O "Dia da Raça" ibero-americano no III Reich. Revista BRASIL-EUROPA 130/13, Bispo, A.A. (Ed.). Academia Brasil-Europa. Organização de estudos culturais em relações internacionais





Revista

BRASIL-EUROPA

Correspondência Euro-Brasileira©

 


O dia 12 de outubro é uma das datas mais comemoradas na Espanha e no continente americano. No passado, e mesmo no presente, é dedicado não apenas à lembrança histórica do Descobrimento. É considerado "Dia da Raça", uma designação que clama por atenção devido às implicações que traz. Esse termo e suas concepções culturais inerentes não têm sido muitas vezes suficientemente considerados. Os contextos ibéricos e íbero-americanos em que se insere e o costume do seu emprêgo fazem-nos parecer sem maior significado a ser questionado.


É útil, assim, observá-los à distância de um outro contexto. Sendo da consciência geral as consequências do uso de concepções relacionadas com o conceito de "raça" no regime nacionalsocialista alemão, o pesquisador passa a considerar o uso da designação "Dia da Raça" com mais cuidado. Passa a constatar, aqui, a simpatia com que os nacionalsocialistas viram o "Dia da Raça" hispânico e íbero-americano e as afinidades de concepções e visões do mundo e do homem que nele viram.


Essa admiração nazista pelo "Dia da Raça" ibérico manifestou-se em solenidades levadas a efeito em Berlim, no dia 12 de outubro de 1935. O jornal nacionalsocialista Völkischer Beobachter, publicou, um dia depois, um extenso relato dos eventos. ("Der' Tag der Rasse': Eine Rede Botschafters von Ribbentrop iom Ibero-Amerikanischen Institut", Völkischer Beobachter, 13. Oktober 1935).


O comentarista registra a grande assembléia que se reuniu no salão de festas do Instituto Ibero-Americano de Berlim, no antiga Marstall. No Marstall, antigo edifício que havia sido reformado em 1865/6, encontrava-se instalada desde 1920 a Biblioteca da Cidade de Berlim. Nada menos do que 22 países da esfera íbero-americana ali se fizeram representar. Da Alemanha, estiveram presentes representantes de repartições do Império e do Estado, assim como de organizações do Partido Nacionalsocialista.


Tag der Rasse


General Wilhelm Faupel (1873-1945) e a esfera íbero-americana


As comemorações foram abertas pelo General Wilhelm Faupel (1873-1945), diretor do Instituto desde 1936 e que, com interrupção entre 1936 e 1938, o seria até 1945. Faupel possuia uma vasta experiência na política colonial. Como militar, havia atuado na Ásia e na África à época do Império guilhermino. Antes da Primeira Guerra havia desenvolvido atividades como conselheiro militar na Argentina e, posteriormente, entre 1921 e 1926. Chegou a ser oficial e inspetor geral da armada peruana, em 1926. Tinha, assim, conhecimentos e experiência do mundo ibérico, o que levaria a representar a Alemanha na Espanha, no ano seguinte de 1936. Continuou a manter estreitos contatos com questões coloniais, pertencendo à direção central do Volksbund für das Deutschtum im Ausland.


De início, Faupel saudou, entre outros, os embaixadores da Bolívia, da Colombia, de Cuba, do México, de Portugal, de Santo Domingo, do Uruguai e da Venezuela, assim como representantes do Chile e da Guatemala. O representante do Brasil desculpou-se por telegrama dirigido ao Secretário Geral do Instituto Íbero-Americano, Dr. Karl-Heinrich Panhorst (1899-1986), que o leu em público. Panhorst, que atuava no instituto desde 1926, seria despedido em 1938 por "não ser confiável politicamente" pelo regime.


Em telegramas, manifestaram o seu interesse pela solenidade do "Dia da Raça" Rudolf Heß (1894-1987, como representante do "Führer", o Secretário de Estado Hans Heinrich Lammers (1879-1962) e o Gauleiter Ernst-Wilhelm Bohle (1903-1960) da Organização para o Exterior do partido.


