Música popular dos anos 40 e 50: S. Paulo e George Town. Revista BRASIL-EUROPA 135/17. Bispo, A.A. (Ed.) Academia Brasil-Europa e ISMPS





Revista

BRASIL-EUROPA

Correspondência Euro-Brasileira©

 

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George Town

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Fotos A.A.Bispo
©Arquivo A.B.E.

 

Revista Brasil-Europa - Correspondência Euro-Brasileira 135/17 (2012:1)
Prof. Dr. A.A.Bispo, Dr. H. Hülskath (editores) e Conselho Científico
da
Organização Brasil-Europa de estudos teóricos de processos inter- e transculturais e estudos culturais nas relações internacionais (reg. 1968)
- Academia Brasil-Europa -
de Ciência da Cultura e da Ciência

e institutos integrados

© 1989 by ISMPS e.V. © Internet-edição 1998 e anos seguintes © 2012 by ISMPS e.V. Todos os direitos reservados
ISSN 1866-203X - urn:nbn:de:0161-2008020501

Doc. N° 2858


A.B.E.


Instituições em visita


A música popular em processos internacionalizadores à época da Segunda Guerra Mundial
e suas consequências para a identidade de urbes: São Paulo e George Town/Penang

Muzium Ngeri Pulau Penang

Ciclo de estudos Ciclo de estudos Malásia/Brasil da A.B.E.. George Town, Penang, Malásia


 
Demonios da Garoa
O dia de abertura do Colóquio Internacional de Estudos Interculturais realizado pelos 450 anos de São Paulo, em 2004, incluiu uma apresentação do tradicional conjunto paulistano "Demônios da Garoa" em ambiente igualmente tradicional do centro da metrópole paulista.

Os participantes, entre êles pesquisadores e estudantes estrangeiros em grande número, foram confrontados de início com questões de identidade cultural paulista e pauliustana nas suas relações com a música.

Para os observadores do Exterior, que se haviam preparado através de estudos históricos e culturais para o evento, surgiu como surpreendente que expressões musicais populares de um passado relativamente recente, de meados do século XX, sejam de tal forma associadas com a identidade de uma cidade de 450 anos, despertando em muitos sentimentos nostálgicos e preocupações de sua perda através de correntes musicais mais recentes e que surgem como descaracterizadoras.

Os observadores de fora notaram com certa surprêsa que, mesmo que outras fases da história de São Paulo sejam consideradas como de significado em construções de identidade, tais como aquelas da época missionária da ação dos jesuítas, a do bandeirantismo ou a da cidade marcada pela Faculdade de Direito, os elos emocionais de uma identidade paulistana parecem relacionar-se de forma mais intensa com uma época relativamente recente, relembrada saudosisticamente por gerações de mais idade que a vivenciaram.

Muitas são as questões que aqui se levantam e que merecem ser consideradas com maior atenção. Elas dizem respeito, entre outros aspectos, a relações entre sentimentos de identidade, de concepção de uma fisionomia cultural ou mesmo de "ethos" da urbe nas suas relações com visões retrospectivas através da memória de mais velhos, e que se diferenciam, assim, de perspectiva mais propriamente histórica, criada através do estudo historiográfico de fontes.

Possíveis relações entre esses dois procedimentos, um mais propriamente histórico e outro marcado pela memória demonstram a necessidade do emprêgo refletido de métodos históricos e empíricos na pesquisa cultural.

A fisionomia e a identidade particular da urbe assumem em procedimentos marcados pela memória de um passado relativamente recente uma conotação nostálgica. Essa visão da cidade e os elos que prendem aqueles que assim a vêem à imagem assim determinada, marcadas pela constatação de transformações e do desaparecimento de configurações e valores de difícil definição, pode explicar sentimentos e tendências passadistas de pensamento. Esses elos emocionais não são sentidos de imediato por observadores de fora, necessitam ser aprendidos e isso constitui tarefa de significado na cooperação internacional e na percepção de processos internacionalizadores.

Essa constatação aguça também a consciência daqueles que já se encontram imersos na corrente que os prendem a um passado de recordações - que não necessitam ser as próprias -, lembrando que gerações ainda mais antigas sentiram o mesmo com relação a um passado ainda mais remoto.

