Ortodoxia e Ocidente. BRASIL-EUROPA 134/8. Bispo, A.A. (ed.). Academia Brasil-Europa e ISMPS
Revista
BRASIL-EUROPA
Correspondência Euro-Brasileira©
Ortodoxia e Ocidente. BRASIL-EUROPA 134/8. Bispo, A.A. (ed.). Academia Brasil-Europa e ISMPS
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Revista Brasil-Europa - Correspondência Euro-Brasileira 134/8 (2011:6)
Prof. Dr. A.A.Bispo, Dr. H. Hülskath (editores) e Conselho Científico
da
Organização Brasil-Europa de estudos teóricos de processos inter- e transculturais e estudos culturais nas relações internacionais (reg. 1968)
- Academia Brasil-Europa -
de Ciência da Cultura e da Ciência
e institutos integrados
© 1989 by ISMPS e.V. © Internet-edição 1998 e anos seguintes © 2010 by ISMPS e.V. Todos os direitos reservados
ISSN 1866-203X - urn:nbn:de:0161-2008020501
Doc. N° 2817
Ortodoxia, identidade romena e o Ocidente
S. Neagoe Basarab (1481-1521) - significado em contextos internacionais
Simpósio "Sfântului Neagoe Basarab Print al Pacii si al Culturii"
Ciclo de estudos da Valáquia da A.B.E.. Simpósio "Sfântului Neagoe Basarab Print al Pacii si al Culturii", Curtea de Artes
Realizou-se, de 24 a 26 de setembro de 2011, na cidade rumena de Curtea de Arges, um simpósio que trouxe à consciência o significado de um vulto insuficientemente lembrado nos estudos histórico-culturais em contextos globais: o de Neagoe Basarab (1481-1521).
Organizado pela Arquiepiscopia de Arges, o foco principal dos trabalhos foi dirigido às dimensões religiosas e eclesiológicas da vida e da ação de Neagoe Basarab, venerado como santo pela Igreja Ortodoxa Rumena. Ainda que assim venerado na tradição popular, a sua canonização como "Defensor da Fé" procedeu-se apenas em julho de 1992, juntamente com a dos soberanos Estêvão cel Mare da Moldávia e Costantin Brancoveanu, da Valáquia, após o término da era comunista e da instituição de um patriarcado nacional.
O príncipe Neagoe Basarab foi lembrado como vulto de particular relevância na história dos esforços pela unidade cristã e, portanto, de atualidade no presente. Basarab apresenta-se aqui como referencial histórico no caminho das aproximações e diálogos eclesiástico-religiosos entre o Catolicismo e a Ortodoxia no âmbito do ecumenismo. Ao mesmo tempo, o estudo de sua vida e de sua atuação traz à consciência as dimensões culturais dos esforços de reunificação cristã, tanto relativamente à sua inserção em processos culturais, quanto no fomento de novos desenvolvimentos.
Compreensivelmente, o simpósio tematizou sobretudo o papel de Basarab como promotor da paz e da cultura, lembrando que a paz deve ser considerada como expressão da cultura - e a falta de paz como manifestação de deficiência cultural - , e, reciprocamente, o desenvolvimento cultural como resultado de um processo voltado ao alcance da paz. Sob esse enfoque, entende-se a razão pela qual o simpósio foi realizado como abertura preparatória de um evento de vários dias de natureza religiosa e cultural. Incluindo concertos e cerimônias litúrgicas e paralitúrgicas de particular solenidade, o evento assumiu um caráter de manifestação.
Nesse sentido, o simpósio surge como testemunho da reintensificação da vida religiosa na Romênia da atualidade, um processo que marca o país desde as transformações políticas por que passou desde a década de 90 do século XX. Ao mesmo tempo, o evento demonstra que esse renovado papel da religião para a Romênia relaciona-se com reorientações de perspectivas históricas e reatamentos de concepções e visões referentes à identidade cultural rumena nas suas fundamentações espirituais, o que denota a força de tendências culturais conservadoras e da influência de meios eclesiásticos no país.
