D. Cantemir entre Europa, Turquia e Rússia. BRASIL-EUROPA 134/9. Bispo, A.A. (ed.). Academia Brasil-Europa e ISMPS





Revista

BRASIL-EUROPA

Correspondência Euro-Brasileira©

 

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Targoviste, Romenia. Trabalhos da A.B.E.

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Târgoviște

Fotos A.A.Bispo
©Arquivo A.B.E.

 

Revista Brasil-Europa - Correspondência Euro-Brasileira 134/9 (2011:6)
Prof. Dr. A.A.Bispo, Dr. H. Hülskath (editores) e Conselho Científico
da
Organização Brasil-Europa de estudos teóricos de processos inter- e transculturais e estudos culturais nas relações internacionais (reg. 1968)
- Academia Brasil-Europa -
de Ciência da Cultura e da Ciência

e institutos integrados

© 1989 by ISMPS e.V. © Internet-edição 1998 e anos seguintes © 2010 by ISMPS e.V. Todos os direitos reservados
ISSN 1866-203X - urn:nbn:de:0161-2008020501

Doc. N° 2818


Academia Brasil-Europa



Dimitrie Cantemir (1673-1723): geógrafo e musicólogo entre a Europa, Turquia e Rússia
sua atualidade nos estudos interdisciplinares de processos culturais



Ciclo de estudos da Valáquia da A.B.E.. Pelos 110 anos de nascimento e 20 de morte de Martin Braunwieser (1901-1991). Târgoviște

 

Por ocasião da sessão do Colóquio Internacional de Estudos Interculturais realizado pelos 450 anos da fundação de São Paulo no Centro Cultural São Paulo, salientou-se, entre outros aspectos, que as relações entre o Oriente e o Ocidente representaram desde o mais remoto passado e representam ainda no presente um dos principais campos de tensões da história da Humanidade e que exigem ser consideradas sob uma perspectiva que atente a seus fundamentos imagológicos no edifício de concepções e visões do mundo e do homem.

Esse campo de tensões encontra-se presente na cultura tradicional do Brasil - da forma mais evidente nas "lutas de cristãos e mouros", não constituindo, assim, complexo temático distante das preocupações dos estudos culturais voltados a assuntos brasileiros. Pelo contrário, o Brasil tendo sido descoberto em época precedida por apenas algumas décadas da tomada de Constantinopla pelos turcos e pela expulsão dos mouros de Granada, marcada por conflitos no Mediterrâneo e por tentativas de procura de caminho ao Oriente contornantes do obstáculo imposto pelo mundo islâmico, insere-se em contexto global determinado pelo campo de tensões Oriente/Ocidente.

Sob o ponto de vista teórico-cultural, a atenção tem sido hoje sobretudo dirigida às concepções relativas a essas relações, à crítica pós-colonial das construções do Oriente em discursos do Ocidente, o que demonstra a necessidade de estudos da história das idéias e das visões correspondentes, ou seja, do desenvolvimento de pesquisas das relações Oriente/Ocidente em estreito relacionamento com a própria história dos estudos respectivos.

Sergio Schnee, Concerto no Centro Cultural Sao Paulo
O Brasil também pode contribuir a esse intento, uma vez que possuiu uma personalidade que se dedicou a estudos da cultura oriental, em particular turca, desenvolvendo pesquisas de tradições turcas no Sudeste da Europa e chegando a compor peças sobre melodias turcas para crianças brasileiras: Martin Braunwieser (1901-1991). Significativamente, essas peças foram executadas no concerto realizado no âmbito do Colóquio.
Martin Braunwieser, 8 Peças Infantis sobre motivos turcos
Com base nessa tradição, a A.B.E. vem desenvolvendo um programa de pesquisas dedicado ao complexo Oriente/Ocidente e que, por motivo dos 110 anos de nascimento e 20 anos da morte de Martin Braunwieser, considerou o complexo de questões que tanto o fascinou e preocupou numa das regiões da Europa que mais foram marcadas pelo confronto cultural com a Turquia no passado e pela ação de uma personalidade que surge como pioneira no estudo da música turca: Dimitrie Cantemir (1673-1723). A obra de Cantemir vem sendo estudada entre outros pela pesquisadora e musicóloga romena Eugenia Popescu-Judetz (Prince Dimitrie Cantemir, Theorist and Composer of Turkish Music, Istambul: Pan Yayıncılık 1999, ISBN 975-7652-82-2)
Targoviste, Romenia. Trabalhos da A.B.E.

