De museu étnico a multicultural. BRASIL-EUROPA 134/24. Bispo, A.A. (ed.). Academia Brasil-Europa e ISMPS






Revista

BRASIL-EUROPA

Correspondência Euro-Brasileira©

 

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Personalidades romenas, Sibiu

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Personalidades romenas, Sibiu


Fotos A.A.Bispo
©Arquivo A.B.E.

 

Revista Brasil-Europa - Correspondência Euro-Brasileira 134/24 (2011:6)
Prof. Dr. A.A.Bispo, Dr. H. Hülskath (editores) e Conselho Científico
da
Organização Brasil-Europa de estudos teóricos de processos inter- e transculturais e estudos culturais nas relações internacionais (reg. 1968)
- Academia Brasil-Europa -
de Ciência da Cultura e da Ciência

e institutos integrados

© 1989 by ISMPS e.V. © Internet-edição 1998 e anos seguintes © 2010 by ISMPS e.V. Todos os direitos reservados
ISSN 1866-203X - urn:nbn:de:0161-2008020501

Doc. N° 2833


Academia Brasil-Europa

Instituições em visita

De museu étnico a museu de orientação multicultural e interdisciplinar

O Museu da Civilização Transilvana ASTRA
nos 150 anos da
Asociaţiunii transilvane pentru literatura româna și cultura poporului (1861-2011)

Ciclo de estudos da A.B.E. na Romênia dedicado a questões de patrimônio cultural. Sibiu/Hermannstadt, 2011

 
ASTRA, Romenia
As preocupações e as reflexões atuais relativas a patrimônio cultural material e imaterial, às suas concepções e à política patrimonial relacionam-se estreitamente com questões museológicas. Estas dependem de correntes de pensamento teórico-cultural. Trazendo a prática dos trabalhos museológicos novos conhecimentos, influenciam por sua vez o debate teórico-cultural em geral e os patrimoniais em particular. Há, assim, no debate relativo a questões patrimoniais, intesas interações entre teoria, prática e concepções político-culturais.


Não basta que, quanto às iniciativas que dizem respeito a museus, a atenção seja dirigida apenas ao uso de recursos tecnológicos atualizados e criativos de conservação, exposição, informação e comunição: o desenvolvimento do pensamento dirigido aos fundamentos do trabalho museológico apresenta-se como fundamental. Mudanças de concepções nos diversos ramos das disciplinas culturais têm necessariamente consequências para o trabalho museológico; este, por sua vez, expressa e documenta as transformações.


Sobretudo os museus relacionados com estudos culturais de natureza empírica - de Folclore, de Etnologia e disciplinas afins -, evidenciam hoje transformações de modêlos de pensamento e enfrentam complexos problemas resultantes de insuficiência teórica, até mesmo expressando e documentando crises nas respectivas disciplinas.


As divisões convencionais de disciplinas culturais relacionam-se estreitamente com questões de identidade, que muitas vezes são expressas placativamente segundo o binômio do Próprio e do Outro: assim, sumariamente, o Folclore com o contexto cultural a que pertence o observador, a Etnologia com aqueles contextos que diferem do Próprio.


No primeiro caso, em situações de maior homogeneidade cultural ou sob orientação ideológica dirigida à acentuação da unidade na diversidade, parecer ser compreensível que a tendência à critérios sistemáticos na ordenação de objetos predomine. Impondo-se ou crescendo a sensibilidade para diferenças, constata-se uma tendência a sistematizações segundo etnias.


No Brasil, pesquisadores de Folclore preocupavam-se, já em meados dos anos 60, com as dificuldades de classificação e com os problemas decorrentes da falta de coerência de critérios na consideração e apresentação dos fundos: categorizações sistemáticas ou segundo áreas geográficas misturavam-se com aquelas de referências étnicas: "afro-brasileiras", de "aculturação indígena" ou de "contribuições" de diferentes povos ao Folclore, ainda expressamente concebido como "folclore nacional".


