidos em janeiro de 2011 no âmbito dos trabalhos da A.B.E. (Vide http://www.revista.brasil-europa.eu/136/Australia-Melanesia-Brasil.html).

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Os trabalhos do Congresso de 1992 foram dedicados a questões de fundamentos, tanto no sentido de fundamentos de processos colocados em vigência pelos Descobrimentos, pela colonização e pela missão cristianizadora, como no sentido de fundamentos epistemológicos dos estudos respectivos.

As reflexões partiram de problemas relativos à propriedade e à oportunidade de comemorações da data, cuja celebração denota antes a perspectiva dos descobridores, não a dos indígenas, ou seja a dos descobertos.

O questionamento de fundamentos culturais exigiu, assim, em primeiro lugar, que a atenção fosse dirigida a edifícios historiográficos. Lembrou-se que a historiografia dos Descobrimentos reflete glorificações indiferenciadas, construções heroicizantes e mesmo mitos criados, o que necessita ser considerado nas suas inserções em contextos político-culturais, da história das idéias e das rêdes de trabalho intelectual (science of science).

Problemas da historiografia dos Descobrimentos - construções de imagens

A retomada de questões tematizadas no Brasil em 1992 no contexto da Austrália e da Oceania em 2012 é justificável sob diferentes aspectos.

Como a da América, também a história da Austrália e do mundo  insular oceânico é marcada pelos Descobrimentos. Os nomes dos descobridores e
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colonizadores estão sempre presentes em textos e monumentos, o desenvolvimento histórico-cultural é visto sobretudo sob a perspectiva da chegada dos europeus, da colonização e da cristianização dos povos encontrados. A própria história das respectivas nações é vista como iniciando com a vinda dos navegantes.

Também nessa esfera do globo, portanto, levantam-se questões similares de perspectivações na compreensão de desenvolvimentos históricos, uma vez que não se considera o desenrolar dos acontecimentos a partir de um ponto de vista dos aborígenes, dos kanaks e de outros povos que já ali viviam quando da chegada dos estrangeiros.

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A respeito da justificativa dos processos desencadeados: Cristianização

Assim como no Brasil, um dos principais fatores que determinam a perspectiva histórica e surgem como justificadores da ação européia e dos processos transformatórios postos em vigência é o da cristianização de povos.

A convicção missionária do Cristianismo leva a que os desenvolvimentos históricos, as mudanças culturais e a colonização surjam como exigência de um processo de dimensões universais, inquestionável nos seus fundamentos.

Em nações de identidade tão marcada pela consciência e identidade cristãs, como a Espanha e Portugal, os grandes nomes da história dos Descobrimentos surgem como agentes desse processo cristianizador de transcendentes dimensões, o que ofusca outros objetivos menos nobres de suas ações e, em vários casos, atos questionáveis do ponto de vista humano e ético.

A historiografia íbero-americana apresenta nomes de indivíduos que cometeram atrocidades e crimes, mas que não são tratados como fascínoras, pois têm os seus atos relativados pelo fato de surgirem glorificados como veículos de um processo de mais amplas dimensões, o da religião cristã.

Essa relativação, que seria indesculpável no julgamento de líderes da atualidade, é justificada em geral pelo fato de tratar-se de uma outra época, remota de séculos, expressão de uma mentalidade ainda presa à Idade Média.

Mesmo em casos não tão extremos do ponto de vista de iniquidade humana, a convicção religiosa foi não apenas relevante para auto-justificação dos próprios protagonistas dos descobrimentos, ocupações, assentamentos e colonizações, como também para a construção posterior do edifício historiográfico.

Essa problemática foi de importância em 1992, quando sobretudo também em círculos da pastoral missionária levantaram-se vozes quanto à historiografia celebradora dos Descobrimentos, procurando-se caminhos para uma ação evangelizadora não serviente e que pudesse fungir mesmo como motor para mudanças de perspectivas, releituras e reescritas. (a respeito dessas tendências: A.A.Bispo, "Die Musikkulturen der Indianer Brasiliens: Stand und Aufgaben der Forschung IV", Jahrbuch Musices Aptatio, Roma 2000/2001, 9 ss., 412-419).

De fato, pode-se encontrar na história missionária numerosos nomes de religiosos que surgem como exemplos modelares de procedimento, antepondo-se a escravizações e assassinatos, protegendo indígenas e depauperados. Também êles, porém, atuaram, e de forma particularmente eficaz, para a transformação cultural integradora dos indígenas na cultura européia.

