N. Rodrigues Gomes: Divineiros de Joanópolis em Caraguatatuba. Revista BRASIL-EUROPA 130/24, Bispo, A.A. (Ed.). Academia Brasil-Europa. Organização de estudos culturais em relações internacionais





Revista

BRASIL-EUROPA

Correspondência Euro-Brasileira©

 
Divineiros. Foto N.R.Gomes

Como vem sendo relatado em diferentes edições desta revista, a cidade de Joanópolis, no Estado de São Paulo, destaca-se no panorama brasileiro pela extraordinária intensidade dos esforços de revitalização consciente de expressões culturais tradicionais. Com a participação de estudiosos de várias áreas culturais e especialistas vinculados à Comissão Paulista de Folclore, criou-se um núcleo de estudos e de prática de expressões culturais que representa um projeto único de pesquisa aplicada e de participação popular na reflexão cultural.


A mentora dessa iniciativa é a Profa. Neide Rodrigues Gomes, pesquisadora que vem marcando há décadas o ensino do Folclore em instituições superiores e determinando ações e movimentos de órgãos voltados a assuntos culturais.


Criando o "Ponto de Cultura 'Ora Viva São Gonçalo", em Joanópolis, com o apoio da Comissão Paulista de Folclore, essa pesquisadora procura dar oportunidade a todos os interessados em obter conhecimentos sobre a cultura tradicional brasileira através de aulas e oficinas orientadas por pesquisadores.


Os participantes são levados a refletir sobre a importância do estudo das expressões culturais tradicionais a partir de uma concepção de Folclore que o considera como cultura viva. Segundo essa concepção, o Folclore, apesar de transformar-se através das vivências, experiências e do desenvolvimento social das comunidades, não perde o seu elo com a tradição.


Assim, em 2010, ofereceu-se um curso gratuito com oito aulas, tratando-se dos seguintes temas: "O folclore e a importância de sua preservação", "A religiosidade no Folclore", "O Divino Espírito Santo no Brasil", "Africanidades", "Ciclo junino", "Cururus, modas de viola, música de raíz", "Comemorações do mês do folclore" e "A utilização das plantas no Folclore". As aulas foram acompanhadas por práticas de culinária tradicional e de oficinas nas quais se prepararam bonecos, bandeiras e estandartes, máscaras, instrumentos musicais, brinquedos, flores e implementos.


O projeto inclui um curso de música com a duração de seis semestres, divididos em seis módulos, abrangendo questões teóricas, prática musical, história da música, em particular da brasileira, folclore musical infantil, música de grupos rituais, métodos de musicalização de crianças, e aprendizado de instrumentos de percussão e de danças folclóricas para o aproveitamento do folclore nas escolas. Esse curso é oferecido a professores da rêde municipal e estadual de ensino, assim como a outros interessados.


O empenho de revitalização refletida de expressões culturais tradicionais na vida comunitária tem levado à participação intensa dos grupos nas festas locais e regionais, em particular daquelas do calendário religioso. Assim, Joanópolis tem-se tornado centro significativo do cultivo de práticas tradicionais de Natal e Reis, da Semana Santa, do culto a santos e do Carnaval. Uma particular atenção vem recebendo, sobretudo, as expressões relacionadas com a adoração ao Espírito Santo. Nesse sentido, conseguiu-se reintroduzir antigas práticas de "cavalgadas" com base em materiais recolhidos da tradição e da literatura especializada. Ao mesmo tempo, os registros áudio-visuais dessas realizações dão ensejo a novos estudos.


No texto que acompanhou o DVD que documentou a Cavalgada do Divino Espírito Santo de 2010, a sexta da série, Neide Rodrigues Gomes inseriu essa iniciativa na história dessa expressão em Portugal e no Brasil. Salientou que, no Estado de São Paulo, as expressões festivas de Pentecostes podem ser observada em várias cidades e regiões. Assim, em Piracicaba e em Tietê, os grupos dos Divineiros e Foliões realizam viagens com barcos e batelões pelo rio, percorrendo a região ribeirinha e angariando esmolas para a realização da festa.


