Bispo, A.A..Indo-Portuguese Museum. Rev. BRASIL-EUROPA 131/21. Academia Brasil-Europa e ISMPS





Revista

BRASIL-EUROPA

Correspondência Euro-Brasileira©

 

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Uma das mais significativas instituições museológicas fora da Europa dedicadas aos estudos da história cultural determinada pela ação européia no Oriente é o The Indo-Portuguese Museum of Cochin.


Esse museu, inaugurado no ano 2000, com o apoio da Fundação Calouste Gulbenkian (Lisboa), é dedicado à preservação do patrimônio cultural indo-português na Índia. Encontrando-se instalado em edifício de modelar arquitetura na ampla área ajardinada da residência episcopal de Fort Kochi, a zona da antiga fortaleza de Cochim, é, para além de suas atividades museológicas, uma das principais atrações turístico-culturais da cidade, sendo procurado por visitantes de todas as partes do mundo. Traz, assim, de forma especial, o já remoto passado português da cidade e sua região à consciência dos visitantes, relevando o seu significado para além daqueles marcados pela presença colonial de outras nações, em particular daquela seculares dos Países Baixos e da Grã-Bretanha.


Cochim. Foto A.A.Bispo
Essa posição privilegiada assumida pela conservação de documentos e objetos representativos das relações indo-lusas é justificada pelo fato do museu não se restringir ao resguardo de resíduos do distante passado dos séculos XVI e XVII de Cochim, dirigindo as atenções aos processos culturais desencadeados pelos portugueses e que permanecem vigentes sob diferentes aspectos no presente.


Essa continuidade se manifesta sobretudo sob o aspecto religioso, no Catolicismo indiano, sendo compreensível que o museu indo-português compreenda sobretudo objetos de arte sacra e história religiosa e tenha sido implantado na área da residência episcopal. Significativamente, é dedicado à memória de um dos seus principais promotores, o Dr. Joseph Kureethara, Bispo de Cochim (1975-1999).


Vasco da Gama Research Institute of Cochin


Cochim. Foto A.A.Bispo

Na mesma área diocesana, em edifício à parte, localiza-se o Vasco da Gama Research Institute of Cochin. A exposição de objetos históricos do museu é, assim, complementada pelos trabalhos de uma instituição de cunho científico, especificamente dedicada a pesquisas e estudos e que leva o nome do descobridor do caminho marítimo às Índias, falecido na cidade e cuja primeira sepultura ali se encontra (Veja artigo a respeito da Igreja de São Francisco de Cochim).


Esse instituto, inaugurado em 2008, também com o apoio da Fundação Calouste Gulbenkian, representada pelo seu presidente Dr. Emilio Rui Vilar, e na presença do Dr. A. P. J. Abdul Kalam, então ex-Presidente da Índia, também é marcado pelos seus estreitos elos com a diocese, tendo sido consagrado pelo Dr. John Thattumkal, Bispo de Cochim.


Esses estreitos elos entre a museologia patrimonial e os estudos indo-portugueses com o Catolicismo são compreensíveis e justificáveis, também sob o ponto de vista pragmático, sendo necessária a cooperação entre instituições culturais e eclesiásticas já pelas características dos arquivos e da bibliografia.


Entretanto, uma exclusiva identificação dos estudos de processos indo-portugueses com aqueles da história missionária sob a perspectiva eclesiástica deveria ser evitada sob a perspectiva teórico-cultural. Há problemas de possíveis delimitações de questionamentos e de perspectivas, e a pesquisa dos processos postos em vigência com a ação dos portugueses exige, daqueles que a ela se dedicam, uma particular atenção quanto às próprias inserções religioso-culturais.


Também impõe-se aguçar a sensibilidade quanto a possíveis delimitações de ângulos de visão e de procedimentos causadas por enfoques nacionais na pesquisa. O estudo dos processos iniciados pelos portugueses na Índia deveria ser ampliado através de reflexões encetadas a partir da perspectiva de outras regiões do mundo que participaram de desenvolvimentos paralelos e concatenados entre si.


A.B.E.


Cochim e Brasil: Pedro Álvares Cabral como referencial histórico


Cochim desempenha significativo papel histórico nos estudos dedicados às relações entre a Índia e o Brasil. Essa afirmação pode surpreender à primeira vista, uma vez que o nome de Cochim pouco é conhecido e praticamente não lembrado na história do Brasil. O reconhecimento desse papel histórico pressupõe a consideração do processo histórico do descobrimento e da formação do Brasil nos seus contextos globais, ou seja, sob uma perspectiva mais ampla do que aquela de projeções anacrônicas da situação posterior da nação independente ao passado do século XVI.