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Inserção de missionários em campos de tensões no próprio Cristianismo

A cultura européia estava marcada há séculos por tensões internas e impulsos de renovação, de retorno a origens, de superação de abusos, o que se evidenciou sobretudo no vir-a-ser das ordens mendicantes, que tanta influência exerceram na história missionária extra-européia.

Não se deve esquecer, também, que na época determinante da história cristianizadora de indígenas de muitas regiões das Américas atuou uma ordem particularmente marcada por impulsos renovadores de reforma interna da Igreja, originada na própria época dos Descobrimentos e dedicada à militância: a Companhia de Jesus, que desempenharia papel relevante no movimento contra-reformatório.

A transformação cultural de missionados não se processou, assim, apenas através da transmissão de um edifício de concepções e imagens, por assim dizer abstrato ou estático, mas sim através de sua inserção em processo marcado por tensões e impulsos reformadores e pela renovação. Essa renovação, paradoxalmente, era fundamentalmente de retorno, voltada às raízes, e assim dirigida para trás, retroativa ou, sob determinados aspectos, re-acionária.

Se a história dos primeiros séculos do processo cristianizador e colonizador das Américas se insere em campo de tensões global da Reforma interna do Catolicismo e da Contra-Reforma resultante dos movimentos protestantes, que experimentou justamente à época do Descobrimento das Américas um de seus períodos cruciais, a história da formação cristã e colonial da Austrália e da Oceania se insere em fase mais tardia da história do Cristianismo.

Sendo fundamentalmente resultados de desenvolvimentos do século XIX, distante de ca. três séculos dos Descobrimentos do Novo Mundo, inseriu-se também a Descoberta do Pacífico Sul em fase marcada por impulsos de renovação que, na realidade, eram de retorno: o da Restauração religiosa que se intensificou no decorrer do século XIX.

A Austrália e a a Oceania missionadas em época marcada pela Restauração

Quando, na pesquisa cultural, se trata da Austrália e da Oceania, salienta-se em geral o fato dessa esfera do globo por último descoberta ter tido o seu desenvolvimento colonial em século marcado pelas viagens de exploração, pelo desenvolvimento dos conhecimentos científicos, pela colonização dirigida, pelo fim da escravidão e pelo progresso técnico e industrial.

Como considerado nos trabalhos da A.B.E. desenvolvidos na Austrália e Nova Zelândia em 2009, os elos entre o Brasil e essa parte do mundo surgem vinculados sobretudo ao nome de Charles Darwin (1809-1882) e, assim, à Evolução. (http://www.revista.brasil-europa.eu/119/Tema-em-debate.html)

Pouco se tem em consciência que as primeiras décadas, decisivas, da formação da Austrália e da Oceania cairam em época marcada por correntes de Restauração religiosa, intensificada no decorrer do século e relacionada com a reconscientização romântica da Idade Média, o que se manifestou nas artes, sobretudo na arquitetura.

Também no mundo anglicano essa reconscientização do passado medieval manifestou-se no Gothic Revival que foi muito mais do que uma simples ocorrência estilística.

O observador que se defronta com situações coloniais dessas regiões do mundo colonizadas no século do progresso, não encontra apenas sinais que indicam desenvolvimentos denotadores do avanço de conhecimentos técnicos e industriais, mas monumentais obras neogóticas, catedrais e outros edifícios em parte mais grandiosos e "puros" na perfeição de suas formas e nas suas qualidades construtivas do que muitos daqueles encontrados na Europa.

Essa situação paradoxal para o observador europeu, que se confronta no Pacífico e na Ásia com um passado remoto da própria cultura, com cidades por vezes aparentemente mais européias do que as européias, representa um dos problemas das análises culturais. (Vide e.o.http://www.revista.brasil-europa.eu/126/Anglicanismo.html)


O Historismo na Europa e a historiografia das regiões colonizadas

O que não tem sido suficientemente considerado é o significado da transplantação e recepção do Historismo europeu e, nas suas dimensões mais profundas, do movimento de Restauração no Cristianismo quanto à perspectiva histórica e à historiografia.

A Austrália, em particular Sydney, desempenhou neste sentido um papel altamente significativo, pois testemunha diferentes interpretações da história dos descobrimentos de acordo com a identificação confessional de autoridades e grupos populacionais, com influência no ensino, na literatura e em diferentes esferas do conhecimento.

