Bispo, A.A..Sé de Goa: significado arquitetônico e musical. Rev. BRASIL-EUROPA 131/12. Academia Brasil-Europa e ISMPS





Revista

BRASIL-EUROPA

Correspondência Euro-Brasileira©

 

Revista Brasil-Europa - Correspondência Euro-Brasileira 131/12 (2011:3)
Prof. Dr. A.A.Bispo, Dr. H. Hülskath (editores) e Conselho Científico
da
Organização Brasil-Europa de estudos teóricos de processos inter- e transculturais e estudos culturais nas relações internacionais (reg. 1968)
- Academia Brasil-Europa -
de Ciência da Cultura e da Ciência

e institutos integrados

© 1989 by ISMPS e.V. © Internet-edição 1998 e anos seguintes © 2010 by ISMPS e.V. Todos os direitos reservados
ISSN 1866-203X - urn:nbn:de:0161-2008020501

Doc. N° 2751


A.B.E.

Goa como centro de jurisdição eclesiástica nas Índias Orientais
e  o significado arquitetônico e histórico-musical de sua Sé Catedral


Trabalhos da A.B.E. pelos 500 anos da conquista de Goa por Afonso de Albuquerque. 30 anos do Simpósio Internacional "Música Sacra e Cultura Brasileira" e 20 anos de sessão acadêmica na Universidade Urbaniana em Roma. Sé Catedral de Goa

 
Sé de Goa. Foto A.A.Bispo©

Não apenas numa história da arquitetura em contextos globais do mundo marcado pela ação dos portugueses merece a Sé Catedral de velha Goa ser objeto de particular atenção nos estudos culturais. Ela traz à memória o significado das mudanças de configurações geo-político-culturais no decorrer da história das relações entre os povos.


Considerando-a, o observador conscientiza-se do constante risco existente de projeções, no passado, de concepções e referenciais do presente. Assim como seria inadequado tratar de fatos e decorrências dos primeiros séculos da história colonial do Brasil a partir de uma concepção do país e das dimensões de seu território de hoje, o mesmo dá-se com a Índia.


Projetar concepções tão intensamente marcadas pelo nacionalismo da  União Indiana do período pós-colonial das últimas décadas no passado já remoto, adotar como referencial no estudo de contextos e processos globais de cinco séculos atrás o Estado indiano e concepções de nação da atualidade significaria focalizar desenvolvimentos anacronicamente a partir de referenciais questionáveis.


Relacionar de forma múltipla tais perspectivações inadequadas em estudos do passado no sentido de binômios nacionais, tais como Índia/Brasil ou outros, seria potencializar os problemas que se oferecem. A análise de configurações nas quais se desenrolaram contatos, tratos, ações, se estabeleceram rêdes e desenvolveram processos é ela própria parte necessária dos estudos e exige constantes esforços do pesquisador em superar os referenciais e as imagens derivadas de sua própria inserção em Estado ou estados geo-político-culturais do presente.


O estudo da organização eclesiástica em dimensões mundiais e das mudanças que sofreu com alterações de jurisdição territorial pode oferecer uma contribuição relevante para o reconhecimento de estruturas, de quadros onde se efetuaram relações e intercâmbios humanos, de difusão e recepção culturais.


No âmbito desses contextos juridicionais processaram-se viagens de membros do clero, efetuaram-se relações entre congregações, visitações, contatos entre instituições, intercâmbio de alunos e mestres, troca de experiências entre missionários, financiamentos de projetos, e transferência de bens e livros. Representam, assim, estruturas eclesiásticas que devem ser examinadas em seus elos com aquelas da metrópole e de Roma, assim como nas suas relações com estruturas de Estado, comerciais e outras.


