Imagem da Islândia e sua natureza. Bispo, A.A.. Rev. BRASIL-EUROPA 132/15. Academia Brasil-Europa e institutos integrados (ISMPS).





Revista

BRASIL-EUROPA

Correspondência Euro-Brasileira©

 

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Geysirs. Islândia. Foto A.A.Bispo

Geysirs. Islândia. Foto A.A.Bispo

Blue lagoon. Islândia. Foto A.A.Bispo

Blue lagoon. Islândia. Foto A.A.Bispo

Blue lagoon. Islândia. Foto A.A.Bispo

Geysirs. islândia. Foto A.A.Bispo

Geysirs. islândia. Foto A.A.Bispo

Geysirs. islândia. Foto A.A.Bispo

Geysirs. islândia. Foto A.A.Bispo

Geysirs. islândia. Foto A.A.Bispo

Geysirs. islândia. Foto A.A.Bispo

Fotos A.A.Bispo
©Arquivo A.B.E.

 

Revista Brasil-Europa - Correspondência Euro-Brasileira 132/15 (2011:4)
Prof. Dr. A.A.Bispo, Dr. H. Hülskath (editores) e Conselho Científico
da
Organização Brasil-Europa de estudos teóricos de processos inter- e transculturais e estudos culturais nas relações internacionais (reg. 1968)
- Academia Brasil-Europa -
de Ciência da Cultura e da Ciência

e institutos integrados

© 1989 by ISMPS e.V. © Internet-edição 1998 e anos seguintes © 2011 by ISMPS e.V. Todos os direitos reservados
ISSN 1866-203X - urn:nbn:de:0161-2008020501

Doc. N° 2778


A.B.E.



A imagem da Islândia e de sua natureza no passado e no presente
transformações na percepção do patrimônio natural
sob especial consideração de fontes geotermais e geysirs
Carl Gottlob Friedrich Küchler (1869-1945)
e Robert Bunsen (1811-1899)


Trabalhos da A.B.E. na Islândia pelos 200 anos de nascimento de Jón Sigurðsson (1811-1887). Hveragerðis, Bláa Lónið, Haukadalur e Laugarvatn

 

Em estudos que relacionam Cultura e Natureza, a Islândia deve ser considerada com particular atenção. A sua história, a vida de seus habitantes e a sua imagem são marcadas pela sua insular e pelas águas do Atlântico do Norte, pelo inverno rigoroso, geleiras, pelos geysirs e fontes de agua quente, vulcões, terremotos, grandes superfícies cobertas de lava, pelas condições naturais difíceis que condicionaram o povoamento e a vida de sua população através dos séculos.

Mesmo na atualidade a Islândia faz-se presente no mundo em particular através de sua natureza, como as erupções vulcânicas de 2010 e 2011 o demonstraram, quando nuvens de cinzas colocaram grandes obstáculos à aviação. Se, porém, no passado a imagem da Islândia foi sobretudo marcada negativamente pelas suas condições avessas ao homem, constata-se hoje o cultivo de uma imagem positiva de um país onde o homem pode vivenciar uma natureza ainda não domesticada, de paisagens grandiosas de montanhas e campos, lagos e cachoeiras, valorizado sobretudo nos meios hípicos pelos seus cavalos.

A essa imagem positiva contribuem os sucessos da Islândia no aproveitamento energético das forças termais, sendo as suas instalações de transporte de agua quente para o aquecimento de cidades e para o cultivo agrícola em estufas objetos de admiração de visitantes do país e do Exterior.

Hveragerðis - Parque geotermal e plantas tropicais do Brasil na Islândia

O significado cultural do viver com as fontes de água quente é salientado do Parque Geotermal de Hveragerðis.

Geysirs. islândia. Foto A.A.Bispo

A história e o presente da área, o papel desempenhado pelos recursos geotermais na economia e na cultura da região são tratados em painéis e publicações. Em particular, a água quente serve para o aquecimento de estufas com plantas tropicais, um dos poucos locais da Islândia onde crescem exemplares botânicos conhecidos do Brasil.