U.F.W. Joachim von Ribbentrop (1893-1946) e a "união de destino" racial


Após uma introdução musical, o General Faupel considerou o significado do "Dia da Raça" e do cultivo das relações teuto-íbero-americanas. A seguir, o Embaixador U.F.W. Joachim von Ribbentrop (1893-1946) tomou a palavra.


Entre outros pontos, von Ribbentrop declarou que a Alemanha sempre tivera compreensão e grande admiração pelos feitos dos povos ibéricos em todos os campos. Isso podia ser afirmado, uma vez que alemães haviam colaborado com as suas melhores forças ao desenvolvimento dos países latino-americanos. Esses elos assim criados entre a Alemanha e o novo mundo sul-americano nunca haviam sido perdidos, e a história das cidades da Hansa, sobretudo Hamburgo, não podia ser, nos seus fundamentos, considerada independentemente da história dos países latino-americanos!


Para von Ribbentrop, os alemães sabiam, além do mais, que tanto à época da Primeira Guerra Mundial como também nos difíceis anos de após-Guerra, esses antigos elos de amizade com os países latino-americanos não tinham sido cortados, mas haviam-se tornado até mesmo mais estreitos.


Afirmando que não se podia esquecer que alguns íbero-americanos haviam apoiado os esforços gigantescos feitos na Alemanha para recuperar-se, von Ribbentrop sugere a simpatia de latino-americanos pelo movimento nacionalsocialista. Se, após 16 anos de luta de Adolf Hitler, a Alemanha havia "reconquistado a sua liberdade", isso apenas havia sido possível pelo fato de ter-se reconhecido a validade das idéias da "união de destino" do povo alemão e da comunhão racial e povística (rassischer und völkischer Gemeinschaftsgedanken).


Se, portanto, o mundo íbero-americano festejava naquele dia o "Dia da Raça", ou seja, o do elo de destino das raças íbero-americanas, então seria sobretudo esse pensamento de comunhão que, na nova Alemanha, não apenas era visto com respeito e simpatia; esse pensamento causava na Alemanha "viva ressonância".


Para von Ribbentrop, a Alemanha, orgulhosa de sua história e de sua própria cultura, sempre iria ver com a maior atenção a vida própria nacional e o ideal de liberdade de outros povos. Grandes homens e heróis da liberdade, como Simón Bolivar (1783-1830), José de San Martin (1778-1850), Antonio José de Sucre y Alcalá (1795-1830), cujos retratos eram vistos na sala de festas do instituto, assim como o grande poeta espanhol da liberdade Lope de Vega (1562-1635), que estava sendo lembrado naqueles dias,  teriam sempre um lugar permanente na memória do povo alemão.


Por outro lado, também o mundo íbero-americano, na sua totalidade, sempre teve interesse pelo destino alemão, pelo trabalho alemão, pela vida intelectual alemã, como demonstrava ali o retrato de Alexander von Humboldt (1769-1859) na sala do Instituto.


O Instituto Íbero-Americano havia conquistado, segundo von Ribbentrop, merecimentos imorredouros no cultivo dessas antigas relações. Era causa de alegria e satisfação ouvir relatar que alemães eram contados entre os melhores elementos da vida dos povos íbero-americanos e que muitas obras da técnica alemã, da ciência alemã e do trabalho alemão davam provas da diligência e da boa cooperação entre os irmãos de sangue germânico e os povos latino-americanos. Esses fatos históricos apenas podiam solidificar o desejo que essas relações se tornassem cada vez mais estreitas e amigas.


Este seria o anelo do povo e do govêrno alemão, e nesse sentido tinha von Ribbentrop o encargo e a honra de transmitir ao Instituto Íbero-Americano e às outras instituições que participavam do ato festivo as mais cordiais saudações de Hitler.


