Alemães no Brasil e na Romênia: Igrejas-burgo. BRASIL-EUROPA 134/19. Bispo, A.A. (ed.). Academia Brasil-Europa e ISMPS





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BRASIL-EUROPA

Correspondência Euro-Brasileira©

 

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Igrejas-burgo, Homorod, Romenia. Foto A.A.Bispo

Igrejas-burgo, Homorod, Romenia. Foto A.A.Bispo

Igrejas-burgo, Homorod, Romenia. Foto A.A.Bispo

Igrejas-burgo, Homorod, Romenia. Foto A.A.Bispo

Homorod, Romenia. Foto A.A.Bispo

alemães em Homorod, Romenia. Foto A.A.Bispo

Homorod, Romenia. Foto A.A.Bispo


No texto: torre da igreja de Feldioara

Fotos A.A.Bispo
©Arquivo A.B.E.

 

Revista Brasil-Europa - Correspondência Euro-Brasileira 134/19 (2011:6)
Prof. Dr. A.A.Bispo, Dr. H. Hülskath (editores) e Conselho Científico
da
Organização Brasil-Europa de estudos teóricos de processos inter- e transculturais e estudos culturais nas relações internacionais (reg. 1968)
- Academia Brasil-Europa -
de Ciência da Cultura e da Ciência

e institutos integrados

© 1989 by ISMPS e.V. © Internet-edição 1998 e anos seguintes © 2010 by ISMPS e.V. Todos os direitos reservados
ISSN 1866-203X - urn:nbn:de:0161-2008020501

Doc. N° 2828


A.B.E.


Minorias, Patrimônio e Educação em situações de pluralidade étnica e cultural
Grupos populacionais de ascendência alemã no Brasil e na Romênia IV:
igrejas-burgo

"Ein feste Burg ist unser Gott" - imagens no hino e realidade construída


Trabalhos da A.B.E. na Romênia pelos 40 anos da primeira sessão de arquitetura e estudos culturais do Museu de Folclore/FAU-USP, São Paulo
Homorod, 2011

 
Forum RS, Gramado 2002
No Forum Rio Grande do Sul, realizado no âmbito do Congresso de Estudos Euro-Brasileiros de 2002, mencionou-se, na sessão dedicada a estudos hinológicos nas suas relações com a etnomusicologia, o significado dos hinos religiosos para os antigos imigrantes alemães, em particular o "Ein feste Burg ist unser Gott". Salientou-se ser este entoado pelos imigrantes e colonos em situações de perigo, servindo ao fortalecimento da fé.
Dr. Alfons Weller, Sao Leopoldo 2002
Como o hinólogo Dr. Alfred Weller salientou, esse canto, atribuído a Martinho Lutero, originado antes de 1529, vem sendo há muito objeto de estudos, levantando questões sob diferentes aspectos. Segundo alguns, teria sido composto em contexto de luta contra muçulmanos, segundo outros, teria servido em situações marcadas pela oposição daqueles que resistiam à Reforma. Tornou-se canto muito difundido no repertório hinológico evangélico em todo o mundo e várias são as obras de grandes compositores de séculos posteriores que nele se basearam.

As imagens que transmite, porém, são muito mais remotas, fundamentando-se em imagens transmitidas sobretudo pelo Salmo 46. Este, e portanto as imagens a êle inerentes, esteve presente durante séculos na cultura anterior à Reformação. Essa presença não foi apenas de cunho espiritual ou mesmo metafórico. Houve casos em que as igrejas constituiram verdadeiros burgos, locais de refúgio e proteção em ocasiões de perigo.

Entre os exemplos mais significativos de igrejas com função de defesa na Idade Média encontram-se as igrejas-burgo dos "saxões siebenburgueses".

Igrejas-burgo, Romenia. Foto A.A.Bispo
Igrejas-burgo dos "saxões-siebenburgueses"

Essas construções demonstram de forma exemplar os elos entre a arquitetura e o contexto histórico-cultural da colonização no caso especial da Transilvânia (Siebenbürgen). Os colonos alemães de Siebenbürgen criaram, com essas igrejas fortificadas, um tipo particular de construções que hoje representam importante monumentos do patrimônio cultural e artístico-arquitetônico da Romênia.