Os estreitos elos do Brasil com Cochim fundamentam-se aqui no vulto do próprio descobridor do Brasil, Pedro Álvares Cabral. A sua passagem pelo Brasil e a sua estadia em Cochim decorreram no âmbito da mesma viagem de 1500. Os mesmos homens de sua armada estiveram nas duas partes do mundo, cuja presença na Índia foi precedida pela experiência brasileira, decorrida sob aspectos favoráveis e marcada por impressões positivas.


Os motivos do empreendimento, a sua constituição humana e material, as concepções que a orientaram apenas podem ser estudados sob a perspectiva de seus objetivos que residiam na Índia. Os seus pressupostos tinham sido criados com o descobrimento do caminho marítimo à Índia por Vasco da Gama, o nome que determina até hoje a história de Cochim e os estudos histórico-culturais luso-indianos ali desenvolvidos.


O ato pioneiro de Vasco da Gama, o significado dos processos que colocou em vigência justificam que os estudos da história de relações globais que então se iniciou se concentrem no seu vulto histórico. Compreende-se que, sob a perspectiva portuguesa, o fascínio que desperta a sua personalidade e as suas ações inaugurais contribua a fazer passar para um segundo plano o interesse pelos atos daqueles que o seguiram.


Sob a perspectiva brasileira, porém, a atenção dirige-se compreensivelmente a Pedro Álvares Cabral, sendo a partir dele que se consideram as ações precursoras e concomitantes de Vasco da Gama. Trata-se, assim, apenas de uma perspectivação distinta, de um outro direcionamento das atenções derivado de uma posição diferente do observador, mas que permite trazer à consciência aspectos obscurecidos do desenvolvimento histórico.


No seu Portugal no mundo", Joaquim Veríssimo Serrão expõe, em amplo panorama, o contexto que vincula o descobrimento do Brasil aos acontecimentos na Índia. (Portugal en el mundo: Un itinerario de dimensión universal, Madrid: Mapfre, 1992, 240-244)


O historiador português lembra que, a 9 de março de 1500, partiu a segunda frota à Índia, sob o comando de Pedro Álvares Cabral, com um total de 13 naves. O seu capitão levava instruções para reconhecer terras ao oeste do Cabo Verde, o que o levou ao achamento da Vera Cruz, que tornar-se-ia o Brasil.


No dia 2 de maio, Cabral prosseguiu a viagem em direção ao Cabo da Boa Esperança. Na sua continuidade, porém, o empreendimento foi marcado por acontecimentos trágicos. No Índico ocorreram naufrágios e perda de naves, e a estadia em Calicut foi obscurecida por um conflito que obrigou a Pedro Álvares Cabral tomar represálias e refugiar-se em Cochim.


Nessa cidade, o descobridor do Brasil encontrou-se num dos centros do comércio da pimenta, do gingibre e de outras especiarias, uma atividade que até o presente surge como característica de Cochim. Segundo o historiador português citado, Pedro Álvares Cabral teria procurado contornar o predomínio comercial dos mercadores que ali atuavam, sobretudo árabes, estabelecendo alianças com os reis de Cannanore e de Kulam, principais mercados de pimenta e de gengibre, fornecedores de Cochim. Os tratos levaram a bom termo, e a expedição conseguiu adquirir considerável quantidade de especiarias a bom preço e que, levadas a Portugal e ali vendidas, possibilitaram bons negócios.


510 anos da expedição de João da Nova, o Gallego (ca. 1460-1509)


No ano seguinde, 1501, ainda antes do retorno da expedição de Pedro Álvares Cabral, partiu, a 5 de março, a frota comandada por João da Nova, com quatro naves, tomando a mesma rota de abordagem do Brasil e que encontrou as ilhas de Santa Helena e da Ascensão (originalmente denominada de Conceição). O empreendimento foi possibilitado pela participação de capital particular estrangeiro, no caso florentino. Em Cananore, João da Nova estabeleceu uma feitoria e alcançou vitória em combate marítimo contra naves de Calicut.




Interesses comerciais e espírito de Cruzada


Em 1502, Vasco da Gama empreendeu, já como "almirante das Índias", uma segunda expedição, com 20 naves. Cinco delas, comandadas por Vicente Sodré, permaneceram na Índia com o objetivo de defender as feitorias em Cochin e em Cananore e, no verão, controlar o Cabo Guardafui, entrada do estreito do Mar Vermelho.


Segundo Veríssimo Serrão, essa diretriz demonstrava que a Coroa desejava assegurar o comércio das especiarias e vigilar a entrada do Mar Vermelho para impedir a concorrência dos mercadores árabes e estabelecer uma política de cruzada contra Meca.


