A montanha no edifício de imagens-Wat Arun. Revista BRASIL-EUROPA 135/5. Bispo, A.A. (Ed.). Academia Brasil-Europa e ISMPS




Revista

BRASIL-EUROPA

Correspondência Euro-Brasileira©

 

_________________________________________________________________________________________________________________________________


Índice da edição     Índice geral     Portal Brasil-Europa     Academia     Contato     Convite     Impressum     Editor     Estatística     Atualidades

_________________________________________________________________________________________________________________________________

Wat Arun

Wat Arun

Wat Arun

Wat Arun

Wat Arun

Wat Arun

Wat Arun

Fotos A.A.Bispo
©Arquivo A.B.E.

 

Revista Brasil-Europa - Correspondência Euro-Brasileira 135/5 (2012:1)
Prof. Dr. A.A.Bispo, Dr. H. Hülskath (editores) e Conselho Científico
da
Organização Brasil-Europa de estudos teóricos de processos inter- e transculturais e estudos culturais nas relações internacionais (reg. 1968)
- Academia Brasil-Europa -
de Ciência da Cultura e da Ciência

e institutos integrados

© 1989 by ISMPS e.V. © Internet-edição 1998 e anos seguintes © 2012 by ISMPS e.V. Todos os direitos reservados
ISSN 1866-203X - urn:nbn:de:0161-2008020501

Doc. N° 2846


Academia Brasil-Europa


Terra que se eleva das águas que correm, a montanha e o eixo
no edifício de concepções e imagens do Sião e do Ocidente


Ciclo de estudos Tailândia/Brasil. Programa Cultura/Natureza da A.B.E.. Wat Arun, Igreja de Santa Cruz e Calvário, Bangkok

 
Wat Arun

O templo Wat Arun marca a imagem de Bangkok, surge até mesmo como o seu emblema. Poderia, assim, ser considerado em paralelos com os muitos monumentos que caracterizam cidades, seja o Cristo Redentor no Rio de Janeiro, a estátua da Liberdade em New York ou a Mat Rodina em Kiew (vide http://www.revista.brasil-europa.eu/122/Kiev_Mat_Rodina.html).

Assim como muitas das imagens emblemáticas de cidades se situam em locais de frente ao mar, recebendo os navios que entram nos portos, em tradição que remonta à Antiguidade (Rhodos), o templo Wat Arun situa-se também à beira das águas, é visto por aqueles que entram navegando em Bangkok e foi, durante séculos, o último edifício visto por aqueles que se despedem.

A discussão relativa à emblemática de cidades depara-se aqui, porém, com um contexto de muito mais amplas dimensões, pois diz respeito a aspectos centrais da visão do mundo e do homem. O Wat Arun não é um monumento de sentido evidente que recebe do alto aqueles que chegam, mas sim um templo que representa êle próprio uma montanha, cujo significado não é percebido à primeira vista. A leitura do monumento não é literal, mas deve dirigir-se antes a seu sentido inerente ou oculto.

As reflexões relativas à emblemática de cidades necessitam, assim, considerar, no caso de Bangkok, outro tipo de questões imagológicas: o do significado de montes na caracterização de várias regiões do mundo, em geral de conteúdo e associações religiosas. Pode-se dar continuidade, assim, em Bangkok, às reflexões encetadas por ocasião da exposição de título "montanhas sagradas" realizada no Monte Saint Michel, França. Naquela ocasião, considerou-se sobretudo os elos da imagem do monte com o mundo angelical, analisando-se elos com outros montes devotados ao arcanjo S. Miguel, em particular aquele que remonta, segundo a tradição, à sua aparição em Gargano. (Vide http://www.revista.brasil-europa.eu/114/StMichel.htm)

A cultura de imagens herdada da Europa medieval pelo Brasil no decorrer da colonização e da cristianização levou também a que o país recebesse expressões e práticas religiosas relacionadas com montes e formações rochosas elevadas. No alto de morros encontram-se cruzeiros, igrejas e conventos. Para além dos montes de São Miguel, a arquitetura cristã-ocidental conhece, na Europa e fora dela, uma grande quantidade de igrejas em montanhas dedicadas não apenas a Cristo,mas sim a Maria, a São João Batista. a Santiago de Compostela e a outros santos que indicam uma lógica de fundamentação teológica na distinção de altos e baixos e que representa a base conceitual de concretizações em determinadas situações topográficas naturais.

Os estudos respectivos têm procurado detectar e analisar os fundamentos tipológicos dessa linguagem visual no Antigo Testamento e de suas reinterpretações cristãs, entre outros do significado dos montes Sinai e Tabor e, mais remotamente, no livro Genesis, por exemplo dos altos de onde Seth e sua geração desceu e que marcou o processo de deterioração da Humanidade pré-diluviana.