Com o aguçamento da percepção para a pluralidade cultural, sobretudo em regiões metropolitanas, assim como com o questionamento das limitações decorrentes de direcionamentos nacionalistas da disciplina, acentuou-se a atenção voltada a complexos étnicos. No caso da música, esse desenvolvimento manifestou-se na predominância terminológica do termo Etnomusicologia, que adquiriu internacionalmente aura de disciplina particularmente representativa de tendências avançadas. Nas décadas mais recentes, vários institutos europeus de Folclore ou de "conhecimento do povo " (Volkskunde) passaram até mesmo a redenominar-se, passando a utilizar de forma mais ampla o termo "Etnologia Européia", um desenvolvimento que mereceria mais aprofundadas reflexões pelos problemas que levanta.


Sob o ponto de vista brasileiro, entre aqueles de muitos outros países formados em processos coloniais, essa redenominação surge como questionável e mesmo inaceitável, pois grande parte do patrimônio cultural tradicional respectivo passa a ser considerado como "etnológico europeu".


Que o direcionamento das atenções a questões étnicas nos estudos culturais sugerido pela denominação de "Etnologia Européia" não corresponde plenamente às exigências da pesquisa de complexas situações culturais e histórico-culturais, isso o demonstra a mudança de orientação que caracteriza o complexo museal nacional ASTRA em Sibiu/Hermannstadt, Romênia.


Essa instituição merece particular consideração devido ao fato de comemorar-se, no corrente ano, os 150 anos da entidade que lhe deu origem, a Asociatiunii Transilvane pentru Literatura Româna si Cultura Poporului Român.


Roda, Sibiu

O "Museu da Associação" e sua inserção nos anelos de identidade romena


O "Museu da Civilização Transilvaniana ASTRA" tem primeiramente um objetivo patrimonial: o de conservar o patrimônio herdado do "Museu da Associação", fundado em 1905.


A criação de um museu nacional da Transilvânia foi projetado em 1897 por um grupo de intelectuais, representando o resultado de muitas décadas de esforços.


O seu principal vulto foi Cornelius Diaconovici (1859-1923), um publicista, pesquisador e jurista romeno nascido no Banat. Assim como a sua terra natal, também a Transilvânia (Siebenbürgen) eram regiões profundamente marcadas pela cultura e pelo idioma da população de ascendência alemã. A Transilvânia, até o fim da Primeira Guerra, fazia parte da Hungria, e esta do Império Austro-Húngaro.


A criação da sociedade e do museu insere-se, assim, nos anelos de reconhecimento do idioma e de valorização da cultura romena a serviço da nacionalidade dos romenos em contexto de predominância alemã, austríaca e húngara. Se, o movimento romaniano havia contribuido à unificação do Moldau com a Valáquia, dando origem à Romênia como estado, tornando-se, assim, voz oficial, permanecia, em regiões da Áustria-Hungria como expressão de anelos que se desenvolviam no interior de uma situação estabelecida a ser superada.


Diaconovici, com vasta e diferenciada cultura, que estudou em Viena e doutorou-se em Direito em Budapeste, trabalhou como redator em vários jornais e revistas, em particular da revista Transilvania, entre êles também de jornal do partido romeno. Como pesquisador e estudioso, entrou na história cultural do país sobretudo por editar a primeira enciclopédia romena (1898).


Foi o primeiro secretário da "Associação de Literatura Romena e da Cultura de Siebenbürgen de Povo Romeno", ou seja, da ASTRA, dirigindo a sua revista e o museu. Este foi instalado em edifício representativo, especialmente construído através de subscrição pública, uma dos mais significativas construções para museus do gênero na Europa, demonstração da auto-consciência cultural da comunidade romena de Sibiu/Hermannstadt.


Com a integração da Transilvânia no reino da Romênia, após a Primeira Guerra, o trabalho do museu, com a sua orientação romena, assumiu dimensões nacionais. Deu impulso a outros empreendimentos de considerável porte, tais como o museu ao ar-livre de Cluj/Klausenburg com o Museu Etnográfico da Transilvânia e, em 1932, o Museu de Aldeias em Bucareste, sob a direção de Dimitrie Gusti (1880-1955) (veja http://www.revista.brasil-europa.eu/134/Bucareste-Museu-Aldeias.html).


Influência de transformações políticas nacionais e internacionais


No decorrer da Segunda Guerra, com a perda da parte norte do território da Transilvânia para a Hungria, desenvolveu-se o plano de estabelecimento de um novo museu etnográfico em Sibiu/Hermannstadt, em substituição ao de Cluj/Klausenburg.


