Bispo, A.A..Holandeses no Nordeste do Brasil e em Cochim. Revista BRASIL-EUROPA 131/4. Academia Brasil-Europa e ISMPS
Revista
BRASIL-EUROPA
Correspondência Euro-Brasileira©
Bispo, A.A..Holandeses no Nordeste do Brasil e em Cochim. Revista BRASIL-EUROPA 131/4. Academia Brasil-Europa e ISMPS
Revista
BRASIL-EUROPA
Correspondência Euro-Brasileira©
Revista Brasil-Europa - Correspondência Euro-Brasileira 131/4 (2011:3)
Prof. Dr. A.A.Bispo, Dr. H. Hülskath (editores) e Conselho Científico
da
Organização Brasil-Europa de estudos teóricos de processos inter- e transculturais e estudos culturais nas relações internacionais (reg. 1968)
- Academia Brasil-Europa -
de Ciência da Cultura e da Ciência
e institutos integrados
© 1989 by ISMPS e.V. © Internet-edição 1998 e anos seguintes © 2010 by ISMPS e.V. Todos os direitos reservados
ISSN 1866-203X - urn:nbn:de:0161-2008020501
Doc. N° 2743
Holandeses no Nordeste do Brasil e em Cochim
monumentos indo-holandeses e imagens de cidades e trajes nos Países Baixos do século XVII
Trabalhos da A.B.E. pelos 500 anos da conquista de Goa pelos portugueses. 30 anos do Simpósio Internacional "Música Sacra e Cultura Brasileira" e 20 anos de sessão acadêmica na Universidade Urbaniana em Roma. Museu Arqueológico do Palácio de Mattancherry
Fotos A.A.Bispo
©Arquivo A.B.E.
A história colonial do Brasil, determinada fundamentalmente pela ação portuguesa e pelos seus elos com a Europa católica, apresenta, para além das tentativas francesas reformadas do século XVI, a ocorrência singular da época da presença holandesa no Nordeste do Brasil.
As lutas desenvolvidas no Brasil e o domínio dos Países Baixos no Nordeste apenas podem ser analisados em contextos políticos e político-religiosos mais amplos. Estudos específicos bi-laterais permanecem necessariamente insuficientes se não considerarem configurações políticas internacionais e a ação holandesa em outras regiões do globo. As ações bélicas holandesas em territórios portugueses foram sobretudo possibilitadas pela situação criada com a União Pessoal de Portugal com a Espanha. Problemas internos europeus, derivados do envolvimento da Espanha nos Países Baixos e marcados por tensões confessionais repercutiram em regiões extra-européias.
O contexto transatlântico dessa situação de lutas pelo domínio de esferas sob a administração portuguesa sob a égide real da Espanha vem sendo considerado nos estudos concernentes ao "Brasil Holandês". Tem-se voltado a atenção aqui sobretudo aos elos com ocorrências na África Ocidental, onde os holandeses também causaram transformações em áreas e esferas de influência portuguesa, e, consequentemente, nas suas relações com o Novo Mundo.
Por outro lado, pouco se tem atentado à ação dos holandeses no Oriente, comparando as mudanças ali ocorridas com as na África e no Brasil. A consideração do desenvolvimento histórico que levou em regiões do Índico e de outros mares orientais ao fim da supremacia portuguesa e sua substituição pela holandesa pode contribuir para um aprofundamento das análises referentes a transformações culturais na esfera atlântica. Sendo menos evidentes do que contextos que relacionam situações da África com o Nordeste do Brasil, podem dirigir a atenção a mecanismos inerentes a processos culturais, independentes de elos mais estreitos das respectivas populações.
O "Palácio Holandês" de Cochim e suas origens luso-indianas
A grande conquista dos holandeses na Índia foi a de Cochim, que era, no século XVII, a segunda maior cidade de importância após Goa. O grande monumento do "Cochim holandês" é o palácio de Mattancherry, da família real de Cochim, parte valiosa do patrimônio artístico-arquitetônico local, regional e mesmo nacional indiano. O palácio possui uma galeria com retratos dos rajás de Cochim e apresenta obras de arte, sobretudo pictóricas, que se inserem entre as mais significativas do Hinduismo, apesar de terem-se originado em época marcada por intensos contatos com europeus.