Em 1503, partiu de Portugal um nova armada, sob o comando de Afonso de Albuquerque (1453-1515) e seus primos Francisco de Albuquerque e António de Saldanha, com 9 naves. Os Albuquerques seguiram para Cochim para assegurar a carga de especiarias a ser transportada para Portugal, e Saldanha tomou o rumo do Mar Vermelho para impedir que os árabes prejudicassem a navegação portuguesa.


O historiador salienta que também aqui uniu-se o intento político da Coroa em vigiar o Índico com a intenção da cruzada religiosa contra Meca.


A presença em Cochim, como o principal empório para a aquisição de especiarias, foi consolidado pelos Albuquerques. Como capitão da fortaleza, foi nomeado Duarte Pacheco Pereira (ca. 1469-1533). Após o retorno de Afonso de Albuquerque a Portugal, a fortaleza foi alvo de ataque de forças de Calicut.




Experiência da África Ocidental e o Índico


Em 1504, uma esquadra comandada por Lopo Soares (ca. 1442-ca. 1520), com 13 naves, destinada a buscar cargas de especiarias em Cochim, Cananore e Kulam, representava também uma mudança na política de D. Manuel do Oriente. O nome de Lopo Soares surge em contextos que vinculam São Jorge da Mina, onde atuou como capitão-mor, e o Oriente. Talvez esses elos nas suas experiências de vida possam elucidar desenvolvimentos questionáveis de sua ação na Índia.


Segurança na África Oriental e o Índico


Segundo Veríssimo Serrão, a nova política real explicar-se-ia pelo reconhecimento da necessidade de um assentamento que possibilitasse a presença militar e servisse como apoio para as relações com os diferentes centros. A presença no Oriente não podia mais resumir-se a viagens anuais de comércio, nem a feitorias ou a fortalezas. O reconhecimento da necessidade de uma presença estável lançava as bases para o futuro "Estado português da India".


Esse projeto teve o seu início com a esquadra comandada por D. Francisco de Almeida (ca. 1450-1510), que, com os seus sucessos, seria nomeado, em 1505, a Vice-Rei. Os empreendimentos destinados a garantir a segurança das viagens - servindo também aos intentos no espírito de Cruzada - compreenderam a edificação de forte em Kilwa, de ataques a Mombasa, da tomada de posse de Sansibar e, na Índia, em outros, o fortalecimento da presença em Cochim, com reforma de sua fortaleza e vitória em combate a forças de Calicut na entrada do porto de Cananore. Também nessa fase da história dos empreendimentos portugueses na Índia constatou-se a presença italiana. A vitória em Chaul/Dabul, em 1508, foi alcançada com o apoio de venezianos.


(...)




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Indicação bibliográfica para citações e referências:

Bispo, A.A (ed.). "Estudos indo-portugueses em Cochim em olhares do Brasil. Focalizando Pedro Álvares Cabral: The Indo-Portuguese Museum e Vasco da Gama Research Institute of Cochim." Revista Brasil-Europa: Correspondência Euro-Brasileira 131/21 (2011-3). http://www.revista.brasil-europa.eu/131/Cochim-Vasco-da-Gama_Institut.html



  1. Observação: o texto aqui publicado oferece apenas um relato suscinto de trabalhos. Não tendo o cunho de estudo ou ensaio, não inclui aparato científico. O seu escopo deve ser considerado no contexto geral deste número da revista. Pede-se ao leitor que se oriente segundo o índice desta edição e o índice geral da revista (acesso acima). Pede-se ao leitor, sobretudo, que se oriente segundo os objetivos e a estrutura da Organização Brasil-Europa, visitando a página principal, de onde obterá uma visão geral e de onde poderá alcançar os demais ítens relativos à Academia Brasil-Europa de Ciência da Cultura e da Ciência (culturologia e sociologia da ciência), a seus institutos integrados de pesquisa e aos Centros de Estudos Culturais Brasil-Europa: http://www.brasil-europa.eu


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Fotos A.A.Bispo
©Arquivo A.B.E.


 

Revista Brasil-Europa - Correspondência Euro-Brasileira 131/21 (2011:3)
Prof. Dr. A.A.Bispo, Dr. H. Hülskath (editores) e Conselho Científico
da
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- Academia Brasil-Europa -
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ISSN 1866-203X - urn:nbn:de:0161-2008020501

Doc. N° 2760



Instituições em visita


Estudos indo-portugueses em Cochim em olhares do Brasil
focalizando Pedro Álvares Cabral

The Indo-Portuguese Museum e Vasco da Gama Research Institute of Cochim



Trabalhos da A.B.E. pelos 500 anos da conquista de Goa por Afonso de Albuquerque. 30 anos do Simpósio Internacional "Música Sacra e Cultura Brasileira" e 20 anos de sessão acadêmica na Universidade Urbaniana em Roma. Residência Episcopal, Fort Kochi, Cochim