Targoviste, Romenia. Trabalhos da A.B.E.
Museu do Livro em Târgoviște

A obra de Dimitrie Cantemir é alvo de particular atenção do Museu da Imprensa ou do Livro de Târgoviște, um museu que representa, para a Valáquia, o que o Museu de Imprensa ou do Livro de Iasi significa para o Moldau (vide http://www.revista.brasil-europa.eu/134/Universidade-Iasi.html). A existência desses museus nas respectivas capitais da Valáquia e do Moldau, que, unidos, constituiram o cerne da Romênia no século XIX, demonstra o significado reconhecido na arte e técnica da impressão na história cultural do país.


Targoviste, Romenia. Trabalhos da A.B.E.
O museu está instalado na zona histórica de Târgoviște, um dos principais monumentos urbano-arquitetônicos da Romênia. a capital da Valáquia até 1659, e sede da família dominante até 1714. Já descrita em texto de viajante alemão de fins do século XIV, o seu primeiro documento data de Mircea o Velho (1386-1418). A cidade alcançou questionável renome por ter sido local de govêrno de Vlad III. Draculea (vide http://www.revista.brasil-europa.eu/134/Lobisomem-e-Dracula.html).

Como centro religioso, teve a sua igreja de S. Nicolau reconstruída pelo soberano Radu cel Mare, sendo consagrada em 1514 sob Neagoe Basarab (vide http://www.revista.brasil-europa.eu/134/Cortea-de-Arges-Basarab.html). No século XVII, sob Matei Basarab (1632-1654), as muralhas foram reconstruidas.

O significado da cidade para a história cultural é vista hoje em grande parte no fato de ali ter-se instalado a primeira impressora de livros no Sudeste europeu. Essa tipografia foi criada pelo monge Macarius. Esse monge assumiu essa tarefa em impressora instalada num convento fortificado ortodoxe em Obod, em 1493, na região do atual Montenegro.

Ali imprimiu-se, entre outras obras, o Oktoich, um livro de canto sacro com salmos a oito vozes. O Oktoich esta representado no museu em edição de 1731.

Parece que esse monge adquiriu conhecimentos da técnica de impressão em Veneza. Com a destruição de Obod pelos turcos, Macarius transferiu-se para a Valáquia, fundando a primeira impressora na sua capital, em 1508. Ali publicou-se o primeiro livro, em 1510. Mais tarde, transferiu-se para o monte Athos, tornando-se abade e atuando na instalação da impressora local. Como autor, entrou na história com uma obra sobre as fronteiras da Dácia.
O Museu de Târgoviște conserva valiosos manuscritos, entre êles em pergamento e em papel do século XVIII.

Entre os livros mais preciosos que, em parte como empréstimos de outras instituições podem ser estudados no Museu de Târgoviște encontram-se o Liturghier Slavon do Mosteiro Dealio, de 1646. e o Novo Testamento de La Balgrad (Alba Julia, 1648).

Das obras publicadas em Targovisti cita-se a Panoplia Dogmatica, de 1710


Das publicadas em Iasi apresentadas no Museu, pode-se salientar um Psalterio, de 1743.


Da literatura geográfica mais antiga que contém informações sobre o Moldau, a exposição do museu apresenta a Géographie Universelle de Büsching na sua edição de Estrasburgo, de 1771.

As obras provenientes de Iaşi conservadas no museu documentam o florescimento dos estudos clássicos e históricos na capital do Moldau no século XIX, e que fundamentaram o seu renome como centro cultural, justificando a posterior instituição da universidade (vide http://www.revista.brasil-europa.eu/134/Universidade-Iasi.html). Um exemplo dessas edições é uma Istoria Lui Numa Pompiliu, de 1820.