Embora designado como "palácio holandês", representa uma apropriação de construção proporcionada pelos portugueses e cuja construção apenas pode ser compreendida a partir da política portuguesa de assentamento e de relações com as autoridades nativas do século XVI.
A política portuguesa de introdução no mundo da Índia foi caracterizada pela participação em situações locais de tensão. Propondo, com as suas armas, auxílio contra inimigos, passavam a ganhar influência, levando, por fim, aos auxiliados a situações de dependência. Esse foi o caso, em linhas gerais, de Cochim. A família real havia transferido a sua sede de Mahodayapuram à localidade por motivo da ameaça representada pelo Zamorin de Kozhikode. A chegada de Vasco da Gama à Índia, em 1498, veio de encontro a interesses locais de poder, uma vez que oferecia apoio aos rajás relativamente às ameaças e aos ataques de seus inimigos. Explica-se, aqui, a condescendência que tiveram para com os portugueses sob Pedro Álvares Cabral, permitindo-lhes que estabelecessem uma feitoria e a seguir um assentamento militar na expectativa de receberem assistência nos seus problemas internos.
Segundo o estado atual dos conhecimentos, o palácio de Mattancherry foi construído pelos portugueses como presente ou prova de reconhecimento ou amizade ao rajá Vira Kerala Varma (1537-65). Tem-se salientado que o palácio reflete, na sua estrutura quadrangular marcada por um pátio central, o tradicional estilo da arquitetura da região. No centro do pátio, eleva-se um templo de Pazhayannur Bhagavati, a protetora da casa real de Cochim. Entretanto, na sua configuração atual, o seu exterior reflete modêlos europeus, lembrando construções dos Países Baixos e de regiões coloniais sob a influência holandesa, por exemplo no Caribe.
No seu interior, as ornamentações manifestam de forma surpreendente a continuidade da tradição cultural e religiosa local e até mesmo a sua intensificação nos círculos influentes da sociedade de Kochin em época marcada pelos contatos com europeus. O palácio surge como um testemunho de interrelações culturais e como monumento de significado para os estudos arquitetônicos em contextos globais.
Aquele que o contempla recorda-se de indícios documentais segundo os quais os portugueses permitiam a conservação de concepções e expressões culturais locais no íntimo das famílias não batizadas, ainda que repetidas vezes tenham impedido a sua prática pública e destruído templos e pagodes em cidades cristãs.
As representações pictóricas do interior do Palácio de Mattancherry, embora surgidas em época tardia, a partir do século XVII, pertencem às mais surpreendentes obras que narram fatos da tradição hindú. Entre as principais salas destaca-se o dormitório (sala Ramayana), a sala da coroação, a Kovinithalam e a câmara das mulheres, uma das mais profusamente oranmentadas com pinturas murais.
Arte mural do palácio extendeu-se por um longo período de tempo, do século XVI ao XVIII. Os temas, em geral da narrativa religiosa, incluem o Ramayana, em 7 painéis, no dormitório do rei (Palliyara), no lado sudoeste, com 48 pinturas ilustrando, entre outros momentos, o sacrifício de Dasaratha e o retorno de Sita de Lanka. Na câmara das mulheres, encontram-se representações de Krishnaleela, Siva Parvathi e Mehini. Há várias representações de cenas do Kumarasambhavarn e Parvathipannayam. Há, na área palacial, um templo a Krishna e outro a Shiva.
Com a chegada dos holandeses, em 1663, que ocuparam Mattancherry, o palácio foi remodelado. Entre as modificações, contam-se as salas do pavimento superior, entre elas a da coroação. As pinturas apresentam, entre outros motivos de particular força simbólico-poética do Hinduísmo, a coroação de Rama, a subida de Krishna ao Monte Govardhana, de Lakshmi na flor de lotus, de Vishnu dormindo, de Shiva e Parvati sentados, A sala Kovinithalam, do lado oposto daquela da coroação, apresenta pinturas de Vishnu, Shiva e Devi; uma outra sala distingue-se por cenas pintadas referentes a obras do poeta Kalidasa, em sânscrito.