O evento incluiu vários concertos de grupos corais e instrumentais. O Coral da Catedral Arquiepiscopal de Curtea de Arges e o Coral do Seminário de Teologia Neagoe Voda Basarab demonstraram a crescente importância concedida à música sacra na solenização do culto, do íntimo elo reconhecido entre a tradição sacro-musical e a própria liturgia na Ortodoxia e da atenção que a ela se dedica na formação dos seminaristas.
O repertório cultivado manifesta o tradicionalismo das concepções e a atenção dada à disciplina, ao comportamento dos participantes, à aparência externa dos conjuntos e à manutenção da autoridade de regentes - estes subordinados àquela dos clérigos - documentam o significado emprestado à ordem e à hierarquia nessas expressões do conservadorismo rumeno.
Enquanto as apresentações corais demonstraram sobretudo a permanência da tradição do canto sacro ortodoxo, as execuções instrumentais deram exemplo da existência, na Romênia, de uma tradição de prática de música de banda correspondente àquela conhecida de outros países - também no Brasil -, incluindo composições de autores locais que, como ouvertures, fantasias e marchas, demonstraram a manutenção de convenções na criação musical com apenas leves referências à tradição popular. Saltou à vista, sobretudo, a particular atenção dada à disciplina dos músicos, à precisão, à afinação e ao contrôle do volume, fato indicativo da formação acadêmica de regentes e músicos, mesmo daqueles provenientes de círculos militares e diletantes.
Curtea de Arges - Igreja dos Príncipes de S. Nicolau
Curtea de Arges ocupa uma extraordinária posição simbólico-cultural na Romênia por ter sido a primeira capital da Valáquia, sede da antiga Côrte, fato que se expressa no seu próprio nome (Curtea), sendo designada ainda hoje abreviadamente como "Côrte". Essa função a cidade desempenhou desde 1247, quando passaram ali a residir o Wojewode Senelau; o seu filho, Basarab, é considerado como fundador da Valáquia.
O seu filho Nicolae Alexandru, que reinou em meados do século XIV, instituiu a sede do arcebispado, construindo a igreja metropolita de Sf. Nicolae como local de sepultamento dos príncipes da Valáquia. Em Curtea de Arges foram cunhadas as primeiras moedas do país à epoca de Vladislav I (1364-1377). Sob Mircea cel Batran, o Velho (1386-1418), Curtea tornou-se capital de um país de considerável extensão, dividindo essa funçãõ, entre 1418 e 1431 com Targoviste.
Catedral de Curtea de Arges- mausoléu da família real rumena
A conotação real da área é salientada pelo palácio real que se eleva nas suas proximidades. A sua catedral surge como mausoléu por abrigar o sepulcro da família real rumena. À sua entrada, em espaço ornamentado por afrescos e mosaicos com representações de reis da antiga Valáquia e de membros da mais recente família real, destacam-se as lápides em mármore das sepulturas de Carlos I (1839-1914), da sua mulher, a rainha Elizabeth (de Wied) (1843-1916), da princesa Maria (1870-1874), do rei Ferdinando I (1865-1927), de sua mulher Marie (de Edinburgo) (1875-1938) e do seu filho Príncipe Mircea (1913-1916), do rei Carlos II (1893-1953) e de sua mulher Magda Lupescu (1896-1977).
Considerando-se a origem alemã da família real rumena, compreende-se ser a catedral-mausoléu de Curtea de Arges visitada não apenas por interessados na história da Romênia e monarquistas do país, como também por alemães, sobretudo aqueles fascinados pela personalidade e pela obra literária de Elizabeth de Wied. Compreende-se também ser procurada por interessados em elos da Romênia com o mundo de língua portuguesa, uma vez que os restos mortais de Carlos II foram transferidos para Lisboa, em 2003.
A aparência atual da catedral-mausoléu é marcadamente neo-bizantina, resultado de reconstrução do edifício efetivada entre 1875 e 1886. Nesse sentido, é um dos mais significativos exemplos do neo-bizantinismo na história da arquitetura do século XIX, uma vez que este fundamentou-se, no caso, em antiga tradição remontante a Bizâncio transplantado à Valáquia, retomando-o e glorificando-o com meios expressivos da época.
