Bispo, A.A..Vasco da Gama em Cochim. Revista BRASIL-EUROPA 131/2. Academia Brasil-Europa e ISMPS





Revista

BRASIL-EUROPA

Correspondência Euro-Brasileira©

 

Revista Brasil-Europa - Correspondência Euro-Brasileira 131/2 (2011:3)
Prof. Dr. A.A.Bispo, Dr. H. Hülskath (editores) e Conselho Científico
da
Organização Brasil-Europa de estudos teóricos de processos inter- e transculturais e estudos culturais nas relações internacionais (reg. 1968)
- Academia Brasil-Europa -
de Ciência da Cultura e da Ciência

e institutos integrados

© 1989 by ISMPS e.V. © Internet-edição 1998 e anos seguintes © 2010 by ISMPS e.V. Todos os direitos reservados
ISSN 1866-203X - urn:nbn:de:0161-2008020501

Doc. N° 2741


A.B.E.


No local de sepultamento de Vasco da Gama em Cochim:
mudanças de referenciais político-culturais na história
Fort Kochi e o Franciscanismo na história das relações culturais indo-européias



Trabalhos da A.B.E. pelos 500 anos da conquista de Goa por Afonso de Albuquerque.
30 anos do Simpósio Internacional "Música Sacra e Cultura Brasileira" e 20 anos de sessão acadêmica na Universidade Urbaniana em Roma.Igreja de São Francisco (Santo Antonio) de Fort Kochi e Catedral de São Francisco da Arquidiocese de Verapoly, Ernakulam

 
Sao Francisco. Cochim. Foto A.A. Bispo

Sao Francisco. Cochim. Foto A.A. Bispo

Sao Francisco. Cochim. Foto A.A. Bispo

Sao Francisco. Cochim. Foto A.A. Bispo

Sao Francisco. Cochim. Foto A.A. Bispo

Sao Francisco. Cochim. Foto A.A. Bispo

Sao Francisco. Cochim. Foto A.A. Bispo

Sao Francisco. Cochim. Foto A.A. Bispo

Ernakulam. Cochim. Foto A.A.Bispo

Fotos A.A.Bispo
©Arquivo A.B.E.

 
Sao Francisco. Cochim. Foto A.A. Bispo

Se não do ponto de vista arquitetônico e artístico, a igreja de São Francisco, em Cochim,  - ou melhor, a antiga igreja dos Franciscanos de Cochim - representa um monumento de singular significado para os estudos histórico-culturais em contextos globais. Remontante aos primeiros anos do século XVI, é considerada como a primeira igreja de sólida construção levantada pelos europeus na Índia. Ela dá testemunho, na sua história e nas suas funções, das transformações ocorridas no domínio colonial e das suas respectivas orientações religiosas no decorrer de cinco séculos.


Sao Francisco. Cochim. Foto A.A. Bispo

Sao Francisco. Cochim. Foto A.A. Bispo
No local de sepultamento de Vasco da Gama


Em especial para os estudos relativos a contextos histórico-culturais relacionados com Portugal e a sua ação no mundo, essa igreja não pode deixar de ser considerada. Ela é o monumento que mantém viva a memória de Portugal em Cochim e a atualiza constantemente para os muitos visitantes de todas as partes do mundo que a procuram pelo fato de abrigar o local da sepultura de Vasco da Gama.


Esse elo com o descobridor do caminho marítimo para as Índias, inaugurador da história moderna dos contatos entre o Ocidente e o Oriente e do mundo culturalmente influenciado pelos portugueses é o que justifica para muitos a ida a Cochim. Se Goa é procurada pelo túmulo de Francisco Xavier, se Macau é marcada pela memória de Camões, Cochim o é nada menos do que pelo vulto que realizou as antigas aspirações européias do alcance da Índia pelo caminho dos mares.


Sao Francisco. Cochim. Foto A.A. Bispo
A sua campa vazia ao lado direito daquele que entre na igreja, protegida por balustrada de metal, representa uma das principais, senão a principal atração da cidade. Ao seu redor, cartazes lembram da personalidade e dos empreendimentos de Vasco da Gama e do fato do seu corpo já não ali se encontrar. Registram que Vasco da Gama, que chegou a Calicut em 1498, e visitou Cochim em 1502, tendo retornado em fins de 1524, ali faleceu nas vésperas de Natal, sendo enterrado na igreja. Alguns nos mais tarde, os seus restos foram enviados a Portugal, passando, em 1872, ao mosteiro dos Jerônimos, em Lisboa.