Os estudos voltados a essas bases tipológicas não podem, porém, resumir-se à tradição bíblica do Velho Testamento, pois imagens e narrativas relativas a montanhas da Antiguidade grego-romana permaneceram também vigentes em representações figurativas e alegóricas de expressões cristãs, sobretudo também na tradição humanística.

A retomada dessas reflexões no contexto extra-europeu do Wat Arun de Bangkok, situando-se à parte da tradição remontante às Escrituras e à cultura greco-romana abre caminhos para a análise de fundamentos da linguagem de imagens em contextos globais.

Elevando-se da terra inundada em sentido real e metafórico

Em primeiro lugar, cumpre considerar que a montanha representada pelo Wat Arun simboliza um centro, um ponto médio e um eixo da cidade e do reino. Não é um emblema, mas um marco e local de culto. Na situação urbana atual, porém, decorrente de circunstâncias históricas, o templo não coincide com o centro de Bangkok. Trata-se, assim, de centro de uma organização espacial de natureza virtual, simbólica e religiosa.

Igreja Santa Cruz, Bangkok
A história de sua construção vincula-se com uma época crucial na história do antigo Sião. Com as invasões birmanesas e os problemas internos do antigo reino, oo general Taksin, após a destruição da antiga capital Ayutthaya, transferiu-a em 1767 pequena cidade de Thonburi, à margem ocidental do Chao Phraya, que até então servira como porto alfandegário, e que vivia sob a defesa de uma fortaleza.

Nesse novo centro do Sião, o local de orações do agora rei Taksin era o Wat Cheng, situado nas proximidades do Wat Arun. Esse templo era designado então como Wat Makok, o que indica um elo com a simbologia da oliveira e de seu fruto, do óleo e da luz.

A destruição da antiga cidade, de remotas origens e tradições, cognominada de "Veneza do Oriente", designação que herdaria Bangkok (vide http://www.revista.brasil-europa.eu/135/Portugueses-no-Siao.html) fora uma cidade conquistada de terras inundadas, e a sua destruição correspondeu a uma inundação no sentido metafórico do termo. A transferência para Thonburi, também região inundável, significou renovado desafio e salvação das águas. A continuidade do reino na nova localidade exigiu que não apenas suas instituições, mas sim também os seus principais referenciais definidores fossem transferidos. As dimensões desses acontecimentos poderiam talvez explicar procedimentos de Taksin que teria passado a considerar-se como divino, o que levou à sua execução.

Ao período de Ayutthaya remontam outros edifícios, salientando-se o Viharn Noi e o Bot Noi, ligados entre si por um portal. No Bot Noi, o Ubosot,o rei Taksin passou o seu período de monge, no Viharn Noi encontram-se representações dos guardas (Yaksha) dos quatro pontos cardeais, afastando más influências.

Em 1782, assumiu o poder o General Chakri, o fundador da atual dinastia - Rama I (Phra Puttha Yotfa Chulalok, 1737-1809). Havia sido aquele que, em 1778, no cerco de Vientiane, trouxera a estátua do Buda esmeralda e que foi transferida para Thonburi, onde foi colocada primeiramente no War Arun.

A transferência da capital à outra margem do rio, onde até então apenas havia o pequeno povoado de Ban Makok, o futuro Bangkok, tem sido explicada pelo fato de ser o antigo local constantemente ameaçado pelas águas, permanecendo Thonburi até o presente como cidade determinada pela vida nas águas e em canais. Na nova margem, o rei levantou o novo palácio, edifícios de govêrno e o templo de Wat Phra Kaeo, onde depositou o Buda esmeralda que vinculava-se à sua ação.

O local antigo, porém, o dos baixos ameaçados pelas águas, não foi abandonado, sendo o Wat Arun transformado em verdadeira montanha por Rama II. A sua parte central foi aumentada de 15 a 104 metros. Acima de um pedestal de 37 metros, eleva-se uma torre de 67 metros. Essa torre, pela sua forma, representa não apenas o cume agudo da montanha, mas como que um eixo. A construção teve prosseguimento sob os reis seguintes.

A ampliação do Wat Arun a monumento de tais proporções representou uma notável obra construtiva Levantado em terreno instável, sujeito a inundações, exigiu, segundo a tradição narrada, que nos seus fundamentos fossem enterrados numerosas barcas. Essa menção pode ser interpretada certamente em sentido figurado: é o templo fundamentado na barca que flutua sôbre a terra inundada.

