Romênia e o mundo latino. BRASIL-EUROPA 134/5. Bispo, A.A. (ed.). Academia Brasil-Europa e ISMPS





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BRASIL-EUROPA

Correspondência Euro-Brasileira©

 

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Tropaeum de Trajano, Romenia. Foto A.A.Bispo

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Tropaeum de Trajano, Romenia. Foto A.A.Bispo

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Tropaeum de Trajano, Romenia. Foto A.A.Bispo

Tropaeum de Trajano, Romenia. Foto A.A.Bispo


Fotos A.A.Bispo
©Arquivo A.B.E.

 

Revista Brasil-Europa - Correspondência Euro-Brasileira 134/5 (2011:6)
Prof. Dr. A.A.Bispo, Dr. H. Hülskath (editores) e Conselho Científico
da
Organização Brasil-Europa de estudos teóricos de processos inter- e transculturais e estudos culturais nas relações internacionais (reg. 1968)
- Academia Brasil-Europa -
de Ciência da Cultura e da Ciência

e institutos integrados

© 1989 by ISMPS e.V. © Internet-edição 1998 e anos seguintes © 2010 by ISMPS e.V. Todos os direitos reservados
ISSN 1866-203X - urn:nbn:de:0161-2008020501

Doc. N° 2814


Academia Brasil-Europa



O Tropaeum Traiani como marco aterrorizador do triunfo sobre a barbárie
e a identificação com o mundo latino dos Romenos


Ciclo de estudos da A.B.E. da Valáquia. Adamclisti, 2011

 

A realização de estudos culturais que relacionam a Romênia e o Brasil tem uma de suas principais justificativas no significado que assume, na identidade cultural da Romênia, a sua inserção na Europa Ocidental e, em particular, no mundo latino e romano.

Para além de elos históricos e culturais, de similaridades e analogias, é essa identidade romana da Romênia, de tanta relevância à época da formação da atual nação no século XIX, que merece uma especial atenção por parte da pesquisa, uma vez que é, em si, fenômeno cultural.

Essa identificação relacionou-se com movimentos culturais que transcenderam limites geográficos da nação em determinada época de sua história, com o Romanianismo e mesmo Panromanianismo  (vide artigo a respeito de Iaşi). Em estreita proximidade ao  Panlatinismo, moldado em campo de tensões marcado por anelos pangermânicos, paneslavos e outros, essa expressão do processo de conscientização e de construção de identidade nacional romena faz com que a consideração do país surja até mesmo como uma exigência para estudos culturais que considerem elos internos europeus nas suas relações com países de formação latina como o Brasil.

Esse movimento de auto-reconhecimento e de construção da identidade romena, que deve ser compreendido a partir de processos histórico-políticos no Sudeste europeu, em particular à época da união do Moldau e da Valáquia para a formação da Romênia, influenciou o desenvolvimento da pesquisa e das artes.

À procura de fundamentação histórica, linguística e cultural dos estreitos elos com o mundo latino, a serviço, assim, da construção da identidade nacional, intelectuais romenos realizaram estudos em várias áreas disciplinares, marcando com as suas interpretações desenvolvimentos do pensamento e da pesquisa. As publicações e as obras criadas determinaram ramos de conhecimentos, assim como a auto-imagem e a imagem do país no Exterior.

Tropaeum de Trajano, Romenia. Foto A.A.Bispo
O complexo monumental da vitória dos romanos contra os dácios

Uma das principais expressões da cultura memorial da Romênia que testemunha o seu Romanianismo e, em consequência, os seus estreitos elos com a Latinidade é o complexo monumental Tropaeum Traiani, localizado próximo ao povoado de Adamclisti.

Trata-se de um monumento da vitória dos Romanos sob Marco Ulpio Trajano (53-117) contra as forças da Dácia sob Decebalus (89-117) e seus aliados nos planos de Adanclisti no ano de 102 D.C.. O Tropaeum é uma das partes de um complexo arqueológico que inclui também uma colina sepulcral e um altar memorial edificado para soldados que perderam a vida durante os combates. Trata-se de um conjunto patrimonial singular, de alto conteúdo simbólico, mixto de área histórica, sepulcral e sacral, ainda que não inclua um templo: um local de cultura e culto em campo aberto, fora de uma localidade que traz o seu nome e cujas ruínas se situam nas proximidades.

