Histórico e ficcional na saga - H. Laxness. Bispo, A.A.. Rev. BRASIL-EUROPA 132/10. Academia Brasil-Europa e institutos integrados (ISMPS).




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BRASIL-EUROPA

Correspondência Euro-Brasileira©

 

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H. Laxness. Islândia. Foto A.A.Bispo

H. Laxness. Islândia. Foto A.A.Bispo

H. Laxness. Islândia. Foto A.A.Bispo

A.B.E.

H. Laxness. Islândia. Foto A.A.Bispo

Fotos A.A.Bispo
©Arquivo A.B.E.

 

Revista Brasil-Europa - Correspondência Euro-Brasileira 132/10 (2011:4)
Prof. Dr. A.A.Bispo, Dr. H. Hülskath (editores) e Conselho Científico
da
Organização Brasil-Europa de estudos teóricos de processos inter- e transculturais e estudos culturais nas relações internacionais (reg. 1968)
- Academia Brasil-Europa -
de Ciência da Cultura e da Ciência

e institutos integrados

© 1989 by ISMPS e.V. © Internet-edição 1998 e anos seguintes © 2011 by ISMPS e.V. Todos os direitos reservados
ISSN 1866-203X - urn:nbn:de:0161-2008020501

Doc. N° 2773


H. Laxness. Islândia. Foto A.A.Bispo



O histórico e o ficcional na saga nos seus elos políticos
Da propriedade nacional de narrativas e da liberdade humana perante o narrado
A música no pensamento de Halldór Laxness (1902-1998)


Trabalhos da A.B.E. na Islândia pelos 200 anos de nascimento de Jón Sigurðsson (1811-1887). Mosfellsbaer/Gljúfrasteinn, Casa-Museu de Halldór Laxness (1902-1998)


 

A consideração de correntes de pensamento concernentes à cultura de outros países, ainda que a princípio distantes de contextos euro-brasileiros, pode aguçar a percepção de tendências e problemas da própria história das idéias. Para além das diferenças, similares concepções, argumentos e ações adquirem novos acentos, surgem à nova luz e permitem que sejam reconhecidos condicionamentos, implicações e consequências não suficientemente refletidos a partir de perspectivas do próprio contexto.

Este é o caso de um debate islandês que marcou o desenvolvimento do pensamento cultural no século XX e tem ressonâncias no atual. Trata-se da interpretação e valoração das sagas, principal parte do patrimônio cultural islandês. Se inicialmente essa questão surge como pouco próxima aos interesses dos estudos euro-brasileiros, uma consideração mais atenta demonstra a sua relevância sob um aspecto teórico mais amplo e a sua potencialidade de abrir perspectivas para a análise de correntes de pensamento pertinentes à situação brasileira. A partir do contexto islandês, a atenção é dirigida às diferentes possibilidades de concepções relativas às narrativas do passado e às suas dimensões políticas e filosóficas.

Questões da propriedade nacional do patrimônio imaterial

Em estudo recente, Jón Karl Helgason trata de questões relativas à atualidade político-cultural das sagas (Jón Karl Helgason, "Parliament, sagas and the twentieth century", Gísli Sugurdsson e Vésteinn Ólason, The Manuscripts of Iceland, Reykjavík, Árni Magnússon Institute, 2004, 145 ss.).

O autor lembra, de início, que, em fins de 1941, o Parlamento islandês aprovou uma lei determinando que o Estado tinha o direito exclusivo de publicar a antiga literatura do país, ou seja, obras escritas antes de 1400. Essa lei fundamentava-se na idéia de que essa literatura seria propriedade comum da nação e os seus direitos não podiam ser requisitados por indivíduos que os publicassem. Isso não implicava que o Estado fosse realizar  todas as publicações, mas sim que o Ministro da Educação devia autorizar a publicação de obras. Essa autorização dependeria de determinadas condições, entre êles a do respeito à ortografia original e à dicção antiga estandartizada. Uma instituição, a "Sociedade de Velhos Textos Islandeses" tinha autorização ilimitada para publicar essa literatura.

O autor procura tornar compreensível essa preocupação política lembrando da situação nacional e internacional do país à época da Segunda Guerra. A Islândia encontrava-se então sob ocupação estrangeira, estando incerta a manutenção da união do país sob a Coroa da Dinamarca.