Blue Lagoon. Islândia. Foto A.A.Bispo

Bláa Lónið - Laguna azul: técnica geotermal e paisagismo

Entre esses empreendimentos islandeses geotermais, o mais significativo, no presente, é o Bláa Lónið (Blue Lagoon), pela ressonância que alcançou em outros países e pelo papel que desempenha na própria Islândia, marcando a imagem de toda uma região, a península de Reykanes.

Islândia. Foto A.A.Bispo

Trata-se do lago criado pela água salgada da usina de força Svartsengi, situada em região de fontes minerais, que, depois de servir para o aquecimento de água doce, é dirigida para o lago.
Criou-se, aqui, um balneário que passou a ser conhecido internacionalmente pelas suas qualidades hidroterápicas e, sobretudo, por uma configuração paisagística de extraordinárias qualidades estéticas, caracterizada pelo contraste dos escuros campos de lava e da água azul.

Valorizado por construções inseridas de forma sensível no meio ambiente, o complexo merece ser considerado sob o aspecto do paisagismo e da arquitetura.

A força dos elementos, à qual a Islândia surgia como sujeita na sua imagem, passa a ser agora tratada positivamente como potencial natural e mesmo cultural. Observa-se, assim, não apenas uma mudança na imagem do país, mas também uma mudança na consideração da natureza.

A percepção da Islândia na Europa e no Brasil

Desempenhando questões de imagem papel de relevância nos estudos culturais, levanta-se a questão de como foi a percepção da Islândia e de sua natureza no passado. Ainda que as sagas e a mitologia do mundo nórdico, consideradas como o principal patrimônio islandês, fossem conhecidas em outros paises, tendo exercido importante influência no desenvolvimento do pensamento e das artes, sobretudo do Romantismo (http://www.revista.brasil-europa.eu/132/Nordico_no_Brasil.html), não foram elas explicitamente relacionadas com a Islândia. O estudo da presença da Islândia na história cultural em contextos europeus e mesmo brasileiros necessita considerar, assim, outra literatura do que aquela relativa às antigas narrativas nórdicas, seja na tradição popular, seja nas artes e nos estudos culturais. Deve-se aqui considerar sobretudo relatos de viagens e obras geograficas de maior divulgação.

A recepção dessa literatura no Brasil deu-se sobretudo em círculos de imigrantes, capazes de lê-la. Mesmo na esfera da imigração alemã, a Islândia não esteve presente através da literatura marcada pela mitologia nórdica, considerada como patrimônio germânico por excelência, mas sim através de publicações populares a respeito de países, regiões e povos.

Entretanto, o fascínio pelas sagas e pela mitologia nórdica na Europa, em particular nos países de lingua alemã, preparou o caminho para o despertar amplo de interesses pelas regiões do Norte, também pela Islândia , e esse interesse teve repercussões na literatura de divulgação e, através dela, na imigração.

Esse despertar de interesses pelo Norte também foi resultado de acontecimentos políticos da Europa no século XIX. A importância das relações entre a Alemanha e a Dinamarca explica a presença desse país em publicações e a atenção maior por assuntos dinamarqueses, nos quais a Islândia desempenhava papel significativo.

Assim, acontecimentos e desenvolvimentos político-culturais, sobretudo encontros entre representantes das respectivas Côrtes eram registrados em revistas de grande difusão e, através delas, difundidos entre imigrantes que procuravam manter-se informados sobre ocorrências e novidades do seu país de origem. Publicações conservadas na imigração adquirem particular significado para os estudos dos conhecimentos relativos à Islândia no século XIX, uma vez que são hoje raras e pouco consideradas na Europa.

A Islândia num periódico esquecido: o "Panorama do Universo" (1836)

"O mais fino Panorama do Universo para a instrução desanuviante para qualquer um e todos os paises", um semanal austríaco, publicou, em 1836, um artigo sôbre a Islândia, no qual transmitiu informações sôbre a natureza e a cultura da ilha e uma gravura de geysir.