Tais reflexões indicam os problemas de concepções e imagens que tendem a salientar aspectos de constância ou de imutabilidade na personalidade ou no caráter de uma cidade, não emprestando a necessária atenção à sua transformabilidade e à historicidade das configurações guardadas na memória dos mais velhos, o que poderia ser designado na discurso crítico da atualidade como expressão de "essencialismo".

O mesmo vale para a música, quando esta é compreendida como tendo alcançado a sua maturidade como expressão de uma determinada identidade cultural somente em determinada época da história, um problema conhecido de idéias marcadas pelo conceito de "entidade" de épocas passadas de teor nacionalista do pensamento estético e cultural.

No centro das atenções dos estudos culturais surge, assim, não tanto o estudo de expressões musicais próprias a uma identidade per se de urbes, mas sim das transformações da consciência de identidade e dos elos emocionais de seus habitantes no decorrer do tempo, de seus pressupostos e de suas inserções em contextos mais amplos.

Para o tratamento teórico, distanciado dessas questões, o cotejo com outras situações culturais pode abrir perspectivas, indicar mecanismos comuns e contribuir à elucidação de diferenças nos diferentes contextos.

A Malásia (e Singapura) nos estudos músico-culturais do mundo de língua portuguesa

A Malásia faz parte dos países e regiões consideradas prioritariamente pelo Instituto de Estudos da Cultura Musical do Mundo de Língua Portuguesa (I.S.M.P.S. e.V.) devido ao significado da presença portuguesa em Malaca, cuja conquista, em 1511, marcou o vir-a-ser da história das relações culturais entre a Europa e o Sudeste da Ásia, abrindo portas ao Extremo Oriente. 

Há muito os estudos trouxeram à consciência de que a atenção não pode ser dirigida apenas ao levantamento e ao estudo contextualizado das fontes históricas do remoto passado de Malaca, ou mesmo a seus resíduos na comunidade de língua portuguesa local e ao folclore português ali cultivado. Estudos assim dirigidos, embora importantes, não fazem jus às dimensões dos processos culturais desencadeados pelos portugueses e dos quais a música surge como relevante elemento, expressão e mesmo veículo. Bastaria recordar, neste sentido, o significado sempre lembrado da difusão de instrumentos ocidentais na região, entre êles o violino.

Se Malaca foi, antes mesmo da chegada dos portugueses marcada pela presença de comerciantes de diferentes regiões asiáticas, sobretudo árabes e chineses, após a conquista lusa tornou-se polo de uma rêde internacionais em contextos mais amplos de relações entre o Ocidente e o Oriente. Ao domínio português seguiram-se o holandês e sobretudo a inserção da região na esfera britânica, que determinaria decisivamente a história colonial do Estreito Malaio. Os fundamentos e os mecanismos básicos do processo de transformações culturais que marcaram a internacionalidade da região remontam, porém, à ação portuguesa em Malaca.

Habitantes de ascendência portuguesa, mas por vezes já não dominando o idioma, transferiram-se para centros de maior prosperidade comercial, relacionaram-se não apenas com novos imigrantes vindos de Portugal e da esfera colonial portuguesa no Oriente, mas sim também com outros grupos populacionais.

Seria, assim, inadequado reduzir o objeto dos estudos culturais à população identificada pelo idioma português, uma delimitação que impediria reconhecer o significado maior da ação cultural lusa e dos processos postos em vigência pelos portugueses na co-determinação internacional de toda uma esfera do globo.

Assim, como Singapura, a Malásia não pode deixar de receber particular atenção em todos os estudos voltados a questões de encontros de culturas, de interrelações étnicas e religiosas, de multiculturalismo, de processos inter- e transculturais em dimensões mundiais e de globalização. Sendo uma das esferas mais internacionalizadas da terra, adquire especial significado sob o aspecto da intensificação que atualmente se observa da atenção à internacionalização da ciência.

Música popular em processos de internacionalização e globalização

Nesse contexto, compreende-se o significado que adquire a Malásia sob a perspectiva da música popular, em particular daquela subsumida sob o conceito de "World music". Para os estudos músico-culturais, não se deveria tratar aqui apenas de considerar a produção musical de países do mundo não suficientemente representados nos estudos da música popular, ou seja, de um extrapolação de delimitações geográficas do europeu e do extra-europeu causadas por mal-entendidos institucionalizados relativos a campos de atuação da Musicologia Histórica e da Etnomusicologia. Também não é suficiente considerar a recepção recíproca da produção músico-popular entre diversos países, em particular de daqueles não-europeus na Europa e nos Estados Unidos.