Oriente e Índias Orientais: Diocese, Arquidiocese, Patriarcado

A ereção da Diocese de Goa não pode ser estudada sem a consideração da história jurisdicional eclesiástica precedente das áreas descobertas pelos portugueses. Segundo a bula "Pro excellenti praeeminentia", de 1514, os territórios até então sujeitos a Tomar da Ordem de Cristo passaram a ter uma se episcopal em Santa Maria em Funchal, sufragâneo de Lisboa. À época de D. Manuel, realizaram-se trâmites para a criação de outros bispados. Funchal deveria transformar-se em Arquidiocese com as dioceses de São Miguel para os Açores e Santiago de Cabo Verde em Ribeira Grande como sufragâneos. Um outro sufragâneo deveria ser São Tomé, por fim previu-se o de Goa, abrangendo toda a área do Índico e do Extremo Oriente, tendo o seu limite a Ocidente no Cabo da Boa Esperança. Foi criada em 1533 pela bula Romani Pontificis Circumspectio do Papa Clemente VII (1478-1534); ao rei de Portugal concedeu-se direitos de presentação e padroado. (para fontes e literatura: Bispo, A.A., Grundlagen christlicher Musikkultur in der außereuropäischen Welt der Neuzeit, Musices Aptatio 1987-88, Roma 1989, 586)

Os estudos da história missionária concernente a esse imenso espaço do Índico e do Oriente - e que consistui parte integrante e fundamental nos estudos de processos culturais - não pode deixar de considerar esse significado adquirido por Goa.

Um marco na sua história, demonstrando o aumento de sua importância e autoridade com relação a Lisboa, foi o da sua elevação a Arquidiocese Metropolitana em 1557 pelo Papa Paulo IV (1476-1559). Esse passo foi acompanhado por nova estruturação eclesiástica na própria Índia e no Oriente, sobretudo com a criação das dioceses de Cochim e de Malaca.

O significado do arcebispo de Goa no âmbito do Catolicismo na região do Índico e da Ásia em geral foi acentuado com o fato singular de ter sido nomeado a Primaz do Oriente pelo Papa Gregório XIII (1502-1585), em 1572. Esse título foi também compreendido no sentido de Primaz das Índias. Seguiu-se, nos séculos posteriores, um complexo desenvolvimento marcado pela criação, integração, e abolição de sufragâneos, de mudanças jurisdicionais e, sobretudo, pelas tensões entre o Padroado Português e a Congregacão de Propaganda Fide, fundada em 1622.

Esse desenvolvimento tenso entre um sistema fundamentado em direitos e deveres de Portugal em assuntos de jurisdição eclesiástica e  Roma marcou de forma profunda a história das relações político-culturais internacionais, sobretudo no século XIX. Em 1886, sob Leão XIII (1810-1903) o Arcebispo de Goa e Damão foi dignificado com o título de Patriarca das Índias Orientais,

Sé Catedral

Correspondendo a seu eminente significado eclesiástico do passado como principal igreja do império português do Oriente, a Sé de Goa, com os seus 76 metros de comprimento, 55 de largura e sua fachada de 35 metros de altura, é construção monumental, representando a maior obra de arquitetura dos portugueses em Goa e mesmo em todo o mundo, sendo até hoje uma das maiores igrejas da Ásia.

A sua edificação levou décadas, exigindo extraordinários esforços e investimentos em período crítico da segunda metade do século XVI e início do século XVII. Nascida de impulsos originados em época de florescimento da presença portuguesa na Índia, a sua construção processou-se à época da União Pessoal de Portugal e Espanha.

Iniciada em 1562, teve a sua nave completada em 1619, e a fachada apenas em 1631. Foi consagrada em 1640. Dos seus cinco sinos, um deles, o de São Pedro, fundido em 1652, tornou-se famoso pelo seu volume e sonoridade, sendo por isso denominado de "sino de ouro".

A catedral representa, assim, uma aspiração de época de grandeza e um testemunho das dificuldades de sua concretização em época de dificuldades. Hoje, elevando-se solitária sem o contorno de construções urbanas em área histórico-monumental, surge como emblema máximo de uma era passada, levantando questões sobre o sentido de tanto dispêndio de forças humanas e meios.


Leitura arquitetônica do exterior da Sé

O observador surpreende-se ao contemplar a sua fachada, ao mesmo tempo grandiosa e de discreta simplicidade, voltada ao Oriente, dando frente à praça antes denominada de Terreiro do Sabaio.


