Arte islandesa e relações internacionais. Bispo, A.A.. Rev. BRASIL-EUROPA 132/9. Academia Brasil-Europa e institutos integrados (ISMPS).





Revista

BRASIL-EUROPA

Correspondência Euro-Brasileira©

 

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Museu Einer Jónsson. Islandia. Foto A.A.Bispo

Museu Einer Jónsson. Islandia. Foto A.A.Bispo

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Museu Einer Jónsson. Islandia. Foto A.A.Bispo

Museu Einer Jónsson. Islandia. Foto A.A.Bispo

Museu Einer Jónsson. Islandia. Foto A.A.Bispo

Museu Einer Jónsson. Islandia. Foto A.A.Bispo

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Fotos A.A.Bispo
©Arquivo A.B.E.

 

Revista Brasil-Europa - Correspondência Euro-Brasileira 132/8 (2011:4)
Prof. Dr. A.A.Bispo, Dr. H. Hülskath (editores) e Conselho Científico
da
Organização Brasil-Europa de estudos teóricos de processos inter- e transculturais e estudos culturais nas relações internacionais (reg. 1968)
- Academia Brasil-Europa -
de Ciência da Cultura e da Ciência

e institutos integrados

© 1989 by ISMPS e.V. © Internet-edição 1998 e anos seguintes © 2011 by ISMPS e.V. Todos os direitos reservados
ISSN 1866-203X - urn:nbn:de:0161-2008020501

Doc. N° 2772


A.B.E.


"Um eremita compenetrado que se eleva do Oceano entre a Europa e a América"
Imagem da Islândia nas artes plásticas e o papel da cultura nas relações internacionais
Einar Jónsson (1874-1954)

Trabalhos da A.B.E. na Islândia pelos 200 anos de nascimento de Jón Sigurðsson (1811-1887). Museu Einar Jónsson

 
Museu Einer Jónsson. Islandia. Foto A.A.Bispo

A Islândia - um país aparentemente tão distante de contextos euro-brasileiros - pode contribuir ao aguçamento da percepção para aspectos de desenvolvimentos histórico-culturais que também se fizeram ou se fazem sentir no Brasil.


Quase que de forma prismática pode-se reconhecer, a partir do particular de focalizações nacionais islandesas, para além das diferenças, o geral em correntes de pensamento e expressões culturais similares ou próximas. Paradoxalmente, chega-se do nacional ao supra-nacional, entendido aqui como tentativa de alcance de uma posição da qual o próprio nacional possa ser analisado sob uma perspectiva mais ampla. Exames do nacional e do nacionalismo em outros povos contribuem, assim, à diferenciação de estudos do nacional e do nacionalismo no próprio contexto cultural, ou seja, à auto-reflexão necessária para a superação de possíveis delimitações derivadas de estreitezas de visão.


A Islândia oferece condições excepcionais para estudos das relações entre afirmações ou mesmo criação de auto-imagens nacionais e a imagem da nação no Exterior, assim como das suas dimensões e consequências político-culturais. Oferece, também, um exemplo do papel extraordinário exercido pela criação artística nessa espiral representada pela produção de imagens, a sua ação externa e seus retornos reafirmadores no próprio país. Oferece, sobretudo, possibilidades particularmente favoráveis para exames de concepções da história e da própria cultura que fundamentaram expressões artísticas a serviço da criação de imagens.


Um período que merece especial atenção é aquele iniciado pelo término da Primeira Guerra e que se prolongou pela década de 20 e 30.


Se o Brasil, que também experimentou o impulso de intensificação da auto-consciência dos vencedores de 1918, conheceu o marco reafirmador da emancipação representado pelas comemorações do Centenário da Independência e o cultural-estético da Semana de Arte Moderna, ambos de 1922, a Islândia alcançou nada menos a sua emancipação em 1918 e teve a sua vida cultural marcada pela abertura do primeiro museu de arte do país, em 1923, representativo de sua abertura a correntes estéticas contemporâneas a serviço da afirmação da identidade nacional.