A iniciativa católica de releitura ou correção da história dos descobrimentos adquire significado sobretudo para estudos portugueses e brasileiros, pois valorizou um descobridor e navegante português de remoto passado, inserindo a Austrália e a Oceania nas ações pioneiras dos portugueses nos descobrimentos mundiais e criando, assim, elos que ainda mais justificam considerações conjuntas com outras regiões do globo descobertas e colonizadas pelos portugueses, como o Brasil.

Com essa releitura ou correção da história dos descobrimentos, a autoridade católica procurou salientar a prioridade do Catolicismo e a sua primazia em esfera determinada pela posse e pelas atividades britânicas.

Para os inglêses e para a visão oficial marcada pelo Anglicanismo, o grande nome da história do descobrimento foi e é o de James Cook (1728-1779). Para os católicos, surgiu como altamente significante salientar e celebrar a memória de Pedro Fernandes de Queirós (1565-1614) como o verdadeiro descobridor da região, fato ocorrido muito antes do que a viagem de Cook, ainda que o processo colonizador então iniciado tenha sido interrompido. (http://www.revista.brasil-europa.eu/125/Descobrimento_do_Pacifico.html)

Mais uma vez Pedro Fernandes de Queirós (1565-1614). Do Peru ao Pacífico

Como salientado em estudos anteriores, o significado desse navegador português para considerações concernentes a relações entre o Atlântico e o Pacífico não pode ser menosprezado. Nascido em Évora e falecido no Panamá, tendo atuado no Peru e dali participado de expedições ao mundo insular do Pacífico, a apreciação de suas ações foi prejudicada pela complexidade do contexto político-cultural da época, determinada pela União Pessoal entre Portugal e a Espanha.

Tendo atuado a serviço do vice-rei espanhol em Peru, o seu nome ficou mais vinculado à história espanhola das navegações como Pedro Fernández de Quirós, ofuscando-se assim a sua inserção na tradição portuguesa dos descobrimentos.

Foi do Peru que, sob o comando de Alvaro de Mendana de Neyras tomou parte na sua segunda expedição às ilhas Marquesas e Santa Cruz (Salomões), dali dando continuidade à viagem às Filipinas. Foi do Peru que partiu a seguir em expedição na qual, em 1606, descobriu-se ilhas Tuamotu, e as da Conversão de São Paulo, na posterior Polinésia Francesa, provavelmente a ilha Anaa, assim como outras hoje de difícil identificação, supondo-se ser Olosenga ou Rakahanga.

No dia 3 de maio de 1606, alcançou as ilhas que seriam denominadas de Novas Hébridas, designando aquela que encontrou com o nome de Espirito Santo. A data desse descobrimento estabelece paralelos com a história do Descobrimento do Brasil, pois também cai no dia da festa de Santa Cruz. Entretanto, já tendo esse nome sido usado para a designação de ilha anteriormente encontrada, recebeu a denominação de Espírito Santo, por tratar-se também de época posterior à Páscoa, marcada pelas festividades de Pentecostes.

Essa denominação, que até hoje designa uma das mais importantes ilhas do arquipélago que constitui hoje Vanuatu, lembra continuamente que foi um português o descobridor da Oceania. Queirós julgou ter encontrado ali o continente indicado pela antiga cartografia, a desconhecida terra australis, denominando-a assim de Austrália do Espírito Santo. Queirós foi também aquele que fundou o primeiro assentamento europeu nessa região, denominado significativamente de Nova Jerusalém.

O fato de ter sido um católico o descobridor das Novas Hébridas e, assim, da Oceania, desempenhou papel relevante na historiografia católica, sobretudo da Austrália.

D. Francis Cardeal Moran (1830-1911), Catolicismo irlandês, Restauração e história

O principal promotor dessa perspectiva histórica foi D. Francis Cardeal Moran, Arcebispo de Sydney (1884-1911). Na sua construção histórica, localizou a Nova Jerusalem de Queiróz em Queensland, Austrália.

O vulto glorificado de Queiróz, justificado sobretudo pelo conteúdo religioso das denominações das terras descobertas e pelo intuito de criação de uma Nova Jerusalem passou a marcar o ensino da história nas escolas australianas. A sua maior popularidade foi alcançada pelo poema "Captain Quirós" escrito pelo católico James McAuley (1917-1976), onde Queiróz foi decantado como mártir pela causa da civilização do Pacífico.

É digno de nota constatar que o empenho em difundir o fato do descobrimento português da Austrália e da Oceania foi devido sobretudo a uma autoridade eclesiástica irlandesa, ou seja, deve ser visto no campo de tensões confessionais do mundo anglofone.


