Bispo, A.A..De-europeização dos estudos culturais na Índia. Rev. BRASIL-EUROPA 131/22. Academia Brasil-Europa e ISMPS





Revista

BRASIL-EUROPA

Correspondência Euro-Brasileira©

 

_________________________________________________________________________________________________________________________________


Índice da edição     Índice geral     Portal Brasil-Europa     Academia     Contato     Convite     Impressum     Editor     Estatística     Atualidades

_________________________________________________________________________________________________________________________________



Pilar, Goa. Fotos A.A.Bispo©

Pilar, Goa. Fotos A.A.Bispo©

Pilar, Goa. Fotos A.A.Bispo©
Pilar, Goa. Fotos A.A.Bispo©

Pilar, Goa. Fotos A.A.Bispo©

Pilar, Goa. Fotos A.A.Bispo©

Pilar, Goa. Fotos A.A.Bispo©

Pilar, Goa. Fotos A.A.Bispo©

Pilar, Goa. Fotos A.A.Bispo©

Fotos A.A.Bispo
©Arquivo A.B.E.

 

Revista Brasil-Europa - Correspondência Euro-Brasileira 131/22 (2011:3)
Prof. Dr. A.A.Bispo, Dr. H. Hülskath (editores) e Conselho Científico
da
Organização Brasil-Europa de estudos teóricos de processos inter- e transculturais e estudos culturais nas relações internacionais (reg. 1968)
- Academia Brasil-Europa -
de Ciência da Cultura e da Ciência

e institutos integrados

© 1989 by ISMPS e.V. © Internet-edição 1998 e anos seguintes © 2010 by ISMPS e.V. Todos os direitos reservados
ISSN 1866-203X - urn:nbn:de:0161-2008020501

Doc. N° 2761


A.B.E.

Instituições em visita

Museologia e de-europeização nos estudos culturais do Cristianismo
em contextos pós-coloniais
mudança de referenciais: de Santiago a São Tomé
Historical Museum of Pilar Seminary, All Indian Missions Seminar, Pilar - Goa


Trabalhos da A.B.E. pelos 500 anos da conquista de Goa por Afonso de Albuquerque. 30 anos do Simpósio Internacional "Música Sacra e Cultura Brasileira" e 20 anos de sessão acadêmica na Universidade Urbaniana em Roma. All Indian Missions Seminar, Pilar, Goa Velha


 

Das instituições de pesquisa e ensino da Índia, uma particular atenção deve ser dada, sob a perspectiva dos estudos culturais concernentes às relações Índia-Europa-Brasil, ao Convento do Pilar, em Goa Velha, a ca. de 25 km da capital, Pangim/Goa Nova, e que não deve ser confundida com a "velha Goa", área histórica e monumental, antigo centro da Índia Portuguesa.


Esse significado do Pilar para os estudos culturais deriva, em primeiro lugar, da sua própria história pré-colonial. Situa-se em colina que se eleva do antigo porto de Gopakapattana, e que já na Antiguidade mantinha relações com o Oriente Médio e mesmo com o Império Romano. Tornou-se capital do reino de Kadambas-Gavapuri.

Pilar, Goa. Fotos A.A.Bispo©

A colina possuia, nessas eras remotas, significado religioso, com grutas budistas e templos hindús. O domínio muçulmano também ali deixou traços. Sob os portugueses, a colina tornou-se em importante centro religioso do Catolicismo. Em 1613, ali erigiu-se o Convento do Pilar. O edifício, com a igreja de Nossa Senhora do Pilar, assume importância histórico-arquitetônica e artística em geral, sobretudo pelas obras em talha dourada que possui.


Pilar, Goa. Fotos A.A.Bispo©
Culto a N. Sra. do Pilar e inserções da Índia em tradições hispânicas


Pilar, Goa. Fotos A.A.Bispo©
Sob o ponto de vista histórico-religioso e cultural, o convento do Pilar oferece possibilidades para estudos da veneração de Nossa Senhora do Pilar no Oriente e do papel do culto mariano no processo de cristianização de antigos locais sacralizados. Abrem-se, aqui, possibilidades para estudos histórico-religiosos e de simbologia cristã comparados, sob a perspectiva de suas inserções em desenvolvimentos político-culturais.


Edificado no início do século XVII, o Convento do Pilar conduz a atenção à época marcada pela União Pessoal de Portugal com a Espanha. Foi construí´dó em 1613 pelos Capuchos, Franciscanos Recoletos, que ali permaneceram até o século XIX.


