Do gregoriano aos hinos evangélicos na Islândia. Bispo, A.A.. Rev. BRASIL-EUROPA 132/13. Academia Brasil-Europa e institutos integrados (ISMPS).




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BRASIL-EUROPA

Correspondência Euro-Brasileira©

 

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Skalholt. Islândia. Foto A.A.Bispo

Skalholt. Islândia. Foto A.A.Bispo

Skalholt. Islândia. Foto A.A.Bispo

Skalholt. Islândia. Foto A.A.Bispo

Skalholt. Islândia. Foto A.A.Bispo



Skalholt. Islândia. Foto A.A.Bispo

Fotos A.A.Bispo
©Arquivo A.B.E.

 

Revista Brasil-Europa - Correspondência Euro-Brasileira 132/13 (2011:4)
Prof. Dr. A.A.Bispo, Dr. H. Hülskath (editores) e Conselho Científico
da
Organização Brasil-Europa de estudos teóricos de processos inter- e transculturais e estudos culturais nas relações internacionais (reg. 1968)
- Academia Brasil-Europa -
de Ciência da Cultura e da Ciência

e institutos integrados

© 1989 by ISMPS e.V. © Internet-edição 1998 e anos seguintes © 2011 by ISMPS e.V. Todos os direitos reservados
ISSN 1866-203X - urn:nbn:de:0161-2008020501

Doc. N° 2776


A.B.E.


Do Gregoriano aos hinos evangélicos
A prática musical na vida religiosa da Idade Média islandesa
e sua transformação com a Reforma
Significado da Islândia para uma hinologia de orientação teórico-cultural em contextos globais I


Trabalhos da A.B.E. na Islândia pelos 200 anos de nascimento de Jón Sigurðsson (1811-1887). Skálholt

 

A Hinologia e a Etnomusicologia foram durante décadas áreas de estudos pouco relacionadas entre si. Por demais distintos haviam sido os caminhos dos respectivos desenvolvimentos disciplinares e os contextos em que se inseriram os pesquisadores para que houvesse aproximações e cooperações mais intensas.

A Hinologia vinculava-se naturalmente mais à esfera da música sacra, sendo exercida sobretudo por estudiosos de formação teológica ou de identificação confessional; a Etnomusicologia por pesquisadores voltados sobretudo às culturas extra-européias e sensíveis a outros contextos, tradições, expressões e valores. Nas últimas décadas, porém, houve uma singular aproximação e mesmo um relacionamento entre as duas areas disciplinares.

Apenas alguns dos fatores que possibilitaram esse desenvolvimento podem ser recordados neste contexto. Por um lado, a Hinologia, dedicando-se à análise de textos e melodias, ao estudo de variantes, à adoção de melodias populares a textos religiosos, assim como à popularização e difusão de hinos, relaciona-se estreitamente com a pesquisa do canto popular na tradição da Volksliedforschung alemã, área de estudos cultivada tanto sob o aspecto dos estudos culturais, da Volkskunde ou do Folclore, como sob a perspectiva musicológica propriamente dita, aqui sobretudo sob aspectos históricos e músico-comparativos.

Por outro lado, a Etnomusicologia, refletindo sobre os problemas de distinções entre o europeu e o extra-europeu,  - e em crítica a condicionamentos da Volkskunde/Folclore -, passou a considerar de forma mais intensa expressões que até então tinham sido tratadas no âmbito dessa última disciplina.

O diálogo interdisciplinar foi singularmente fomentado a partir de enfoques pragmáticos. Na esfera católica, hinólogos e pesquisadores de música sacra voltaram-se à Etnomusicologia no âmbito de impulsos partidos do Concílio Vaticano II, aproximando-a de complexos de questões até então tratados no âmbito da missiologia. Nesse sentido, estabeleceu-se, a partir de Simpósio Etnomusicológico realizado em Roma, em 1976, um primeiro instituto de pesquisas que deveria englobar ambas as áres, incluindo departamentos de Hinologia e Etnomusicologia.

A proximidade dessas duas áreas e a cooperação desenvolvida nas décadas que se seguiram demonstraram, porém, a necessidade de reorientação das perspectivas e do trabalho interdisciplinar. Em 2002, na quinta edição do Simpósio Internacional "Música Sacra e Cultura Brasileira", levado a efeito no Rio Grande do Sul, por ocasião do congresso de encerramento do triênio de eventos científicos pelos 500 anos do Brasil, salientou-se a necessidade de um direcionamento culturológico e ecumênico à Hinologia como um caminho para a superação, na pesquisa, de impasses causados pela inserções confessionais de pesquisadores e instituições.