Os fundos arqueológicos foram investigados por Grigore Tocilescu (1850-1909) entre 1882 e 1894. Esse arqueólogo reconheceu o extraordinário significado da área e qualificou-os como "certidão de nascimento do povo romeno". Essa expressão manifesta a relevância do Tropaeum Traiani para o reino da Romênia na época de sua consolidação e fortalecimento de sua ideologia nacional. O nome de Trajano, o grande vulto da história romana proveniente do mundo ibérico, nascido que foi na Itálica, próxima da atual Sevilha, encontra-se, assim, vinculado com o marco histórico da Romênia.

Tocilescu foi historiador, arqueólogo e folclorista, professor de História Antiga da Universidade de Bucareste e secretário-geral do Ministério da Educação, tendo-se dedicado em especial ao estudo das culturas da antiga Dácia. De orientação política conservadora, atuou na mesma época do liberal Vasile Alexandrescu Urechia (1834-1901), importante voz do Romanianismo e que representou um dos principais elos dos estudos culturais da Romênia com o mundo ibérico, encontrando-se presente na correspondência diplomática com o Brasil (veja artigo a respeito da Academia Română, nesta edição).

O monumento da vitória foi edificado entre 106 e 109, segundo projeto de Apollodoros de Damasco. Já esse fato indica o significado histórico-arquitetônico da construção, uma vez que Apollodoros foi o grande arquiteto de Trajano, autor de várias obras de extraordinária relevância para a história da arquitetura e de significado simbólico para Roma, entre elas sobretudo o Foro (ca. 113-117 D.C.), a Coluna de Trajano e as Termas de Trajano em Roma e, durante a guerra da Dácia, a ponte de Trajano no Danúbio.

A obra de Apollodoros necessita ser considerada sob as amplas concepções da arquitetura da Antiguidade, nas quais a arte da construção inseria-se em complexo disciplinar de sentidos globais e que exigia dos arquitetos formação múltipla, da qual faziam parte, entre outras, a música. À tarefa dos arquitetos pertencia também a engenharia bélica. As monumentais construções de Apollodoros nos foros imperiais exemplificam o significado da harmonia, da ordem e, nas das dimensões monumentais dos espaços externos e internos, dos vínculos da idéia imperial romana com a representação solene da vitória, do poder, com concepções integrais e mesmo sacralizadas do mundo e do homem. (Fritz Baumgart, Stilgeschichte der Architektur, Colonia: DuMont Schauberg, 3a. ed. 1973, 40)


O Tropaeum Traiani apresenta-se ao observador como um monumento que pode causar de início estranheza pela sua forma, pela sua configuração cilíndrica compacta, pelo seu telhado de forma cônica, coberto com lápides em forma de escamas, coroada com um símbolo da vitória acima de dois primas, tendo, à frente, duas figuras femininas sentadas e um homem com mãos atadas às costas. Ainda que a reconstrução dos anos 70 do século XX tenha conferido à área uma configuração monumental de eixo em forma de alameda que dirige ao largo em forma de circunferência na qual se eleva o Tropaeum, o observador se surpreende com a severidade da pesada massa construída, pela sua materialidade densa, sem vãos, sem colunas.

As representações bélicas, tanto narrativas quanto simbólicas, abrem o caminho para a leitura do monumento. Na sua parte central encontram-se 54 metopes que representam a luta entre os romanos e as forças do rei da Dácia em relêvos emoldurados por frisos e delimitados por pilastras. Na parte superior, vê-se uma ática com representações dos aprisionados. Diversos momentos dos embates, representados na sua grande dureza e mesmo falta de piedade para com os vencidos, apresentando cavaleiros, lutas de romanos e bárbaros, dácios em fuga, prisioneiros acorrentados, levam, da base ao cimo, à representação dos derrotados amarrados em árvores, cujos despojos se vêem ao alto. É uma construção que, aos olhos do observador, parece antes solenizar o fato da derrota do que servir à glorificação dos vencedores.


Significativamente, o altar em honra aos soldados que perderam a vida durante as lutas se encontra a certa distância. Em forma de paralelepípedo, com 12 metros de comprimento e 6 de altura, continha ca. de 4000 nomes. Mais ao longe, encontra-se uma colina sepulcral, também edificada no ano 102, e que continha os restos mortais de um oficial romano caído em combate.