Fundamental influência na formação, no pensamento e na vida religiosa do Arcebispo de Sydney exerceu o seu tio, Cardeal Paul Cullen (1803-1878), um dos grandes nomes da história eclesiástica irlandesa, que estudou no Colégio da Propaganda em Roma, editou atas da Congregação, - com a qual manteve-se sempre estreitamente vinculado -, e que foi reitor do Colégio Irlandês de Roma (1832-1850).


Durante os seus estudos em Roma, Patrick Francis Moran distinguiu-se pela sua diligência e proficiência em línguas antigas e modernas. Sob o ponto de vista teológico, foi marcado pelos seus professores jesuitas no Seminário, alcançando o doutorado no Colégio da Propaganda Fide. Foi ordenado sacerdote em 1853. Foi professor de hebraico e de Sagradas Escrituras no Colégio da Propaganda.


Preparado pelo seu mentor Paul Cullen, interessou-se sobretudo pela história eclesiástica, em especial de fontes históricas relativas à formação cristã da Irlanda. Tanto nos seus elos com a Propaganda Fide como no Colégio Irlandês, Patrick Francis Moran foi imbuído do entusiasmo missionário e, concomitantemente, pelos anelos de Restauração católica. Embora indicado a ser vice-reitor do Colégio, preferiu dedicar-se à missão, para a qual sentia particular vocação. Partiu assim para a Austrália em 1884.


O seu interesse pela história missionária irlandesa, que também foi acompanhado por visitas a sítios arqueológicos, levou-o a dedicar-se ao estudo de fontes dos Descobrimentos e da missão cristã no Pacífico.


Uma de suas preocupações disse respeito à história das perseguições dos católicos irlandeses com a Reformação. Esse interesse correspondeu aos anelos restauradores do Catolicismo e teve a sua continuidade na esfera colonial da Austrália como extensão do campo de tensões confessionais britânicas.


O empenho pelo descobrimento português - e católico - da Austrália e Oceania inseriu-se, assim, no amplo contexto internacional de tensões internas do Cristianismo e do movimento de Restauração católica, sentido de forma particularmente crucial na Irlanda, e é nesse contexto que se deve considerar o interesse pelo estudo de fontes da história missionária em dimensões globais por parte do Arcebispo de Sydney.


Richard Henry Major (1818-1891) e a recepção de suas estudos pelos portugueses

Nos estudos mais propriamente historiográficos dos Descobrimentos, a tese da prioridade dos portugueses no descobrimento da Austrália ficou  vinculada ao nome do geógrafo e bibliotecário Richard Henry Major, responsável pela coleção de mapas do Museu Britânico, de 1844 a 1880, e secretário da Hakluyt Society. Após ter publicado Early Voyages to Terra Australis, em 1895, tratou especificamente do descobrimento português do continente, apontando o ano de 1601 (The Discovery Of Australia By The Portuguese In 1601, 1861).

Um estudo  de título "Duas Palavras sobre A descoberta da Australia em 1601 pelos Portuguezes", publicado nos Arquivos e Anais do Extremo-Oriente Português testemunha que o debate em círculos portugueses a respeito do descobrimento da Austrália foi conduzido de forma bastante diferenciada, mais do que se pode supor do panorama acima esboçado (TA-SSI-YANG-KUO, coligidos, coordenados e annotados por J.F. Marques Pereira Série I, Vols. I e II, Lisboa 1899-1900, 661-666).

O autor desse estudo foi Jaime Forjaz de Serpa Pimental, escritor e oficial superior da Armada, conhecido sobretudo pelo relato de sua estadia no Congo, e que veio, com o seu artigo sôbre a descoberta portuguesa da Austrália de encontro a pesquisas que então desenvolvia o próprio editor do órgão, João Feliciano Marques Pereira, sobre as ações dos portugueses na Oceania.

O autor iniciou a sua exposição lembrando que muitos escritores estrangeiros afirmavam que tinham sido os holandeses os descobridores da Austrália. Entretanto, não um português, mas um inglês, a saber, Richard Henry Major, demonstrara a prioridade portuguesa da descoberta da Australia.

Dos historiadores portugueses, apenas D. Fr. Francisco de São Luiz referira-se no seu Índice chronologico das navegações, viagens, descobrimentos e conquistas dos portugueses nos paizes ultramarinos desde o principio do seculo XV, publicado em 1841, que alguns escritores estrangeiros diziam que em 1525 ou ainda antes fora descoberta pelos portugueses a grande terra que depois se chamou Nova Hollanda. Esse autor referiu-se também ao geógrafo Conrad Malte-Brun (1775-1826), que afirmara que os direitos dos portugueses à prioridade dos Descobrimentos recebia novos fundamentos através de duas antigas cartas que se encontravam no Museu Britânico.