A assimilação de diferentes estilos e a consciência da necessidade de "digestão" dos vários impulsos do Estrangeiro no processo de criação de uma arte islandesa sugerem similaridades com concepções brasileiras "antropofágicas" na época.


Entretanto, a Islândia traz de forma particularmente clara à consciência que esses marcos do início da década de 20 representaram momentos de um processo, no caso islandês até mesmo do empenho especial de um artista, o de Einar Jónnson. Esses marcos não representaram o término de um desenvolvimento de longa data, mas sim o início de um período de intensificação, projeção externa e reprojeções, podendo-se lembrar, no caso do Brasil, da recepção favorável de artistas brasileiros na Europa em fins da década de 20 e da nova força do nacional e do nacionalismo nos anos 30.


Na Islândia, o período determinado pela emancipação do país em 1918 atingiu um ponto culminante em 1930, quando se comemorou do milênio do Althing, o "parlamento" islandês de remotas eras. (Veja a respeito outros artigos nesta edição) Se, no século XIX, a passagem do milênio da colonização da Islândia fora de significado para o fortalecimento de sentimentos nacionais pela terra (http://www.revista.brasil-europa.eu/132/Salmo_90_e_Hino_islandes.html), a do milênio do Althing teve uma motivação mais explicitamente política, intensificando a imagem de uma "época de ouro" de autonomia que a Islândia teria vivenciado no passado.


Essa comemoração veio alimentar anelos de autonomia ainda não totalmente satisfeitos. Embora emancipado, o país permanecia em situação de vínculo em união pessoal com a Coroa da Dinamarca. Essa dependência manifestava-se, entre outros aspectos, nas relações internacionais, que continuavam sob a égide dinamarquesa. Questões relativas à presença e à imagem cultural do país no Exterior, do reconhecimento de seus artistas e intelectuais em outros países assumiram necessariamente particular significado nesses anelos à compleição de autonomia. Tratava-se também - fato não desconhecido do Brasil - de afirmação da consciência do próprio valor e significado, quase que de um orgulho nacional, demonstrando aos demais países ser possuidora de um patrimônio cultural de grande relevância, quase que mais europeu do que aquele de outras nações européias por dizer respeito a seus próprios fundamentos.


Autonomia da Islândia e questões européias


Neste contexto, merece ser relido artigo sobre a autonomia da Islândia publicado em 1928 em revista de Política Externa pelos dez anos da emancipação islandesa. Devido às características do periódico, voltado a diálogos europeus, a atenção foi dirigida às relações entre autonomia nacional e os vínculos culturais e afetivos da Islândia com a Europa. (Georg Gretor, "Islands Selbständigkeit", VI, Europäische Gespräche, Hamburger Monatshefte für Auswärtige Politik VI, 1928, Berlin-Grunewald: Dr. Walther Rothschild,  269-281). A mesma publicação incluiu, como documento, a lei dinamarques-islandesa de 1918 ("Dänisch-isländisches Bundesgesetz vom 30.November 1918", op.cit. 304)


O seu autor, Georg Gretor, pseudônimo de Georges Barbizon (1892-1943), dinamarquês, parte, nas suas considerações políticas e fundamentações, significativamente de uma obra de arte. Nesse mesmo ano, esse autor publicou, também em alemão, um estudo sobre a cultura e as artes na Islândia, o primeiro conhecido do gênero (Georg Gretor, Islands Kultur und seine junge Malerei, Jena: Diederich, 1928).


