Jesuítas da Boêmia nas Missões. Bispo, A.A..Rev. BRASIL-EUROPA 133/9 (2011:5). Academia Brasil-Europa e ISMPS




Revista

BRASIL-EUROPA

Correspondência Euro-Brasileira©

 

_________________________________________________________________________________________________________________________________


Índice da edição     Índice geral     Portal Brasil-Europa     Academia     Contato     Convite     Impressum     Editor     Estatística     Atualidades

_________________________________________________________________________________________________________________________________







Fotos A.A.Bispo
©Arquivo A.B.E.

 

Revista Brasil-Europa - Correspondência Euro-Brasileira 133/9 (2011:5)
Prof. Dr. A.A.Bispo, Dr. H. Hülskath (editores) e Conselho Científico
da
Organização Brasil-Europa de estudos teóricos de processos inter- e transculturais e estudos culturais nas relações internacionais (reg. 1968)
- Academia Brasil-Europa -
de Ciência da Cultura e da Ciência

e institutos integrados

© 1989 by ISMPS e.V. © Internet-edição 1998 e anos seguintes © 2011 by ISMPS e.V. Todos os direitos reservados
ISSN 1866-203X - urn:nbn:de:0161-2008020501

Doc. N° 2794




Barroco na Boêmia e Barroco no Brasil II
A recatolização da Europa Central e sua irradiação no continente americano
Jesuítas da Boêmia nas missões



Ciclo de estudos Boêmia-Brasil da A.B.E. No ano da morte de Otto von Habsburg-Lothringen (1912-2011). Hradec Králové (Königgrätz), 2011

 
O observador brasileiro se surpreende, em Praga ou em várias outras cidades tchecas, em perceber, em tão distante país da Europa Central, uma proximidade visual, atmosférica e "de alma" com o Brasil.


Essa sensação, que distingue o país de muitos outros, em particular daqueles do Norte da Europa, deriva em primeiro lugar da configuração visual de muitos de seus edifícios e igrejas, assim como da encenação de espaços urbanos com a sua riqueza plástica de significados e apelativos religiosos.


É, assim, sobretudo o Barroco que aproxima Praga e muitas cidades da atual República Tcheca ao Brasil. A consideração mais diferenciada desse fenômeno, extraordinário por ter alcançado tal significado em regiões do globo tão afastadas e sem elos mais estreitos entre si - apenas pode ser de utilidade para ambos os países.


Nesse intento, o observador dirige necessáriamente a atenção a processos que podem explicar o florescimento do Barroco em mundos de formação histórica e latitudes tão distintas, aguçando a percepção para aspectos comuns de mecanismos para além de todas as diferenças. Assim, o estudo transnacional do Barroco em contextos tcheco-brasileiros contribuiu para a superação de delimitações nacionais que prejudicam análises mais profundas e obscurecem a consciência quanto à vigência de processos globais.


O Barroco e a Recatolização da Europa Central


Em ambos os casos, na Boêmia e no Brasil, trata-se naturalmente de uma manifestação da potência do Catolicismo.


O Barroco na Europa Central, porém, e não apenas na Boêmia, mas sim também no Sul da Alemanha, na Áustria, no Tirol e em outras regiões, surge com muito mais evidência como expressão de um movimento recatolizador de amplas dimensões do que o sugerido pela perspectiva brasileira. Manifesta-se muito mais claramente como sendo não meramente um estilo ou uma expressão de significado exclusivamente histórico-artístico ou estético ou até mesmo de aparência inócua, de suposta sensualidade e profusa ornamentação, mas sim de um veículo retórico extremamente eficaz de atração, de captação e de propaganda.


Esse elo íntimo do Barroco com a Contra-Reforma, que não pode ser totalmente separada do movimento de reforma interna do próprio Catolicismo , é menos evidente no Brasil. Em Minas Gerais sobretudo, o observador não tem a sua atenção despertada para essas relações pelo fato de ali não poder constatar-se atividade tão intensa de ordens religiosas, sobretudo dos jesuítas, como no caso da Boêmia.


O estudioso brasileiro sente-se ali menos irritado em testemunhar a ação planejada, dirigida, sistematicamente conduzida da militância; é tentado a ver com mais simpatia expressões de religiosidade de irmandades, que, apesar da exuberância de suas manifestações, eram muitas vezes modestas, constituidas por círculos menos privilegiados da população.


Na Boêmia, porém, o Barroco surge com toda a evidência de seus desígnios recatolizadores e contrareformatórios. Apesar de seu antigo passado católico, fruto de missionação medieval, a região foi particularmente marcada por impulsos da Reforma, e, a seguir, pelo seu combate e consequentes violências. Foi a região dos hussitas e das lutas que se desencadearam após a morte de Jan Hus (ca. 1369-1415), queimado no Concílio de Constança.