A seguir, tomou a palavra o Diretor Ministerial e Vice-Secretário de Estado Siegmund Kunisch (1900-1978) em nome do Ministro do Império, Bernhard Rust (1883-1945), ausente por doença.


Vozes latino-americanas e recepção do Embaixador da Espanha


Falaram, a seguir, o enviado de Cuba, Dr. Aurelio Concheso a respeito do significado do "Dia de la Raza" para a coesão interna dos povos íbero-americanos. O orador seguinte, o enviado da Venezuela, Dr. Eduardo J. Dagnino Penny, considerou a grande obra dos espanhóis na América. A sessão foi encerrada com um discurso do Embaixador da Espanha, Dr. Francisco Agramonte y Cortijo, que salientou a honra que representava a solenidade então realizada em Berlim.


Por motivo do "Dia de la Raza", e sendo este considerado como feriado nacional espanhol, o Embaixador Francisco Agramonte y Cortijo e senhora ofereceram uma recepção à tarde do 12 de outubro. Estiveram presentes os representantes diplomáticos e consulares de todos os estados íbero-americanos com as suas esposas, assim como de numerosos membros do corpo diplomático da América Central e do Sul.


Presentes estiveram também o Embaixador von Ribbentrop, os conselheiros Fritz Menshausen e Ernst Pönsgen, o conselheiro de legação Dumont do Serviço do Exterior, o Major Otto von Kursell (1884-1967) e referentes do Ministério da Propaganda. Além desses, o jornal salientou a presença do presidente do Instituto Íbero-Americano, do Secretário Geral desse Instituto, além do General a.D. Ewald v. Massow (1869-1942) e Richared Zeitßig, diretor de departamento da organização para o Estrangeiro do partido nacionalsocialista.



Berlin. Foto A.A.Bispo©






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Indicação bibliográfica para citações e referências:
Bispo, A.A. "O 'Dia da Raça' ibérico e iberoamericano na Alemanha do III Reich. Revendo cerimônia no Instituto Ibero-Americano de Berlim (1935). General Wilhelm Faupel (1873-1945), U.F.W. Joachim von Ribbentrop (1893-1946) e a 'união de destino racial'. Revista Brasil-Europa: Correspondência Euro-Brasileira 130/13 (2011:2). http://www.revista.brasil-europa.eu/130/Dia_da_Raca.html


  1. Observação: o texto aqui publicado oferece apenas um relato suscinto de trabalhos. Não tendo o cunho de estudo ou ensaio, não inclui aparato científico. O seu escopo deve ser considerado no contexto geral deste número da revista. Pede-se ao leitor que se oriente segundo o índice desta edição e o índice geral da revista (acesso acima). Pede-se ao leitor, sobretudo, que se oriente segundo os objetivos e a estrutura da Organização Brasil-Europa, visitando a página principal, de onde obterá uma visão geral e de onde poderá alcançar os demais ítens relativos à Academia Brasil-Europa de Ciência da Cultura e da Ciência (culturologia e sociologia da ciência), a seus institutos integrados de pesquisa e aos Centros de Estudos Culturais Brasil-Europa: http://www.brasil-europa.eu


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Revista Brasil-Europa - Correspondência Euro-Brasileira 130/13 (2011:2)
Prof. Dr. A.A.Bispo, Dr. H. Hülskath (editores) e Conselho Científico
da
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- Academia Brasil-Europa -
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Doc. N° 2727




O "Dia da Raça" ibérico e iberoamericano na Alemanha do III Reich
Revendo cerimônia no Instituto Ibero-Americano de Berlim (1935) 
General Wilhelm Faupel (1873-1945)
U.F.W. Joachim von Ribbentrop (1893-1946) e a "união de destino racial"

Ciclo de estudos Portugal-África-Alemanha-Brasil em Frankfurt a.M. e outras cidades pelos
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