"Essa ilha singular, pertencente ao reino da Dinamarca, conta com ca. 50000 habitantes, que em grande parte vivem dispersos em sítios por um litoral de ca. de 300 milhas. A única cidade, Reikiavik, na costa sudoeste (com 511 habitantes), é sede do governador, de um bispo e de uma escola catedralícia, na qual se ensina o dinamarquês, o latim, o grego, teologia, história da igreja, aritmética, etc., com uma biblioteca pública de 4000 volumes e um observatório. Ainda hoje predomina ali um ilumismo difundido em todos os círculos, mas também muita pobreza, o que os islandeses suportam com resignação. A diligência artesanal cresce, e produz-se por ex. casimira tão fina como a inglêsa. Os habitantes, que lutam com coragem contra os elementos nessa ilha inóspita, situada em latitude das mais rudes, vivem da pesca, em particular do bacalhau e da pecuária; agricultura quase não existe. Nos jardins crescem couve, tubérculos brancos e raízes amarelas. Não há madeira, apenas ramagens; madeirame trazido pelo mar e torfo servem para fazer fogo. Em 1819, plantaram-se pinheiros. (...) De setembro até Pentecostes dominam ventanias nublosas de inverno e, quando se aproximam os gelos flutuantes, com os quais também vêm os ursos polares, há inesperado frio. De 12 de dezembro até 13 de janeiro, o sol permanece sob o horizonte. O número dos que morrem é em geral maior do que o dos nascidos; muitos islandeses encontram a morte no mar ou em atividades perigosas. (...) A Islândia tem minas de enxofre, e fontes de agua quente e fervente. Muitas, em particular o Geyser na parte mais sul da ilha são como chafarizes, dos quais a água jorra frequentemente mais de cem pés de altura. (...)" ("Die Insel Island", Das wohlfeilste Panorama des Universums für erheiternden Belehrung für Jedermann und alle Länder 15, 1836, 119-120).


Carl Gottlob Friedrich Küchler (1869-1945) - artigo no "Ao redor do mundo"

Küchler, que tornou-se um dos principais conhecedores e divulgadores da Islândia e das Ilhas Faröer, foi êle próprio marcado pelo fascínio por assuntos nórdicos na Alemanha na segunda metade do século XIX.

Nascido em Stollberg, no Harz, Saxônia-Anhalt, teve o seu interesse pelo Norte despertado durante a sua formação na prestigiada Fürsten- und Landesschule St. Augustin em Grimma, tradicional cidade do Vale do Mulde, marcada pela sua tradição de erudição publicística e do pensamento romântico.

Küchler aprofundou o seu interesse pelo Norte através de estudo da Germanística e de línguas escandinavas em Kopenhagen, em época em que questões concernentes à Islândia, a seu estatuto político e ao significado de sua cultura própria eram particularmente atuais.

Em 1893, apresentou a sua dissertação sobre a saga de Fausto e do Fausto de W. Goethe (Die Faustsage und der Göthe'sche Faust), publicada na Alemanha em várias edições. Já em 1892 publicara, também na Alemanha, sagas de heróis do Norte, traduzidas do islandês (Nordische Heldensagen, aus dem altisländischen übersetzt und bearbeitet, 1892). Em 1896, publicou trabalho sobre novelística (Novellistik) e, como testemunho de seus conhecimentos do desenvolvimento islandês mais recente, publicou uma História da poesia islandesa da era moderna (Geschichte der isländischen Dichtung der Neuzeit, 1800-1900) , obra que alcançou várias edições, também em inglês.

Com os seus conhecimentos de idiomas nórdicos, dedicou-se à tradução de livros escandinavos, entre outros de publicações que tratavam de assuntos concernentes ao mundo de língua alemã, como biografias de Clara Tschudi (1856-1945), autora que, por caminhos indiretos, também surge como de interesse para os estudos euro-brasileiros (http://www.revista.brasil-europa.eu/121/Imperatriz_Eugenie.html).

Entre as suas tradições menciona-se aquela sobre a Imperatriz Elisabeth da Áustria-Hungria (Clara Tschudi, Elisabeth Kaiserin von Österreich und Ungarn, Leipzig: Reclam, s/d), ou sobre o rei Luís II da Baviera, figura histórica que se encontra atualmente no centro das atenções (Clara Tschudi, König Ludwig II. von Bayern, Leipzig: Reclam 1900 e outras edições).