Em Joanópolis, tem-se notícias, em jornais, que a festa já se realizava em 1911. Os Divineiros reuniam-se então semanalmente em alguma fazenda, onde procediam a rezas, cantorias e toques de viola. Durante sete ou oito semanas, os cavaleiros saíam com as suas bandeiras, o que representou, até 1935, a mais significativa expressão festiva da região.


Em algumas cidades brasileiras, tais como Parati, São Luís do Paraitinga, Mogi das Cruzes e Pirenópolis, as expressões festivas do Divino Espírito Santo contribuem para a vinda de visitantes. Da mesma forma, espera-se que se tornem um dos motores para o desenvolvimento turístico-cultural da estância de Joanópolis.



Divineiros. Foto N.R.Gomes


Da correspondência: Encontro Regional das Irmandades e Celebrações do Divino Espírito Santo

A Abaçai Cultura e Arte, em parceria com a Comissão Paulista de Folclore, a Diocese de Caraguatatuba e a Fundação Cultural de Caraguatatuba, promoveu o Encontro Regional das Irmandades e Celebrações do Divino Espírito Santo, nos dias 9 e 10 de abril do corrente ano.


Motivados pelo DVD lançado sobre a 6ª Cavalgada do Divino Espírito Santo de Joanópolis, os organizadores do evento convidaram os Divineiros  de

Joanópolis (Matutos da Mantiqueira e Grupo Cantante Adoremus) para participarem desse importante encontro.

Foram dois dias maravilhosos com trocas de informações e de conceitos sobre a importância do Divino Espírito Santo na vida das pessoas, das comunidade e de todo universo.

Foi proferida uma belíssima palestra com Toninho Macedo sobre a importância do culto do Divino para o universo e o link com a Cultura da Paz.


Foram momentos de grande emoção quando a comitiva de Joanópolis, com 50 pessoas, apresentaram-se cantando o seu repertório do Divino e portando suas Bandeiras, que foram levadas pela comunidade local. Os seus membros, com muita fé, beijavam e davam nós nas fitas para pedir e agradecer ao Divino Espírito Santo a oportunidade de estarem participando desse encontro de fé, religiosidade e trocas de experiências.


À noite, celebrou-se Missa onde os Matutos da Mantiqueira e o Grupo Adoremus, com a participação do João Samuel, do Coral Jovem da Matriz, que fêz um solo do Santo. Numa atitude inusitada, o Pe. Alessandro, pároco da Igreja do Divino Espírito Santo, solicitou que a música fosse cantada mais uma vez. Durante duas horas foram vivenciados momentos de grande emoção, com as Bandeiras de Joanópolis e de outros municípios que, nas mão dos fiéis, percorriam a nave da igreja do Divino Espírito Santo, espalhando suas graças e suas bênçãos.

Após a Missa. houve mais um momento de grande emoção, quando foi realizada uma caminhada à luz de velas, com o povo cantando ao som dos Violeiros de Joanópolis.

No domingo pela manhã, após a Missa, houve uma Cavalgada onde cerca de 40 cavaleiros de Caraguatatuba, mais uma vez, portando Bandeiras, desfilaram pelas ruas do município, num grande encontro de solidariedade e fé.

Após esse episódio, a Orquestra Matutos da Mantiqueira fez uma bela apresentação, sendo logo após oferecido o tradicional "Afogado” a todos os presentes. No período da tarde, houve uma mesa redonda com alguns estudiosos do Espírito Santo, onde foi feita uma avaliação desse Encontro das Comunidades e Celebrações do Divino Espírito  Santo.


Para o grupo de Joanópolis foi uma experiência inesquecível e tem-se a certeza que se destacou entre as nove cidades que participaram desse evento. 


Pe. Mauro José Ramos
"Sob as asas do Padroeiro"

Já era de tarde na Igreja do Espírito Santo. Tudo sendo preparado nas vésperas da grande festa do Padroeiro Alado. Um lugar onde o povo, na doação e na disponibilidade elege o vermelho como a cor oficial da fé. Em tempos de pentecostes tudo tem a cor do fogo e do vento o que era velho se reveste de atualidade.

