Gerhard Winkler: entrevista de R. Knipper. Revista BRASIL-EUROPA 130/22, Bispo, A.A. (Ed.). Academia Brasil-Europa. Organização de estudos culturais em relações internacionais





Revista

BRASIL-EUROPA

Correspondência Euro-Brasileira©

 

Gerhard Winkler nasceu em Bürstadt/Hessen, em 1962. Entre 1983 e 1988, estudou na Städelschule Frankfurt/Main, entre outros com Thomas Bayrle, Gerhard Wittner, Volker Tanner, Bruce McLean, Michael Croissant e Herbert Schwöbel. Em 1989/90, prosseguiu os seus estudos na École des Beaux-Artes, Marseille, com bolsa "Post-Diplôme". Em 1992 e 1993, como bolsista do Serviço Alemão de Intercâmbio Acadêmico (DAAD), desenvolveu trabalhos em Lisboa. Desde então vive alternadamente em Colonia e em Lisboa. Expõe as suas obras, entre outras, na Galerie Kuckei+Kuckei, em Berlim. A sua obra foi considerada em várias publicações, entre elas: Fahrende Hunde, Colonia: Darling Publications, 2010; stationtostation - timeaftertime, Colonia: Darling Publications, 2008; Nasse Katzen, Colonia: Darling Publications, 2006.




Rajka Knipper. Quando se fala em paisagem, pensa-se de início em amplas planícies, florestas, rios, natureza... apenas à margem em sinais de vida humana. A você, porém, parece interessar justamente os rastros da civilização, e, aqui, particularmente, cenários obscuros e cantos abandonados. O que o fascina nesses reversos de idílios?


Gerhard Winkler. Fora do contexto da arte, essas paisagens mais ou menos desconfiguradas por construções e esses cantos abandonados surgem como altamente banais e corriqueiros. Assim, por exemplo, pode-se supor que os caminhos labirínticos dos Correios sob a estação ferroviária de Frankfurt não são nem obscuros nem fascinantes para um empregado dos Correios, mas sim apenas a atmosfera comum de trabalho.
De resto, não tenho nada contra idílios no sentido clássico, até mesmo os fotografo às vezes. Só que os encontro apenas muito raramente. A regra é antes a de cantos abandonados...; em geral, posso dizer que as características de um local não representam um critério de seleção para mim. As razões que me levam a tirar uma fotografia de um local determinado e de uma situação determinada são muito complexas e diversificadas, para mim nem sempre totalmente claras. Às vezes vejo um local pela primeira vez e tenho imediatamente uma visão do mesmo como imagem fotográfica. Por outro lado, acontece às vezes já ter estado dez ou cem vezes num local até finalmente perceber que ali há algo que me interessa.

Simplificando, poder-se-ia dizer que faço uma foto quando tenho a esperança que dela possa originar-se um quadro.


R.K. Esse é um belo par de conceitos, a diferença entre foto e quadro. A mim me interessaria saber o que faz para você que uma situação encontrada se torne um quadro. Você acredita que a validade geral desempenha aqui um papel, ou seja, é importante para você que aquele que contempla nela veja algo similar?


G.W. Essa não é uma questão que muito me preocupa. Não é até mesmo necessária, pois um dos aspectos agradáveis desse tipo de fotografia é que com ela torna-se bastante difícil perder-se em algum universo particular e em mitologias, nas quais ninguém mais queira ou possa seguir-me. Uma árvore sobre uma rocha ao mar chama a atenção de quase qualquer um, mas apesar disso as associações são muito diferentes entre si.

O que, na verdade, constitui um quadro, isso também eu gostaria de saber. Apenas posso repetir que, ao fotografar, me é totalmente irrelevante saber se os motivos possam ser considerados como bonitos, feios, ameaçadores ou idílicos. Não penso nessas categorias. Nem mesmo o "interessante" é aqui um critério no qual posso confiar. Frequentemente, motivos desinteressantes e irrelevantes são muito mais expressivos do que aqueles espetaculosos que chamam a atenção. O que, porém, é importante, como creio, é o aspecto da estranheza: é bom quando vê-se na foto a surprêsa do fotógrafo.