Nessa situação de incerteza, acompanhada por rápida urbanização e influências externas, acentuavam-se receios de perda de valores culturais vistos como islandeses. Havia quase que um consenso a respeito da necessidade de preservação de tradições, de objetos e expressões (http://www.revista.brasil-europa.eu/132/Skogar.html). Salientava-se a necessidade de se manter ou estabelecer uma continuidade entre o passado e o futuro, o rural e o urbano.

Essa lei despertou polêmica, sendo considerada como inconstitucional pela Suprema Corte. A discussão, porém, trouxe à tona atitudes conflitantes a respeito da herança literária e do contrôle político da cultura. O intento de colocar o patrimônio cultural imaterial sob a égide do Estado correspondeu a idéias já há muito defendidas e relacionadas com os esforços destinados à restituição de fontes conservadas na Dinamarca, foi, porém, resultado imediato de uma situação vista como de urgência.

A razão da lei residiu no fato de que pouco antes um jornal publicara a notícia de que um editor - Ragnar Jónsson - pretendia lançar uma versão reduzida da "Saga do Povo de Laxardal" em dicção moderna, tendo contratado Halldór Laxness (1902-1998) para empreender tal tarefa. A divulgação desse plano levou a reações críticas, manifestadas em jornais e no Parlamento. A iniciativa sugeria um desrespeito para com esse patrimônio cultural da Islândia, até então publicado segundo formas antigas do islandês, assumindo quase que uma aura sacrosanta de símbolo pátrio. Assim, segundo o autor, a lei teve o sentido de impedir a anunciada edição que enfraqueceria a Islândia justamente em período marcado por incertezas políticas.

Os editores, porém, conseguiram publicar a obra antes que a lei fosse passada no Parlamento. Já um ano depois, lançando uma outra saga, os seus responsáveis foram condenados a multa ou prisão. Entretanto, enquanto o caso estava sendo tratado na Suprema Corte, editor e autor conseguiram obter permissão para a publicação da "Saga de Njal" (http://www.revista.brasil-europa.eu/132/Centro_de_sagas.html).

O Parlamento reagiu com uma resolução recomendando que a divisão de publicação do "Fundo Cultural" e dos "Amigos da Islândia", entidades oficiosas, publicassem a sua própria edição da saga. Tratava-se de demonstrar que a antiga literatura não deveria ser profanada com edições feitas para fins comerciais. A qualidade e a nobreza da edição deveriam corresponder ao tesouro cultural que esse material representava. A edição oficial dessa saga, em 1944, deu-se no ano em que a República da Islândia foi instituída.

Questões de lore e história local

O autor lembra, no seu estudo, como autoridades locais protestaram quando da publicação da "Saga do Povo de Laxardal" por Halldór Laxness. O distrito com o qual a saga se associava via-se prejudicado por uma edição que não possuia introdução, índice ou notas, e que era vista como disfiguradora da saga. Para essas autoridades, as respectivas regiões mencionadas nas sagas deveriam ter o direito de cuidar de suas imagens. Se o corpo das sagas deveria ser considerado como propriedade da nação, os distritos deveriam ter direitos especiais com relação às sagas relacionadas com o seu território e história.

Local de reflexões: casa de Laxness em Mosfellsbaer

Um das mais singulares instituições islandesas de interesse cultural é a antiga casa de Halldór Laxness, que, por ter recebido o Prêmio Nobel de Literatura, em 1955, ocupa uma posição de particular relêvo na história cultural do país.

Islândia. Foto A.A.Bispo

A projeção internacional de Laxness, cujas obras foram publicadas em numerosas edições e vários idiomas, levou a que a casa em que morou desde 1945 fosse transformada em museu por ocasião da passagem do centenário do seu nascimento, em 2002. Tendo sido mantida com a mobília, os objetos e a biblioteca do escritor, essa casa-museu surge como testemunho de uma época, ou melhor, de uma esfera progressiva do pensamento e das artes na história islandêsa do século XX. Adquire, assim, interesse para estudos culturais desse século, em particular de suas correntes intelectuais avançadas e da vida do quotidiano de seus representantes.

Esse significado da casa de Laxness não é percebido de imediato pelo observador. Ainda que se tratando de um exemplo de arquitetura avançada para os anos 40 na Islândia, e surgindo como exemplo de uma residência de pessoa de mais posses nas modestas condições de vida do país, apresenta-se ao visitante de hoje como casa discreta e sem maiores ambições estético-construtivas ou de representação.