Essa reorientação é defendida pela A.B.E. como uma exigência para o desenvolvimento adequado dos estudos culturais euro-brasileiros relativamente a um complexo de questões até hoje pouco consideradas e que se tornam cada vez mais prementes devido ao aumento de significado de correntes evangélicas no Brasil. Dando sequência aos vários encontros e trabalhos realizados, voltou-se agora a atenção ao exame de determinados aspectos da problemática no exemplo da Islândia.

A Islândia assume aqui particular significado por diversas razões. Como o país mais novo da Europa, resultado de uma colonização na Idade Média, surge como "território de refúgio" de expressões culturais mais remotas do continente, que ali mais longo tempo sobreviveram. Esse mecanismo, apontado por pesquisadores, não diz respeito apenas a tradições populares. Como país cristianizado na Idade Média, tendo os seus religiosos recebido formação em centros do continente, em particular do Norte da Alemanha, foram marcados por determinadas correntes na recepção da cultura religiosa e de expressões de culto, que, no isolamento da ilha, parecem ter ali alcançado particular intensidade, desenvolvido particulares formas de execução e interpretação, mantendo-se conservadoramente remotas tradições.

A Reforma, implantada radicalmente pelo soberano dinamarquês Cristiano III (1537-1559), representou uma profunda transformação cultural. Também a recepção das novas expressões musicais de culto processou-se a modo do recipiente, ou seja, a partir do condicionamento cultural dos islandeses.

A Islândia parece oferecer, assim, condições particularmente favoráveis para o desenvolvimento de estudos relativos à passagem do Canto Gregoriano e de uma cultura determinada pela sua prática à do repertório reformado de cantos comunitários. Trata-se, aqui, de uma questão que tem sido por décadas debatidas de forma polêmica por hinólogos identificados confessionalmente. Pesquisadores católicos salientam a existência de uma cultura hínica anterior à Reformação, estudiosos protestantes a de um fundamental papel desempenhado por Lutero.

Local de reflexões: Skálholt - significado e centro de música religiosa

Skalholt. Islândia. Foto A.A.Bispo

Como local particularmente adequado para o tratamento dessas questões oferece-se Skálholt, o principal centro cultural, religioso e político da Islândia do passado. Foi, desde 1056, sede episcopal, tendo ali atuado 31 bispos católicos.

Com o Gissur Einarsson (1512-1588), o primeiro bispo luterano de Skálholt, sagrado em Kopenhagen, introduziu-se a Reforma e procedeu-se a medidas de superação de tradições católicas profundamente enraizadas no país. Skálholt foi, assim, também centro das profundas transformações culturais e musicais que se processaram na Islândia com o Protestantismo. 12 bispos luteranos ali atuaram.

Em 1550, o último bispo católico, de Hólar, Jón Arason (1484-1550), foi decapitado, juntamente com os seus dois filhos.

O significado transcendente de Skálholt terminou em 1785, quando a sede episcopal foi transferida para Reykjavik.

Hoje, Skálholt apresenta uma igreja de moderna arquitetura. Após a demolição de antiga igreja de madeira documentada em antigas representações pictóricas, havia o perigo de que se apagasse a memória do significado que Skálholt possuiu por séculos. Assim, realizaram-se esforços para a construção de uma nova igreja. A sua pedra fundamental foi lançada em 1956, por ocasião dos 900 anos da sagração do primeiro bispo islandês. Foi um projeto do arquiteto de Estado Hördur Bjarnason e consagrada em 1963. Ao lado da igreja construiu-se um centro de convenções.


Devido ao significado de Skálholt para a história cultura e religiosa de todo o mundo nórdico, vários outros países colaboraram com a construção dessa igreja, possibilitando, entre outros, a compra de 5 dos 8 sinos. A pedra batismal foi doada pelas ilhas Faröer, o órgão foi financiado pela Dinamarca. A qualidade desse instrumento possibilita que ali se realizem concertos no âmbito dos festivais de verão de Skálholt. Esses concertos são acompanhados por oficinas musicais.