"Vestido com ricas roupas de seda, é enterrado no Convento de Santo António dessa cidade, coberto com o manto de cavaleiro da Ordem de Cristo. Catorze anos depois, será trasladado para Portugal, para o Convento de Nossa Senhora das Relíquias da Vidigueira, onde instituíra uma capela, confirmada pelo rei D. João III, nas vésperas de sua partida"
Comentando o transporte do cadáver para Lisboa, observa Faria e Sousa: 'Foi o Oriente o ocaso da sua primeira vida, foi o ocaso do Oriente das suas maiores honras'."
(Luís Adão da Fonseca, Vasco da Gama: o Homem, a Viagem, a Época, Lisboa: Expo 98, 78)


Memória de Vasco da Gama em igreja de tradição reformada anglicana


Trata-se, assim, de um túmulo vazio, um memorial, que traz à consciência dos visitantes das mais diversas nações remotos empreendimentos portugueses e o papel fundamental desempenhado por Portugal em processos que relacionaram povos e culturas na era moderna.


Essa lembrança, porém, é despertada paradoxalmente na atmosfera de um interior marcado pela cultura inglêsa. No seu mobiliário, na sua ornamentação, nas inscrições em letras douradas de textos religiosos e de nomes, na placa que lembra a aquisição em 1923, de relógio em memória de Hal Harrison Jones, diretor da firma Aspinwall & Company e aquela comemorativa da visita da rainha da Inglaterra, o observador que ali se encontra à procura de Vasco da Gama, Cavaleiro da Ordem de Cristo, sente-se inserido em ambiente que o leva ao historismo anglicano da Índia britânica do século XIX.

Sao Francisco. Cochim. Foto A.A. Bispo
Na sua configur
Sao Francisco. Cochim. Foto A.A. Bispo
ação atual, a igreja mostra resultados de uma reforma realizada em 1887, por ordem do Govêrno Britânico de Madras. Nos anos que se seguiram à Primeira Guerra, a igreja passou por outras reformas; em 1920, levantou-se, à sua frente, um monumento aos mortos na Guerra.


Se desde 1947, com a independência, a igreja passou  a fazer parte da The Church of South India, uma das quatro igrejas do Anglicanismo na Ásia, ao lado daquelas do Norte da Índia, do Paquistão e de Bangladesh, a tradição da Reformação é evidente: ela integra também metodistas e presbiterianos, sendo membro não apenas da Comunidade das Igrejas Anglicanas como também do Conselho Mundial das Igrejas Metodistas e da União Mundial Reformada.


Esses elos com a cultura reformada anglofone manifesta-se sobretudo durante os serviços religiosos, quando a comunidade e o coro local, ao redor do órgão, entoam hinos e corais da tradição musical britânica.


Sao Francisco. Cochim. Foto A.A. Bispo
Passado reformado da ocupação holandesa de Cochim


A perplexidade causada pela interação de associações e vivências histórico-culturais e de culto intensifica-se com as muitas referências ao passado holandês que se constatam no templo. Esse passado foi iniciado em 1663, quando os holandeses substituiram os portugueses como poder europeu na região. Não apenas lápides com nomes holandeses rodeiam aquelas de Vasco da Gama e de outros portugueses, por vezes assegurando, nos seus dizeres, direitos de posse para os seus herdeiros por toda a eternidade.


Sob a impressão desses memoriais da presença holandesa, a fachada da igreja passa a levantar questões. Descrita em geral como representativa de arquitetura portuguesa, ainda que renovada em 1779, como documentada em placa colocada acima da porta principal, o observador reflete se as modificações do período holandês não foram mais acentuadas do que se supõe.


O frontispício lembra mais construções dos Países Baixos do que edificações portuguesas. Com a introdução da Reforma, os religiosos católicos foram levados a abandonar a região, conventos e igrejas foram demolidos. A antiga igreja dos Franciscanos foi mantida, passando a igreja do Govêrno. O primeiro serviço protestante teve lugar no dia 8 de janeiro de 1664, tendo sido emoldurado com uma parada militar. O altar e outras partes da igreja foram transferidas para a igreja de Vypeen, construída em 1665, onde os católicos continuaram a ter a permissão para celebrar missas.


Ernakulam. Cochim. Foto A.A. Bispo

O domínio holandês foi substituído pelo inglês em 1795. Em 1804, a igreja tornou-se anglicana. O edifício passou por uma fase de abandono e decadência, sendo restaurado em 1816 para possibilitar que o Rev. Thomas Norton, da Sociedade Missionária, o utilizasse durante a sua visita episcopal à costa do Malabar.