Leitura da arquitetura segundo recursos da tradição ocidental

A construção é ornamentada com peças de porcelana que cobrem as paredes, pilastras e outros elementos arquitetônicos, apresentando motivos sobretudo vegetais. Observando-as com mais cuidado, percebe-se que, em grande parte as peças são provenientes de pratos e outros objetos de louça quebrados ou truncados. Segundo a tradição, esse fato singular explicar-se-ia pela necessidade: não havendo mais materiais e meios para obtê-los, o rei pediu a seus súditos que entregassem cacos de porcelana do uso quotidiano, com os quais então os artesãos teriam feito as ornamentações. Essa elucidação, porém, não parece ser plausível, devendo haver um sentido mais profundo para justificar a construção de obra de tal porte ornamentada com cacos, peças que testemunham a temporariedade de bens terrenos.

A ornamentação faz com que a montanha surja como que envolta em vegetação. Ela eleva-se dos baixos húmidos e inundáveis não apenas como terra sêca, mas como coberta de plantas que florescem. A arquitetura pode ser lida, assim, como indicativa da terra que surge e se manifesta na vegetação que cresce ao término da época das águas. Seria certamente uma prova de leitura superficial e inadequada supor que a profusão de flores da ornamentação represente apenas expressão de intuitos decorativos sem significados mais profundos. A vegetação em flores é aquela que traz sementes e que produzirá frutos. Entendendo a construção em correspondência ao ciclo anual, poder-se-ia lê-la como representação de um movimento ascendente, manifestado na primavera florida, levando ao cume da torre com a frutificação. A força da semente, oculta na base, manifesta-se, assim, apenas no fruto que surgirá no seu cume. Essa força ascensional é oculta, intrínseca ao crescimento que pode ser lido na aparência externa do templo e que poderia ser comparado com um tronco. A construção corresponderia, nessa leitura, apenas a uma espécie de invólucro, dirigindo o olhar daquele que mais profundamente lê à força ascensional oculta, interna, que lhe dá vida.

A percepção dessa força ascensional intrínseca é possibilitada pelo reconhecimento da ordenação lógica da arquitetura na sua aparência. Essa lógica manifesta-se na vigência de princípios numerológicos. Um significado que mais de imediato se torna evidente é aquele emprestado ao número 4. Assim, a torre, até à metade, pode ser subida através de quatro escadas;  no segundo patamar se encontram nichos que mostram Buda nas quatro principais fases da sua vida: nascimento, meditação, pregação e morte. Os prang externos, também em número de quatro, possuem estátuas do deus dos ventos Phra Phai, a cavalo, dirigidas aos quatro pontos cardeais. Ao alto das escadas, encontram-se nichos com imagens do deus Indra, cavalgando o elefante de três cabeças, o Erawan.

O número quatro corresponde também a uma geografia simbólica, à montanha mítica rodeada por quatro continentes.

O monte Meru ou Sumeru e o centro do mundo e do reino

O Wat Arun, na sua arquitetura, nas suas dimensões e no seu significado apenas pode ser considerado a partir da concepção do monte Meru ou Sumeru da tradição budista. O grande prang do templo representa esse monte com os seus 33 céus.

Segundo narrativas por vezes compreendidas de forma por demais superficial, esse monte eleva-se no centro do universo. Essas concepções do monte Meru possuem referências ao mundo natural e aos ciclos do ano, representando a parte superior que se eleva das águas e que - no hemisfério norte - corresponde à época entre o equinócio da primavera e o de outono, ou seja, primavera e verão. A seu redor giram o sol e a lua, o que pode ser entendido como referência à luz da luz desses luminares, assim como estrelas e planetas, à luz da luz do dia, do qual se separa a noite.

Essa montanha é concebida como circundada por cadeias de montanhas, representando a mais alta de todas. Estas cadeias montanhosas são separadas entre si pelo oceano, o Sidantara, da qual se elevam. Todo o complexo é emoldurado pela cadeia de montanhas Cakkavala, o monte de ferro, que o separa do Nada. Entre esse monte de ferro e os sete outros que circundam o Meru encontra-se o oceano de água salgada onde se acham os quatro continentes, rodeados por uma grande quantidade de ilhas, assim como quatro menores; os homens vivem no continente Jambu.

Essa imagem pode ser aplicada ou atualizada em diferentes contextos. Assim, é localizada em diversas regiões, ou melhor, segundo o seu paradigma são interpretados montes na China, no Japão e em outros países. A montanha simbólica também pode ser constatada em outros locais de Bangkok. Na parede ocidental no Bot do Wat Saket (veja http://www.revista.brasil-europa.eu/135/Musica-na-Tailandia.html), vê-se o Meru à esquerda da estátua de Buda, sendo as sete cadeias de montanhas representadas por colunas, cada uma encimada pelo palácio de uma divindade. À direita, vê-se o grande oceano salgado e os continentes. Outra representação do monte pode ser apreciada no templo do Buda esmeralda, no Wat Phra Kaeo.