De estruturação clara e sóbria, a sua simetria é prejudicada pela falta uma das torres, ruída em 1776. Apresenta três portas, tendo o portal central ladeado por portas laterais, e, no superior, três janelas. O eico central é marcado pelas armas de Portugal. O corpo central, superando os laterais com mais um pavimento, possui, na sua parte superior, um nicho.


As qualidades estéticas da sua fachada não foram sempre adequadamente apreciadas. Criticou-se a sua falta de imponência, apesar das dimensões, a sua extrema simplicidade, chegando-se a designá-la como "fracasso arquitetural" (Manoel José G. Saldanha, História de Goa, história e arqueológica, História de Goa: política e arqueologica, 1898, 2a.ed.1925, 7).


Impõe-se hoje rever tais críticas, procurando caminhos para a apreciação, a partir de critérios adequados, da nobreza que nela se percebe, justamente pela grandeza de sua simplicidade e pela clara estruturação de seus elementos segundo critérios geométricos e de proporções.


A sua construção é atribuída aos arquitetos Ambrósio Argueiros e Júlio Simões, este então Engenheiro-Chefe do Estado da Índia. Percebe-se que se orientaram claramente segundo modêlos europeus.


Sem as torres laterais, lembra Il Gesù, em Roma, igreja-mãe dos jesuitas, surgindo como um exemplo da irradiação mundial desse modêlo iniciado em 1568, ou seja, alguns anos depois da catedral de Goa. Essas torres, porém, acentuam as laterais, criando uma correspondência, no todo, à divisão em cinco partes da fachada do Il Gesù.


A igreja romana foi projetada por Giacomo Barozzi da Vignola (1507-1573), autor do tratado Regola delle cinque ordini d'architettura, de 1562, no qual, dando continuidade a antiga tradição do pensamento vitruviano, dava atenção particular às relações numéricas, às proporções aritméticas a serem observadas na estruturação dos elementos arquitetônicos. A fachada do Il Gesù, completada em 1584, foi obra do seu discípulo, Giacomo della Porta (ca. 1532-1602) (Veja texto sobre o Bom Jesus de Goa, nesta edição).


Também a Sé de Goa apresenta a fachada coroada com um frontão triangular, salientando a intensificação dos elementos plásticos no eixo central. A diferença de altura entre as capelas laterais e a nave central é suavizada com muros de linha encurvada que indica uma solução similar àquela das volutas do modêlo.


A Sé de Goa mereceria ser assim considerada mais pormenorizadamente nas suas relações com desenvolvimento do pensamento teórico-arquitetônico do Barroco e através dele, nas suas inserções em correntes de remotas origens da história da arquitetura. Mereceria sobretudo uma análise das bases matemáticas de sua estruturação, o que significaria também considerar suas relações com o pensamento musical.


Os seus elos com Il Gesù poderia ser também considerado sob um aspecto mais profundo. Não indicam apenas a força da Companhia de Jesus em Goa. Estabelecem um vínculo entre a Sé de uma Arquidiocese de juridisção por todo o Oriente, portadora dos restos mortais de S. Francisco Xavier S.J. e a igreja-mãe da Companhia, onde se encontra parte de seu braço direita como relíquia.


Leitura do interior da Sé



O observador da Sé de Goa, que se surpreende com a simplicidade de sua fachada, não pode deixar de admirar a amplidão do seu interior. Este é dominado pela longa nave central abobadada em forma semi-cilíndrica, de tonel, estruturada através de rêde quadricular. O espaço é imerso em luz proveniente de altas janelas, separada de naves laterais por arcadas que salientam a clara estrutura e as proporções do templo.


Também sugerindo nessa concepção interna os elos com o modêlo do Il Gesù, a Sé possui capelas laterais, à direita, além do batistério, as de Santo Antonio, São Bernardo, a do Santo Sepulcro, a do Espírito Santo e, à esquerda, a de Nossa Senhora das Necessidades, a de São Sebastião - com arqueiros vestidos à indiana -, a do SS. Sacramento e a de Nossa Sra. da Boa Esperança. Uma particular atenção merece a representação de Maria na árvore.