Em 1752, estabeleceu-se um tratado das autoridades locais com Travancore. Com a invasão da costa do Malabar pelo sultão Tippu, em 1789, o rajá de Cochim tornou-se o seu tributário. Foi vencido pelos ingleses que passaram a controlar o Malabar. A área palacial passou posteriormente à Companhia Britânica das Índias Orientais.
Lápides mortuárias e cemitério holandês em Fort Kochi
Os vestígios concretos mais significativos da presença holandesa em Cochim encontram-se no cemitério holandês, situado em vasta área junto à praia.
A transformação ocorrida nos costumes de enterramento sob os holandeses se manifesta no estabelecimento desse cemitério, a mais antiga necrópole cristã da Índia. A data fixada no muro al do do portão de entrada indica o ano de 1724. Continuando a ser usado após a chegada dos inglêses, as suas 104 campas, sem cruzes, testemunham a implantação da Reforma no Malabar. Esse cemitério transforma-se, assim, em monumento de uma história colonial que sucedeu à época portuguesa, adquirindo significado para toda a Índia, tão marcada pela posterior presença britânica.
Na igreja de São Francisco, conservam-se lápides de maior interesse histórico e artístico, com inscrições em holandês e armas indicando a posição social de falecido.O fato de hoje contornarem a de Vasco da Gama adquire significado paradoxal, lembrando as dimensões da mudança de dominação da região por parte de potências européias, com as suas profundas consequencias religiosas e culturais.
Compreende-se, assim, que a restauração do cemitério de Cochim, cuja importância para a ação européia no Oriente justifica o apoio da Inglaterra e dos Países Baixos, represente uma das principais preocupações patrimoniais locais.
Cochim em imagens relativas a cidades e trajes do mundo nos Países Baixos
O Orbis habitabilis oppida et vestitus de Carlos Allard (1648-1709), publicado em Amsterdam, ao redor de 1695, adquire, com as suas ilustrações de cidades e de trajes do mundo habitado especial interesse para os estudos histórico-culturais. (Carolus Allard, Orbis habitabilis oppida et vestitus - Städte und Trachten der Bewohnten Welt, mit einer Einführung von R. A. Skelton, Kassel e Basel: Bärenreiter 1966 = Das Bild der Welt I/IV, ed. R. A. Skelton e A. O. Vietor).
Essa publicação inclui duas pranchas dedicadas a Cochim. Para grande parte das ilustrações de cidades pode-se reconhecer o modêlo do qual foram copiadas. As ilustrações da Ásia foram influenciadas sobretudo por obras histórico-geográficas de Olfert Dabber, difundidas entre 1670 e 1673. As pranchas são designadas como Coichun, na Indiae Malabarica, "ad cognominem fluvium, primariam civitatem, Batavorum jugo gaudentem" e Koichin, Kouchin. Uma delas apresenta uma batalha naval, provavelmente aquela que levou à vitória dos holandeses, com um panorama da cidade ao fundo. A segunda, dando atenção a tipos humanos, também tendo a cidade aos fundos, faz referência à riqueza de especiarias carregadas pela figura à esquerda
Também nas pranchas dedicadas ao Nordeste do Brasil, a obra apresenta uma imagem naval, com soberanos holandeses tendo Recife ao fundo (Nr. 93), e uma outra com tipos humanos. Aqui, porém, o texto documento o uso de trajes espanhóis em Pernambuco, diferentemente da representação de Cochim, na qual surgem nativos, não pessoas vestidas com trajes europeus.
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Indicação bibliográfica para citações e referências:
Bispo, A.A (ed.).. "Holandeses no Nordeste do Brasil e em Cochim.Monumentos indo-holandeses e imagens de cidades e trajes nos Países Baixos do século XVII". Revista Brasil-Europa: Correspondência Euro-Brasileira 131/4 (2011:3). http://www.revista.brasil-europa.eu/131/Cochim-Mattancherry.html
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