A devoção a Nossa Senhora do Pilar, Virgem ou Maria do Pilar, apresenta-se como forma de culto mariano particularmente relacionada com a Espanha, da qual é considerada protetora. A sua história apresenta elos com Santiago de Compostela, pois, segundo a tradição, Maria teria aparecido sobre uma coluna ao Apóstolo S. Tiago Maior no ano 40 DC.


Pilar, Goa. Fotos A.A.Bispo©
Esse aparecimento ter-se-ia dado no dia 2 de fevereiro, festa da Purificação de Nossa Senhora. Essa data, na tradição luso-brasileira em geral comemorada sob a invocação de Nossa Senhora da Luz, apresenta, no culto a Nossa Senhora do Pilar, um vinculo cultural especificamente relacionado com a história da cristianização da Península Ibérica.


O significado desse culto, em particular para a Espanha, deriva do fato de representar a primeira aparição de Maria na região, ocorrida no período apostólico. A consciência desse significado intensificou-se sobretudo à época marcada pela Contra-Reformação e pelo Barroco, sendo a Basílica do Pilar, em Saragossa, uma das mais monumentais igrejas barrocas da Espanha.


Sob essa perspectiva, o Barroco da igreja do Pilar de Goa passa a adquirir particular relevância histórico-cultural e artística em contextos globais. Exames mais profundos dessa forma de veneração levam a questões concernentes a mecanismos de transformação religiosa próprios da festa de 2 de fevereiro, relacionando a cristianização de concepções e práticas pré-cristãs da Península Ibérica com aquelas da Índia.


Devido aos elos da devoção de Nossa Senhora do Pilar com S. Tiago, o Apóstolo do Ocidente, a igreja do Pilar de Goa Velha demonstra a inserção do Catolicismo local no contexto cultural ibérico, diferenciando-o do Cristianismo indiano que remonta, segundo a tradição, ao Apóstolo S. Tomé.




Sociedade dos Missionários de São Francisco Xavier


Apesar dessa relevância histórico-cultural da colina e do Convento do Pilar, o significado atual do edifício reside antes no fato muito mais recente de para ali estar instalada uma sociedade missionária fundada no século XIX.


Trata-se da Sociedade do Pilar dos Missionários de São Francisco Xavier, criada na Arquidiocese de Goa e Damão a 26 de setembro de 1887 por Fr. J. M.. C. Bento Martins. A sua sede, transferida de Agonda para o convento de Nossa Senhora do Pilar, teve as suas constituições aprovadas pelo Patriarca Dom Antonio Sebastião Valente a 1 de junho de 1891.


A história da sociedade foi marcada por riscos de extinção e tentativas de reorganização. Fruto de tendências do pensamento missionário do século XIX, foi adaptada a novas condições em 1939, tendo as suas constituições adaptadas às normas do Direito Canônico de 1917. Assim reorganizada, a sociedade foi aprovada pelo Patriarca Dom José da Costa Nunes, em 1946, sob

o título de Mens Constitutionum Societatis Missionariorum S. F. Xavier.


A reorganização mais recente deu-se em consequência do Concílio Vaticano II. Em 1999, as Constituições e o Diretório Geral foram aprovados pelo Arcebispo Patriarca Raul Gonsalves. Os reorganizadores passaram a ser considerados segundo-fundadores da sociedade: Fr. Menino Conceição Rodrigues, Fr. Francisco Jasso Sequeira, Fr. Baltazar Remedios do Rosario Gomes, Fr. Manuel José Barreto, Fr. Joseph Albuquerque, Fr. Theodolindo Cabral, assim como os Irmãos Peter Mascarenhas e Paixão Lacerda.


O edifício do Convento do Pilar tornou-se marcado pela história mais recente de suas funções como sede da sociedade missionária. O Barroco de suas expressões artísticas sofreu uma reinterpretação, sendo o visitante atual confrontado antes com a história dos fundadores e das autoridades eclesiásticas relacionadas com a sociedade. A sociedade presta a eles homenagens nas salas do edifício, salientando-se aqui, em representações em azulejos, os arcebispos patriarcas D. Sebastião Valente, D. Teotonio Vieira de Castro e D. José da Costa Nunes.




Resignificação do Pilar como centro de veneração: Fr. Agnelo Gustavo Adolfo de Souza (1869-1927)


Também a remota função da colina do Pilar como centro de peregrinação experimentou uma resignificação. O foco das atenções e da veneração passou a ser um dos membros da sociedade: Fr. Agnelo de Souza.