Surpreende, sobretudo, por representar uma arquitetura residencial inserida em correntes do Moderno e conhecida antes de regiões urbanas. O visitante não espera, assim, encontrar tal construção no isolamento do mundo rural de Glujfrasteinn. Em meio a campos contornados pela silhueta de montanhas, depara, de repente, com um pequeno caminho que leva à residência de Laxness.

Situada no alto de uma colina, à beira de um córrego, possibilitava ao escritor a visão ampla do vale de Mosfellsdalur, onde se encontra o sítio Laxnes, onde passou a sua infância e a sua juventude. Ainda que nascido em Reykjavik, Laugavegur, a sua família transferira-se, já em 1905, a essa propriedade rural. O significado dessa paisagem e do seu vínculo com a região para a compreensão de seu pensamento e obra manifesta-se já no fato de ter assumido a sua denominação para o seu próprio nome literário (Halldór frá Laxnesi).

A arquitetura e o seu interior sugerem, assim, a transposição singular do urbano, cosmopolita, internacional, aberto a tendências contemporâneas e progressistas do pensamento, da literatura e das artes ao ambiente natural dominado pela amplidão dos campos e das montanhas da Islândia.


Ao percorrer a casa que permite uma imersão no universo do quotidiano vivido por Laxness, o visitante não pode esperar espetacularidades, tendo que procurar perceber significados de mobílias e objetos que, em outro contexto, talvez não despertassem particular atenção. Deve-se, porém, considerar que, no longínquo mundo insular islandês de décadas passadas, com as dificuldades financeiras e de transporte que assolavam crônicamente o país, móveis, objetos, livros e partituras ali reunidos exigiram muitas vezes difíceis e dispendiosas importações.

No pequeno hall de entrada, o observador pode admirar um relógio de antiga procedência familiar, que levou a reflexões de Laxness sobre o tempo, além de quadro de temática religiosa procedente de uma igreja que não quis aceitar a forma de expressão do seu artista. Manteve-se o ambiente da sala de jantar, com a longa mesa onde se realizavam reuniões, e, sobretudo, no andar superior, o seu dormitório e quarto de trabalho, com os objetos que utilizou para a escrita de suas obras e as muitas edições dos seus numerosos livros e que abrangem mais de 60 volumes. A sua grande biblioteca inclui obras das várias esferas dos conhecimentos e das artes, salientando-se publicações sobre artes visuais.

Na sala de visitas, onde se realizavam frequentes reuniões de literatos, artistas e amigos, vê-se móveis em parte importados da Dinamarca e de avançada estética, da poltrona que utilizava, tapeçarias e, sobretudo, o grande piano de cauda utilizado por Laxness.

Toma-se conhecimento, assim, que a música foi de grande significado para o portador do Prêmio Nobel, que a praticava regularmente e que constituia o centro dos encontros que ali se realizavam. Com as dificuldades de obtenção de partituras na Islândia, Laxness via-se obrigado a trazer músicas quando de suas viagens ao Exterior ou mesmo importá-las.

Admirava particularmente obras de J. S.Bach, tendo-se dedicado a seu estudo e execução, assim como a reflexões concernentes à sua estética. Inseriu-se, assim, no amplo movimento de redescobrimento e revalorização de Bach da primeira metade do século XIX.

Cosmopolitismo e superação de estreiteza de visões. Catolicismo e música

A vida de Laxness sugere um constante anelo de superação da estreiteza de visões que sentia existir no ambiente cultural islandês. Esse impulso à abertura de perspectivas, à atualização de concepções, à sintonia com correntes e tendências mais avançadas do pensamento e das artes acentuou-se durante os seus anos de vida em Kopenhagen e as suas visitas às grandes cidades européias. Essa atmosfera de dinâmica criadora que sentia reinar nas metrópoles esperava que também alcançasse Reykjavik.

O ambiente mental da Islândia, que seria estreito em comparação ao das grandes metrópoles, era profundamente marcado pela tradição cristã reformada do país. O protestantismo dominava não apenas a vida do dia-a-dia, mas influenciava fundamentalmente as concepções culturais e mesmo o modo de interpretar a história. Compreende-se, assim, que Laxness, apesar de todo o seu interesse por correntes renovadoras e inovadoras, e justamente por assumir uma posição crítica com relação à cultura islandesa da época, deu um passo que foi necessariamente percebido negativamente por conterrânes e que surpreende o observador de hoje: a sua conversão ao Catolicismo, em 1923.

