Elise von Hopffgarten e o círculo de Hedwig Heyl. Revista BRASIL-EUROPA 130/3, Bispo, A.A. (Ed.). Academia Brasil-Europa. Organização de estudos culturais em relações internacionais





Revista

BRASIL-EUROPA

Correspondência Euro-Brasileira©

 
E. fon Hopfgarten
Há três quartos de século, o interesse pelo mundo de língua portuguesa experimentou uma singular intensificação. Esse desenvolvimento manifestou-se no intercâmbio acadêmico, em instituições, em publicações e eventos diversos. Inseriu-se em contextos políticos, sobretudo no âmbito das relações entre sistemas autoritários vigentes na Alemanha e em Portugal (Veja Tema em Debate nesta edição).


Um dos momentos desse processo de intensificação de elos foi o da passagem dos 10 anos do Instituto Alemão de Coimbra, em 1935. Essa comemoração deu ensejo a estudos que relembravam não apenas o vir-a-ser e os principais nomes dos estudos germanistas em Portugal, mas sim também a longa história dos laços culturais entre a Alemanha e Portugal. (Veja artigo a respeito nesta edição)


Um desses estudos, publicado em alemão, foi o de Elise Hermine (Hennoch) von Hopffgarten, de título "Intercâmbio Cultural Teuto-Português" ("Deutsch-portugiesischer Kulturaustausch", Geistige Arbeit 2, Berlim, 20 de janeiro de 1935). Foi um estudo dirigido ao leitor alemão, a serviço da formação de "visão do mundo" segundo o ideário político nacionalsocialista da época. O periódico em que foi publicado difundia textos voltados à pedagogia e à formação mental do ser alemão segundo conceitos da "alemanidade", ao caráter de povos, à biologia e psicologia das raças.


Elise von Hopffgarten e a formação da mulher


O nome de Elise von Hopffgarten, nascida em Altenburg, na Turíngia, é lembrado hoje pela sua atuação no movimento feminino alemão, em particular como fundadora e presidente da liga alemã de escoteirismo para meninas (Deutscher Pfadfinderbund für junge Mädchen), cargo que ocupou por muitos anos a partir de 1912. (Elise von Hopffgarten, Ein deutscher Pfadfinderbund für junge Mädchen - Organisation. Munique: Otto Gmelin, 1912/13) A essa organização integraram-se também grupos formados na tradição dos Wandervogel, imbuídos de ideais de cunho romântico voltados a uma vida mais próxima à natureza.


Diversificadas tendências do movimento da juventude (Jugendbewegung) passaram a relacionar-se mais especificamente com concepções escoteiristas, orientando-se segundo um movimento que visava a formação de jovens emancipadas e de orientação prática, imbuídas da vontade de assumir responsabilidade pela comunidade e pela nação.


Das publicações relativas ao escoteirismo de Elise von Hopffgarten, republicou-se, recentemente, o seu livro de diretrizes práticas para a juventude feminina "voltada para frente", de 1912 (Elise von Hopffgarten, Pfadfinderbuch für junge Mädchen: ein anregender, praktischer Leitfaden für die heranwachsende, vorwärtsstrebende weibliche Jugend, Baunach: Spurbuchverlag 1991).


Gotha. Foto A.A.Bispo

Círculo de Hedwig Heyl: movimento feminino, concepções raciais e colonialismo


Quanto à sua inserção no movimento político-cultural, sabe-se que Elise von Hopffgarten pertenceu ao ciclo de Hedwig Heyl. O papel relevante que aqui assumiu manifesta-se no fato de ter sido a organização de uma publicação em comemoração ao 70° aniversário de Heyl, em 1920 (Elise von Hopffgarten, ed., Hedwig Heyl: Ein Gedenkblatt zu ihrem 70. Geburtstage dem 5. Mai 1920 von ihren Mitarbeitern und Freunden, Berlim: Dietrich Reimer, 1920).