A  pouco mais de um quilômetro a sudoeste do monumento encontra-se a fortificação da época de Trajano, construída após a batalha, provavelmente um assentamento da legião, a Civitas Tropaensium. Reconstruída em 316 pelo imperador Constantino (270/288-337), admirador de Trajano, a sua história termina na primeira metade do século VII. Os trabalhos arqueológicos puderam revelar as muralhas com quatros portas, assim como a rua principal, uma basílica no forum, construções diversas e, como testemunho da Cristianização, sete igrejas.

O significado da vitória para Roma

Para uma consideração mais aprofundada do significado do Tropaeum para o Império Romano, para a consciência histórica romena, para os anelos romanianos e para os estudos culturais em geral torna-se necessário trazer à consciência o papel - real e simbólico - desempenhado pela Dácia no mundo antigo.

Os dácios, parte do povo dos trácios e aparentados com os getos, localizavam-se entre o Danúbio, os Cárpatos e o Dnjestr, ou seja, no território da atual Romênia. A sua região abrangia os atuais territórios de Siebenbürgen, Banat e Oltenia.

Dos séculos VII aos IV A. C. experimentaram a influência dos escítios. Tanto pela proximidade com os trácios como com aos escítios, o povo dos dácios passou a ser associado com concepções de crueldade e barbárie. (vide http://www.revista.brasil-europa.eu/134/Lobisomem-e-Dracula.html)

No século III e II A.C., época do assentamento de celtas no território, os dácios passaram a ser independentes. Com a unificação de vários de seus grupos, originou-se império dácio ao redor do ano 50 A.C. e que. a leste, alcançava o Mar Negro, ao sul as montanhas balcânicas, a oeste, a Morávia. Com o assassinato do rei dácio Burebista, o império dividiu-se; em 29 A.C., aliados de Marco Antonio (82-86 A.C.-30 A.C.), foram derrotados por Otaviano, o posterior imperador Augusto (31 A.C.- 14 D.C.).

Em 16 A.C., atacando a Panonia, foram vencidos por Augusto, obrigando-se a aceitar a soberania romana. Deu-se início á romanização da região. Com a expansão de uma tribo dácia no território da Moesia, os romanos transferiram para ali tropas que estavam estacionadas na região de Colonia, no Reno.

No ano 86 D.C., as tribos dácias, unificadas sob o rei Decebalus, com capital em Sarmizegetusa, foram alvo de ataques dos romanos, primeiramente de Domitiano (51-96). Perante o risco de apoio de outros povos, fechou-se um tratado de paz, segundo o qual a Dácia tornou-se um estado vassalo de Roma, recebendo apoios, artesãos e arquitetos.

Apesar da situação de sujeição, o crescente poderio da Dácia levou a que o imperador Trajano declarasse guerra a Decebalus no ano 101 D.C., fechando-se um novo tratado de paz e causando a perda de territórios aos dácios. Na Segunda Guerra dácia, no ano de 105/6, após a derrota, o país tornou-se província romana, sendo a sua antiga capital destruída.

O último rei dácio, o vencido Decebalus, representara uma constante ameaça ao império. Com o auxílio de especialistas gregos e romanos, fortalecera o seu país, criara uma administração interna efetiva e fomentara uma consciência de liberdade e de sentimento nacional. Apesar de todos esses esforços, que levaram a um ponto máximo da história pré-romana da região, as forças dácicas não puderam resistir à supremacia militar das oito legiões romanas. Com o fim da resistência, Decebalus suicidou-se.

O significado da derrota de um povo que era tão intensamente conotado com a barbárie para Roma pode ser avaliado na magnitude dos despojos e das celebrações. Trajano retornou a Roma com grande quantidde de ouro, prata, e ca. de 50.000 prisioneiros; as festas na capital duraram três meses e o feito foi perenizado na coluna no Forum que traz até hoje o nome de Trajano. Consagrada no ano de 113, a Coluna de Trajano surge como que em paralelo ao Tropaeum no local da batalha. Também aqui os relevos, dispostos ascendentemente em espiral,  representam cenas e situações das guerras contra a Dácia, tendo à sua base, a urna com os restos de Trajano  e, no seu cimo, a sua estátua em ouro, mais tarde substituída pela de S. Pedro.

