Bispo, A.A.. Leitura da arquitetura e arte do Rosário em Goa. Revista BRASIL-EUROPA 131/10. Academia Brasil-Europa e ISMPS





Revista

BRASIL-EUROPA

Correspondência Euro-Brasileira©

 

Revista Brasil-Europa - Correspondência Euro-Brasileira 131/10 (2011:3)
Prof. Dr. A.A.Bispo, Dr. H. Hülskath (editores) e Conselho Científico
da
Organização Brasil-Europa de estudos teóricos de processos inter- e transculturais e estudos culturais nas relações internacionais (reg. 1968)
- Academia Brasil-Europa -
de Ciência da Cultura e da Ciência

e institutos integrados

© 1989 by ISMPS e.V. © Internet-edição 1998 e anos seguintes © 2010 by ISMPS e.V. Todos os direitos reservados
ISSN 1866-203X - urn:nbn:de:0161-2008020501

Doc. N° 2749


A.B.E.

A "Reconquista" assistida dos altos
Leitura da linguagem da arquitetura e da arte do Rosário em Goa
Rosa mystica, Turris eburnea, Vas spirituale em expressão luso-oriental



Trabalhos da A.B.E. pelos 500 anos da conquista de Goa por Afonso de Albuquerque. 30 anos do Simpósio Internacional "Música Sacra e Cultura Brasileira" e 20 anos de sessão acadêmica na Universidade Urbaniana em Roma. Igreja do Rosário, Goa

 
Igreja do Rosário. Goa. Foto A.A.Bispo

Igreja do Rosário. Goa. Foto A.A.Bispo

Igreja do Rosário. Goa. Foto A.A.Bispo

Igreja do Rosário. Goa. Foto A.A.Bispo

Igreja do Rosário. Goa. Foto A.A.Bispo

Igreja do Rosário. Goa. Foto A.A.Bispo

Igreja do Rosário. Goa. Foto A.A.Bispo

Igreja do Rosário. Goa. Foto A.A.Bispo

Igreja do Rosário. Goa. Foto A.A.Bispo

Igreja do Rosário. Goa. Foto A.A.Bispo

Igreja do Rosário. Goa. Foto A.A.Bispo

Fotos A.A.Bispo
©Arquivo A.B.E.

 
Mandovi. Goa. Foto A.A.Bispo

Ao recordar-se, em 2010, os 500 anos da "reconquista" de Goa, ocorrida no dia 25 de novembro de 1510, um local histórico assume particular significado: o dos altos de Goa de onde Afonso de Albuquerque assistiu aos eventos militares ocorridos na planície cortada pelo rio Mandovi.

Igreja do Rosário. Goa. Foto A.A.Bispo

Do contemplar do alto o cenário das lutas e seu sentido figurado

Esse fato, lembrado em placa de mármore, traz à consciência o significado estratégico desse monte de Goa, do qual se descortina amplo panorama. Nesse local, o observador compenetra-se do significado do estar ao alto, do observar acontecimentos decisivos que se processam nos baixos a partir de uma posição sobranceira, segura, capaz de abranger o todo da paisagem, do teatro de batalha e das operações que ali ocorrem. A partir de um ponto de perspectiva elevado, pode perceber desenvolvimentos não reconhecidos por aqueles que se encontram imersos nas ocorrências.

Essa experiência local induz o observador a refletir sobre um sentido figurado do manter-se em posição elevada, do permanecer em situação segura, fora das lutas, capaz de contemplá-las no seu todo e nos seus significados.

A lembrança da ocorrência histórica no local sugere generalizações e abstrações, conduzindo o pensamento a uma situação interna ao homem e à comunidade. Nessas considerações, intui que a verdadeira posição de defesa não é aquela daqueles que a procuram nos combates que se produzem nos baixos, mas aquela em que se situam os que se encontram nos altos e contemplam. O observador sente-se tentado a comparar essa situação com aquela dos marujos de um navio que, do alto, observam as vagas, procurando manter a nave sobranceiramente no seu rumo.