A aristocracia da Boêmia foi em grande parte marcada pela Reforma protestante, e a sua derrota, na Batalha do Monte Branco, em 1620, juntamente com os resultados da Guerra dos Trinta Anos, marcou o período de uma intensa recatolização. Esse processo foi acompanhado por movimentos emigratórios, de abandono do país por personalidades destacadas da vida intelectual e pela vinda de aristocratas de outras regiões.


Recatolização e intensificação da influência italiana nas artes


Houve, assim, como em outras fases da história da região, uma reestruturação populacional, econômica e cultural, uma passagem de riquezas e de poder para outras mãos. A Recatolização da Europa Central processou-se em estreita relação com o aumento da influência de religiosos e artistas provindos da esfera italiana.


Essa "italianização" da paisagem explica em parte a familiaridade atmosférica que os visitantes provenientes do mundo latino hoje ali experimentam. Famílias de artistas italianos marcaram a fase inicial do Barroco Boêmio, tais como a de Giovanni Pietro Tencalla (1629-1702), Carlo Lurago (1615-1684), Giovanni Domenico Orsi (1634-1679) e a de Francesco Caratti (1620-1677). Os elos aqui foram mais com o Norte da Itália, em particular com a região do Lago de Como e com o Tirol.


Esses agentes artísticos da propaganda religiosa foram trazidos não apenas pelas ordens, mas também pelos nobres que procuraram manifestar o seu poder e riqueza. A Boêmia tornou-se um país de internacionalidade artístico-cultural, ali atuando renomados arquitetos e artistas plásticos. Foi, assim, uma arte não apenas aliciadora, atraente e de fascinação captadora, de intuitos retóricos e fundamentos propagandísticos, mas também de encenação e representação.


A primeira metade do século XVIII conheceu um especial florescimento do Barroco na sua mais intensa expressão. Os elos com o passado remoto da cultura católica de antigas raízes medievais se manifestaram em expressões do assim-chamado gótico-barroco e do barroco camponês, que marcaram profundamente - assim como também na Baviera - a arquitetura popular.


Significado de Hradec Králové/Königgrätz como centro da Contra-Reforma

Hradec Králové/Königgrätz, no Nordeste da Boêmia, foi um dos principais centros da Contrareforma na Europa e é um dos grandes marcos da Recatolização. De antiga tradição católica, remontante ao século X, quando comunidades da Boêmia eram subordinadas à Diocese de Praga, a cidade tornou-se gradativamente um centro religioso, passando, no século XIV a uma nova diocese, a de Leitomischl.



No século XV, foi profundamente marcada pelo movimento dos hussitas e das guerras confessionais então desencadeadas. Devido ao significado do Protestantismo local, foi ela também alvo de particularmente intensiva Contrareforma após a Guerra dos Trinta Anos.

Um dos principais meios do processo recatolizador foi a intensificação do culto mariano. Já em fins do século XVII tomou-se a decisão de ereção, na região, de uma capela de romaria no Monte de Santa Maria, onde havia a crença de que dele irradiavam fachos de luz. A essa capela construiu-se um caminho com as estações dos Passos, aberto por um portal barroco.

Após os esforços para a aquisição de meios financeiros necessários à ereção de uma Diocese, foi esta fundada pelo papa Alexandre VII através da bula "Super universas", em 1664.

A catedral do novo bispado foi elevada a já existente igreja do Espírito Santo, tendo como primeiro bispo um beneditino, que entretanto não pode residir na cidade. O imperador Leopoldo, também rei da Boêmia, após ter colocado à disposição da diocese considerável soma, adquiriu direitos de nomeação de bispos.

Conflitos com a Câmara municipal marcaram o início da Diocese, impossibilitando de início a construção de um seminário sacerdotal e de casas para os cônegos. Somente em 1709 deu-se início à construção da residência episcopal. Para padroeiro da Diocese escolheu-se o mártir São Clemente de Roma. 

Com o estabelecimento e a ação de ordens religiosas, em particular da Companhia de Jesus, Königgrätz tornou-se um dos principais centros da Contrareforma na Europa Central. O movimento recatolizador foi tão intenso que levou a revoltas de protestantes, intensificando o movimento emigratório no primeiro quarto do século XVIII, em particular após a revolta de Opočno, em 1722.

Somente em 1781, com o edito de tolerância do período josefinista, permitiu-se que se restabelecessem comunidades evangélicas no território.