"No Museum de Reykjavik do escultor Einar Jonson encontra-se uma expressiva placa de bronze, na qual a ilha rochosa é estilizada como se fosse um eremita compenetrado que se eleva do Oceano entre a Europa e a América. O povo islandês sente a sua ilha como parte da Europa e, vêem-se a si próprios como apaixonados guardiães da mais antiga cultura germânico-escandinava, - e a Europa não deveria prejudicar esse sentimento de dela fazer parte com a sua própria divisão. A história ensina que, tanto as violências que tiveram lugar na Idade Média entre os navios comerciais dos hanseatas e aqueles dos inglêses, como também aquelas entre os monopólios comerciais entre os noruegueses e os dinamarqueses foram de consequências fatais para a Islândia (...). O sentimento de pertencer à cultura européia apenas se fortalecerá se o intercâmbio com o continente trouxer para a Islândia o que ela precisa mais do que nunca: relações econômicas internacionais diretas, controladas apenas pelo estado islandês soberano e e um intercâmbio intelectual livre e sem obstáculos com todas as nações de cultura" (Georg Gretor, "Islands Selbständigkeit", VI, op.cit. 281)

Museu de Einar Jónnson na "acrópole" de Reykjavik

O artigo que assim se inicia parte do Museu de Einar Jónnson em Reykjavik. Esse museu situa-se em local privilegiado de Reykjavík, no alto da colina de Skolavorduhaed, num dos lados da praça marcada pela Hallgrimskirkja e pela estátua de Leifr Eiricsson, o descobridor nórdico do continente americano da saga (http://www.revista.brasil-europa.eu/132/Leif_Eriksson_e_Hallgrimskirkja.html). Insere-se, assim, em conjunto arquitetônico de alto significado simbólico para o país, sob vários aspectos relacionado com o processo de sua emancipação e conscientização cultural.

Quando da construção do museu, a colina, fora da cidade, ainda não possuia outras construções. A sua edificação deveria marcar o início de uma espécie de acrópole para a Islândia emancipada.

Museu Einer Jónsson. Islandia. Foto A.A.Bispo

Foi obra de vida de Einar Jónnson, que doou, em 1909, as suas obras para o Estado sob a condição de que para elas fosse construído um museu. Foi por êle concebido - ainda que traga a assinatura do arquiteto Einar Erlendsson, de 1916 -, e serviu-lhe como atelier e mesmo como residência. Hoje, além das obras expostas no seu interior, no qual também se pode visitar o apartamento onde viveu, apresenta, nos seus jardins, 26 de suas plásticas.

A Islândia apresenta, assim, uma história cultural e artística marcada, nessa fase de criação de auto-imagens, de forma excepcional pela obra de uma determinada personalidade que, pelas características, facilita leituras de sentidos.

Jónsson estudou em Kopenhagen, tendo realizado a sua primeira exposição individual em 1901. Uma proximidade a Auguste Rodin (1840-1917) pode ser percebida em sua plástica "O desprezado",  hoje à frente da catedral de Akureyri, a segunda cidade em importância da Islândia.

Com uma bolsa do parlamento islandês, realizou uma longa viagem de estudos por países europeus, em particular pela Alemanha e pela Itália. Em anos da Primeira Guerra, esteve nos Estados Unidos, onde levantou, na Filadélfia, um monumento ao primeiro imigrante islandês às Américas. Foi no seu retorno à Islândia que fêz doação de suas obras ao país.

Posição entre a Europa e a América - patrimônio espiritual islandês

A obra que fundamenta as reflexões de Georg Gretor parte justamente da posição da Islândia entre a Europa e a América, o que não pode ser compreendido apenas no sentido geográfico (http://www.revista.brasil-europa.eu/132/Pingvellir.html) O autor interpreta essa representação artística no sentido de uma potencial ambivalência, de um campo de tensões ainda determinado por um direcionamento europeu que não deveria ser abalado, inclusive para os próprios interesses europeus.

Essa identidade européia da Islândia era sobretudo de natureza cultural, pois resultava da consciência de ser aquela que conservava um patrimônio de remotas origens. Esse patrimônio não era morto, mas vivo. Tratava-se de um patrimônio espiritual, como revela a imagem do eremita. Tal como um eremita se retira do mundo e, no seu isolamento, se dedica à meditação, à conservação da memória e ao estudo, a Islândia, na sua posição isolada, guardara uma cultura do espírito através dos séculos. Essa imagem desperta associações entre o papel desempenhado pelo monaquismo na história do Ocidente do passado e aquele representado pela Islândia.