A vitória romana sobre Decebalus marcou o início a um processo sistemático de romanização do território dácio com a implantação de uma rêde de vias e de localidades para o assentamento de legionários e formação de colonias, entre elas Apulum, Potaissa, Sarmizegetusa (desde 107/8 Colonia Ulpia Traiana), Dierna e Napoca. Para a romanização do país foram trazidos colonos de todo o Império, que encontraram ocupações na mineração, no trabalho em pedra, de cerâmica e ouro, assim como no comércio. Em 118/19, a região foi dividida em Dácia superior e inferior e, em 158/9, em três províncias. Essas, no início da guerra marcomanas, em 166, foram unificadas, surgindo a província das três Dácias. Esse desenvolvimento sob os romanos foi abalado com as invasões de povos a partir da época de Marco Aurélio (121-180); sob a pressão dos godos e dos carpos, no século III, a província foi deixada pelos romanos, sendo parte dos habitantes transferida para regiões ao sul do Danúbio.

Marco da vitória contra a Barbárica

Sob o ponto de vista teórico-cultural, o Tropaeum Traiani assume significado por representar - aos olhos de Roma - a vitória da cultura ou civilização contra a barbárie. Que a conotação da Dácia e de outros povos da região eram associadas com a barbárie ainda na época cristã, isso o testemunha a obra enciclopédica de Isidoro de Sevilha (ca. 560-636) (Etimologías II, ed. J. Oroz Reta, M.-A. M. Casqueiro, 2a ed. Madrid: Biblioteca de Autores Cristianos 1993, XIV/4, 179ss.).

Sagundo os dados transmitidos por Isidoro de Sevilha, a "primeira região da Europa" era a  Escitia inferior que, partindo das lagunas Meótidas, entre o Danubio e o oceano setentrional, se extendia até a Germania. Essa terra era em geral conhecida como Barbárica, devido aos povos bárbaros que nela habitavam. A sua primeira parte era a Alania, que se prolongava até as lagunas Meótidas, depois se encontrava a Dácia, onde se achava incluida a Gotia, tendo em continuação a Germania, cuja maior parte foi ocupada pelos suevos. A Germania estava ligada à Escitia inferior, a partir do Danúbio, e se situava entre o rio Reno e o oceano. Pelo norte e pelo ocidente a cingia o oceano, pelo Leste, o Danúbio, pelo sul estava delimitada pelo Reno. Era uma terra fecunda em homens, abundante em povos numerosos e muito grandes. Precisamente pela sua fertilidade na criação de povos havia sido chamada Germania. Havia duas Germanias: a superior, que confinava com o oceano setentrional; e a inferior, cerca ao Reno. A província que o Danúbio separava desde o territorio barbárico até o Mediterrâneo era a Mesia, assim chamada pela abundância em messes, e que os antigos conheciam como o celeiro de grãos de Ceres. Pelo oriente limitava com a desembocadura do Danubio; pelo sudeste com a Trácia; pelo sul, com a Macedonia; atingindo pelo ocidente a Istria. Após a Mesia se encontrava a Panonia; em continuação, a Nórica, territorio gelado e pouco produtivo. Atrás dele se achava a Retia, abundante em frutos e que alcançava a Galia belga.

Se dizia, segundo Isidoro de Sevilha, que a Tracia tinha recebido o seu nome devido à crueldade de seus habitantes. Pelo oriente, se limitava com a Propóntide e a cidade de Constantinopla; pelo norte confinava com o Ister ou Danubio inferior; pelo sul raiava com o mar Egeu; pelo ocidente se extendia à Macedonia. Era uma região que havia sido habitada por diferentes povos no passado, entre eles os bessos, os masagetas, os sármatas, os escitios e outras nações; a Trácia dava origem ao rio Ebro, que banhava também muitos outros povos bárbaros. (loc.cit.)

Isidoro de Sevilha volta a mencionar, em outra parte de sua obra, a crueldade dos costumes dos trácios ("traeches" seria derivado de truces =cruéis). Ao contrário do que muitas vezes se supõe, essa elucidação de Isidoro não deve ser vista apenas como um êrro de etimologia, mas sim como importante indício de concepções que se conhecem da mitologia e que podem ser explicadas a partir do edifício de visão do mundo e do homem. Isidoro afirma explicitamente que foram sempre considerados como os mais cruéis de todos os povos, e daí é que deles se contavam coisas fabulosas, como a de sacrificarem seus prisioneiros em honra a seus deuses e a do costume de beber sangue humano utilizando-se de crâneos como recipientes. Eram não só cruéis como ávaros, referindo-se aqui a Virgiio (En. 2,44): Heu fuge crudeles terras, fuge litus avarum. O povo dos istrios remontava, segundo Isidoro, aos colcos enviados em perseguição aos argonautas. Teriam entrado pelo rio Istro, afastando-se do Ponto; do nome do rio, e por terem-se afastado do mar, teriam recebido a denominação. (Etymologiarum IX/2, op.cit. 82-83)

O Tropaeum, o culto a Marte e o impalamento

A arquitetura e o significado do Tropaeum Traiani apenas podem ser compreendidos adequadamente considerando-se o fato de haver sido consagrado a Marte na sua qualidade de Marte Ultor, o da vingança.