Esses conhecimentos eruditos relativos à cultura nórdica uniram-se em Küchler a intuitos de maior difusão através de formas de expressão mais acessíveis. Esse estilo, próprio da literatura de viagens, desenvolveu-o durante a sua atividade junto à editora Baedeker, em Leipzig, entre 1893 e 1899, uma das principais empresas dedicadas à publicação de guias informativos de cunho turístico.


Essa orientação voltada à difusão ampla de conhecimentos relacionou-se com uma tendência didática condicionada por suas atividades de professor ginasial. Realizando várias viagens à Islândia e às ilhas Faröer a partir de 1901, publicou relatos de viagem, dando à natureza do país particular atenção.

Publicou, entre outros, "Sob o sol da Meia-Noite - através do mundo de vulcões e de geleiras da Islândia" (Unter der Mitternachtssonne: durch die Vulkan-und Gletscherwelt Islands, 1906), "Cavalgadas em deserto e escaladas de vulcões na Islândia (Wüstenritte und Vulkanbesteigungen auf Island, 1909), "Em desertos de lava e mundos encantados da Islândia" (In Lavawüsten und Zauberwelten auf Island, 1910/11), "Os Faroers: estudos e perambulações" (Die Faeröer: Studien und Wanderfahrten, 1913).

Esse interesse pela natureza da Islândia no período anterior à Primeira Guerra teve a sua repercussão também em revistas de ampla divulgação. Menciona-se, aqui, o artigo sôbre as fontes quentes da região mais ao sul da Islândia publicado em "Ao redor da terra: modernas viagens ao redor do mundo, expedições e viagens de descobrimento ao interior de regiões inexploradas em forma popular"), um excerto do mencionado livro Unter der Mitternachtssonne durch die Vulkan-und Gletscherwelt Island. (Carl Küchler, "An den heißen Springquellen von Haukadalur im südlichen Island", Rund um die Erde: Moderne Weltreisen. Expeditionen und Entdeckungsreisen in das Innere unerforschter Gebiete in populärer Darstellung, ed. Theodor Andersen, Berlin: W. Herlet, s/d, 74-85)

Essa publicação foi aberta por um artigo de Ernst von Hesse-Wartegg sobre Samoa, autor que se dedicou à vida de regiões coloniais alemãs, também das comunidades alemãs nos países da América do Sul, em particular no Brasil, onde esteve em 1903 e 1913 (Zwischen Anden und Amazonas: Reisen in Brasilien, Argentinien, Paraguay und Uruguay, Stuttgart/Berlin/Leipzig: Union Deutsche Verlagsgesellschaft , 1915).


Fascinação pela natureza da Islândia e a subida a cavalo do Hekla

O objetivo do "Rund um die Erde" era o de oferecer uma coletânea de textos de viajantes especializados nas várias regiões do mundo, imbuídos de entusiasmo pelos respectivos países. A convicção explícita do editor dessa obra era a de que países e povos deveriam ser descritos apenas por aqueles que se empolgavam por um determinado país, que sentiam por êle e por suas belezas naturais uma predileção especial, pois apenas assim podia-se ter uma descrição expressiva e plástica, oferecendo ao leitor uma imagem fiel do observado. (op.cit. 4)

Também o texto de Carl Küchler sôbre a natureza da Islândia manifesta esse entusiasmo pelo país e explica a expressividade de suas descrições e a sua força em marcar imagens nos seus leitores.

O conhecimento da riqueza geotermal da Islândia veio de encontro ao interesse dos alemães por águas termais, expressas na tradição da cultura balneária em estações de águas, que teve um apogeu à época do Império alemão, com repercussões nas comunidades da imigração, também no Brasil.

O texto divulgado nessa coletânea partia do relato da subida do Hekla a partir de Galtalaekur, tendo o autor atingido a região das fontes quentes de Haukadalur após dois dias de cavalgada. O autor descreve como, em galope, deixou atrás de si a planície fértil e atravessou a região desértica, perseguido por tempestades que levantavam nuvens de areia, contornando o Skaròsfjall, atingindo o rio Pjórsá, que pôde atravessar com a ajuda de um camponês de Pjófárholt. As peripécias da travessia da correnteza pelos cavalos lembram aqui de relatos alemães sobre viagens em outras regiões do mundo, entre elas o Brasil.