Essa proximidade a Heyl indica os elos entre o movimento antes pedagógico de formação de meninas de Elise von Hopffgarten, a história da emancipação feminina e o Colonialismo.


Heyl ainda é hoje lembrada como um dos principais nomes do movimento feminino alemão, organizadora do primeiro congresso internacional de mulheres, em 1904. Pela questionabilidade de algumas de suas concepções nacionalistas de cunho racista, porém, o seu nome tem passado a ser silenciado e mesmo afastado da memória coletiva.


Heyl empenhou-se em assuntos coloniais e colonialistas na Liga de Mulheres da Sociedade Colonial Alemã (Frauenbund der Deutschen Kolonialgesellschaft) nos últimos anos do Império Alemão e mesmo nos anos após à Guerra. Também Elise von Hopffgarten publicou no órgão da Liga Alemã das Mulheres (Deutscher Frauenbund) e que se entendia como uma "chamada ao despertar das mulheres" (Frauen-Weckruf).


Uma das preocupações de Heyl dizia respeito a uma deturpação racial das elites coloniais alemãs através do casamento de colonos com mulheres nativas. O enegrecimento da raça branca era vista como um risco. Empenhava-se, assim, na formação da consciência racial nos colonos, sobretudo da mulher. Via como necessário o envio de jovens alemãs às colonias para que se casassem com os colonos, de modo que estes não se unissem a nativas.


Intercâmbio Cultural Teuto-Português: alemães à época dos Descobrimentos


Elise von Hopffgarten inicia o seu texto sobre o Intercâmbio Cultural Teuto-Português salientando os antiquíssimos elos que uniam a "ciência alemã", o "espírito alemão de pesquisa", a "arte alemã da imprensa" e o "comércio alemão" com a Lusitânia.


No quadro que oferece, parte de uma obra alemã dedicada à história colonial portuguesa. Já em 1855, o cônsul geral alemão von Minutoli mencionara esses antigos vínculos entre a Alemanha e Portugal no seu livro sobre Portugal e suas Colonias, uma obra dedicada ao rei D. Pedro V (1837-1861).


No primeiro capítulo dessa obra, que Elise von Hopffgarten ainda considerava como de significado para a época, o cônsul alemão mencionara a participação alemã em Portugal à época dos Descobrimentos. Assim, ao círculo de náuticos, geógrafos e astrônomos ao redor do Infante D. Henrique pertenceu o cosmógrafo Martin Beheim, de Nürnberg.


Intensificação dos vínculos político-culturais teuto-portugueses no século XIX


Elise von Hopffgarten salienta o papel desempenhado pelo Príncipe-Consorte Fernando de Saxe-Coburg Gotha (1816-1885), marido de D. Maria II (1819-1853), a rainha portuguesa nascida no Brasil, filha de D. Pedro I (D. Pedro IV de Portugal, 1798-1834 ), no fomento da comunidade alemã de Lisboa.


Com o palácio da Pena, construido por Wilhelm Ludwig von Eschwege (1777-1855), D. Fernando criara um monumento arquitetônico de cunhgo simbólico para as relações teuto-portuguesas. Essa lembrança de Elise von Hopffgarten surge como particularmente significativa sob a perspectiva dos estudos brasileiros, uma vez que Willhem von Eschwege desenvolvera trabalhos em Minas Gerais, entre 1810 e 1821, ocupando uma posição de relevância na história das relações científico-culturais entre a Alemanha e o Brasil do século XIX.


Orientação do pensamento português à Alemanha


Elise von Hopffgarten aponta, no panorama que traça das relações culturais teuto-portuguesas, a mudança que Portugal experimentou, desde o século XIX, quanto à predominância da orientação de seus pensadores e escritores.