O termo "World music" indica um fenômeno musical a ser qualificado como mundial ou global, e seria na discussão de suas características e na adequabilidade do conceito e de suas interpretações que a atenção deveria concentrar-se. Essas diferenciações, porém, não são em geral suficientemente consideradas numa área de estudos ainda em em fase inicial de desenvolvimento, na qual, para muitos países, ainda os esforços se encontram numa situação preliminar de levantar todo o tipo de informações e fontes alcançáveis. Esta situação insatisfatória diz respeito também à Malásia (vide, e.o. "At the Crossroads", World Music: The Rough Guide, London 1995, 433-437).

O desenvolvimento dos estudos e das reflexões teóricas no âmbito dos trabalhos do I.S.M.P.S. e da A.B.E. abre novas perspectivas para o tratamento de processos músico-culturais em contextos mundiais. A reorientação dos estudos segundo a proposta da A.B.E. que relaciona estudos culturais e estudos da própria ciência e das rêdes de produção do saber envolvidas (science of science), foi discutida no seminário dedicado a questões relacionadas com "World Music" na universidade de Bonn.

Abertura do ciclo de estudos em Singapura: atualidade do tema

Pela passagem dos 500 da conquista de Malaca por Afonso de Albuquerque, o tema voltou a ser refletido, agora nas próprias cidades do Sudeste da Ásia e do Arquipélago Malaio, tendo sido aberto em 2010 em Singapura, como relatado em número anterior desta revista (vide http://www.revista.brasil-europa.eu/127/Indice_127.html).

Dando continuidade a esses trabalhos, agora à luz das relações entre a Tailândia e o Mundo de Língua Portuguesa, cujas bases históricas foram possibilitadas pela conquista de Malaca (vide http://www.revista.brasil-europa.eu/135/Sudeste-da-Asia-Brasil.html), realizou-se um novo ciclo de estudos, também este iniciado em Singapura.

Exposição Música Popular de Penang

A atualidade do tratamento de questões relacionadas com a música popular sob a perspectiva dos estudos músico-culturais do mundo de língua portuguesa foi favorecida pela realização, em Singapura, do "The String Concert" de Gilberto Gil, com a participação de Bem Gil e J. Morelenbaum.


Exposição "Penang's Popular Music of the 1940s and 1950s"

As reflexões encetadas no Colóquio Internacional de Estudos Interculturais pelos 450 anos de São Paulo referentes à função da música popular na memória, na imagem e na identidade cultural de cidades marcadas por cosmopolitismo puderam ser retomadas no contexto da exposição "Penang's Popular Music of the 1940s and 1950s" realizada no museu de George Town, Penang.

Assim como, no Colóquio paulistano os participantes estrangeiros ficaram surpreendidos com uma inesperada nostalgia, também o evento de Penang demonstrou similar conotação, uma vez que procurou não apenas documentar objetivamente uma fase da história da música local, mas sim também de trazer à consciência a "sonoridade e a harmonia" de uma era que se esvanece e que teria marcado profundamente a personalidade cultural de Penang.

O observador estrangeiro, não preso aos elos emocionais que determinaram os intuitos dos organizadores da exposição, tem inicialmente dificuldades para assumir empaticamente uma posição que lhe permita compreender as expressões musicais apresentadas como pontos culminantes de um desenvolvimento ou mesmo como definidoras de uma fisionomia cultural urbana que teria sido irremediavelmente desfigurada devido a transformações posteriores.

A memória de Penang e o Penang State Museum

Uma consciência de que se tornava necessário coletar e conservar objetos históricos, documentos e objetos de interesse cultural de Penang parece ter surgido primeiramente em círculo de missionários católicos ali atuaram. Como em casas religiosas de várias partes do mundo, também a St. Xavier's Institution de Penang possuiu um primeiro e modesto museu já antes da Segunda Guerra Mundial, quando foi então destruído. ( http://www.revista.brasil-europa.eu/135/Culto-mariano-na-Malasia.html)

Em 1956, a partir de iniciativa privada, formaram-se novas coleções, expostas em museu abrigado em residência situada na Northam Road (Jalan Sultan Ahmad Shah). Com a demolição desse edifício, os acervos foram novamente dispersos.