Papel na história da Igreja e da Reforma na Islândia

A primeira igreja local foi edificada por Gissur Teitursson, filho do primeiro colono, logo após a sua conversão ao Cristianismo. Gissur Ísleifsson, bispo de 1082 a 1128, transferiu à Igreja Skálholt, que era de sua propriedade, sob a condição de ser sede do bispado. Ísleifur Gissurarson, neto do primeiro colono de Skálholt, tendo recebido formação em Herford, próximo a Bremen, foi o seu primeiro bispo, consagrado em 1056. (http://www.revista.brasil-europa.eu/132/Oddi.html) Ali aprendeu música e a cantar, sendo o seu canto louvado nos manuscritos. Na sua sé, em Skálholt, criou a primeira escola do país.

O seu aluno foi Jón Ögmundsson, bispo de uma nova diocese, Hólar, de 1106 a 1121. Também aqui criou-se uma escola, na qual, entre outros, um monge francês de nome Richini deu aulas de canto e versificação. Entre as várias igrejas que ali se construiram, a maior foi a de madeira do bispo Klaengur Pórsteinsson, de 155. Um de seus bispos mais salientes foi Porlákur Pórhallsson (1178-1193), canonizado em 1199. Dos textos mais antigos, salienta-se um Ofício em rimas, o Officium Sancti Thorlaci, de fins do século XIII.

Transformação músico-cultural: adaptações e ensino

Com a Reforma, a prática musical nas igrejas sofreu considerável transformação. O intenso cultivo do Canto Gregoriano, de séculos, foi substituido pelo canto de hinos comunitários, em especial o de salmos.


Esse repertório passou a ser denominado segundo o Graduale editado pelo bisp de Hólar Gudbrandur Porláksson (1541-1627), em 1594, de grallara-söngur. Porláksson, que estudou em Kopenhagen, teólogo, matemático e cartógrafo, foi uma das mais destacadas personalidades da história cultural da Islândia, continuamente lembrado pela sua tradução da Bíblia e pelo mapa por êle realizado da ilha.

No prefácio, o bispo Oddur Einarsson (1559-1630) oferece ensinamentos quanto à prática do canto salmódico. Esse bispo, que também recebeu formação em Kopenhagen e se destacou em Matemática e Astronomia, entrou na história pela severidade com que procurou superar tradições católicas e combater práticas de feitiçaria. Essa publicação, com notação musical, foi largamente difundida - com nada menos do que 19 edições até a segunda metade do século XVIII, estabelecendo uma certa unidade na prática musical nas igrejas do país.


No prefácio de 1691, o bispo Pórdur Porláksson oferece orientações quanto à leitura musical. Esse livro, assim, adquire um significado de importância para o estudo da história da educação musical na Islândia.

Entre os pastores que mais se destacaram musicalmente cita-se Ólafur Jónsson /+1627), autor de Kyaedabók. A importância dessa edição reside no fato de incluir uma contrafactura, uma canção de dança com texto religiosos. O seu filho, Jón Ólafsson, criou uma coleção de cantos em meados do século XVII, denominada de Melodia, alguns a várias vozes. A Hymnodia sacra de Gudmundur Högnason (1742) contém cantos a uma voz.

Digno de particular consideração sob o ponto de vista cultural são formas populares de canto religioso constatados pela pesquisa. Trata-se do assim-chamado "tom desigual" ou "cadência desigual". No canto, sem acompanhamento, o núcleo melódico é apenas insinuado nos seus moldes, sendo ornamentado profusamente.

Magnús Stephensen publicou, em 1802, o primeiro livro de salmos com notação moderna. (Hallgrímur Helassong, "Island", Musik in Geschichte und Gegenwart 6, Kassel, Basel, Londres 1957, 1438-1448)


Escavações arqueológicas revelaram fundamentos das antigas edificações. Oferecem, entre outros aspectos, possibilidades de estudos das condições modestas em que viviam religiosos e discípulos, assumindo particular relevância para estudos culturais da vida medieval.


Antonio Alexandre Bispo




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Indicação bibliográfica para citações e referências:
Bispo, A.A. "Do Gregoriano aos hinos evangélicos. A prática musical na vida religiosa da Idade Média islandesa e sua transformação com a Reforma". Revista Brasil-Europa: Correspondência Euro-Brasileira 132/13 (2011:4). http://www.revista.brasil-europa.eu/132/Skalholt.html




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