O transepto é salientado por nada menos do que seis altares, marcando a centralidade da concepção, apesar da extensão da nave. Todo o movimento é dirigido à capela-mór, que surge imponente com o seu altar de talha dourada.


O programa teológico pode ser estudado a partir das imagens que a catedral possui, ou seja, de Santa Catarina, de Nossa Sra. da Assunção e de Cristo. Tendo ao alto o Espírito Santo, pergunta-se se a a veneração não é, por último, a Êle dirigida, o que corresponderia à força do culto ao Espírito Santo em Goa. Toda a luminosidade do espaço interno da catedral de Goa surgiria, assim, à luz de concepções pneumatológicas. São essas concepções que forneceriam as bases para a leitura dos muitos quadros que representam o martírio de Santa Catarina.


Significado cultural das solenidades catedralícias


Correspondendo à sua arquitetura, a Sé de Goa salientava-se no passado pela solenidade dos atos litúrgicos nos grandes ciclos do calendário, em particular da Semana Santa.


Desses atos, entrou na história aqueles do Laudate perenne de Quinta-Feira Santa, na Capela do SS. Sacramento. Uma veneração especial foi da cruz, que tomou, a partir de meados do século XIX, a expressão particular do culto à Cruz Preta, considerada milagrosa, transferida para a Catedral em 1843 de uma capela então arruinada, a de Nossa Senhora das Virtudes.


Uma das principais solenidades do ano era a da padroeira, a 25 de novembro, a da festa da Padroeira, Santa Catarina de Alexandria. Já o primeiro ato litúrgico realizado nessa data, em 1619, foi marcado por grande aparato, tendo o Fr. Cristóvão de Sá e Lisboa composto um oficio a Santa Catarina.


Elos com a primeira igreja de Santa Catarina e expressão da época de D. Sebastião


A consideração mais aprofundada da Sé de Goa não pode deixar de considerar as suas raízes na igreja que a antecedeu. A própria dedicação da igreja a Santa Catarina indicava ser ela a igreja maior, por assim dizer a substituta, em grandiosidade, da primeira igreja levantada em Goa após a sua conquista na festa de Santa Catarina. Esse vínculo com a antiga igreja manteve-se através dos séculos, precedendo a novena e as vésperas realizadas no antigo templo às solenidades na Sé (Veja artigo a respeito nesta edição).


A própria instituição da catedral de Goa remontava à antiga igreja. O seu significado crescera quando foi instituida como colegiada, com seis beneficiados, em 1532. Em 1533, deu-se a ereção da catedral por Clemente VII, terminando o periodo da jurisdição sobre ela exercida pela Ordem de Cristo.


A elevação à catedral foi confirmada por bula de Paulo III, em 1534. Em 1539, para ela veio, como bispo de Goa, sufragâneo de Funchal, D. João de Albuquerque. Já a sua entrada passou para a história cultural do Oriente como evento excepcional pela solenidade com que foi celebrada. Instituiu-se o cabido, passando os beneficiados a cônegos. Em 1557,  passou a Sé Arquiepiscopal Metropolitana.


A decisão de construir-se uma nova igreja, de maiores dimensões e mais adequada à importância de Goa deu-se à época de D. Sebastião I (1554-1578) e do Vice-Rei Francisco Coutinho. Determinou-se que fosse construida como edifício majestoso, devendo ser a sua edificação financiada por meios confiscados aos não-cristãos, de suas heranças em caso de falecerem sem testamento ou herdeiros, assim como de multas impostas a condenados. Para o local de construção diz a tradição que escolheu-se aquele da antiga mesquita.


Questões de linguagem de imagens


O histórico da Sé de Goa e seus elos com a primitiva igreja e com a data da conquista permitem aproximações relativas a questões imagológicas. A construção da nova igreja representou não apenas a manutenção de continuidade fundamentada no culto a Santa Catarina, mas também diferenças devidas aos distintos contextos político-culturais e eclesiásticos em que se inseriu.