Para os estudos do movimento romaniano que levou à união do Moldau e da Valáquia no século XIX e que adquire particular significado para os estudos voltados à latinidade, o museu apresenta importante coleção de obras de renomados autores e de periódicos. Entre êles, pode-se salientar a obra Dacia Litterara de M. Kogâlniceanu, publicada em Iasi, em 1840.

A influência francesa na cultura do Moldau é documentada pela tradução de obra de Alphonse de Lamartine (1790-1869), autor particularmente relacionado com os romenos que viviam em Paris (vide http://www.revista.brasil-europa.eu/134/Bucareste-Academia-Romana.html). O museu possui a Istoria Lui Caesar, editada em Bucareste, em 1858.

Dos periódicos que exerceram considerável influência na difusão dos anelos político-culturais romanianos, o museu apresenta, entre outros, números do Curier Romanesc, editado em Bucareste, e da Gazeta Transilvaniana.


Dimitrie Cantemir: atualidade musicológico-interdisciplinar

Dimitrie Cantemir vem recebendo uma especial consideração nos estudos musicológicos em contextos globais e no âmbito dos esforços voltados à renovação teórica da pesquisa histórico-musical e da área de estudos até hoje designada pelo questionável nome de etnomusicologia. Recentes publicações trouxeram à tona o papel singular, pioneiro desempenhado por Dimitrie Cantemir nos estudos da música turca em passado tão remoto.

Nascido em Dmitrowka/Charkiw, atualmente pertencente à Ucrania, filho de uma filha de bojares, da baixa nobreza, sendo o seu pai Woiwode do Moldau, recebeu influência de sua mãe, também de origem nobre, adepta do Iluminismo. Os anelos de ascensão sócio-cultural da família segundo tendências da aristocracia européia levou a que Dimitrie Cantemir tivesse desde cedo acurada formação humanística com professores particulares, apredendo latim, grego, além de profundos conhecimentos da literatura clássica. Marcante na sua vida foi, entretanto, o seu exílio à capital do Império osmano; foi como que um refém que serviu como garantia a lealdade de seu pai para com os turcos.

Em Constantinopla, aprendeu o idioma turco e deu continuidade a seus estudos na academia grega do Patriarca ortodoxo. Devido à sua biculturalidade e conhecimento de línguas - onze -, passou a servir como mediador entre a cultura européia na sua expressão do Leste ortodoxo e a turca. Integrou-se na sociedade e na cultura osmana, tornando-se amigo do Grão-Vesir Rami Mehmed Pascha, personalidade de influência e cultura literária.

Retornando ao Moldau, em 1710, que governou até 1711, encontrou problemas com relação ao tributo a ser pago ao Grão-Vesir, o que parece ter sido a razão do seu desentendimento político com o Império otomano. Assim, colocou o Moldau sob a suserania russa e participou da luta de Pedro O Grande da Rússia contra os turcos. Sendo derrotado, fugiu para a Rússia, recebendo o título de príncipe do Império Russo. Foi, também, príncipe do Santo Império Romano. Tornou-se membro da Sociedade das Ciências Brandenburguesa de Berlim, em 1714. Entre 1719 e 1722 escreveu a Hronicul Vechimei Romano-Moldo-Vlahilor.

A pedido da Academia das Ciências Prussiana escreveu a primeira obra sobre a Geografia, Etnografia e a Economia do Moldau, (Descriptio Moldaviae), publicada em 1769 e em 1771.


Também preparou o primeiro mapa do Moldau, impresso em 1737 nos Países Baixos. (Jürgen Storost, 300 Jahre romanische Sprachen und Literaturen an der Berliner Akademie der Wissenschaften I, Frankfurt a.M.: Peter Lang, 2001, 31 ss). O Museu possui um exemplar do Scrisoare Moldovei, de 1825.

Nessa época, escreveu importantes obras, entre elas a sua História da Origem e da Decadência do Império Osmano, publicada em Londres, em 1734 e traduzida em outras línguas. Com essa obra, contribuiu de forma fundamental para a difusão de conhecimentos sobre a história e a cultura turca na Europa.