Entretanto, o "mourisco" constatado em Curtea de Arges parece refletir antes a recepção de correntes românticas do historicismo da Europa Ocidental do século XIX e do fascínio que então despertou a história da Reconquista da Península Ibérica. Haveria, assim, em complexos relacionamentos e interferências, uma presença cultural ibérica no conjunto profundamente marcado pelo Romantismo de Curtea de Arges.
Aspectos dos estudos relacionados com Neagoe Basarab
O período de apogeu da história da Valáquia como principado independente sob Neagoe Basarab é explicado em parte pela prosperidade alcançada pelo fato de ter esse soberano fomentado o comércio. Para isso, procurou estreitar laços com a vizinha Hungria, apesar dos riscos de intentos húngaros de supremacia, com regiões balcânicas e, sobretudo, com a República de Veneza. Através de Veneza, a Valáquia participou na rêde mercantil internacional, ainda que fundamentalmente abalada pelo crescente poder islâmico e pelos descobrimentos ibéricos.
Vivendo algumas décadas após a tomada de Constantinopla pelos turcos (1453), a Valáquia encontrava-se ela própria em situação de contínua ameaça, sujeita a crescentes tributos a serem pagos ao império otomano. A ação econômica, política e diplomática de Neagoe Basarab pode ser, assim, explicada a partir do contexto determinado pelo confronto de poderes no âmbito regional, determinado pela potência turca, inserindo-se, porém, em dimensões globais, no campo de tensões entre a Cristandade e o Islão. Esse fato traz à consciência que a explicação exclusivamente econômica e histórico-política não é suficiente para elucidar a ação de Basarab e o significado da Valáquia na sua época. Faz-se necessário considerar os fundamentos religiosos de sua personalidade, concepções e de seus empreendimentos.
Membro da família dos bojares Pârvu Craiovescu, Neagoe Basarab, filho de Basarab o Jovem, obteve uma formação profundamente religiosa. Era impregnado da convicção de que a fé cristã representava o fundamento cultural da Romênia, já defendida pelo seu antepassado Mircea o Velho. Era através do Cristianismo que o país inseria-se na Europa, também assim definida, e para o qual cumpria resistir ao crescente poderio islâmico. De elevada formação teológica, obtida no mosteiro de Bistrita, procurou dirigir a sua política segundo princípios fundamentados nas suas convicções religiosas. Foi aluno do patriarca Nifone, metropolita da Valáquia, cuja canonização alcançou, em 1517, do patriarca ecumênico de Constantinopla. Ao subir ao trono, propôs-e seguir o exemplo do Rei Salomão.
Como primeiro príncipe-escritor do país, escreveu, em eslavo eclesiástico, a obra intitulada "Os Ensinamentos do príncipe Neagoe Basarab a seu filho Teodosio" (Învăţăturile lui Neagoe Basarab către fiul său Teodosie) e na qual trata de assuntos de cunho filósofico, ético e político-diplomáticos. Nessa obra, uma correspondência rumena a similar obra húngara do rei S. Estêvão em relação a seu filho S. Emerico, baseada nas Escrituras e nos textos patrísticos, lembra que o destino pessoal e das nações é dependente da vontade divina e considera conceitos de governo, diplomacia, domínio, e guerra, refletindo como o político pode almejar à perfeição cristiana pessoal no exercício dos seus encargos.
Correspondendo a suas intenções, Neagoe Basarab deu particular atenção à construção de igrejas no seu principado, entre elas a da igreja metropolitana velha em Târgovişte, centro da impressão de livros na Romênia, onde a Bíblia foi publicada em 1512 (vide http://www.revista.brasil-europa.eu/134/Dimitrie-Cantemir.html). Uma de suas preocupações foi a de conseguir que os turcos respeitassem as tradições religiosas dos reinos cristãos subordinados.