Esse desenvolvimento arquitetônico foi resultado da necessidade de defesa das comunidades em relação aos perigos decorrentes da posição geográfica da região, ameaçada por diferentes lados, em particular por parte de tataros e dos muçulmanos. Assim, essas igrejas se transformam em expressão construída do conflito entre a Cristandade e o Islão, exemplos contextualizados do campo de tensões "cristãos x mouros", de tão grande significado para o mundo de língua portuguesa.

Os imigrantes alemães viram-se, na Transilvânia, confrontados com a necessidade de defesa das comunidades, construindo fortificações, em geral em elevações nas circunvizinhanças das colonias, onde os moradores podiam encontrar abrigo em caso de ataque.

Com o passar do tempo, essas fortificações, de início de argila e madeira, foram ampliadas e substituídas por construções mais sólidas, garantidas com muros de pedras. Ainda que a maior parte desses burgos não tenha sido conservada, um exemplo particularmente representativo é o do burgo do Monte de São Miguel em Cisnadioara, próximo a Hermannstadt/Sibiu.

Homorod, Romenia. Foto A.A.Bispo

Para que os inimigos não pudessem subir ao burgo na montanha, os moradores colocavam grandes pedras nos altos das muralhas. Essas pedras eram arremessados quando o inimigo tentativa subir a elevação. O levar pedras para cima das muralhas no alto do morro passou a ser prática tradicional realizada por noivos antes do casamento. Cada união matrimonial, assim, contribuia com uma pedra para a defesa da comunidade.

As construções dentro dessas fortalezas eram em geral de forma simples, ainda que possuíssem elementos decorativos, e, em particular, portais de igrejas artisticamente elaborados.

Os ataques de tátaros, no século XIII e os dos turcos, a partir de 1395, levaram a ampliações desse tipo de construções. Como as fortificações em montanhas próximas aos povoados não podiam ser alcançadas com a necessária rapidez, passou-se a fortificar as igrejas nos assentamentos, construindo a seu redor muralhas e torreões de defesa.

Assim, muitas igrejas da região apresentam um aspecto nitidamente militar, expressão concreta da expressão de Deus como "burgo sólido" como decantado no hino. Esse tipo de construção, distanciador à primeira vista, e que pode levar a conclusões inadequadas, explica-se a partir da necessidade de defesa da população.

Nessas igrejas, com o seu pátio interno guardado por muralhas, nas quais se abriam apenas pequenas entradas, os habitantes podiam encontrar refúgio e conforto religioso. Também essas construções passaram por ampliações derivadas do fato de que, no caso de ataque, os habitantes nelas precisarem viver por mais tempo. Passando a abrigar aposentos de moradia e dormitórios, assim como depósitos de cereais, transformaram-se, em muitos casos, em pequenas cidades dentro de cidades, abrigando a residência do clero como no caso de Birthälm/Biertan, nas proximidades de Hermannstadt/Sibiu.

A mudança das condições existenciais levaram também à mudança das funções dessas construções. Com o término do domínio turco, as igrejas-burgo perderam a sua utilidade. Foram abandonadas ou demolidas, usando-se de suas pedras como material de construção. Em alguns casos, os depósitos de cereais continuaram a ser usados como silos. Uma dessas refuncionalizações foi a do uso de torres como "torre de toucinho". Como mantinham-se frias, devido às fortes paredes, serviam para guardar banha.

Foi apenas a corrente romântica do passado no século XIX que levou a que alguns estudiosos passassem a salientar o valor dessas construções, influenciando, através de publicações, a atitude dos habitantes para com esses edifícios, tornando-os reconhecidamente elementos do patrimônio cultural e arquitetônico nacional (vide artigo sobre Sigerus).

Situação atual da igreja-burgo de Homorod

Para considerar a vida atual de comunidades de uma dessas igreja-burgo, a A.B.E. realizou uma visita à de Homorod (Hamruden, lat. Hamorodia), na região rumeno do Siebenbürgen, localidade situada ca. de 3m da cidade de Rupea.


Fundado no século XII por colonos alemães em local que havia sido habitado há remotas eras, às margens dos riachos Homorod, foi pela primeira vez citado em fonte histórica ao redor de 1400. Foi conhecido com o nome de Sankt Petersdorf am Homorod pelos húngaros (Homorod Szaszszentpeter), título de uma primitiva igreja construida no alto de uma montanha. Foi uma localidade que permaneceu modesta, habitada por camponeses e pastores. Em 1623, foi destruída por grande incêndio.