A profundidade com que se dedicou ao mundo católico manifestou-se no fato de ter chegado a receber as ordens menores no Mosteiro Beneditino de São Maurício e São Mauro, em Clerveaux, no Luxemburgo. Foi, assim, marcado pela tradição e pelas correntes do pensamento beneditino na tradição da Abadia de Solesmes, cujos monges haviam fundado o mosteiro de Clerveaux, em 1909/1910. Experimentou, assim, o entusiasmo de uma comunidade em formação e em expansão, do movimento litúrgico e do Canto Gregoriano.

A importância da música para Laxness deveria ser considerada sob o pano de fundo desse intenso contato com um dos mais importantes centros do cultivo do Gregoriano e do estudo da Paleografia Musical e da Estética fundamentada em princípios desenvolvidos em Solesmes.

Considerando-se esses pressupostos, também marcados pelo estudo de manuscritos medievais, abrem-se novas perspectivas para a compreensão da distância de Laxness com referência a posições islandêsas de leitura das antigas sagas. A orientação primordial ao texto, ao escrito, a sua leitura literal, a sua compreensão antes histórica como portador de informações, surgiam necessariamente como expressões de uma cultura marcada pela tradição protestante e que determinava o ambiente cultural islandês.

Experiência americana e tendências sociais

A estadia do escritor nos Estados Unidos e a constatação de problemas relacionados com mudanças sociais na Islândia foram fatores que conduziram a uma orientação social do seu pensamento. Assim, em 1938, foi um dos membros fundadores do Partido Socialista da Islândia. Apenas muito mais tarde, com a ocupação soviética da Hungria, relativaria essa sua posição política.

Posições do conflito: concepção histórico-literal de narrativas e interesse do Estado

Como Jón Karl Helgason salienta, a argumentação dos contraentes de Laxness baseava-se na suposta historicidade das sagas. Criticava-se a publicação de Laxness sobretudo pelo fato de distorcer fontes históricas. A modificação de laços familiares e de locais pareciam ser inapropriadas para o tratamento de fontes às quais se atribuia autoridade quase que clássica. Salientava-se que as genealogias transmitidas pelas sagas eram necessárias para a compreensão do vir-a-ser histórico. Um dos críticos via-se como descendente de uma das figuras mencionadas na saga e ressentia-se pelo fato de seu antepassado não ter sido mencionado.

Assim, as publicações de Halldór Laxness relativas a sagas contrariavam atitudes nacionais e nacionalistas de compreensão da história. Essas atitudes, porém, no contexto da Islândia, denotam características do pensamento profundamente marcado pela Reforma. O "só Escrituras" parece ter influenciado de forma muito mais ampla e profunda o pensamento do que em geral suposto. A atenção dos pesquisadores do patrimônio cultural do passado islandês era correspondentemente sobretudo dirigida ao texto, à sua compreensão literal, e à história nele narrada. Essa posição, no caso islandês, havia levado a uma extraordinária atenção ao escrito, ao respeito pela linguagem, à sua ortografia, à dicção.

Para Laxness, correspondendo a seu anelo de superação de estreitezas - e filisteísmos -, se as sagas deveriam manter o seu interesse para a atualidade, necessitavam ser acessíveis. Criticava, assim, o uso erudito de formas estandartizadas do passado nas publicações. Nessa sua posição, era até mesmo apoiado por outros estudiosos, entre êles Magnús Jónsson, Professor de Teologia da Universidade da Islândia, que via na perpetuação da antiga escrita um êrro, como se o islandês moderno representasse uma outra língua relativamente ao medieval.

As posições conservadoras, preocupadas com a corrupção de textos, colocava obstáculos não apenas à criação literária. Também artistas plásticos ressentiam-se da falta de maior liberdade de recriação de materiais.

Sagas como ficção - comparação com a música

Para Laxness, seria um mal-entendido ver nas sagas obras históricas. Na introdução da "Saga do Povo de Laxardal", comparou o seu autor com um pianista. Seria como se um virtuoso levasse tempo procurando o seu caminho nas teclas, experimentando longo tempo com melodias e fragmentos de tons, alguns suaves, outros místicos ou caprichosos, às vezes criando relações casuais, às vezes não, realizando contrapontos ao tema principal até que, em segunda etapa, alcançava um momento que o cativa completamente.