Como tratado em outro texto desta edição, Santa Catarina surgia, segundo a tradição, como protetora dos Cruzados e de batalhas contra o Islão. Como discutido, porém, essa imagem deve ser compreendida com maior cuidado. Indicava sobretudo o combate a uma vida considerada como dirigida exclusivamente a desejos materiais, ao enriquecimento, ao mercado, associada com o mundo dos mouros, surgindo Santa Catarina como exemplo de uma vida ativa submetida à contemplativa. Somente assim explica-se a veneração de Santa Catarina como protetora de hospitais e por mulheres que nele trabalhavam ou se dedicavam aos trabalhos domésticos, tais como costureiras e talhadeiras. A primeira igreja de Santa Catarina, no cenário urbano de Goa, localizava-se significativamente próxima ao hospital e ao convento de São Francisco (Veja artigo a respeito nesta edição).


Tratava-se, assim, antes de uma questão de orientação segundo o Espírito em oposição àquela dos filósofos não-cristãos da história de Santa Catarina. Sob esse aspecto, a construção da nova igreja a Santa Catarina no local de uma antiga mesquita faria sentido, mesmo que não comprovada historicamente.


Esse sentido do culto a Santa Catarina permitiria também interpretar a nova catedral sob o aspecto de sua espiritualidade. A simplicidade, a reserva e a sobriedade do seu exterior, em contraste com a luminosidade do seu interior corresponderia às associações despertadas por Santa Catarina a respeito de vida ativa, tais como uma religiosa ou mulher recatada do lar que, modesta na sua aparência, dedica-se com a seus afazeres em espírito religioso, irradiando luz interior.


Entretanto, a Sé de Goa não representou apenas o deslocamento e a ampliação da antiga igreja. Com os seus vínculos com o mundo jesuítico, perceptíveis na sua própria arquitetura, associou-se a outras correntes de pensamento e ação.


Significativamente distante do Hospital e de costas para a igreja de São Francisco, passou a representar antes uma época marcada pelo espírito de militância próprio da Companhia. Esse espírito derivava de outros fundamentos na linguagem de imagens e de outras exigências do tempo. Poder-se-ia talvez dizer que a imagem subjacente à igreja militante associava-se antes a Santa Bárbara (Veja artigo a respeito de Francisco Xavier nesta edição).


Uma análise dessas relações, ainda que sutís, poderia aguçar a sensibilidade para uma transformação do espírito do tempo e mesmo do ethos de Goa no decorrer do século XVI. Concepções e associações relativas à vida ativa teriam sofrido uma aproximação àquelas da militância, da ação dirigida ao exterior através da propaganda e dos meios a ela adequados.


A Sé de Goa como centro de excelência sacro-musical


Nos trabalhos desenvolvidos na Sé Catedral de velha Goa, com o seu museu adjacente, reconsiderou-se dados tratados em eventos anteriores do Instituto de Estudos da Cultura Musical do Mundo de Língua Portuguesa (ISMPS/A.B.E.). Sob a perspectiva da necessária diferenciação das "culturas" musicais das diferentes ordens e igrejas de acordo com os seus pressupostos históricos, suas condições materiais e orientações, a prática na Sé surge como modêlo de excelência e qualidade artística. A sua importância numa história da música em contextos globais reside no fato de ter sido o primeiro centro do mundo descoberto e missionado pelos portugueses a receber cantores de alta capacidade vindos de Portugal.


Esses cantores viajaram para a Índia em 1554. Em carta de P. D. do Soveral, de 5 de novembro desse ano, escrita em Goa, tem-se uma descrição da viagem desses cantores e instrumentistas.

Tinham pertencido à capela do príncipe D. João, falecido nesse ano. Possuiam, assim, experiência da vida musical em esferas marcadas por exigências quanto à qualidade de interpretação e ao repertório. A motivação artística e o empenho pela música sacra desses cantores demonstrou-se já na viagem de Portugal à Índia.


Tratou-se de uma viagem marcada por extraordinário número de sacerdotes e religiosos, e, consequentemente, intensa foi a vida religiosa a bordo. Diariamente cantavam-se ladainhas e comemorações de santos. Após o canto, tocava-se à Ave Maria, criando uma atmosfera de devoção que o missivista compara com aquela criada pelo tocar de sinos à tarde em pequenas cidades do interior de Portugal. De forma alguma, porém, a prática musical era provinciana. Os cantores, vindos de ambiente de Côrte, empenhavam-se em execuções cuidadosas e de qualidade, correspondendo, aqui, às expectativas e às exigências de aparato próprias ao do Vice-Rei, que viajava nas naves.