Se Portugal, no século XVIII, havia estado sob a influência francesa-classicista, passou a receber, no século XIX, influência literária da Alemanha e da Inglaterra. O inicio dessa reorientação teria sido a tradução de obras de Christoph Martin Wieland (1733-1813) por Filinto Elysio (1734-1819). Os elos com o universo alemão aprofundara-se com Antonio Feliciano de Castilho (1800-1875), o tradutor do Fausto, J. B. da S. L. de Almeida Garrett (1799-1854), João de Lemos Seixas Castelo Branco (1819-1890) e José Maria Eça de Queiróz (1845-1900). Grandes admiradores da vida intelectual alemã haviam sido Antero de Quental (1842-1891) e Abílio M. Guerra Junqueiro (1850-1923).


Com relação às personalidades da época, Elise von Hopffgarten salienta Eugénio de Castro e Almeida (1869-1944, então reitor honorário da Universidade, político, filósofo, poeta e tradutor de Goethe. Pelo "Ano Goethe" de 1932,  o Prof. Dr. João de Providência e Costa (1893-1965) publicara as baladas de Goethe. Representante de uma corrente marcada pela filosofia católica era Joaquim Mendes dos Remédios (1867-1932).


Gotha. Foto A.A.Bispo

Interesse por Portugal de alemãs: Carolina Michaelis (1851-1925) e Luise Ey (1854-1936)


Elise von Hopffgarten lembra que, desde a publicação de "Portugal e suas Colonias", no século XIX, vários autores alemães haviam estudado e escrito sobre a era das navegações portuguesas.


Lembra também que o desenvolvimento da história intelectual portuguesa foi acompanhado por historiadores, cientistas e biógrafos alemães, entre êles Christian Friedrich Bellermann (1793-1863), Ferdinand Joseph Wolf (1796-1866), Friedrich Diez (1794-1876), Emanuel Geibel (1815-1884) e Adolf Friedrich von Schack (1815-1894), Karl von Reinhardstöttner (1847-1909). A História de Portugal (1836) de Heinrich Schäfer (1794-1869) inspirara a Alexandre Herculano (1810-1877).


No campo da história e da pesquisa cultural, Elise von Hopffgarten destacou o significado da pesquisadora alemã, Carolina Michaelis de Vasconcellos. Em 1910,  dando continuidade, no Exterior, ao trabalho de pesquisa e de ensino de seu pai e seu irmão, tornara-se a primeira mulher a ser nomeada Professora da Universidade de Coimbra para a cátedra de Filologia Românica.  A ela se devia, juntamente com Teófilo Braga (1843-1924), a monumental História da Literatura Portuguesa. Nessa tradição, Elise von Hopffgarten situa uma outra personalidade feminina, Luise Ey. Tendo vivido e atuado em Portugal, já muito contribuira ao intercâmbio teuto-português como tradutora e professora de português em Hamburgo. (Veja artigo nesta edição)


Intercâmbio Alemanha-Portugal e a abertura de caminhos aos estudos brasileiros


Elise von Hopffgarten salienta, assim, que, com Carolina Michaelis, já antes da Primeira Guerra iniciara-se um intenso intercâmbio entre a Universidade de Coimbra e as universidades alemãs. Vultos principais nesse desenvolvimento haviam sido o já citado João de Providencia e Costa e Ferrand Pimentel d'Almeida (1885-1962), que também ocupou a cátedra de lingua portuguesa e literatura na Universidade de Berlim.


A autora salienta que momento importante nesse desenvolvimento fora a agregação, em 1925, de um Instituto Alemão à Universidade de Coimbra, intensificando-se desde então o intercâmbio cultural com a Alemanha, sobretudo com a Universidade de Berlim. Com o apoio de editores alemães, criara-se uma biblioteca especializada, voltada às relações recíprocas entre a Alemanha e Portugal.


Todos os anos, de fins de julho a fins de agosto realizavam-se curso de férias, também visitados por muitos alemães. O aprendizado da língua e o estudo da literatura abriam o caminho para a profissão filológica nos países latino-americanos.