O anelo de criação de um novo museu surgiu então no seio de sociedades de estudos históricos e literários. Por parte do Govêrno, a criação de um museu oficial passou a ser cogitada apenas em 1962.  O Primeiro Ministro Tunku Abdul Rahman propôs que se utilizasse para abrigá-lo a Hutchings School, que havia precedido a Penang Free School, onde êle próprio estudara. Em 1963, formou-se um comitê de trabalho e, a partir de 1964, deu-se início à formação de coleções e à reconstrução do edifício. O museu foi oficialmente inaugurado em 1965. Nesse mesmo ano, anexou-se ao museu uma Galeria de Arte. Em 1971, criou-se uma direção especial para o museu, sendo o seu corpo executivo constituido em 1973.

O Museu possui arquivos e objetos considerados como patrimônio do Estado. De particular relêvo são oito quadros a óleo do capitão Robert Smith, grandes coleções de porcelana do grupo populacional de chineses da imigração Baba Nyonya (vide http://www.revista.brasil-europa.eu/135/Chineses-do-Estreito.html), móveis, jóias e costumes de valor histórico e artístico.


Museologia baseada na convicção de uma harmonia pluriétnica e multicultural - Revelando Penang

Quanto à sua concepção, cumpre salientar que o museu se considera como "encarnação da história dos povos da ilha" e como um tributo a esses mesmos povos. Procura, no seu relacionamento com o público, salientar a sua orientação multicultural. Esta surge como a única adequada à configuração multicultural da Malásia, correspondendo ao imperativo da integração nacional segundo o ideal da unidade na diversidade.

O patrimônio cultural de cada comunidade é considerado nas suas inserções no patrimônio nacional, o mesmo valendo para as apresentações culturais e os atos religiosos de cada grupo social particular.

O museu procura demonstrar o que foi e o que é Penang, apresentando a cidade como uma entidade que representaria um microcosmo no seio do macrocosmo da ilha e do continente. Procura trazer à consciência dos visitantes que um dos principais valores de Penang reside exatamente na coexistência harmoniosa de diferentes comunidades, uma harmonia que teria alcançado em Penang em grau muito maior do que em outras partes do mundo. Procura, assim "revelar" Penang.

Essa concepção corresponde a uma auto-imagem de Penang e se reflete também em posições de escritores que salientaram a harmonia como principal característica da sociedade pluriétnica e multicultural local.

Preocupação com a perda da harmonia por parte de gerações de mais idade

Entretanto, com o seu crescimento urbano rápido, Penang sofreu, como muitas outras cidades do mundo, destruições do seu patrimônio histórico com a demolição de edifícios e monumentos. A redenominação de vias e praças prejudicou a orientação histórica e favoreceu a perda de conhecimentos e da consciência histórica quanto ao desenvolvimento da urbe, da fisionomia de ruas e bairros, assim como do vir-a-ser de comunidades.

Com isso, porém, segundo vozes críticas, também perdeu-se muito das bases de sua identidade cultural própria e que era caracterizada pela harmonia em sociedade pluriétnica e multicultural.

O museu sente-se na obrigação de, a partir de objetos, relitos e documentos restantes, oferecer vestígios ou rastros que permitam reconstruir, se não edifícios e configurações materiais, pelo menos situações imateriais relativas a uma consciência de harmonia social e cultural como fundamento da identidade comunitária.

Essa orientação museológica procura justificar-se em parte com base em anelo formulado em conferência geral da UNESCO, em 1976, segundo o qual a sobrevivência de áreas históricas deve ser vista como de importância capital para a preservação da dimensão cultural verdadeira de todos os povos e de sua individualidade. Considerações relativas ao urbano e à arquitetura unem-se, assim, àquelas relacionadas com a música e outras expressões que surgem como caracterizadoras de uma perdida harmonia.

Significado de concepções de harmonia na situação multicultural de Penang

Compreende-se esse pêso dado ao conceito de harmonia e a preocupação pela sua perda tendo-se em vista a história e a constituição étnico-cultural de Penang.

Essa pluralidade na população da ilha tem as suas remotas origens à época em que, ainda como parte do sultanato de Kedah, e habitada por malaios, que ali se dedicavam ao cultivo do arroz, oferecia possibilidades comerciais a mercadores chineses, provindos sobretudo do Sul da China.

A fase que marcou fundamentalmente a história colonial internacionalizadora de Penang deu-se com a ação regional da Companhia Britânica das Índias Orientais, a partir de 1786.