Agnelo de Souza nasceu em Anjuna, a 21 de janeiro de 1869, em família de tradição católica e cultural luso-indiana, como sexto filho de Miguel Arcanjo Mariano de Souza e sua mulher Maria Sinforosa Perpétua Magalhães. Desde a sua infância demonstrou qualidades pessoais de introspecção que o indicavam para a vida religiosa. Estudou no Seminário de Rachol e entrou na Sociedade dos Missionários de São Francisco Xavier.

Em 1899, foi ordenado pelo Patriarca Arcebispo de Goa. Celebrou a sua primeira missa no Convento do Pilar. Durante dez anos, permaneceu em vida dedicada ao retiro; em 1908, tendo alcançado nome pela condução austera de vida e suas tendências penitenciais, foi indicado como confessor dos seminaristas de Rachol. Destacou-se, sobretudo, pela sua veneração ao Santissimo Sacramento, cuja adoração cultivava e propagava.

Serviu, entre 1910 e 1917, missionariamente como Vicário de Shiroada, em Goa e em Kumta (Kamatka), posteriormente em Sanvordem. Em 1920, foi confirmado como Diretor espiritual do Seminário e do Apostolado da Oração. Em 1927, após ter celebrado novena em Rachol, foi acometido por doença cardíaca, vindo a falecer.

O seu entêrro entrou na história religiosa de Goa do século XX pela extraordinária presença popular.Em 1939, os seus restos mortais foram trasladados ao Convento do Pilar. Apesar desse ato ter sido feito de forma reservada, foi acompanhado por grande multidão, sendo recebido em Agasaim por nada menos do que cinco bandas de música.

O seu sarcófago tornou-se centro de romaria do Convento do Pilar, sendo procurado por grande quantidade de fiéis que, à procura de cura, sobem as escadarias do convento de joelhos.

Continuamente o visitante do Pilar é confrontado com dados do processo de beatificação. Este teve início em 1947, sob indicação do Fr. Agostino della Virgine OSST, em Roma. O processo diocesano dos escritos iniciou-se em 1956 sob o Patriarca Arcebispo de Goa, D. José Viera Alvernaz; enviado a Roma, foi aprovado pela Congregação dos Ritos, em 1958. O processo de santidade e virtudes teve início em 1956, sendo completado e enviado a Roma em 1959. O terceiro processo,  o de veneração não-pública, foi iniciado em 1959 e os seus resultados enviados a Roma, em 1960, sendo aprovados em 1969. Após esses processos diocesanos, deu-se início aos apostólicos. Esses foram presididos pelo Dr. Raul Gonsalves, Bispo Auxiliar e posteriormente Patriarca Arcebispo de Goa, em 1970. Foi completado e enviado a Roma, em 1974. Foi aprovado pela Congregação das Causas de Santos em 1986.

O Pilar como centro de formação e de estudos: All India Mission Seminary

Para além do seu significado histórico-cultural e religioso, a colina do Pilar é marcada pela existência de importante centro de estudos e de formação, o All Mission Seminary.

Criado como Casa das Missões da Arquidiocese de Goa e Damão pela Sociedade do Pilar, em 1942, transformou-se em centro de formação de missionários, então abrigados no antigo convento e, posteriormente, na casa de romeiros. Em 1953, criou-se a Fr. Agnel High School. Os primeiros sacerdotes ali formados foram ordenados em 1954.

Os atuais edifícios foram iniciados em 1946 e completados em 1968. Em 1964, Jawaharai Nehru criu uma imprensa, possibilitando a publicação de obras de pesquisa, ensino e informação. Em 1967, abriu-se uma casa de formação para os estudantes de Filosofia, estabelecida na Arquidiocese de Nagpur. O objetivo dessa casa é o de preparar estudantes para o Seminario de S. Carlos, além de oferecer cursos de graduação em cursos seculares no Colégio S. Francisco de Sales. Esse relacionamento entre estudos filosóficos e culturais pretende preparar os missionários para a situação multireligiosa da Índia.

De 1974 a 1977, encerrando-se temporariamente a Sociedade do Pilar e o Theologate da Arquidiocese de Goa, os estudantes foram enviados a outros seminários inter-diocesanos. Em 1975, fundou-se a Fr. Agnel Higher Secondary School, com ensino em artes, ciências e comércio. O Theologate foi reaberto em 1977. Nesse ano, Fr. Agnel Niketan fundou centro para a formação de estudantes pobres e necessitados. Em 1988, o Fr. Agnel Degree College passou a oferecer graduaçãõ em Artes, Comercio e Comunicação de Massas. Em 1995, a casa de formação na Arquidiocese de Nagpur foi transformada em instituto autônomo de filosofia, Chitganashram. Em 1997, adicionou-se uma bloco acadêmico separado à faculdade de teologia, o Pilar Theological College.