Fechado o Museu ASTRA por razões ideológicas a mandato de Moscou, em 1950, o plano de reestabelecimento de um museu etnográfico levou duas décadas para ser concretizado.


Em 1956, o sociólogo Cornel Irimie (1919-1983) criou um Departamento de Arte Folclórica, nos anos 60 a Academia Română levou à frente o projeto de criação de um museu ao ar-livre em Sibiu, dedicado sobretudo a técnicas populares, hoje o fundamento do "Museu ASTRA de Civilização Folk Tradicional". Com o fechamento da Exposição de Arte Folclórica do Palácio Brukenthal, em 1990, tornou-se necessária a criação de um museu que pudesse abrigar as coleções.


Ao ser fechado, em 1950, o Museu ASTRA possuia, 50.000 objetos documentados; desses puderam ser resgatados ca. de 8700 objetos. Atualmente, os objetos são ordenados em seis coleções. A maior é a de rendas, seguindo-se a de costumes, de objetos rituais, de objetos em madeira, osso e ferro, de cerâmica e, por fim, de bonecas. As coleções foram enriquecidas nas últimas décadas, alcançando agora um número de 46.314 objetos.


Seguindo o desenvolvimento mais recente do pensamento e da política cultural, projetou-se o The ASTRA Transylvanien Civilization Museum, dedicado mais especificamente ao século XXI. Esse projeto insere-se no âmbito de um Museu de Regiões Européias, inaugurando uma série de museus interdisciplinares e multiculturais. Criados sob a perspectiva diacrônica e multimedial, esses museus pretendem salientar a contribuição de todos os grupos étnicos regionais ao processo de desenvolvimento de uma cultura e civilização de particularidades próprias.


O complexo museal de Sibiu/Hermannstadt inclui o Centro de Informação e Documentação "Cornel Irimie", o estúdio de filmes ASTRA e as galerias de arte "folk".




Mudanças do paradigma museológico: de museu étnico a multicultural de região


As últimas décadas do trabalho do museu foram, assim, marcadas por uma mudança na sua orientação. De um museu concebido sob concepções étnicas voltadas sobretudo à nacional romena, passou a entidade compreendida como museu multicultural de uma região européia, no caso a Transilvânia.


Também a concepção das exposições modificou-se: de uma orientação etnográfica a uma etnológica segundo concepções mais recentes, marcada por interdisciplinaridade e procedendo cronologicamente na distribuição do material.


O museu procura dar continuidade, de forma atualizada, à idéia de um museu aberto ao ar livre dedicado à "civilização folk tradicional da Romênia", salientando a plurietnicidade em aceitação de valores da Comunidade Européia.


Assim, de museu etnográfico segundo critérios do século XIX e início do XX, exibindo conjuntos de objetos segundo vários temas, gêneros, estilos ou técnicas, o museu foi reestruturado para ilustrar a civilização transilvânica na sua dinâmica histórica e polivalência cultural.


Segundo as formulações dos responsáveis pelo museu, o foco de atenção passou daquele dirigido a fatos ao fenomenológico, do nacional ao europeu, do mono- ao multicultural, do sincrônico ao diacrônico. Através do relacionamento e da conexão de processos, o museu procura superar visões estreitas na compreensão do complexo cultural.


O museu tem como objetivo, nos seus intentos inovativos, concretizar um programa de iniciativas orientadas segundo os conceitos de tradição, influência e experiência.


No referente às tradições, as atenções são dirigidas a raízes, a valores culturais constantes, a elementos remotos no tempo e à continuidade. No referente às influências, o foco de interesses é voltado às mudanças na comunicação dos homens uns com os outros, à renovação da comunidade de vida e do destino histórico. Quanto às experiências, procura-se salientar a necessidade da pesquisa e da criatividade como exigência imposta pela adaptação e pela mudança cultural.


Concepção de "museu vivo" - Living Human Treasures da UNESCO


Como projeto, de forma sugerida pela UNESCO, o museu tem como objetivo o patrimônio cultural imaterial vivo no âmbito do complexo temático Living Human Treasures.


Simultaneamente, com o projeto da exposição, o museu iniciou e utilizou, baseado na concepção de uma representação integral da "cultura tradicional folk" nas suas expressões materiais e imateriais, o conceito de "museu vivo" segundo recomendações da UNESCO, pronunciadas entre 1989 e 1999.