A Igreja de Nossa Senhora da Assunção e o Colégio Jesuita

A cidade de Königgrätz passou por uma extraordinária reconfiguração urbana e arquitetônica no período da recatolização barroca. O seu principal monumento é a igreja da Ascensão de Nossa Senhora, construída entre 1654 e 1666, projetada por Carlo Lurago, um dos mais representativos exemplos do Barroco na Europa Centra. A seu lado ergueu-se o Colégio Jesuíta, construído entre 1671 e 1710.


Irradiação de expressões culturais da Europa Central à América Latina

Carlo Lurago, que atuou na Boêmia e, posteriormente, no sul da Alemanha, sobretudo em Passau, contribuiu com as suas obras de forma significativa à criação da fisionomia arquitetônica que até hoje marca um vasto espaço centro-europeu.

A consideração dessa área marcada pelo processo recatolizador e de intensificação do Catolicismo abre perspectivas para estudos relativos ao Barroco na América Latina. Esses estudos vêm sendo desenvolvidos em projetos da A.B.E., salientando-se aqui o papel desempenhado pela missão jesuítica no Paraguai.

Jesuítas da Boêmia atuaram nas missões do Paraguai, como menciona o Pe. Antonio Sepp von und zu Rechegg S.J. (1655-1733) na sua descrição de viagem (Nürnberg 1697/98) realizada juntamente com o Padre Antonius Böhm, sendo o primeiro do Tirol e o segundo da Baviera.

No capítulo que trata da habilidade dos indígenas para quaisquer trabalhos mecânicos e seu prodigioso talento musical, cita o Pe. João Batista Neumann, da província da Boêmia. (op.cit. 244) Na colonia de São João Batista, então recentemente fundada, um menino indígena tocava, na harpa ou "cítara davídica", entre outras, obras de Heinrich Ignaz Franz Bibern (1644-1704), compositor nascido em Wartenberg, na Boêmia, e falecido em Salzburg.

Compreende-se, assim, que processos culturais que atuaram na Europa Central, em particular também na Boêmia, tragam novas perspectivas para o estudo histórico-musical de orientação cultural na América Latina, como ven sendo discutido em eventos  e salientado na sessão de encerramento do Triênio pelo Descobrimento do Brasil realizada no Palácio do Itamaraty em 2002. (A.A.Bispo, "Klassik und Mentalitätsgeschichte: Globalität und Multikulturalismus", 349-359, Musik, Projekte und Perspektiven, Colonia: A.B.E./I.S.M.P.S./I.B.E.M., 2003.

Antonio Alexandre Bispo



Todos os direitos relativos a texto e imagens reservados. Reproduções apenas com a autorização explícita do editor.

Indicação bibliográfica para citações e referências:
Bispo, A.A. "Barroco na Boêmia e Barroco no Brasil II. A recatolização da Europa Central e sua irradiação no continente americano. Jesuítas da Boêmia nas missões". Revista Brasil-Europa: Correspondência Euro-Brasileira 133/9 (2011:5). http://www.revista.brasil-europa.eu/133/Jesuitas-Boemia-Brasil.html



  1. Observação: o texto aqui publicado oferece apenas um relato suscinto de trabalhos. Não tendo o cunho de estudo ou ensaio, não inclui aparato científico. O seu escopo deve ser considerado no contexto geral deste número da revista. Pede-se ao leitor que se oriente segundo o índice desta edição e o índice geral da revista (acesso acima). Pede-se ao leitor, sobretudo, que se oriente segundo os objetivos e a estrutura da Organização Brasil-Europa, visitando a página principal, de onde obterá uma visão geral e de onde poderá alcançar os demais ítens relativos à Academia Brasil-Europa de Ciência da Cultura e da Ciência (culturologia e sociologia da ciência), a seus institutos integrados de pesquisa e aos Centros de Estudos Culturais Brasil-Europa: http://www.brasil-europa.eu


  2. Brasil-Europa é organização exclusivamente de natureza científica, dedicada a estudos teóricos de processos interculturais e a estudos culturais nas relações internacionais. Não tem, expressamente, finalidades jornalísticas ou literárias e não considera nos seus textos dados divulgados por agências de notícias e emissoras. É, na sua orientação culturológica, a primeira do gênero, pioneira no seu escopo, independente, não-governamental, sem elos políticos ou religiosos, não vinculada a nenhuma fundação de partido político europeu ou brasileiro e originada de iniciativa brasileira. Foi registrada em 1968, sendo continuamente atualizada. A A.B.E. insere-se em antiga tradição que remonta ao século XIX.


  3. Não deve ser confundida com outras instituições, publicações, iniciativas de fundações, academias de letras ou outras páginas da Internet que passaram a empregar designações similares.