Caso contrário, seria necessário entrar-se no campo metafisico: ou tem-se ali "algo" que gera o quadro, ou êle não está presente. Quando percebo esse "algo" num local ou numa situação, todo o resto torna-se secundário. Não posso então sentir mais esse local como feio, mas sim quase que obrigatoriamente como bonito.


R.K. Você é muito claro, assim, quanto à reação daquele que vê. À medida que você diz que espera que de uma foto possa surgir um quadro, Você acentua o processo do vir-a-ser da obra. Esse processo se prolonga para além do ponto no qual Você completa uma foto, a expõe ou publica?


G.W. Na verdade, seria razoável dizer: faz-se uma obra e se a entrega a seu destino. Por outro lado, temos suficiente fantasia para esperar que um ou outro quadro consiga manter-se em uma ou outra mente.


R.K. Acontece a você repetir fotografias após meses ou anos, ou a lembrança de uma foto já feita uma vez o mantém longe de realizar um novo registro?


G.W. Não, na verdade não. Há poucos locais que fotografei várias vezes através dos anos, e isso teve antes razões documentais.
Repetir não se pode, de qualquer forma; é conhecido que não se pode nadar duas vezes no mesmo rio.


R.K. Com repetir quero dizer não o fazer o mesmo registro, mas fotografar novamente no mesmo local ou na mesma situação, por exemplo, como você diz, para documentar mudanças. Isso é um conceito estabelecido na fotografia, mas que você, penso eu, não o segue no seu sentido superficial. Justamente em fotos de paisagens acontece frequentemente que um determinado ponto parece ser particular adequado; em viagens, o guia para nesses lugares, e todos fazem a sua foto, mas também fora das trilhas turísticas há locais que agradam, por um ou outro motivo, e dos quais sempre se encontra uma imagem.


G.W. Creio que mesmo nos caminhos turísticos mais amplos sempre existem tais possibilidades. Não sou da opinião que se possa esgotar locais fotograficamente. O Pão de Açúcar no Rio é fotografado várias milhões de vezes por ano, mas tenho a certeza que em algumas, ainda que em poucas fotos, revela-se como sendo continuamente um local extraordinário, mítico.


R.K. No seu procedimento de pintar a posteriori as fotografias, pensa-se naturalmente em antigos cartões postais coloridos. Você joga com a contradição aparente entre os seus motivos e a experiência visual daquele que vê? Você poderia também utilizar-se de cores não-naturais ou com técnica digital de manipulação de imagens fazer ilusões perfeitas e criar mundos.


G.W. Nunca me interessei por manipulações dirigidas; "enganos perfeitos" através de elaborações digitais acho, em geral, sem interesse e estéreis.

As razões que me levaram a colorir fotografias em preto-e-branco foram muitas. Começo, assim, antes com o motivo mais imediato, o que é mais simples: depois de ter-me dedicado, durante o meu estudo de artes à fotografia clássica e canonizada em preto-e-branco, faltaram-e as cores. Assim, trabalhei com filmes em cor e mandei-os desenvolver em laboratórios baratos. Não gostava, porém, nem das cores, nem da materialidade do papel. Algum dia, então, experimentei a técnica de tinta de albumina e lasura, e gostei do procedimento. Para mim, porém, é apenas uma técnica como outra qualquer. E como qualquer técnica também tem certas implicações, das quais apenas aos poucos adquire-se certa claridade. No início, porém, estão o processo e o material. Não se diz a si próprio: começo na semana que vem a colorir fotos em preto-e-branco por este ou aquele motivo.

Com a conclusão apressada, que continuamente se repete, de que a coloração de fotos lembra antigos e nostálgicos cartões postais já até mesmo me acostumei.


R.K. Trata-se, assim, ao lado da relação entre fotografia e pintura da procura de uma transmissão adequada de cor, se bem o entendi...Também o pintar por cima traz, como processo, algo individual à imagem. Lembrando mais uma vez na história da fotografia: o gestual do gum print queria também superar o aparentemente estéril, impessoal.