No refeitório do salão, mulheres dispostas rezam e cantam enquanto modelam com as mãos os contornos apetitosos do tradicional bolinho de milho. Contas maiores de um terço demorado e muito gostoso.

Pombas e gatos fazem as pazes e passeiam juntos por entre pernas e por baixo das mesas de salgados em busca de migalhas caridosas que alguma senhora deixa cair de propósito.

Panelas, assadeiras, tigelas e colheres de pau se resvalam na cozinha onde, diante dos fogões e aventais, são confeitados os mais deliciosos quitutes.

Mendigos e pobres atraídos pela movimentação de gente e de comida, elegem a catedral como morada provisória. Nesse tempo é preciso que o Santo Pássaro agigante suas asas para que todos os filhos caibam debaixo e ninguém fique fora. E no bico generoso ele sempre traz pão para que ninguém fique com fome.

Martelos, fios, ferros e lonas disputam espaço com homens solidários na montagem das barracas, do som e da iluminação. Carinho especial de quem quer acolher e ser acolhido.

Papel, cola, tinta e criatividade enfeitam de fé tetos, palcos e altares. Correria, barulho e pessoas unidos no único intuito de preparar e deixar bonito. Amizades antigas são reatadas. Velhas histórias são recontadas. Até mesmo a tradição do Fogado e do Imperio é restaurada.

Os padres circulam apressados, contentes, preocupados e agradecidos por entre os fiéis. No ritmo sacerdotal bailam com a comunidade a coreografia ministerial. Um olhar mais apurado faz logo perceber presbíteros como os braços estendidos, com o coração palpitante e com o olhar de caridade. Há sempre quem necessite de bênção, conselhos, carinho e atenção.

Nesse período a igreja se arruma como uma dama para o baile. Com elegância ela organiza os seus brincos de pombinhas coloridas espalhadas por todo o salão. Os babados de seu belíssimo vestido misturam-se às franjas das bandeiras do Divino. No decote discreto do corte de cetim ela coloca um lindo broche, trata-se de um delicado pássaro de ouro branco, cujas penas das pequenas asas são mescladas pelo brilho da mais fina prata, no lugar do olho ele traz pedras ofuscantes de um precioso e trabalhado diamante. A pequena jóia em forma de pomba, representando a terceira pessoa da Santíssima Trindade, aninha-se no seio de sua própria esposa. É bonito de ver!

O Espírito Santo é precioso dom para a Igreja. É como um camafeu reluzente dentro de um coração feito de um fino cristal. Há que se cuidar da fragilidade do cristal para que se não perca a luz do camafeu.

É bonito de ver uma paróquia em festa e em construção, revestida de vento e de fogo. Fazendo arder  não só o coração de seu povo, mas, sobretudo, incendiando de orgulho e de felicidade o coração do próprio Deus!






Rodrigues Gomes, Neide. "Divineiros de Joanópolis em Caraguatatuba". Revista Brasil-Europa: Correspondência Euro-Brasileira 130/24 (2011:2). http://www.revista.brasil-europa.eu/130/Divineiros_de_Joanopolis.html

 

Revista Brasil-Europa - Correspondência Euro-Brasileira 130/24 (2011:2)
Prof. Dr. A.A.Bispo, Dr. H. Hülskath (editores) e Conselho Científico
da
Organização Brasil-Europa de estudos teóricos de processos inter- e transculturais e estudos culturais nas relações internacionais (reg. 1968)
- Academia Brasil-Europa -
de Ciência da Cultura e da Ciência

e institutos integrados

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ISSN 1866-203X - urn:nbn:de:0161-2008020501

Doc. N° 2737



Pesquisa cultural aplicada e revitalização de tradições - da correspondência

Divineiros de Joanópolis em Caraguatatuba



Prof. Neide Rodrigues Gomes
Comissão Paulista de Folclore, Ponto de Cultura "Ora Viva São Gonçalo"

 

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