Essa comparação da saga com a música chegou a irritar parlamentares, entre êles, como cita Jón Karl Helgason, Jónas Jónsson. Este temia que Laxness logo iria falar em contrapontos com relação a outras obras que representavam monumentos nacionais.

As opiniões relativas à historicidade ou à natureza ficcional das sagas dividiram-se. Passou-se a difereciar o que nelas correspondia à veracidade histórica ou o que era ficção. Os argumentos de Laxness correspondiam àqueles de pesquisadores conhecidos como "Escola Islandesa". Essa "escola" enfatizava que as sagas representavam obras de autores, expressões máximas de uma forma única da criação literária da Idade Média tardia.

Com a aceitação cada vez maior dessa corrente, a atenção emprestada às sagas modificou-se: dos heróis aos autores das sagas. Essa transformação correspondeu a uma mudança de compreensão do nacional e dos seus fundamentos. Da visão antiga dirigida a guerreiros, heróis e caracteres de protagonistas passou-se a dar atenção aos autores que haviam permanecido nas sombras.

Dimensão política da discussão

Jón Karl Helgason salienta, no seu estudo, que a discussão dos anos 40 sobre o histórico e o ficcional nas sagas era antes política do que literária. Os principais opositores ao "Ato da antiga literatura" e que publicaram a "Saga de Njal" eram do Partido Socialista. Ao contrário, membros do Partido Progressista procuraram desacreditar os autores de esquerda, em particular Halldór Laxness. Dentre estes, o autor lembra Jónas Jónsson de Hrifla que, em compêndio sobre a história da Islândia, afirma que o Ato de 1941 foi passado no Parlamento com o objetivo de evitar que comunistas publicassem obras da velha literatura na linguagem vulgar da plebe. Como presidente do Conselho da Educação, tinha fomentado a idéia de que as sagas fossem publicadas oficialmente pelo "Fundo Cultural", ficando ressentido com o fato de ter sido precedido por Laxness. Acreditava-se, assim, que o controle da antiga literatura islândesa relacionava-se com um controle sobre o povo. Nesse sentido, ambas as partes, os nacionais e os socialistas, comparavam os seus respectivos oponentes com os nazistas.

Sagas como questionamento e desafio na atualidade

Alguns autores viram na posição de Laxness uma certa ambiguidade, uma combinação de admiração e questionamento do antigo patrimônio. Prova de sua admiração seria o seu comentário a respeito das ilustrações da Saga de Njal, quando disse estar convencido que alguns dos desenhos seriam contribuições artísticas à altura do texto imortal para o qual haviam sido criadas.

Para Jón Karl Helgason, as sagas já não possuem na atualidade um tal significado para a cultura e a vida do quotidiano na Islândia. As controvérsias mais recentes a respeito de propriedades nacionais dizem respeito antes a recursos naturais, não a narrativas.  Entretanto, as sagas continuam presentes na designação de movimentos juvenís, na denominação de ruas e salas, até mesmo de fábricas de chocolates. Assim, a literatura medieval continua a ser propriedade da nação, um fundo do qual indivíduos, empresas e comunidades retiram dividendos de diferentes modos.

Sob o ponto de vista dos estudos euro-brasileiros, essa discussão islandêsa sugere a oportunidade de reexames das posições de pesquisadores referentes às tradições narrativas no patrimônico cultural e suas possíveis implicações políticas.

Por outro lado, porém, a familiariade com questões relativas ao narrativo na tradição brasileira pode ser útil às reflexões islandesas. O problema central não reside num conflito de posições antagônicas definidas respectivamente segundo uma compreensão das narrativas como documentos históricos e outra que nelas via obras de ficção literária, mas sim antes no método de leitura do narrado, se primordialmente dirigido ao sentido literal ou de cunho hermenêutico.

Uma reorientação das perspectivas segundo tendências dos estudos culturais da atualidade permite uma recolocação dos problemas e mesmo talvez superações de supostos antagonismos de posições.

Antonio Alexandre Bispo




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Indicação bibliográfica para citações e referências:
Bispo, A.A. "O histórico e o ficcional na saga nos seus elos políticos. Da propriedade nacional de narrativas e da liberdade humana perante o narrado". Revista Brasil-Europa: Correspondência Euro-Brasileira 132/10 (2011:4). http://www.revista.brasil-europa.eu/132/Halldor_Laxness.html




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