G.W. Gum print...talvez devesse aqui observar que não me considero alguém que queira segurar o estandarte da "velha e boa arte fotográfica". Também eu trabalho muito com imagens digitais. Mas é verdade que comecei a pintar fotografias também por querer fugir daquela perfeição para a qual os aparelhos e os materiais são concebidos. Tudo faço eu mesmo, até o desenvolvimento dos filmes, e no decorrer dos anos tive que aprender dezenas de possibilidades de como se pode arruinar uma fotografia nas suas diferentes fases, das suas origens à sua elaboração! E descubro ainda sempre novas possibilidades... Quase todas as minhas cópias possuem uma pequena falha, e demorou um pouco até que aprendi a aceitar o fato quase que como um resultado obrigatório do seu processo de produção.


Um outro aspecto, para mim importante dessa técnica é a de que a fotografia se torna mais vagarosa, que se "lhe é tirada o tempo". Para a maior parte das pessoas, uma fotografia é sempre algo que se produz rapidamente e que é vista ainda mas brevemente. Sou frequentemente questionado acerca do tempo que levo para uma coloração, e quando então respondo "um dia" ou mesmo "uma hora", muitos se surpreendem e até mesmo se decepcionam, por ser tão rápido.

Por outro lado, esse procedimento me possibilitou, desde o início, ter sido autarque na minha produção, ou seja, independente dos meios econômicos disponíveis de momento. O contexto entre a apresentação da fotografia (grande formatos, displays etc...) em exposições e o dinheiro não é tematizado com prazer, mas é, apesar de tudo, de fundamental significado. Uma pesquisa artístico-científica, orientada "materialisticamente" seria aqui certamente interessante...

A coloração de fotos em preto-e-branco representou também uma tentativa de ganhar alguma profundidade nesse medium tão bidimensional, de dar mais vida a esse material liso, estandartizado.


R.K. Isso posso compreender bem; tudo o que é demais liso surge logo como superficial e sem interesse. Agrada-me também os trabalhos em três partes, nos quais a perspectiva se desloca ou os elementos individuais surgem por vezes em margens dispostas uma ao lado da outra. Ao mesmo tempo, você também tem quadros como os das vacas ou da paisagem no Alentejo, criados em grande formato de panoramas. Foram resultado de decisões espontâneas ou há motivos para um ou outro caso?


G.W. Isso foi decidido por mim pela câmara que usei nas respectivas ocasiões, ou melhor, os seus fatos técnicos. Quando fiz as fotos trípartidas de paisagens, tinha apenas um câmara de formato médio de 6X6cm, com uma objetiva de 80mm; não tive outra solução do que fazer um panorama não-autêntico, desajeitado. As outras fotos mencionadas por Você fiz mais tarde, quando tinha já uma câmara de 6X7 cm, com objetiva de ângulo amplo.


Em geral, é preferível ter-se à disposição diversos meios técnicos, mas penso que há casos nos quais possivelmente é melhor não os ter; chega-se a idéias e soluções que não são necessariamente piores.


R.K. Qual é a importância dos títulos? Em geral, indicam apenas o local, mas "casa com jardim" para a imagem de um prédio de cimento numa paisagem árida revela um certo humor. A inserção de um reclame com a palavra "fé" na estação do subterrâneo Friedrichstrasse pode acionar uma corrente de idéias...os seus textos adquirem também vida a partir da atenção que Você parece emprestar a coisas secundárias.


G.W. Os títulos são simples designações de locais e têm caráter puramente informativo. Apenas de vez em quando permito-me fazer uma pequena brincadeira. Quanto à fotografa da estação de subterrâneo com o reclame, isso não se pode criar, apenas encontrar. A tematização do aparentemente secundário e do pequeno considero como uma das principais conquistas da Modernidade. Tanto na literatura como nas artes visuais. Pense-se apenas em Tschechow, Proust, Joyce e Pessoa...pode-se-ia aqui citar muitos outros. Não se pode avaliar o suficiente esses nomes que trouxeram a arte novamente à terra, sem cair no banal e no populista.