Procura-se concretizar essa concepção através do desenvolvimento de um programa nacional de pesquisa, fomento, cultivo e difusão do "patrimônio cultural intangível". Tem como escopo o apoio da salvaguarda e o estímulo à preservação ativa de valores culturais.


O programa, em escala nacional, inclui

  1. 1) a fundação de uma associação de "criadores folk" da Romênia (1992), estruturado em áreas de interesse e gêneros;

  2. 2) a organização anual, a 15 de agosto (festa da Assunção/Dormitio), de um mercado dos "folk criadores" da Romênia, para os membros da associação;

  3. 3) a fundação de uma Academia de Artes Tradicionals da Romênia, estruturada em seis seções: artes tradicionais, artes musicais, artes mecânicas, artes lúdicas, artes literárias e artes culinárias, entidade que já possui 250 membros de todo o país;

  4. 4) a organização, com o Ministério da Educação, de um Concurso Nacional de Artesanato Artístico Tradicional com o objetivo de fomentar a competição de crianças de todas as aldeias do país, promovendo o artesanato;

  5. 5) a organização de Galerias de Arte Folk na cidade velha de Sibiu e no Museu ao Ar Livre, no sentido de comercializar, sob o controle de especialistas, a produção artesanal dos povoados;

  6. 6) a organização, como corolário de todo o programa, de um Festival Nacional de Tradições Folclóricas. Segue, aqui, modêlo do Smithsonian Folklife Festival de Washington D.C., no qual a Romênia participou no verão de 1999, e

  7. 7) a organização, iniciada em 2002, do primeiro mercado internacional de artesanato tradicional da Europa, completado com o Simpósio Internacional "Cultura-Tradição-Tolerância-Diálogo Multicultural". Procura-se, aqui, o fomento de uma atitude marcada por diálogo cultural a serviço da compreensão de tradições das várias nações do mundo.


Com a inauguração da Casa das Artes, em 2004, após a sua restauração, possibilitada com a ajuda do Banco Mundial, a ASTRA teve a oportunidade de iniciar um programa amplo de exposições no contexto do turismo cultural internacional em Sibiu/Hermannstadt.




Círculo de estudos sob a direção de
Antonio Alexandre Bispo




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Indicação bibliográfica para citações e referências:
Bispo, A.A. "De museu étnico a museu de orientação multicultural e interdisciplinar. O Museu da Civilização Transilvana ASTRA". Revista Brasil-Europa: Correspondência Euro-Brasileira 134/24 (2011:6). http://www.revista.brasil-europa.eu/134/ASTRA.html



  1. Observação: o texto aqui publicado oferece apenas um relato suscinto de trabalhos. Não tendo o cunho de estudo ou ensaio, não inclui aparato científico. O seu escopo deve ser considerado no contexto geral deste número da revista. Pede-se ao leitor que se oriente segundo o índice desta edição e o índice geral da revista (acesso acima). Pede-se ao leitor, sobretudo, que se oriente segundo os objetivos e a estrutura da Organização Brasil-Europa, visitando a página principal, de onde obterá uma visão geral e de onde poderá alcançar os demais ítens relativos à Academia Brasil-Europa de Ciência da Cultura e da Ciência (culturologia e sociologia da ciência), a seus institutos integrados de pesquisa e aos Centros de Estudos Culturais Brasil-Europa: http://www.brasil-europa.eu


  2. Brasil-Europa é organização exclusivamente de natureza científica, dedicada a estudos teóricos de processos interculturais e a estudos culturais nas relações internacionais. Não tem, expressamente, finalidades jornalísticas ou literárias e não considera nos seus textos dados divulgados por agências de notícias e emissoras. É, na sua orientação culturológica, a primeira do gênero, pioneira no seu escopo, independente, não-governamental, sem elos políticos ou religiosos, não vinculada a nenhuma fundação de partido político europeu ou brasileiro e originada de iniciativa brasileira. Foi registrada em 1968, sendo continuamente atualizada. A A.B.E. insere-se em antiga tradição que remonta ao século XIX.


  3. Não deve ser confundida com outras instituições, publicações, iniciativas de fundações, academias de letras ou outras páginas da Internet que passaram a empregar designações similares.