Que o monte Meru deve ser considerado na sua inserção em edifício de concepções e imagens do mundo e do homem, e não evidentemente a partir da sua localização em qualquer região terrena, isso o indica o fato de que as construções que o simbolizam marcam o centro de reinos no Sudeste Asiático, como é o caso também do Wat Arun.

Esses elos do Wat Arun com imagem de significado fundamental no Budismo faz com que a arquitetura permita referências a diferentes tradições culturais, transformando-a em monumento significativo para estudos de internacionalizações. Assim, no plano baixo, de onde as escadas partem, vêem-se guerreiros chineses. Na subida ao segundo pavimento, vêem-se figuras mitológicas, mixtas de homens e aves (Kinnari), que segundo a tradição habitam a floresta das encostas do Meru. No segundo pavimento, a ornamentação é caracterizada por figuras de Yakshas, ou seja daqueles que, de demônios, passam a sustentáculos do edifício, ou seja, a serviço da luz; significativamente, encontram-se aqui os nichos com as fases da vida do Iluminado.


O terceiro andar apresenta figuras da narrativa épica do Ramakia, versão siamesa do Ramayana, sendo o mais alto pavimento marcado por seres celestiais, os Devatas. Os vínculos profundos com a tradição hindú se evidenciam nas imagens de Indra cavalgando o elefante de três cabeças e as de Vishnu, como cavaleiro do pássaro Garuda. O alto da torre é marcado pela arma de Indra (Vajra) e por uma coroa dourada, que substitui uma imagem de Buda originalmente prevista.

O centro do mundo na tradição ocidental e a igreja Santa Cruz de Bangkok

A imagem de um monte como centro de uma cidade e ponto médio da terra e do cosmos não é desconhecida na tradição ocidental. Na antiga geografia simbólica de fundamentação religiosa, Jerusalem foi vista como centro do mundo e da terra, e, nela, o monte Golgota ou Calvário como centro. Esse centro do mundo, segundo tradição narrada, seria o local onde fora enterrado Adão e onde processou-se a morte e a ressurreição do Novo Adão.

Nasse contexto, surge como significativo que a comunidade cristã luso-tailandesa, quando da mudança da capital para Bangkok, tivesse se transferido para uma área que foi designada como Wat Kudi Jeen na margem ocidental do grande rio, não longe do Wat Arun, concedida pelo rei Taksin. I.

A seguir, o centro da comunidade cristã passou para a outra margem, no lugar designado como Calvário. Até hoje é a sua igreja designada com esse nome, apesar de sua dedicação ao Rosário. A antiga igreja de Wat Kudi Jeen passou a ser designada de Santa Cruz.

Grupo de trabalho sob a direção de
Antonio Alexandre Bispo



Todos os direitos relativos a texto e imagens reservados. Reproduções apenas com a autorização explícita do editor.

Indicação bibliográfica para citações e referências:
Bispo, A.A. "Terra que se eleva das águas que correm, a montanha e o eixo no edifício de concepções e imagens do Sião e do Ocidente". Revista Brasil-Europa: Correspondência Euro-Brasileira 135/5 (2012:1). http://www.revista.brasil-europa.eu/135/Monte-Meru.html

.


  1. Observação: o texto aqui publicado oferece apenas um relato suscinto de trabalhos. Não tendo o cunho de estudo ou ensaio, não inclui aparato científico. O seu escopo deve ser considerado no contexto geral deste número da revista. Pede-se ao leitor que se oriente segundo o índice desta edição e o índice geral da revista (acesso acima). Pede-se ao leitor, sobretudo, que se oriente segundo os objetivos e a estrutura da Organização Brasil-Europa, visitando a página principal, de onde obterá uma visão geral e de onde poderá alcançar os demais ítens relativos à Academia Brasil-Europa de Ciência da Cultura e da Ciência (culturologia e sociologia da ciência), a seus institutos integrados de pesquisa e aos Centros de Estudos Culturais Brasil-Europa: http://www.brasil-europa.eu


  2. Brasil-Europa é organização exclusivamente de natureza científica, dedicada a estudos teóricos de processos interculturais e a estudos culturais nas relações internacionais. Não tem, expressamente, finalidades jornalísticas ou literárias e não considera nos seus textos dados divulgados por agências de notícias e emissoras. É, na sua orientação culturológica, a primeira do gênero, pioneira no seu escopo, independente, não-governamental, sem elos políticos ou religiosos, não vinculada a nenhuma fundação de partido político europeu ou brasileiro e originada de iniciativa brasileira. Foi registrada em 1968, sendo continuamente atualizada. A A.B.E. insere-se em antiga tradição que remonta ao século XIX.


  3. Não deve ser confundida com outras instituições, publicações, iniciativas de fundações, academias de letras ou outras páginas da Internet que passaram a empregar designações similares.