Visita ao sítio do poeta de salmos Valdimar Briem (1848-1930) e o papel do canto

Uma das estações da viagem foi o sítio de Stórinúpur do poeta de salmos Valdimar Briem, conhecido em meios evangélicos alemães, e que havia sido reconstruído em 1906 após a destruição causada por terremoto.

Carl Küchler descreve em especial o sítio de Haell, elogiando a vida doméstica e os interesses culturais dos seus habitantes, mencionando a coleção de livros, de quadros, fotografias e de livros que ali encontrou.

Acompanhado por um membro da família, alcançou o vale do Laxá, que descreve como um exemplo de paisagem romântica com as suas várzeas cercadas por altas pedras de basalto em excêntricas formações. 

Passando pela fonte quente Hrunalaug, atingiu a paróquia de Hruni, cercada pelos vapores das fontes termais. O pastor, de nome Kjartan Helgason, recentemente para ali transferido, ainda não tinha recebido os seus móveis que estavam sendo trazidos a lombo de animais, também esse um motivo que frequentemente surge em viagens de aventuras de alemães.

Carl Kücher descreve como acompanhou o pároco à sua primeira pregação através de uma região rochosa ao sítio Tingufell, que descreve como sendo de romantismo selvagem. Êle relata aqui aspectos da cultura do quotidiano de um pregador em regiões inóspitas e o significado da vida religiosa e do canto de hinos para os islandeses.

Na sua viagem, acompanhando o Hvítá, um dos maiores rios da Islândia, tinha perante si o Jarlshettur vom os seus cumes cobertos de neve e o Bláfellsjökull, reconhecendo à distância a área avermelhada ao pé do Laugfjall, onde se situavam as famosas fontes quentes de Haukadalur e que já se manifestavam com vapores que se elevavam.

Após novas aventuras com os cavalos na travessia do Hvítá e sempre ouvindo o ruído da sua grande cachoeira, atingiu o Gullfoß, a "queda de ouro", uma das maiores e mais magníficas quedas d'água da Islândia e mesmo da Europa. (Veja http://www.revista.brasil-europa.eu/132/Gulfoss.html)

De Gullfoß às fontes quentes de Haukadalur, o vale dos açores

Subindo as paredes rochosas, alcançou os altos que, através de terrenos áridos e várzeas, levou-o, após passar o Túngufljót, às fontes quentes de Haukadalur, O autor descreve como essas grandes e famosas fontes quentes da Islândia do sul se situam numa planície ampla, vazia, a Haukadalur (i.e. vale dos açores), ao sul de um sítio do mesmo nome, junto ao pé do não muito alto e completamento liso Laugafjall, avistando-se ao longe o Bláfellsjökull ao norte, e, ao sudeste, o  cume nevado do Hekla atrás do Hcitá.


A área, com a sua centena de fontes quentes, grandes e pequenas, é descrita como de chão em parte vermelho-amarelo, em parte branco-cinzento resultante das chuvas de água misturadas com enxôfre, pedregulhos e lama. O solo é descrito como uma espécie peneira da qual se ouve constantemente o ferver e o borbulhar da água quente.


O autor descreve expressivamente como atravessou esse labirinto com as suas caldeiras, tais como aquelas de feiticeiras, assustando-se com o repentino rojo de água quente de pequenos orifícios, acompanhado de grande rumor. 


Já nessa época havia na região uma hospedaria para os viajantes, descrevendo o autor com pormenores o surpreendente conforto e a cordialidade que ali constatou.

Também aqui, assim, a sua magistral descrição da natureza é intercalada com aquela da vida quotidiana da Islândia, dando a seu relato particular interesse histórico-cultural. Êle descreve como, ao ouvir uma espécie de trovão, dirigiu-se às presas ao maior de todas as fontes, o grande Geysir, que descreve como um dos maiores espetáculos da terra.