Tais considerações e imagens ajudam o visitante dos altos dos quais Afonso de Albuquerque assistiu à reconquista de Goa a penetrar no contexto de concepções que permitem interpretações mais diferenciadas do monumento que marca esse local, a igreja de Nossa Senhora do Rosário.

Igreja do Rosário. Goa. Foto A.A.Bispo

Igreja de Nossa Senhora do Rosário

Os dados fixados em placa na área patrimonial lembram que a igreja foi construída entre 1544 e 1547 em cumprimento a um voto feito por Afonso de Albuquerque. Chamam a atenção ao pórtico da igreja, em dois pavimentos, flanqueado por torres cilíndricas com cúpulas encimadas por cruzes e janelas nos altos, dando a impressão de igreja de fortaleza.

Igreja do Rosário. Goa. Foto A.A.Bispo
No interior, a igreja, com as suas duas capelas e três altares, o observador tem a sua atenção dirigida à imagem de nossa Sra. do Rosário no altar principal. O gótico manifesta-se na abóbada do pórtico e da pela-mór, o manuelino encontra-se presente tanto no exterior como no interior do templo, sobretudo nas molduras dos portais.

Esses dados levantam questões ao observador que apenas podem ser respondidas a partir de reflexões proporcionadas pelo próprio local em que se situa o templo.

O impressionante aspecto de bastião fortificado ou de burgo inexpugnável que sugere não pode ser explicado simplesmente por uma função concreta de defesa militar. Por demais vulnerável é o próprio corpo da igreja, que surge por detrás da sua fachada fortificada quase que primitivo na simplicidade de sua construção, cuja modéstia rústica é salientada pelo alpendre que protege a sua entrada lateral.

Igreja do Rosário. Goa. Foto A.A.Bispo

Igreja do Rosário. Goa. Foto A.A.Bispo

Igreja do Rosário. Goa. Foto A.A.Bispo
Leitura a partir do Rosário

A fortaleza sugerida pela massa construtiva da área de entrada revela-se aqui antes como de significado simbólico, sugerindo a situação de defesa daqueles que se encontram na esfera mariana.

Tanto a sugestão gótica da configuração de abóbadas, que sugerem a elevação, a verticalidade, como os elementos que lembram o Manuelino no encordoamento de cunho naval das linhas que criam contornos e marcam estruturas no externo e nas capelas internas passam a receber novo significado sob o aspecto da dedicação mariana da construção.

A igreja não lembra, como indicado na placa informativa do local, apenas uma capela de fortaleza, mas sim simboliza antes talvez uma nave fortificada que abriga, nas alturas, aqueles que se encontram numa esfera acima das águas da existência marcada pelos combates. Poderia ser também interpretada de forma ainda mais adequada lembrando-se de designações de Maria relacionadas com a figura da Torre.

O observador compenetra-se que a interpretação cultural da construção pode ser auxiliada pela prática do Rosário implícita em sua dedicação. Essa prática, marcada pela repetição de fórmulas de oração e expressões, surge como meio à criação de um estado de espírito serenizado, superior, capaz de possibilitar ao homem o contemplar de posição elevada os embates da vida terrena. O homem procura situar-se e permanecer na esfera de Maria.

Se a edificação dessa igreja, que hoje é considerada como a construção religiosa mais antiga que restou em Goa, representou a concretização de um voto de Afonso de Albuquerque, pode-se supor que essa procura de manutenção de um estado de espírito e de ânimo propiciado pela prática do Rosário tenha marcado o íntimo de Albuquerque e a atmosfera dos eventos de 1510 do lado dos portugueses. Da Batalha de Lepanto sabe-se também que a oração do Rosário era vista como de grande eficácia, como uma espécie de artilharia de orações.

Igreja do Rosário. Goa. Foto A.A.Bispo

No interior, sobressaem-se lápides daqueles que foram enterrados no templo, em particular o do local de enterramento do Governador Garcia de Sá (ca. 1486-1549).