Com o desenvolvimento comercial dos Estreitos, para ali vieram portugueses e seus descendentes de Malaca, além de descendentes de holandeses e, com o predomínio inglês, de escoceses, irlandeses e de habitantes das colonias britânicas, sobretudo de tamilos do Sul da Índia e de Birma.

Grande importância adquiriu a comunidade chinesa, tornando-se um centro dos prósperos "chineses do Estreito" (vide http://www.revista.brasil-europa.eu/135/Chineses-do-Estreito.html). Grande parte da população da cidade é constituída por malaios, chineses e indianos, os processos culturais em que se inserem, porém, foram marcados pela ação européia, não só de portugueses e holandeses do passado, mas sim de portugueses imigrados à época britânica, de franceses e italianos.

Penang não pode, por todas essas razões, deixar de ser considerada de forma especial em estudos voltados a processos internacionalizadores. Para análises de relações inter- e transculturais, a sua população oferece inúmeras possibilidades, pois é em grande parte resultado de uniões matrimoniais de pessoas de diversas proveniências, constituindo grupos de múltipla identidade cultural, como a chinesa-malaia dos Baba Nyonya ou a indo-malaia dos Jawi Pekan. Sendo procedentes de culturas religiosas distintas, por vezes marcadas por antagonismos, a identificação com a cultura malaia surge como pressuposto para a convivência em paz.

Música Popular nas suas relações com a memória e a identidade de Penang

Um dos eventos culturais de importância em Penang é o Penang Island Jazz Festival. Em 2010, esse festival foi dedicado a expressões musicais já desconhecidas das gerações mais jovens e que trouxe à lembrança uma época passada da música popular local, despertando nostalgia de tempos idos, de era que teria sido marcada por harmonia.

Essa época foi aquela em que Penang conheceu vários músicos e cantores que alcançaram popularidade, entre êles Jimmy Boyle, Ahmad Nawab, P. Ramlee, Larry Rodrigues, Joe Rozells e os irmãos Rajamoney. Os pesquisadores locais constataram que muitos dos nomes populares de então já não são mais conhecidos das gerações mais jovens do presente, tais como Zainal Alam, Ooi Eow Jin, Ahmad Daud, Ahmad Merican, David Ng e Albert Yeoh. Os organizadores da exposição, porém, salientam o papel que esses músicos desempenharam no desenvolvimento de uma identidade malásia, contribuindo para uma "fusão de estilos". Para alguns observadores de mais idade, essa época teria terminado com a propagação da música de discoteca nos anos 70 e 80. A falta de talentos no presente seria reflexo de problemas sociais que afligem a sociedade local.
O fundador do Festival de Jazz mencionado, Paul Augustin, promoveu, ao término do evento, a realização da exposição "Música Popular de Penang dos 40 e 50" com base nas pesquisas que haviam possibilitado as apresentações. Com artigos de jornais, discos, fotografias e documentos vários teve a intenção de demonstrar que a cidade vivenciou um extraordinário florescimento da música popular nos últimos anos da Guerra e nos anos que a ela se seguiram.
Aquelas duas décadas teriam representado uma época de entusiasmo pela música popular nascida de uma situação de extraordinária
aproximação e de intenso relacionamento dos vários grupos populacionais entre si. No período pós-Guerra, sendo a cidade marcada por intensa vida social e atividades musicais em teatros, clubes e caberets, a música local assimilou impulsos internacionais, sem, porém, deixar de ser identificada com Penang. Assim, em época em que se dançava ronggeng e joget, características próprias da cultura local ter-se-iam relacionado com spots como New World Park e Wembley. Várias canções então populares permaneceram estreitamente vinculadas com a identidade da cidade, como no caso do keroncong e dondang sayang, assim como de formas de entretenimento como wayang Peranakam e Bangsawan.

O exemplo do dondang sayang

Um dos pontos altos da exposição consistu no fato de demonstrar que essa época de particular desenvolvimento da música popular teria coincidido com uma intensificação de determinadas expressões de vida social popular, tanto doméstica quanto pública, de bares e ruas, levando a um congraçamento de vários segmentos da população. Assim, grande parte das fotografias apresentadas mostram conjuntos instrumentais, nos quais a improvisação e a participação do público desempenhavam importante papel, reuniões dançantes, encontros por ocasião de festas de família e sociedades musicais de diferentes tipos. Muitas das fotografias lembram conjuntos instrumentais e tipos de apresentação conhecidas do mundo latino, em particular do Caribe.