Para a autora, essas possibilidades locais e o trabalho já realizado deviam ser mais aproveitados. Seria altamente desejável que a ciência alemã e os estudantes alemães utilizassem mais essa oportunidade.


Para Elise von Hopffgarten, a fase então que se vivenciava de intensificação extraordinária das relações entre a Alemanha e Portugal sob o govêrno ditatorial de António de Oliveira Salazar (1889-1970) não podia ser entendida sem esse desenvolvimento do intercâmbio cultural teuto-português em Coimbra, uma vez que o próprio Salazar havia sido formado nesse universo mental. Tratava-se de um mundo marcado há décadas pela influência alemã em influentes círculos acadêmicos e na juventude estudantil.


Por fim, Elise von Hopffgarten sugere a seus leitores do Geistige Arbeit o significado transcendente do intercâmbio cultural teuto-português desenvolvido em Coimbra: a Universidade de Coimbra era o centro intelectual de um país que, apesar de suas pequenas dimensões, possuia ainda um extraordinário império colonial.


1935: 10 anos do falecimento de Carolina Michaelis


O jornal Berliner Tageblatt, de 20 de novembro de 1935, publicou um artigo de título "Carolina Michaelis: uma erudita alemã em Portugal" difundindo, na Alemanha, as solenidades realizadas em Coimbra em sua memória. A autora do texto, assinada pelas iniciais E.H., foi, pelo que tudo indica, Elise von Hopffgarten.


Salienta-se, neste artigo, que a valorização da cultura alemã em Portugal nunca tinha sido tão grande como naqueles anos. Pouco depois de passadas as comemorações pelos dez anos do Instituto Alemão, a Universidade de Coimbra se preparava para homenagear aquela que havia sido a mentora dessa instituição, a Professor Dr. D. Carolina Michaelis de Vasconcellos, cuja data de morte caia no mês de novembro. Nessa ocasião, seria lançada uma publicação comemorativa, à qual colaboravam importantes personalidades da vida cultural de Portugal e especialistas em estudos lusófonos dedicada àquela pesquisadora, nascida em renomada família evangélica de filólogos de Berlim. Essa germanista tinha visto a sua tarefa de vida recuperar os valores culturais caídos em esquecimento em Portugal e implantá-los de tal modo nas mentes de seus estudantes que possibilitava uma continua renovação dos laços entre a Alemanha e Portugal. Carolina Michaelis havia iniciado a sua carreira científica quando o historiador de artes Professor Joaquim de Vasconcellos a levara ao Porto. Para possibilitar-lhe uma cátedra na Universidade de Coimbra, o Estado português criara uma lei de exceção, permitindo que uma mulher, e ainda mais uma estrangeira, pudesse ser nela admitida.



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Indicação bibliográfica para citações e referências:
Bispo, A.A.."A mulher e o movimento feminino nas suas inserções em correntes nacionalistas e colonialistas do mundo de língua portuguesa:o 'Intercâmbio Cultural Teuto-Português' de Elise Hermine von Hoppfgarten (1869-?) e o círculo de Hedwig Heyl (1850-1934). Revista Brasil-Europa: Correspondência Euro-Brasileira 130/3 (2011:2). http://www.revista.brasil-europa.eu/130/Elise_von_Hopffgarten.html



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Revista Brasil-Europa - Correspondência Euro-Brasileira 130/3 (2011:2)
Prof. Dr. A.A.Bispo, Dr. H. Hülskath (editores) e Conselho Científico
da
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- Academia Brasil-Europa -
de Ciência da Cultura e da Ciência

e institutos integrados

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ISSN 1866-203X - urn:nbn:de:0161-2008020501

Doc. N° 2717





A mulher e o movimento feminino nas suas inserções em correntes nacionalistas e colonialistas do mundo de língua portuguesa:
o "Intercâmbio Cultural Teuto-Português" de Elise Hermine von Hoppfgarten (1869-?) e o círculo de Hedwig Heyl (1850-1934)


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