Da pesquisa relativa à ação dos portugueses nos primeiros anos em Cochim


No Congresso Internacional de História dedicado ao tema "Missionação Portuguesa e Encontro de Culturas", realizado pela Universidade Católica Portuguesa, a Comissão Nacional para as comemorações dos Descobrimentos Portugueses e a Fundação "Evangelização e Cultura", José Manuel Correia, da Faculdade de Letras de Lisboa, apresentou estudo referente à ação portuguesa em Cochim (José Manuel Correia, "Evangelização portuguesa em Cochim nos séculos XVI e XVII", Congresso Internacional de História: Missionação Portuguesa e Encontro de Cultura, Actas, II,África Oriental, Oriente e Brasil, Braga: 1993, 271-284). Citando antiga fonte (Frei Paulo da Trindade, Conquista Espiritual do Oriente, Lisboa: Centro de Estudos Históricos Ultramarinos I, 1962), lembra primeiramente da história pré-portuguesa, medieval, das tentativas missionárias dos Franciscanos no Oriente.


Já a viagem inaugural de Vasco da Gama foi acompanhada por religiosos. Entretanto, Foi com Pedro Álvares Cabral que os primeiros missionários portugueses chegaram a Cochim. Esses Franciscanos eram aqueles que haviam presenciado a descoberta do Brasil e participado da primeira missa em terras brasileiras.


Frei Henrique Soares de Coimbra, regressando a Portugal com Pedro Álvares Cabral, deixou em Cochim quatro dos religiosos que haviam sobrevivido ao naufrágio do Cabo da Boa Esperança. A função desses religiosos foi fundamentalmente a do apoio espiritual aos portugueses que ali ficaram para guarda e para a realização de negócios. Aconselhando o rei D. Manuel I sobre a melhor forma de implantação do Cristianismo na Índia, Frei Henrique Soares de Coimbra teria desempenhado um papel de importância na mudança de orientação da ação missionária portuguesa, até então marcada pelas situações africanas.


Os primeiros religiosos exerceram as suas atividades em Cochim até 1503 em oratório levantado na casa onde moravam os portugueses. A partir dessa data, construiu-se, na fortaleza edificada em madeira, uma igreja dedicada a S. Bartolomeu.


Em 1500, às vésperas do Natal, Pedro Álvares Cabral esteve em Cochim, recebendo do rajá local permissão para comercial. O nome do descobridor do Brasil vincula-se, assim, de forma estreita à história da localidade.


De particular significado é o fato do novo templo, completado em 1516, ter sido dedicado a Santo Antonio. A denominação pelo qual hoje é conhecida - igreja de São Francisco - passou a ser empregada no sentido de igreja devotada a São Francisco apenas a partir do século XIX. O uso dessa denominação em séculos anteriores tinha outra conotação, ou seja, significava na linguagem corrente igreja dos Franciscanos, como pode-se constatar em muitos outros casos. Não emprestando atenção suficiente à dedicação dessa primeira igreja a Santo Antonio, o pesquisador perde a oportunidade de examinar mais profundamente os elos entre o culto local e a ação franciscana em Cochim com a cultura portuguesa e a mística antoniana. A igreja de Santo Antonio em Cochim deve ser vista como marco histórico da difusão antoniana na Índia, em particular em Kerala, assim como de uma orientação sobretudo antoniana do Franciscanismo.


De Cochim a Goa: difusão da cultura franciscana


No estudo acima mencionado de J. M. Correa, salienta-se o papel desempenhado por Cochim como centro difusor de livros de natureza teológica. Após a conquista de Goa, em 1510, para lá foram enviados livros de Cochim e que passariam a formar um acervo do convento dos Franciscanos de Goa. Os títulos dessas obras permitem conclusões a respeito das correntes de pensamento transmitidas pelos europeus nessa fase anterior às reformas que se procederiam no decorrer do século XVI. O autor menciona obras de Direito Canônico, a Vita Christi, de Ludolphus da Saxônia, em tradução portuguesa, textos de Ricardo de S. Vitor, a Summa de Tomás de Aquino e, além de outros livros, catecismos e cartilhas. Difundiram-se, a partir de Cochim, textos  patrísticos, entre eles de S.Jerônimo e S.João Crisóstomo. A influência de S. Jerônimo, marcado pela retórica e pela cultura clássica, e uma tendência à supremacia do sentido espiritual sobre o literal na interpretação das Escrituras teriam sido fundamentais nessa fase. Essa cultura teológica difundida de Cochim a Goa, porém, deveria ser examinada à luz da tradição franciscana a que se prendia Cochim, e essa era marcada pelo culto a Santo Antonio. A pesquisa antoniana, portanto, surge como de fundamental importância para os estudos da difusão, dentro da própria Índia, de uma cultura teológica - e através dela e à sua luz a da Antiguidade.