Sob esse pano de fundo, compreende-se o empenho de Neagoe Basarab de aproximar-se dos Estados Pontifícios. Convicto de que somente a união dos cristãos permitiria criar condições para uma resistência efetiva contra a expansão muçulmana, procurou conquistar a simpatia de Roma oferecendo-se como mediador na superação do cisma cristão do Leste europeu. Ao mesmo tempo, porém, fortaleceu a Ortodoxia, oferecendo grandes donativos e implantando, como mencionado, tradições eclesiásticas bizantinas no seu principado.
Philothea de Arges
Com culto muito intenso na Romênia e na Bulgária, Philothea, nascida em Trnovo, antiga capital da Bulgária, ao redor de 1206, era filha de mãe proveniente da Valáquia. Falecida esta muito cedo, passou a ser tratada duramente pela sua madrasta, sobretudo por distribuir as suas posses pelos pobres, como ensinada pela sua mãe. Assim, a narrativa de Philothea assume, para a Valáquia, características similares àquela de Sta. Isabel para Portugal.
Dedicou-se a uma vida de oração, misericórdia e virgindade. Mesmo a comida que devia levar a seu pai no trabalho distribui a crianças pobres que encontrava pelo caminho. Alcançada por um machado por êle atirado, morreu com apenas doze anos. Apesar de todos os esforços, o seu corpo não pôde ser levantado da terra, tornando-se pesado como se fosse de pedra. Compreendendo que Philothea não desejava permanecer na terra onde nascera, o Arcebispo de Trnovo passou a mencionar locais, igrejas e mosteiros onde gostaria de ser enterrada. Ao citar o mosteiro de Curtea de Arges, o corpo deixou-se levantar, sendo posto em caixão e transportado à Valáquia.
Compreende-se o significado de Philothea para a identidade válaca a partir dessa narrativa, uma vez que as suas virtudes haviam sido recebidas de sua mãe proveniente da Valáquia e por querer ser sepultada em Curtea de Arges. Sob o aspecto da linguagem de imagens, a narrativa indica elos com concepção de terra, terra-mãe e terra-natal, o que também poderia explicar a crença de propiciar chuvas e, assim, a fertilidade da terra.
Significado para os estudos de contextos euro-brasileiros
O simpósio de Curtea de Arges desperta a atenção para contextos até hoje pouco considerados nos estudos da época dos Descobrimentos. Reconhece-se que a procura do caminho ao Oriente pelo mar e pelo Ocidente, que levou à descoberta de novas regiões e ao contato com novos povos teve, como um de seus fatores, o obstáculo representado pelo poder islâmico na Ásia Menor, no Mediterrâneo e no Norte da África.
A perspectiva tem sido, compreensivelmente, determinada pelos acontecimentos na Península Ibérica em sequência ao processo de Reconquista e que teve continuidade no Norte da África e em outras regiões extra-européias.
A consideração da perspectiva rumena contribui a uma visão mais ampla e diferenciada do campo de tensões da Europa no confronto com o mundo islâmico. Ao mesmo tempo, chama a atenção aos elos entre essa situação conflitante e anelos à superação do cisma e de recuperação da unidade na Cristandade.
Para além desse significado de natureza histórica, o simpósio de Curtea de Arges desperta a atenção também para similaridades - e diferenças - em processos de identidade de países ibéricos e daqueles por êles influenciados com aqueles da Romênia. Em ambos os casos, tem-se como importante motivo o combate aos infiéis e a convicção do agir em defesa da Cristandade.
Círculo de estudos sob a direção de
Antonio Alexandre Bispo
Todos os direitos relativos a texto e imagens reservados. Reproduções apenas com a autorização explícita do editor.
Indicação bibliográfica para citações e referências:
Bispo, A.A."Ortodoxia, identidade romena e o Ocidente. S. Neagoe Basarab (1481-1521) - significado em contextos internacionais. Simpósio "Sfântului Neagoe Basarab Print al Pacii si al Culturii"". Revista Brasil-Europa: Correspondência Euro-Brasileira 134/8 (2011:6). http://www.revista.brasil-europa.eu/134/Cortea-de-Arges-Basarab.html
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