Uma perspectiva teórico-cultural que atente ao culto de Marte pode abrir portas à leitura do monumento. Sob esse aspecto, este pode passar a ser visto como uma concretização em material sólido de uma prática cultual a Marte. Etimologicamente, a designação, recorrendo ao termo Tropaion, associa-se com o ato da fuga e com o ponto crucial de mudança dos acontecimentos. Indica, assim, a prática de, no campo da batalha, no local onde o inimigo abandonou o campo, batendo em fuga, afincar-se um madeiro no qual se penduravam armadura e armas dos vencidos. Dessa, forma, como também representado no Tropaeum Traiani, surgia uma figura humana como se estivesse impalada, ou seja, atravessada por um pau pontiagudo. Tratava-se, assim, de uma imagem que possuia certamente um sentido cultual, sendo acompanhada por práticas rituais. Essa prática deve ser vista também na sua função aterrorizadora do inimigo. Este, vendo-a, sabia que seria tratado duramente pelos vencedores.

Herodoto, descrevendo o modo de sacrificar a Ares entre os escítios, descreve que em cada localidade havia um local de culto ao deus, constituido por um monte de palha colocado sobre uma colina, de ca. 3 estádios de comprimento e largura, com menos de altura. À parte superior, plana, podia-se subir por um dos lados, e para cima levava-se ano após ano 150 carros de feno para suprir aquele que abaixava com o clima inóspito. No seu cimo elevava-se um antigo punhal, e este era a imagem de Ares. Ali faziam sacrifícios, maiores do que para os demais deuses; de todos os inimigos, que tomavam, escolhiam um de cada cem para ser imolado. Derramavam vinho sobre as suas cabeças e depois os matavam sobre um recipiente, sendo o sangue assim colhido derramado sobre o punhal. Cortavam dos sacrificados o ombro e o braço direito, atirando-o ao ar, caindo em local longe dos corpos, que ali permaneciam. Quando um escita matava o seu primeiro homem, tomava o seu sangue (Historien I-V, trad. W. Marg, Munique: Artemis 1991, IV 62-64, pág. 337)

Essa prática de campo de batalha, de remotas eras, associada ao culto de Marte, passou a ter a sua expressão plástico-arquitetônico com o levantamento de um deles pelos gregos após a batalha de Marathon no ano de 480 A.C., sendo desde então mencionado em escritos e em representações, por exemplo em moedas. Sob os romanos, adquiriu particular significado como símbolo da superioridade de poder. No Tropaeum Traiani, o significado aterrorizador desse marco é salientado pela representação de mulheres e de um prisioneiro a seus pés, o que servia para indicar a absoluta falta de comiseração que os inimigos poderiam esperar.

Essa prática assume no contexto romeno um particular significado, pois foi aquela que ficaria vinculada à figura de Vlad III Țepeș, o "Impalador" que, no século XV, tornou-se conhecido pela sua crueldade, pelo uso do método do impalamento e do levantamento de impalados para aterrorizar inimigos (vide http://www.revista.brasil-europa.eu/134/Lobisomem-e-Dracula.html). Abrem-se, aqui, perspectivas para a compreensão de aspectos que surgem como singulares relativos à figura de Vlad III para a Romênia e, consequentemente, às concepções referentes ao "Drácula". A atroz prática do impalamento surge em tradição remontante à Antiguidade, que teve a sua expressão no Tropaeum Traiani e, portanto, estreitamente vinculada com a vitória dos romanos e com uma consciência histórica de romanidade dela decorrente.


Círculo de estudos sob a direção de
Antonio Alexandre Bispo



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Indicação bibliográfica para citações e referências:
Bispo, A.A. "O Tropaeum Traiani como marco aterrorizador do triunfo sobre a barbárie Marte e a identificação com o mundo romano dos Romenos". Revista Brasil-Europa: Correspondência Euro-Brasileira 134/5 (2011:6). http://www.revista.brasil-europa.eu/134/Tropaeum-Traiani.html



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