Jónnson não foi apenas autor de monumentos de vultos da história islandesa, do primeiro colono que se estabeleceu na ilha, em 874, Ingólfur Amarson, ao compositor de hinos religiosos Hallgrímur Pétursson (1614-1674) (http://www.revista.brasil-europa.eu/132/Saurbaer.html) e ao rei Cristiano IX  (1818-1906). Surge não apenas como um representante de uma tradição de perpetuação e celebração histórica e de uma compreensão heróica de vultos de distante passado sobre os quais não possuia modêlos, como o do primeiro povoador da Islândia e daquelas dos protagonistas das sagas.

Muitas de suas obras revelam que a sua preocupação não foi sobretudo a de glorificação da história ou de uma cultura nórdica pré-cristã, mas a de dar expressão a uma continuidade espiritual através dos tempos, o que indica a presença de motivos cristãos em representações. Esse era o leite da terra, que deveria alimentar a nação.


Crux et Cythara e a ascenção

A referência à obra de Jónnson no início do estudo político dirige a atenção à sua leitura e à compreensão adequada das concepções que nela se manifestam.

A comparação da Islândia a "um eremita compenetrado que se levanta do mar entre a Europa e a América" sugere uma concepção que se manifesta um modêlo de monumento de Jónsson conservado nos jardins do seu museu. Essa obra representa o movimento ascensional de gentes conduzidas por um guia que levanta uma cruz e uma lira.


Trata-se aqui indubitavelmente do binômio "crux et cythara" da literatura religiosa, fundamentada na linguagem dos salmos. Ainda que objeto de múltiplas interpretações de sentidos, apta a ser examinada também nas suas relações com a linguagem simbólica da Antiguidade não-bíblica, sugere aqui sobretudo elos com a situação de morte ao mundo da vida do eremita - e da cruz da Islândia no seu isolamento - e a da cítara dos salmos.

O motivo da cítara, que também pode ser interpretado como o da reunião de várias cordas num só instrumento, tem a possibilidade de ser interpretado no sentido coletivo, como reunião de almas ou vozes da nação. Também aqui Jónnson vem de encontro ao significado do universo salmódico para a cultura islandêsa. A força simbólica do instrumento explica o fato de estar presente em outras obras de Jónnson, mesmo em período tardio. Ao mesmo tempo, porém, desperta associações com a antiga prática musical de interpretação de narrativas.

A comparação da Islândia a "um eremita compenetrado que se levanta do mar entre a Europa e a América" poderia lembrar numa primeira aproximação as antigas imagens de uma entidade que se levanta do mar para captar bens nas alturas, conhecidas das tradições populares católicas e na linguagem figurada de concepções teológicas, em particular da mística (Veja artigos em números anteriores desta revista).

Entretanto, a referida obra marcada pela cruz e a cítara não manifesta a metamorfose que marca tais representações, ou seja, não expõe figurativamente a transformação interior de um processo de elevação das águas da existência. Ela é caracterizada por um movimento ascensional sem fundamental transformação, ou seja, antes por uma visão marcada por uma decorrência linear no tempo.


Concepção evolutiva, espírito e a matéria

Uma outra obra de Jónnson, que traz explicitamente o título de "Evolução", mostra a cristianização do mundo como um resultado ou causa de um processo evolutivo, global, necessariamente vitorioso.