Aumento de brilho musical no decorrer das viagens à Índia


No decorrer da viagem, constatou-se uma intensificação da solenidade dos atos religiosos. Essa intensificação quanto a brilho e ao aparato, de resto, parece que foi uma constante nas viagens de Portugal à Índia.


Nessa atmosfera, nem mesmo os jesuítas, aos quais as suas Constituições impunham reservas quanto à música, em particular quanto ao canto em comum das Horas, puderam esquivar-se da participação nos atos cantados.


A importância da música em ambiente de bordo das naves representou, assim, um fator que não deve ser menosprezado no acostumar os jesuítas a uma vida religiosa marcada pela solenização musical que iriam encontrar na Índia.


Os cantores participavam nas muitas procissões realizadas abordo, cantando ladainhas e salmos com o acompanhamento de instrumentos de metal e flautas, solenizadas com um aparato que lembravam ao missivista até mesmo procissões de Corpus Christi em Portugal. (Bispo, A.A., Grundlagen christlicher Musikkultur in der außereuropäischen Welt der Neuzeit, Musices Aptatio 1987-88, Roma 1989, 630)


Quanto à atuação desses cantores em Goa, sabe-se que, ao lado de suas obrigações na Sé, auxiliavam em outras igrejas, atuando em procissões e apoiando coros, em especial aqueles dos meninos do Colégio. Desempenharam, assim, um papel relevante no desenvolvimento de uma pratica musical de qualidade artística e solenizadora do culto também no âmbito das atividades dos jesuítas, contribuindo à singular transformação da posição e da prática dos religiosos da Companhia relativamente às determinações vindas da Europa (Veja artigo sobre o Colégio de São Paulo, nesta edição).




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Indicação bibliográfica para citações e referências:

Bispo, A.A. "Goa como centro de jurisdição eclesiástica nas Índias Orientais e  o significado arquitetônico e histórico-musical de sua Sé Catedral". Revista Brasil-Europa: Correspondência Euro-Brasileira 131/12 (2011:3). http://www.revista.brasil-europa.eu/131/Goa-Se_Catedral.html



  1. Observação: o texto aqui publicado oferece apenas um relato suscinto de trabalhos. Não tendo o cunho de estudo ou ensaio, não inclui aparato científico. O seu escopo deve ser considerado no contexto geral deste número da revista. Pede-se ao leitor que se oriente segundo o índice desta edição e o índice geral da revista (acesso acima). Pede-se ao leitor, sobretudo, que se oriente segundo os objetivos e a estrutura da Organização Brasil-Europa, visitando a página principal, de onde obterá uma visão geral e de onde poderá alcançar os demais ítens relativos à Academia Brasil-Europa de Ciência da Cultura e da Ciência (culturologia e sociologia da ciência), a seus institutos integrados de pesquisa e aos Centros de Estudos Culturais Brasil-Europa: http://www.brasil-europa.eu


  2. Brasil-Europa é organização exclusivamente de natureza científica, dedicada a estudos teóricos de processos interculturais e a estudos culturais nas relações internacionais. Não tem, expressamente, finalidades jornalísticas ou literárias e não considera nos seus textos dados divulgados por agências de notícias e emissoras. É, na sua orientação culturológica, a primeira do gênero, pioneira no seu escopo, independente, não-governamental, sem elos políticos ou religiosos, não vinculada a nenhuma fundação de partido político europeu ou brasileiro e originada de iniciativa brasileira. Foi registrada em 1968, sendo continuamente atualizada. A A.B.E. insere-se em antiga tradição que remonta ao século XIX.


  3. Não deve ser confundida com outras instituições, publicações, iniciativas de fundações, academias de letras ou outras páginas da Internet que passaram a empregar designações similares.



 











Fotos A.A.Bispo
©Arquivo A.B.E.

 

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