Segundo a sua concepção, o Império Otomano encontrar-se-ia num período de decadência, estando doente, uma imagem que desde então se difundiu. Nessa obra, o autor demonstra a sua inserção em dois contextos culturais, utilizando-se de perspectivas históricas e interpretações tanto da tradição turca como da européia. Não deixa dúvidas, porém, a respeito de seu vínculo com a Ortodoxia e de sua tendência russa. No Museu de Târgoviște pode-se apreciar a Istoria Imperului Otomani na sua edição de Londres, de 1756.

Sob o ponto de vista dos estudos culturais merece particular atenção a sua Historia Hieroglyphica, na qual, referindo-se à história do território da atual Romênia, utiliza-se de imagens animais. Também na historiografia regional realizou trabalhos sobre a história de duas famílias influentes, a do Brancoveanu e Cantacuzino.

De cunho filosófico foi uma obra que encontrou difusão no Ocidente sobretudo na sua tradução francesa e inglesa: O "Divan ou a disputa do sábio com o mundo ou o julgamento da alma com o corpo" (Le divan ou la dispute du sage avec le monde ou le jugement de l'âme avec le corps; The Divan or The Wise Man's Parley with the World or The Judgement of the Soul with the Body).

Durante a sua juventude em Constantinopla, Cantemir dedicou-se a estudos teóricos e práticos de música. Como profundo conhecedor da cultura musical oriental, escreveu livros, um dos quais perdidos, publicando, em 1698, em Iaşi, o Livro da Ciência Musical escrita, apresentando trabalhos em notação por êle próprio desenvolvida e salvando, assim, obras do esquecimento (Yalçin Tura, Yapi Kredi Yayinlari, Kantemiroğlu, Kitâbu 'İlmi'l-Mûsiki alâ Vechi'l-Hurûfât, Mûsikiyi Harflerle Tesbit ve İcrâ İlminin Kitabı, Istambul 2001, ISBN 975-08-0167-9).


Círculo de estudos sob a direção de
Antonio Alexandre Bispo



Todos os direitos relativos a texto e imagens reservados. Reproduções apenas com a autorização explícita do editor.

Indicação bibliográfica para citações e referências:
Bispo, A.A. "Dimitrie Cantemir (1673-1723): geógrafo e musicólogo entre a Europa, Turquia e Rússia
sua atualidade nos estudos interdisciplinares de processos culturais". Revista Brasil-Europa: Correspondência Euro-Brasileira 134/9 (2011:6). http://www.revista.brasil-europa.eu/134/Dimitrie-Cantemir.html



  1. Observação: o texto aqui publicado oferece apenas um relato suscinto de trabalhos. Não tendo o cunho de estudo ou ensaio, não inclui aparato científico. O seu escopo deve ser considerado no contexto geral deste número da revista. Pede-se ao leitor que se oriente segundo o índice desta edição e o índice geral da revista (acesso acima). Pede-se ao leitor, sobretudo, que se oriente segundo os objetivos e a estrutura da Organização Brasil-Europa, visitando a página principal, de onde obterá uma visão geral e de onde poderá alcançar os demais ítens relativos à Academia Brasil-Europa de Ciência da Cultura e da Ciência (culturologia e sociologia da ciência), a seus institutos integrados de pesquisa e aos Centros de Estudos Culturais Brasil-Europa: http://www.brasil-europa.eu


  2. Brasil-Europa é organização exclusivamente de natureza científica, dedicada a estudos teóricos de processos interculturais e a estudos culturais nas relações internacionais. Não tem, expressamente, finalidades jornalísticas ou literárias e não considera nos seus textos dados divulgados por agências de notícias e emissoras. É, na sua orientação culturológica, a primeira do gênero, pioneira no seu escopo, independente, não-governamental, sem elos políticos ou religiosos, não vinculada a nenhuma fundação de partido político europeu ou brasileiro e originada de iniciativa brasileira. Foi registrada em 1968, sendo continuamente atualizada. A A.B.E. insere-se em antiga tradição que remonta ao século XIX.


  3. Não deve ser confundida com outras instituições, publicações, iniciativas de fundações, academias de letras ou outras páginas da Internet que passaram a empregar designações similares.