Não se pode esquecer que a época de Jónnson foi marcada pelas controvérsias relacionadas com a teoria da evolução e do evolucionismo, vistas como incompatíveis com a tradição bíblica, uma polêmica conduzida sobretudo nos países de acentuada formação protestante, marcados por uma compreensão literal das Escrituras. Por vários lados realizaram-se esforços de coadunação de concepções evolutivas e cristãs, de restabelecimento de uma coerência no edifício dos conhecimentos ou da demonstração de não haver incongruência entre ciência e Revelação. (.http://www.revista.brasil-europa.eu/129/Americanismo.html)

Um dos caminhos percorridos nesse intento foi o da hipótese de que o princípio evolutivo valia tanto para a matéria como para o espírito. Que as relações entre a matéria e o espírito, assim como concepções entre espiritualização da matéria e materialização do espírito não estavam distantes das reflexões de Jónnson isso o sugere a sua obra "Matéria e Espírito", na qual os dois princípios se apresentam abraçados, surgindo dentre êles um terceiro.

Esses fundamentos filosófico-culturais de natureza teológica também se manifestam em obras que não possuem títulos que auxiliem a leitura. Assim, a escultura dos "lutadores", nos quais um surge com características nórdicas, outro, antes exóticas, africanas ou aborígenes, sugere, com laivos discriminatórios, a luta de dois princípios antropológicos determinados pela orientação segundo a matéria e o espírito, possivelmente dentro do próprio homem.

Manutenção do patrimônio espiritual e continuidade da autonomia

Partindo da consciência européia da Islândia como guardiã do patrimônio cultural, a preocupação de Georg Gretor, no seu artigo, foi sobretudo a de demonstrar que nunca houve, na história, real perda ou renúncia à autonomia por parte da Islândia, ou seja, uma incorporação do país à Noruega ou à Dinamarca.

Georg Gretor parte dos fundamentos dessa autonomia: já no ano de 930 - apenas passada uma geração desde o estabelecimento do primeiro norueguês na ilha - reuniu-se a comunidade da terra, o Althing, para a constituição da sociedade.

Se, em 1262/64, em consequência de conflitos entre famílias da ilha, o rei norueguês conseguiu submeter a Islândia, sendo reconhecido como rei pelos islandêses em espécie de acordo contratual, este, por sua vez, assumia certas responsabilidades, tais como garantir viagens regulares à ilha e o reconhecimento de direitos hereditários dos islandeses na Noruega. Não houve, assim, uma incorporação de fato da Islândia à Noruega.

Em 1380, quando a Noruega passou para a Dinamarca, a União Pessoal com a Islândia transferiu-se ao rei dinamarquês, sendo explorada por companhias comerciais. Também aqui, porém, não houve uma incorporação.

Em meados do século XVIII, os assuntos islandeses e noruegueses passaram a ser tratados conjuntamente pela Chancelaria real em Kopenhagen. Seria verdade que, por um breve espaço de tempo, após 1771, os assuntos islandeses foram submetidos a um órgão encarregado também da Groenlândia e de colonias dinamarquesas, também aquelas das Índias Ocidentais Dinamarquesas (1666-1917), atualmente as Virgin Islands, dos EUA. A seguir, porém, os assuntos islandeses passaram novamente a ser tratados juntamente com os da Noruega e, a partir da Paz de Kiel (1814), com os dinamarqueses.

Importância de argumentos culturais e a discussão jurídica de Direitos

Como se percebe do texto de Georg Gretor, a constatação de que nunca houve incorporações em outros países foi uma questão importante na argumentação referente ao Direito Internacional no processo de emancipação da Islândia. O autor lembra que, quando Frederico VII (1808-1863) prometeu aos dinamarqueses uma constituição livre, foi levado, por petição islandesa, em 1848, a garantir que uma assembléia própria deveria ser ouvida a respeito dos fundamentos da constituição e da posição constitucional da Islândia. Essa garantia foi decisiva para o futuro da Islândia.