O Seminário passou a oferecer cursos para leigos e, em 2003, o Theologate do Seminario foi aberto para estudantes de outras diocesas e congregações religiosas.

Os graus conferidos pelo Pilar Theological College foram equiparados ao Jnana Deepa Vidyappeth Pune pelo Congregação da Educação,de Roma. Várias casas de formação de jovens, entre elas a da Fr. Agnel Apostolic School and Minor Seminary of Pilar, assim como os seminários menores em Bhopal, Chennai e Kallanpur possibilitam a formação de estudantes de diversas culturas para o seminário maior, preparando uma instituição de dimensões pan-indianas.

Até o presente, a instituição formou 460 sacerdotes. Possui 41 estudantes do Pilar e 8 estudantes em outras casas e em missões. Entretanto, possui hoje pequeno número de membros da sociedade, assim como o número reduzido de estudantes.

Pilar Music School e Museu do Seminário

Entre as muitas instituições estabelecidas no complexo do Pilar, cumpre salientar a Pilar Music School, a primeira de seu gênero em Goa. Essa escola oferece, na tradição dos conservatórios europeus, cursos em música ocidental, vocal e instrumental.

No Museu do Seminario conservam-se importantes materiais para a história de Goa e do Pilar. Entre os objetos ali guardados salienta-se cruz de pedra de S. Tomé, além de objetos arqueológicos e históricos das diferentes épocas da região. Do período português, apresentam-se peças e fragmentos de cerâmica, uma grande coleção de moedas, peças artesanais e escultóricas e documentos escritos, alem de livros eclesiásticos e de canto gregoriano.
O museu é aberto ao público, assim como outras instituições do complexo. Assim, o "Centro da Boa Nova" possui uma coleção significativa de selos e o The Garden of Spiritual Experience oferece oportunidades de contemplação a visitantes.

Pesquisa e museologia: Cosme José Costa, SFX

A criação do Museu e o trabalho de pesquisa desenvolvido no Seminário do Pilar muito devem ao Fr. Cosme José Costa, SFX. Após ter o seu próprio nascimento sido aceito pelo Papa João Paulo II como prova de um milagre no processo de beatificação de Joseph Vaz, missionário de Sri Lanka, Cosme José Costa sentiu-se motivado a dedicar-se à pesquisa da vida desse missionário, escrevendo  A Letter from Ven. Fr. Joseph Vaz, em 1994, e Life and Achievements of Bl. Joseph Vaz, em 1995. Esses estudos da vida e da obra de Joseph Vaz, em particular da sua posição conciliadora no conflito missiológico em Mangalore - entre êle como Vigário Forâneo da Arquidiocese do Padroado de Goa e o Vicário Apostólico da Propaganda Fide Thomas de Castro -levaram-no a estudos posteriores do tema, publicados sob o título de A Missiological Conflict between Padroado and Propaganda in the East, em 1997.


Paralelamente a seus estudos, criou o Museu do Seminário do Pilar, auxiliado por Fr. Max Gonsalves, Eusebio Miranda e estudantes de Teologia. Foi apoiado por arqueólogos e professores da Universidade de Goa, além de funcionários do Museu de Goa.


O achamento da Cruz de São Tomé em Agasaim motivou-o a concentrar as suas atividades no sentido de demonstrar a antiguidade do Cristianismo na Índia, refutando opiniões comuns de ser o Cristianismo expressão da presença colonial européia no subcontinente.


Nesses estudos, procurou recuperar e divulgar trabalhos do Fr. H. O. Mascarenhas e outros pesquisadores que salientaram o apostolado de S. Tomé e S. Bartolomeu na Índia. Apresentou as suas conclusões na obra Apostolic Christianity in Goa and in the West Coast (Pilar Goa: Xaverian Publication Society, 2009, ISBN 81-903898-0-7)


Cristandade pré-portuguesa em Goa e os intentos de-colonizar imagens


Na apresentação desse estudo, o Dr. Pius Malekandathil, do Centro de Estudos Históricos da Jawaharlal Nehru University, New Delhi, lembra que o Cristianismo, que é a religião de 2.5% da população da Índia, surge na opinião de muitos frequentemente como um produto do colonialismo.