Uma das expressões músico-populares e, ao mesmo tempo, de vida social consideradas na exposição foi o dondang sayang. De difícil definição, a prática assim designada caracteriza-se pelo seu cunho lúdico e integrador, marcado pela troca de gracejos, às vezes de flirts em verso através do canto, frequentemente baseado no pantun malaio (verso de quatro linhas). Este pode ser acompanhado por violino, gongs, tambores, tamburins, flauta e acordeão, instrumentos que indicam já por si a pluralidade de elos e impulsos culturais.

O dondang sayang ter-se-ia desenvolvido a partir da interação cultural de malaios, babas e nyonyas locais, tornando-se forma popular de diversão sobretudo entre esses últimos, sendo praticado sobretudo em casamentos e no Chap Goh Meh (dia quinze do Novo Ano Chinês). Se chineses da imigração viveram inicialmente na expectativa de retorno e na nostalgia da China, houve aqueles que se integraram, adquirindo uma identidade malaia, e é nesse contexto do processo de transformações de identidades que se compreende o significado do dondang sayang. A difusão dessa prática foi fomentada pelo uso de ônibus e caminhões que, levando grupos de dondang sayang, paravam em locais muito frequentados para a apresentação de peças populares como Chap Goh, Chapo Lak ou Burung Kakatua. Sessões de dondang sayang terminam muitas vezes com uma sessão dos mencionados joget ronggeng.
O papel da rádiodifusão e suas inserções políticas

A pesquisa local salienta, nesse contexto, a importância do rádio nesse desenvolvimento da música popular, uma vez que desempenhou um papel fundamental na vida doméstica, alcançando milhares de pessoas. A rádiodifusão, que alcançou Kuala Lumpur em 1949 e Penang em 1953, teria sido o principal agente no despertar de talentos musicais. Se em 1949 havia 30.000 rádios, em 1951 já se contavam 110.800.

Esse desenvolvimento posterior à Guerra, porém, apenas pode ser entendido a partir de situações criadas pela Guerra. Assim, os organizadores da exposição procuram explicar esse florescimento da vida musical de Penang como resultado da ocupação japonesa. Em 1943, os japoneses proibiram centenas de títulos de música americana e inglêsa, sobretudo de jazz, ainda que incluindo também canções de amor. Após a Guerra, essa música oprimida teria voltado com grande força. Esta teria sido a causa de tendências americanizadoras que se constatam em fins da década de quarenta e nos anos cinquenta na música popular de Penang.

Segundo esse esclarecimento, a música popular de Penang que é hoje vista nostalgicamente como expressão da identidade da cidade sob o aspecto da harmonia das relações sociais e culturais, surge vinculada com um sentimento de libertação, de superação de proibições e opressões. Essa compreensão e esses
sentimentos, porém, apenas podem ser compreendidos da ótica dos vencedores, uma vitória que trouxe também o retorno da situação colonial.

Um fator não considerado nas pesquisas que levaram à exposição de Penang é o papel desempenhado pela radiodifusão mantida pelas potências ocidentais durante a Guerra e que mantiveram serviços de propaganda política e político-cultural com emissões musicais destinadas ao fortalecimento da moral de comunidades, de combatentes e de influência em regiões sob dominação.

Esse foi o caso da Rádio Clube de Macau, fundada em 1941, sob a presidência do dr. Evaristo Fernandes Mascarenhas, da qual uma das principais personalidades foi Francisco de Carvalho e Rêgo, cuja atuação, ao lado de sua mulher, D. Maria Amália de Carvalho e Rêgo, tem sido há muito objeto de considerações do I.S.M.P.S..

Essa emissora irradiou, além de programas de música ao vivo e gravações, noticiário em seis línguas - português, inglês, francês, chinês, alemão e japonês - alcançando o Sudeste da Ásia e todo o Extremo Oriente. (http://www.revista.akademie-brasil-europa.org/CM03-02.htm)

Grupo de estudos sob a direção de
Antonio Alexandre Bispo





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Indicação bibliográfica para citações e referências:
Bispo, A.A. "A música popular em processos internacionalizadores à época da Segunda Guerra Mundial e suas consequências para a identidade de urbes: São Paulo e George Town". Revista Brasil-Europa: Correspondência Euro-Brasileira 135/17 (2012:1). http://www.revista.brasil-europa.eu/135/Museu-de-Penang.html



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