Quando realizou-se a reunião constitutiva do Althing, em 1851, este não aceitou leis dinamarquesas que deveriam ter validade também para a Islândia. A maioria seguiu o líder nacional Jón Sigurðsson (1811-1879), que exigia que a Islândia fosse considerada como país independente, ainda que em União Pessoal com a Dinamarca, de modo que alguns de seus assuntos continuassem a ser por esta regidos, entre êles os das relações exteriores. Em 1874, o rei Cristiano IX (1818-1906) outorgou uma Constituição para a Islândia.

Entretanto, nos anos que se seguiram, os assuntos islandeses foram tratados em Kopenhagen por um ministro dinamarquês subordinado apenas ao Parlamento imperial da Dinamarca, não ao Althing. O ministro não tinha conhecimento do islandês e nem mesmo contato telegráfico com a ilha. Esta teria sido uma das causas do descontentamento e da intensificação de sentimentos de emancipação nacional.

Apenas em 1904 a administração da Islândia foi transferida para Reykjavik, representada por um ministro que conhecia o idioma e que era subordinado ao Althing. Essa transferência foi um passo de decisiva importância no processo de emancipação, iniciando também uma época de desenvolvimento econômico, técnico e cultural.

Entretanto, segundo Georg Gretor, essa medida veio tarde damais, não podendo mais modificar os ressentimentos islandeses contra a Dinamarca, existentes desde o monopólio comercial do passado. A discussão jurídica sobre o estatuto da Islândia perante a Dinamarca - se parte do Império ou país independente em União Pessoal - continuou a marcar a discussão no país e entre especialistas de Direito Internacional.

Papel dos historiadores na corroboração de argumentos políticos

Os historiadores desempenharam importante papel nessa discussão, procurando argumentos para a autonomia da Islândia na história. Segundo Georg Gretor, tratou-se aqui de deduções e induções, do revelar textos seculares e mesmo milenares, de examiná-los detalhadamente, de procurar saber se os islandêses haviam dito ou deixado de dizer algo que fosse de significado como prova de sua integração no Império dinamarquês.

A Islândia tinha a seu favor o fato de ter sido povoada desde mil anos de forma comprovada pelos historiadores, de possuir fronteiras definidas como poucos países europeus e de ter alcançado e conservado uma cultura de remotas origens e com uma língua própria. A cultura desempenhava também papel importante na argumentação dos oponentes dinamarqueses, que desejavam que as fontes da antiga cultura nórdica permanecessem dentro dos limites do Império. Tratava-se, aqui, também de uma fundamentação histórico-cultural do significado da Dinamarca.

Durante a Primeira Guerra, intensificou-se o processo de emancipação da Islândia e de seu reconhecimento. A necessidade de uma bandeira comercial própria levou a uma reunião conjunta de delegação dinamarquesa em Reykjavik. Assim, após quase 70 anos de discussões, a soberania da Islândia foi aceita a 30 de novembro de 1918.

Georg Gretor salienta a singularidade do fato de que o reconhecimento da autonomia da Islândia pela Dinamarca, assim como o da Noruega pela Suécia, em 1905, foram alcançados de forma pacífica, sem derramamento de sangue.

Anelos pela autonomia na representação externa do país

Ainda que a Primeira Guerra Mundial tenha acarretado problemas econômicos para a Islândia, o país experimentou, no século XX, uma fase de desenvolvimento, superando a crise que, no passado, havia levado à imigração islandesa à América.

Esse desenvolvimento foi acompanhado por uma intensificação da vida cultural e da procura de expressões artísticas correspondentes à nova situação . Esse movimento relacionou-se com novas ambições emancipatórias destinadas à revisão de cláusulas do contrato de 1918, sobretudo do parágrafo que determinava que as relações exteriores da Islândia continuavam a ser da alçada dinamarquesa.

A criação de um Ministério do Exterior, porém, representava um problema financeiro para o país, pois exigia também a criação de representações diplomáticas pelo menos nos EUA, na Alemanha, na Inglaterra, na Itália, num dos estados da Escandinávia e na Espanha. Pensava-se, também, na possibilidade de  criação de um grupo de personalidades estrangeiras para a representação dos interesses do país em alguns casos.