Obra de excelência artística é o cenotáfio de Catarina Pires, mulher de Garcia de Sá, em alabastro plasticamente trabalhado. Nele lê-se: "Aqui jaz D. Catarina molher de Garcia de Saa a qual pede a quem isto ler que peça misericordia a Deus para sua alma."

Os seus motivos ornamentais, de cunho oriental, fazem-no obra de arte de particular relevância para estudos de interferências e relacionamentos culturais. Poderia, superficialmente, ser lido como referência artística à beleza de D. Catarina, decantada como uma das mais extraordinárias de seu tempo.

Fato até hoje não percebido, porém, é que os seus motivos nada mais indicam, porém, do que uma representação de cunho oriental do próprio rosário.

O rosário surge, nessa leitura, no seu sentido de rosas alinhadas, por assim dizer retornando às suas origens orientais. Com a parede assim revestida, o espaço assume o caráter de um jardim de rosas, de um hortus conclusus.



Nele surgem invocações de Maria na linguagem poética das imagens, que a associam não apenas com a rosa (Rosa mystica), mas também, como já mencionado, com torres (Turris Davidica, Turris eburnea) e com vaso (Vas spirituale, Vas honorabile, Vas insigne devotionis).


A representação, assim, torna-se sonora, fala àquele que hora como um rezador que „puxa“ a oração. Sendo essas designações simbólicas sobretudo de ladainhas marianas, em particular da Lauretana, assim denominada devido à forma de oração praticada em Loreto, em 1531, levanta-se a questão se essa representação não deve ser lida como um memorial da intensa prática de ladainhas em Goa.




Todos os direitos relativos a texto e imagens reservados. Reproduções apenas com a autorização explícita do editor.

Indicação bibliográfica para citações e referências:

Bispo, A.A. "A "Reconquista" assistida dos altos. Leitura da linguagem da arquitetura e da arte do Rosário em Goa - Rosa mystica, Turris eburnea, Vas spirituale em expressão luso-oriental". Revista Brasil-Europa: Correspondência Euro-Brasileira 131/10 (2011:3). http://www.revista.brasil-europa.eu/131/Goa-Rosario.html


  1. Observação: o texto aqui publicado oferece apenas um relato suscinto de trabalhos. Não tendo o cunho de estudo ou ensaio, não inclui aparato científico. O seu escopo deve ser considerado no contexto geral deste número da revista. Pede-se ao leitor que se oriente segundo o índice desta edição e o índice geral da revista (acesso acima). Pede-se ao leitor, sobretudo, que se oriente segundo os objetivos e a estrutura da Organização Brasil-Europa, visitando a página principal, de onde obterá uma visão geral e de onde poderá alcançar os demais ítens relativos à Academia Brasil-Europa de Ciência da Cultura e da Ciência (culturologia e sociologia da ciência), a seus institutos integrados de pesquisa e aos Centros de Estudos Culturais Brasil-Europa: http://www.brasil-europa.eu


  2. Brasil-Europa é organização exclusivamente de natureza científica, dedicada a estudos teóricos de processos interculturais e a estudos culturais nas relações internacionais. Não tem, expressamente, finalidades jornalísticas ou literárias e não considera nos seus textos dados divulgados por agências de notícias e emissoras. É, na sua orientação culturológica, a primeira do gênero, pioneira no seu escopo, independente, não-governamental, sem elos políticos ou religiosos, não vinculada a nenhuma fundação de partido político europeu ou brasileiro e originada de iniciativa brasileira. Foi registrada em 1968, sendo continuamente atualizada. A A.B.E. insere-se em antiga tradição que remonta ao século XIX.


  3. Não deve ser confundida com outras instituições, publicações, iniciativas de fundações, academias de letras ou outras páginas da Internet que passaram a empregar designações similares.






 

_________________________________________________________________________________________________________________________________


Índice da edição     Índice geral     Portal Brasil-Europa     Academia     Contato     Convite     Impressum     Editor     Estatística     Atualidades

_________________________________________________________________________________________________________________________________