Tenso e excitado acompanhou o intensificar das pulsações da terra, a subida cada vez mais potente de vapores, sem, porém, vivenciar o jorro de água. Relata as suas observações da cratera de ca. de 3 metros de diâmetro e da água fervente:

"Encontrava-me no meio de vapores que cheiravam a enxôfre, não desagradáveis para mim, e olhava atônito na abertura da cratera terrífica, escura, que foi medida até uma profundidade de 30 metros, cheio de pensamentos sobre essa bôca do inferno, que nas suas ramificações deve levar diretamente à caldeira infernal do interior de fogo da terra." (op.cit. 81-82)

O autor descreve também a bacia dupla do Blesi, uma fonte quente em gruta verde-azulada, o Konungshver, assim como várias outras fontes menores. Observou o jorro do pequeno Geysir, chamado de Oberrishola.


Repetição de experimentos de Robert Bunsen (1811-1899)

Tendo-lhe ocorrido a idéia de que poderia forçar jorros fechando o orifício, entupiu-lhe a abertura com pedaços de relva e pedra, observando então a sua explosão. Esse seu experimento deveria possibilitar-lhe fotografar o jorro, pois poderia, assim, controlá-lo. Pôde, assim, fazer os registros fotográficos que divulgou na Alemanha.

O autor não cita, porém, que a sua idéia foi precedida por aquelas do naturalista alemão Robert Bunsen (1811-1899), que, em 1846, no âmbito de uma viagem à Islândia, estudou o princípio geológico dos geysirs. Quando da explosão do vulcão Hekla, em 1845, Bunsen, então professor na Universidade Marburg e gozando de renome internacional, foi convidado pelo govêrno dinamarquês a realizar uma expedição à Islândia. Dessa viagem, trouxe para a Alemanha materiais que lhe serviram para análises de gases.

No caminho de retorno, Küchler alcançou o lago Laugarvatn e a habitação ali localizada. Também aqui pode observar fontes de água quente, partindo a seguir para a exploração de "novas grandiosas maravilhas naturais, mas também novas e diversas dificuldades e perigos" de suas cavalgadas pelos desertos islandeses.

O autor oferece, assim, a seus leitores alemães - também os da imigração - , uma primeira e expressiva descrição do planalto Lyngdalsheidi formada por um antigo vulcão, do qual se originou a lava, e no qual se situa a gruta Tintron e, sobretudo do lago Laugarvatn, alimentado por fontes quentes.


Visita ao lago de Laugarvatn, local de narrativas tradicionais

Trata-se aqui de uma região de interesse histórico, pois conta-se que os islandeses, ao assumirem o Cristianismo no ano 1000, teriam preferido deixar-se batizar nas águas quentes desse lago do que naas frias do Pingvallavatn (Veja http://www.revista.brasil-europa.eu/132/Pingvellir.html).

Na fonte de batismo Vigdalaug foram lavados os corpos do último bispo católico da Islândia e seus filhos, assassinados em 1550, antes de terem sido sepultados em Hólar. Hoje, a localidade de Laugarvatn possui um centro escolar.

A descrição pormenorizada do vale de Haukadalur deixa de lembrar o interesse histórico-cultural da região do Geysir. Ali, no século XI, existiu uma escola na qual se formaram sacerdotes e bispos, entre êles Ari o Sábio (1067-1148), autor do "Livro dos Islandeses". A primeira menção do grande Geysir é de 1294, tendo sido descrito pelo bispo Brynjól-fur Sveinsson em 1647. Dessa fonte derivou o nome de Geysir utilizado para a designação de fontes quentes em outras regiões do mundo. À época da estadia do viajante alemão, que não pôde observar o seu jorro, o Geysir já se encontrava em fase de diminuição de sua atividade, que seria interrompida em 1915.

Antonio Alexandre Bispo




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Indicação bibliográfica para citações e referências:
Bispo, A.A. "A imagem da Islândia e de sua natureza no passado e no presente. Transformações na percepção do patrimônio natural sob especial consideração de fontes geotermais e geysirs.Carl Gottlob Friedrich Küchler (1869-1945)e Robert Bunsen (1811-1899)". Revista Brasil-Europa: Correspondência Euro-Brasileira 132/15 (2011:4). http://www.revista.brasil-europa.eu/132/Geysir.html





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