R.K. Você ser refere aqui a alguns dos grandes nomes. Quais são as suas fontes de inspiração? Não quero perguntar-lhe diretamente a respeito de modêlos, mas... você recebe atmosferas, deixa-se motivar no todo, e, no caso, antes pela literatura, talvez pela música, ou mais mesmo pelas artes visuais? São realmente os clássicos ou você compara o seu trabalho também com os de contemporâneos?


G.W. Não se deveria esquecer que esses "grandes" e "clássicos" muitas vezes, na sua época de vida, foram pessoas singulares, que ninguém considerava de forma especial. E eu não me referencio segundo esses nomes, quaisquer que sejam; fico apenas feliz que, por exemplo, a caixa com os escritos póstumos de Pessoa não tenha sido jogada no lixo. Não tenho modêlos, mas há muito que me ajuda a ir à frente e me encoraja, tanto em obras de contemporâneos como naquelas de épocas passadas. Sobretudo a ação direta e expressa de obras de arte é para mim de significado...aquele momento no qual se percebe imediatamente que aquilo que se vê apenas dificilmente será esquecido. Isso acontece às vezes, e nessa referência deve-se medir o próprio trabalho, ainda que represente uma marca bastante alta... é, a meu ver, o parâmetro mais confiável de qualidade.

A minha socialização cultural iniciou-se com a música Pop, vindo depois a literatura, mais tarde o filme e a arte visual. A literatura sempre foi para mim o mais importante.


R.K. Vários de seus quadros surgiram nos locais onde você viveu. Uma foto, porém, como as "Ilhas no Nilo" foi tirada durante uma viagem de férias. Você gosta de viajar e faz fotografias normais de férias para recordações, ou o aspecto da arte se encontra também aqui em primeiro plano?


G.W. "Fotografia de férias" soa bastante desvalorizador. Eu viajo muito e estou sempre no Exterior, e naturalmente faço fotografias durante esse tempo. Há não poucas fotos de altas intenções artísticas que são muito menos interessantes do que muitas "fotografias de férias".


(....)


Knipper, Rajka. "A respeito de fotografia: de uma entrevista com Gerhard Winkler". Revista Brasil-Europa: Correspondência Euro-Brasileira 130/22 (2011:2). http://www.revista.brasil-europa.eu/130/Gerhard_Winkler.html

 

Revista Brasil-Europa - Correspondência Euro-Brasileira 130/22 (2011:2)
Prof. Dr. A.A.Bispo, Dr. H. Hülskath (editores) e Conselho Científico
da
Organização Brasil-Europa de estudos teóricos de processos inter- e transculturais e estudos culturais nas relações internacionais (reg. 1968)
- Academia Brasil-Europa -
de Ciência da Cultura e da Ciência

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ISSN 1866-203X - urn:nbn:de:0161-2008020501

Doc. N° 2736


Gerhard Winkler


A respeito de fotografia: de uma entrevista com Gerhard Winkler

por

Rajka Knipper, Photographische Sammlung/Sk Stiftung Kultur, Köln


 

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Fotos:

Mercado Municipal (São Paulo), 2008, 105 x 141 cm

Niterói (Brasil), 2008, 87 x 119,5 cm

Rua Paraiso (São Paulo), 2008, 99 x 124 cm

Carro mortuário queimado (Olivais, Lisboa), 2008, 71 x 110 cm

Breslauer Platz, Colonia, 2008, 104 x 126 cm

Árvore acidentada (Castello Branco, Portugal), 2008, 52 x 84 cm

Chelas, Lisboa, 1993, 59 x 119,5 cm

Marinha Nr.27 (Foz de Lizandro, Portugal), 2003, 100 x 124 cm

S-Bahnhof Friedrichstrasse,  Berlim, 1997, 62 x 90 cm

Todos: reprodução em gelatina prata, coloridos, edição 2