As décadas posteriores da história cultural de Cochim marcada pelos europeus do século XVI não podem ser tratadas apenas a partir da presença franciscana. Assim como em outras regiões, também aqui atuaram outras ordens, devendo-se salientar, em particular, os jesuitas. Com a elevação da diocese de Funchal a arquidiocese, em 1534, e com o desmembramento da diocese de Goa, tendo como sufragâneas as de Malaca e Cochim e, finalmente, em 1558, com a elevação de Cochim a diocese, criaram-se novas estruturas eclesiásticas e mais amplas esferas de irradição. Cochim passou a ser centro de jurisdição episcopal de grande território da costa do Malabar, uma área que chegava a atingir a Birma.


Os estudos referentes a Cochim como centro religioso-cultural e fonte irradiadora de impulsos a processos transformatórios de vastas regiões do Oriente necessitam considerar as diversas referenciações histórico-culturais das diferentes ordens que passaram a ali atuar. Essa complexa tarefa, porém, não pode deixar de levar em consideração que os fundamentos da cultura cristã ali implantados eram marcados pela tradição franciscana.


São Francisco no Malabar e a tradição carmelita: catedral de Ernakulam, Cochim


A presença de São Francisco em Kerala da atualidade tem o seu mais manifesto testemunho na Catedral que leva a sua designação em Ernakulam, o maior centro de população de cultura religiosa latino-cristã do Malabar. A igreja atual, considerada como uma obra significativa da engenharia civil e da arquitetura indiana, distinguindo-se pelo seu grande espaço interno, sem apoios, foi consagrada em 1981. Substituiu a igreja anterior, elevada a catedral em 1934. Desde 1910 havia-se tornado sede da Arquidiocese de Verapoly, transferida então para Ernakulam. A história da igreja remonta ao ano de 1821.


Como sede da Arquidiocese de Verapoly, a sua história é muito mais antiga, remontando ao Vicariato apostólico do Malabar, instituido em 1659 sob os Carmelitas, vinculada então à Arquidiocese de Cranganore. Representa, assim, uma linha de continuidade religioso-cultural na costa do Malabar, mesmo após a tomada de Cochim pelos holandeses. Em 1838, Cochim e Quilão, juntamente com Cranganore, foram integradas no Vicariato. Passou a arquidiocese em 1886, por determinação pontifícia. Possui significativas instituições de estudos e formação, salientando-se o seu Seminário.


Também aqui constata-se o significado do culto a Santo Antonio. Manifesta-se da forma mais evidente no oratório a êle erguido no espaço fronteiriço à igreja.





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Indicação bibliográfica para citações e referências:


Bispo, A.A (ed.).. "No local de sepultamento de Vasco da Gama em Cochim: mudanças de referenciais político-culturais na história Fort Kochi e o Franciscanismo na história das relações culturais indo-européias." Revista Brasil-Europa: Correspondência Euro-Brasileira 131/2 (2011:3). http://www.revista.brasil-europa.eu/131/Cochim-Sao_Francisco.html



  1. Observação: o texto aqui publicado oferece apenas um relato suscinto de trabalhos. Não tendo o cunho de estudo ou ensaio, não inclui aparato científico. O seu escopo deve ser considerado no contexto geral deste número da revista. Pede-se ao leitor que se oriente segundo o índice desta edição e o índice geral da revista (acesso acima). Pede-se ao leitor, sobretudo, que se oriente segundo os objetivos e a estrutura da Organização Brasil-Europa, visitando a página principal, de onde obterá uma visão geral e de onde poderá alcançar os demais ítens relativos à Academia Brasil-Europa de Ciência da Cultura e da Ciência (culturologia e sociologia da ciência), a seus institutos integrados de pesquisa e aos Centros de Estudos Culturais Brasil-Europa: http://www.brasil-europa.eu


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  3. Não deve ser confundida com outras instituições, publicações, iniciativas de fundações, academias de letras ou outras páginas da Internet que passaram a empregar designações similares.





 

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