Essa opinião errônea resultaria, segundeo êle de uma ênfase excessiva dada ao papel desempenhado pelos europeus como introdutores do Cristianismo na Índia. Não se consideraria que já existia em diferentes partes da Índia antes da chegada dos portugueses e de outros europeus, como o provam dados literários e arqueológicos. Os europeus teriam procurado legitimar e sancionar os seus atos coloniais na Índia fomentando uma imagem de pioneiros da cristianização.


Agora, porém, vários pesquisadores passavam a provar que os europeus, ao chegarem à Índia no século XVI, encontraram comunidades cristãs em considerável número e cuja origem remontavam ao século I. Esse fato, atestado pela tradição viva dos cristãos de S. Tomé de Keral e dados literários, tem sido confirmado por recentes descobertas arqueológicas em várias partes da Índia.


Muitos dos dados transmitidos pela tradição viva haviam sido coletados pelos portugueses no século XVI. A respeito das raízes da cristianização da India no apostolado de S. Tomé haveria referências em muitos autores antigos, tais como Eusebius, St. Ephrem de Nisibis, S. Gregório de Nazian, S. Ambrosio, S. Jerônimo, S. Gaudêncio e Bersica, S. Paulinos de Nola, S. Gregório de Tours e S. Isidoro de Sevilha.


Tendo descoberto uma cruz com inscrições Pahlavi em Agassaim, nos bancos do rio Zuari, em 2001, Cosme José Costa teria revolucionado a noção da cristianização em Goa. Pahlavi era a língua de mercadores persas cristãos que se assentaram nas costas da Índia muitos séculos antes da chegada dos portugueses.


Antes da sua descoberta em Goa, tais cruzes eram sobretudo provenientes de Kerala, veneradas por cristãos de S. Tomé. A descoberta de Cosme J. Costa estabeleceria assim um vínculo entre as raízes cristãs de Goa com a tradição apostólica de S. Tomé. Uma referência histórica do assentamento de cristãos persas em Goa  ter-se-ia em Cosmas Indicopleustes, remontante ao ano 525. Deveriam estar sob a jurisdição de Kalliana, onde residia o bispo da Pérsia.


O autor analisou as rotas de comércio entre o Índico e os processos político-econômicos de Goa em função da entrada do Cristianismo nesse passado remoto. Os portugueses teriam assim construido a comunidade de Goa sobre as bases de uma vasta população entre aqual muitos teriam tido ancestrais cristãos. Provavelmente, o assentamento mercantil dos cristãos em Gopakapattanam (Goa) tivesse sido disperso em outras localidades, incluindo Ela, ou seja, velha Goa, um fato que poderia ser inferido da descoberta de uma cruz nos muros de um edifício destruído em 1510, época da chegada de Afonso de Albuquerque. (op.cit.VII-XI)


Crítica ao eurocentrismo


Na sua introdução, o Cosme J. Costa salienta não querer contestar a obra de cristianização sob o Padroado Português. Procurou, porém, esclarecer a questão do pioneirismo da introdução do Cristianismo em Goa. As recentes descobertas arqueológicas demonstravam a existência de uma Cristandade pré-portuguesa em Goa, provavelmente remontante à época apostólica.


Assim, a história de Goa, e também a história do Cristianismo em Goa, não pode ser isolada da história do resto da Índia. Para considerar-se os fundamentos do passado remoto de Goa torna-se necessário conhecer as bases da história milenar da Índia, os seus contatos com o Ocidente, as antigas rotas de comércio, as dinastias, ou seja, o complexo cultural indiano do qual Goa fazia parte antes de ser conquistada pelos portugueses.


O problema da historiografia cristã da Índia seria até hoje o seu incurável eurocentrismo. Criara-se um mal-entendido entre os não-europeus a respeito do Cristianismo como se fosse uma religião européia, apesar de ter-se originado na Ásia. Na mente dos indianos não-europeus, o Cristianismo surge como uma religião alienígena, tendo os historiadores esquecido que a religião cristã difundiu-se tão cedo pela Ásia como, em direção ao Ocidente, pela Europa, tendo a expansão cristã no primeiro milênio atingido também a Pérsia, a Índia e a China. (op. cit. 1-2)


No seu estudo, Cosme J. Costa dá particular atenção ao fato da cruz de São Tomé encontrada ter sido quebrada e apresentar inscrição em português. Essa inscrição data de 1642, ou seja 43 anos após o Sínodo de Diamper e 11 anos antes da separação trazida pela rebelião de Mattencherry, em 1653 (Veja artigo nesta edição). Reportando-se à opinião de H. O. Mascarenhas, a cruz síria teria sido quebrada pelos próprios portugueses por considerarem todos os cristãos sírios como heréticos nestorianos. (op. cit. 86-87)


A caminho do diálogo inter-religioso


Nas suas conclusões, Cosme J. Costa volta a reconhecer as dimensões da ação cristianizadora dos portugueses sob o Padroado, acentua, porém, a questionabilidade dos métodos empregados, sobretudo pela Inquisição. Lembra da política lusitanizadora dos portugueses, que levou à demolição de templos, a proibições de festas e prescrições relativas a trajes.