Após tecer considerações justificadoras do silêncio dos antigos historiadores portugueses a respeito da descoberta da Austrália, salientando que no passado predominava outros critérios historiográficos, Serpa Pimentel afirmou ser a difundida suposição de ter sido a Austrália descoberta pelos holandeses em 1616 desprovida de fundamento, porquanto tinha sido descoberta pelos portugueses em 1601. Estava provado pelas cartas geográficas que os portugueses visitaram as partes setentrionais da Nova Holanda muito antes da pretendida descoberta dos holandeses, sendo até provável que também tivessem descoberto a costa oriental antes da viagem do capitão Cook.

Pelo documento descoberto e analisado no Museu Britânico por Richard Henry Major, reconheceu-se que, cinco anos antes dos holandeses, já os portugueses haviam pisado no solo australiano, tendo sido Manuel Godinho Heredia, cosmógrafo, residente em Goa, quem, por mandado do Vice-Rei Ayres de Saldanha, fora e conseguira a descoberta. (op. cit. 665)

O esquecimento em que caiu o descobridor da Nova Holanda teria sido causado pela "desgraçada dominação da Espanha", quando os portugueses foram expulsos das Molucas. Tendo sido a nova companhia holandesa da Índia Oriental estabelecida em 1602, em 1606 um navio holandês anunciou a descoberta da terra do Sul a que deram o nome de Nova Holanda. Assim, a Europa, em geral, ficou considerando errôneamente os holandeses como os autores da descoberta. 

Também por muito tempo tinha-se atribuido em Portugal a Pedro Fernandes Queiróz a descoberta da Austrália, o que teria ocorrido em 1605 e 1606. Como o autor salienta, porém, os seus descobrimentos marítimos foram outros, e ainda que o seu nome fosse praticamente desconhecido, prestou relevantes serviços à navegação de Portugal.

Serpa Pimentel salienta, assim, no seu artigo, uma distinção quanto à prioridade portuguesa nos descobrimentos da região. As regiões que Queiróz descobriu, e que deu o nome de Austrália do Espírito Santo, correspondiam às Novas Hébridas. Essas notícias podiam ser encontradas na sua obra Navegação e descobrimento da América Austral, que, sob o nome de Terra Austrália cognita, foi publicado em Sevilha em 1610, havendo outras duas edições, de 1616 e 1617.

Ao terminar o seu estudo, afirma estar averiguado que "o nosso illustre conterraneo, se não descobriu a Australia, como nos diz Ferdinand Dénis, abriu mais facil caminho, por seus commettimentos, a que se reconhecessem alguns d'esses archipelagos que povoam o Oceano Pacifico, visitando os mais notaveis que ainda conservam o nome, que lhes deu, de Archipelagos do Espírito Santo" (op.cit. 666)



Grupo de estudos sob a direção de
Antonio Alexandre Bispo


Todos os direitos relativos a texto e imagens reservados. Reproduções apenas com a autorização explícita do editor.

Indicação bibliográfica para citações e referências:
Bispo, A.A. "Descobrimentos e revelações, renovações e restaurações. Paradoxias de Novos Mundos e edifícios historiográficos no exemplo de Pedro Fernandes de Queirós (1565-1614), o descobridor português da Oceania". Revista Brasil-Europa: Correspondência Euro-Brasileira 136/2 (2012:2). http://www.revista.brasil-europa.eu/136/Oceania-Descobrimento-Portugues.html






  1. Observação: o texto aqui publicado oferece apenas um relato suscinto de trabalhos. Não tendo o cunho de estudo ou ensaio, não inclui aparato científico. O seu escopo deve ser considerado no contexto geral deste número da revista. Pede-se ao leitor que se oriente segundo o índice desta edição e o índice geral da revista (acesso acima). Pede-se ao leitor, sobretudo, que se oriente segundo os objetivos e a estrutura da Organização Brasil-Europa, visitando a página principal, de onde obterá uma visão geral e de onde poderá alcançar os demais ítens relativos à Academia Brasil-Europa de Ciência da Cultura e da Ciência (culturologia e sociologia da ciência), a seus institutos integrados de pesquisa e aos Centros de Estudos Culturais Brasil-Europa: http://www.brasil-europa.eu


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  3. Não deve ser confundida com outras instituições, publicações, iniciativas de fundações, academias de letras ou outras páginas da Internet que passaram a empregar designações similares.