A igreja local foi construída a partir de 1270. Tem a forma de sala e apresenta resíduos de pinturas murais. Estas, na apsis, demonstram a existência de um painel do Juízo Final na fachada ocidental da igreja; Cristo na coroa irradiadora da Mandorla, sobre um arco-iris, ladeado pelos quatro evangelistas. A seu lado vêem-se Maria e São João como intercessores pelos homens (Deesis), assim como querubins. Abaixo, havia um friso com os apóstolos. A pesquisa tem detectado elos com pinturas de igrejas da Hungria do início do século XV.


Em fins do século XV, a igreja de Homorod foi fortalecida, ou melhor, reformada para constituir uma verdadeira fortaleza. Acima do coro construiu-se uma grande torre, devendo-se para isso cimentar o arco do coro antigo, e a igreja foi cercada por fortes muralhas. Na muralha interna, levantam-se quatro torres, sendo cercada por uma muralha menor.

Em 1784, a igreja foi ampliada, construindo-se um novo coro. O altar para a leitura, tendo por cima um órgão, expressa o significado da música no culto evangélico, um tipo de construção conhecido sobretudo em igrejas em regiões de missão e de difusão da Reforma na Alemanha. A configuração interna originada nessa época, manifestando a recepção de correntes de um barroco de conotações populares conhecido sobretudo do sul da Alemanha e Áustria, parece indicar que meios de expressão de propaganda católica contra-reformatórias, transformando-se na sua função, adaptaram-se a fins da Reforma em regiões de antiga cultura católica, também em territórios distantes. Os alemães de Homorod teriam reconstruido a igreja a serviço da afirmação de sua identidade relativamente aos católicos húngaros e austríacos.


Hoje, com o êxodo de romenos de ascendência alemã após a queda do Comunismo, a igreja é frequentada apenas por pouco mais do que uma dezena de evangélicos. Tendo nela sido feitos reparos básicos para que não ruisse através de auxílio da Alemanha, é mantida por um casal de idosos que já não se encontram em condições de abandonar Homorod.


A povoação, com a sua igreja-burgo, é um dos exemplos mais expressivos da transformação social e cultural por que vem passando a região de Siebenbürgen/Transilvânia nos últimos vintes anos. Apesar da retórica do hino "Ein feste Burg ist unser Gott", é uma fortaleza que cai em situação que não é marcada por ameaças, mas sim por ser abandonada por aqueles que procuram melhores possibilidades econômicas. Homorod, uma povoação que foi alemã por séculos, é hoje sobretudo habitada por romenos e ciganos.


Círculo de estudos sob a direção de
Antonio Alexandre Bispo



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Indicação bibliográfica para citações e referências:
Bispo, A.A. "Minorias, Patrimônio e Educação em situações de pluralidade étnica e cultural Grupos populacionais de ascendência alemã no Brasil e na Romênia IV: igrejas-burgo". Revista Brasil-Europa: Correspondência Euro-Brasileira 134/19 (2011:6). http://www.revista.brasil-europa.eu/134/Teuto-Romenos-Igrejas.html



  1. Observação: o texto aqui publicado oferece apenas um relato suscinto de trabalhos. Não tendo o cunho de estudo ou ensaio, não inclui aparato científico. O seu escopo deve ser considerado no contexto geral deste número da revista. Pede-se ao leitor que se oriente segundo o índice desta edição e o índice geral da revista (acesso acima). Pede-se ao leitor, sobretudo, que se oriente segundo os objetivos e a estrutura da Organização Brasil-Europa, visitando a página principal, de onde obterá uma visão geral e de onde poderá alcançar os demais ítens relativos à Academia Brasil-Europa de Ciência da Cultura e da Ciência (culturologia e sociologia da ciência), a seus institutos integrados de pesquisa e aos Centros de Estudos Culturais Brasil-Europa: http://www.brasil-europa.eu


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  3. Não deve ser confundida com outras instituições, publicações, iniciativas de fundações, academias de letras ou outras páginas da Internet que passaram a empregar designações similares.