Reconhece, porém, que esses seriam questões do passado. O presente, após o Vaticano II, seria uma época que deveria ser marcada pelo diálogo com outras religiões. A essas pertenceriam também os devotos de Abanath, Ravalnath, Satyanarayana, Betal e outros que poderiam ter raízes cristãs subjacentes nos seus costumes, segundo a opinião de Fr. H. O. Mascarenhas. A partir das novas perspectivas abertas pela pesquisa das raízes pré-portuguesas do Cristianismo em Goa abrir-se-ia uma nova fase no diálogo inter-religioso. (op.cit. 96)


A própria pesquisa como objeto de análises


Para os estudos culturais, não apenas os resultados das pesquisas e as reflexões de Cosme J. Costa são de interesse. As suas próprias preocupações e os objetivos de seu trabalho surgem como resultados de exigências da nova situação criada com a partida dos portugueses e, assim, como merecedora de atenção da pesquisa cultura dirigida ao presente.


A própria pesquisa, o próprio pensamento teórico torna-se, assim, objeto de pesquisas. O significado dessa visão à distância torna-se particularmente evidente no complexo cultural do Pilar. O observador percebe aqui, de forma particularmente intensa, as mudanças de referenciais na história cultural e do pensamento em Goa: de uma visão do Cristianismo marcada pela orientação ao Ocidente na tradição do apóstolo Santiago de Compostela, representado no culto a N. Sra. do Pilar, àquela de um nome venerado da próprio região, Fr. Agnelo de Souza, de uma sociedade que traz o nome de Francisco Xavier, às tentativas pós-coloniais de revisão e reperspectivação da história cristã.




Todos os direitos relativos a texto e imagens reservados. Reproduções apenas com a autorização explícita do editor.

Indicação bibliográfica para citações e referências:

Bispo, A.A (ed.). "Museologia e de-europeização nos estudos culturais do Cristianismo em contextos pós-coloniais. Mudança de referenciais: de Santiago a São Tomé Historical Museum of Pilar Seminary, All Indian Missions Seminar, Pilar - Goa." Revista Brasil-Europa: Correspondência Euro-Brasileira 131/22 (2011-3). http://www.revista.brasil-europa.eu/131/Pilar-Museu_Historico.html



  1. Observação: o texto aqui publicado oferece apenas um relato suscinto de trabalhos. Não tendo o cunho de estudo ou ensaio, não inclui aparato científico. O seu escopo deve ser considerado no contexto geral deste número da revista. Pede-se ao leitor que se oriente segundo o índice desta edição e o índice geral da revista (acesso acima). Pede-se ao leitor, sobretudo, que se oriente segundo os objetivos e a estrutura da Organização Brasil-Europa, visitando a página principal, de onde obterá uma visão geral e de onde poderá alcançar os demais ítens relativos à Academia Brasil-Europa de Ciência da Cultura e da Ciência (culturologia e sociologia da ciência), a seus institutos integrados de pesquisa e aos Centros de Estudos Culturais Brasil-Europa: http://www.brasil-europa.eu


  2. Brasil-Europa é organização exclusivamente de natureza científica, dedicada a estudos teóricos de processos interculturais e a estudos culturais nas relações internacionais. Não tem, expressamente, finalidades jornalísticas ou literárias e não considera nos seus textos dados divulgados por agências de notícias e emissoras. É, na sua orientação culturológica, a primeira do gênero, pioneira no seu escopo, independente, não-governamental, sem elos políticos ou religiosos, não vinculada a nenhuma fundação de partido político europeu ou brasileiro e originada de iniciativa brasileira. Foi registrada em 1968, sendo continuamente atualizada. A A.B.E. insere-se em antiga tradição que remonta ao século XIX.


  3. Não deve ser confundida com outras instituições, publicações, iniciativas de fundações, academias de letras ou outras páginas da Internet que passaram a empregar designações similares.