Como Georg Gretor salienta, era convicção geral de que a imagem da Islândia no mundo e a sua autonomia intelectual iriam depender cada vez mais do seu desenvolvimento intelectual e cultural, muito mais do que a da criação de um corpo diplomático. Essa situação se justificava sobretudo devido à falta de prestígio de diplomatas de estados de menor poder que então se constatava. Esses diplomatas não se encontravam em posição invejável, pois a sua própria posição social dependia do poder econômico e político dos países que representavam.

Assim, compreendia-se que poucos países na Europa investiam porcentualmente tanto em assuntos culturais como a Islândia. Como fundamento da cultura nacional via-se aqui primordialmente a tradição literária, sendo que personalidades de liderança procuravam nela encontrar bases étnico-culturais da almejada autonomia do Estado.

O desejo de ter uma representação diplomática autônoma, porém, permanecia, e mesmo na Dinamarca ouviam-se vozes que se pronunciavam sobre a conveniência de se ter um representante islandês em países nos quais a Islândia possuia interesses especiais, tais como a Itália.

Importância da diplomacia cultural para a Islândia e a obra de Jónsson

Um meio mais simples para demonstrar e afirmar a sua autonomia seria, segundo Georg Gretor, a entrada da Islândia para a Liga das Nações. Esse passo representaria também uma garantia para a sua soberania, uma vez que uma previsível emancipação completa com relação à Dinamarca poderia representar um risco para o país, facilmente ocupável por outra potência.

Nesse sentido, temia-se, na Alemanha, sobretudo a ação da Grã-Bretanha. Não apenas a influência econômica, mas também a cultural da Alemanha na Islândia tornar-se-ia então muito  mais difícil. Uma possível base naval britânica na Islândia representaria uma ameaça.

Georg Gretor, na sua análise, diz que para uma América agressiva, imperialista - não aquela de determinados círculos pacifistas -, a Islândia assumia um significado chave, uma vez que dela as forças norte-americanas podiam alcançar os países europeus. Como o país, com a sua natureza, não podia ser atravessado por tropas, uma ocupação violenta nada adiantaria. Também não vinha em questão ataques áereos, pois o país era muito distante dos EUA e as condições de tempo locais impunham sérios obstáculos à aviação.

Entretanto, os EUA, se presentes em algum fiorde, podiam  alcançar qualquer país norte-europeu em 24 horas, e assim exercer uma pressão política similar àquela que já exercia do ponto de vista político. O autor reconhece, porém, que até então o interesse dos EUA pela Islândia tinha sido antes cultural. Americanos visitavam o país para conhecerem locais onde se passavam as sagas que conheciam de populares edições e para aproveitá-las para produzir textos de musicais.

Cumpria, assim, como decorrência da argumentação de Georg Gretor, apoiar a representação cultural da Islândia na Europa e, assim, a sua consciência européia.

Como o autor parte na sua argumentação da obra de Jónsson, a imagem a ser aqui promovida da autonomia islandêsa era a de guardiã de patrimônio cultural nos seus fundamentos, e esse, como passível de ser lido das obras desse escultor, sobretudo compreendido como espiritual.

O que o autor não considera, porém, é a marca da Reforma na cultura islandêsa, da compreensão literal de fontes, de concepções lineares do decorrer histórico e, assim, das características da construção do edifício histórico e que necessita ser ela própria considerada como objeto de estudos culturais. (http://www.revista.brasil-europa.eu/132/Halldor_Laxness.html).

Antonio Alexandre Bispo




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Indicação bibliográfica para citações e referências:
Bispo, A.A. "Imagem da Islândia nas artes plásticas e o papel da cultura nas relações internacionais
Einar Jónsson (1874-1954)". Revista Brasil-Europa: Correspondência Euro-Brasileira 132/9 (2011:4). http://www.revista.brasil-europa.eu/132/Einar_Jonsson.html





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