Popular songs em NY. BRASIL-EUROPA 129. Bispo, A.A. (Ed.). Organização de estudos culturais em relações internacionais





Revista

BRASIL-EUROPA

Correspondência Euro-Brasileira©

 

Como tratado em outro artigo desta edição, o recital de Guiomar Novaes no Aeolian Hall de Nova York, a 14 de fevereiro de 1920, pode ser considerado como evento de excepcional relevância numa história da música no contexto das relações entre o Brasil e os Estados Unidos.

Levado a efeito no início de 1920, abriu a década que entraria na história americana como a dos anos dourados da vida musical, em particular de Nova York.

Para avaliar adequadamente o significado desse evento sob perspectivas culturais, torna-se necessário considerar o contexto geral da vida musical em que se efetuou, a atmosfera reinante na metrópole do país que saíra triunfante da Primeira Guerra.

Obras dedicadas à história da música nos Estados Unidos, salientam o significado desses anos no desenvolvimento de características de uma vida musical e de expressões que determinaram a imagem da nação e de sua cultura, em particular a da música popular nas suas diferentes modalidades, do jazz e da valorização do popular na esfera erudita.

Muitos cantores europeus, que se afastaram da Europa devido à catacombe bélica e procuraram campo de atividades mais propício na metrópole americana, contribuiram a que, após a guerra, Nova York se transformasse em centro caracterizado pelas atividades de profissionais de diferentes nações.

Esses cantores e professores, adaptando-se ao meio, proclamavam, em anúncios, as suas habilidades e as suas experiências, mencionando frases encomiásticas de críticas. Sobretudo os cantores manifestavam liberdade em procurar projetar de forma mais aberta a própria personalidade, salientando as suas qualidades como intérpretes e como professores.

Escolas de música e ensino particular

New York School of Music and Arts. Arquivo A.B.E.

O florescimento da vida musical de Nova York, refletiu-se no ensino musical. Dentre as instituições de cunho educativo, salientou-se o Institute of Musical Art of the City of New York, dirigido por Frank Damrosch (1859-1937). Havia sido seu fundador. Era imigrante alemão, irmão do mencionado Walter Damrosch. Esse instituto, criado em 1905, e que faz parte, hoje, da Juillard School of Music, destacava-se sobretudo pelos muitos professores de canto que ali lecionavam, provenientes de vários países da Europa.

A Sra. Frederic H. Snyder, professora de técnica vocal, que se anunciava como mestre autorizada do método Vanini, possuia estúdios permanentes nos Nevada Apartments, 2025 Broadway. Charles Gilbert Spross, compositor, acompanhador, que oferecia "vocal coach", apresentava-se também como compositor, dizendo-se à disposição para concertos na cidade e vizinhanças. Donato A. Paradiso, anunciado como "'Celebrated Voice Specialist and Opera Coach", havia atuado em Milão, tendo os seus estúdios no Carnegie Hall.

A soprano coloratura Yvonne de Treville, "Grande Opera Prima Donna", especializada em árias e canções dos séculos XVIII, XIX e XX, recebia os interessados na sua residência, no The Rockingham, 216 West 56th Street. Franklin Riker, tenor e compositor, que ofereceu um recital no Aeolian Hall no dia 10 de março daquele ano, dizia-se "totalmente de formação européia".

Uma particular menção merece Effa Ellis Perfild, que oferecia um curso especial em leitura à primeira vista ("not do re mi"), de rítmo, improvisação e memória musical, do qual dava demonstrações pedagógicas e musicais para o público diárias, às 13 horas da tarde, com exceção das quinta-feiras, assim como uma lição gratuita às segunda-feiras, às 19:30 horas, na 58 Wet-roth Street. No seu trabalho, considerava "1. Reading; 2. Sight Singing; 3. Improvising; 4. Melodic Dictation; 5. Ear Feeliong; 6. Rote Songs; 7. Part Singing; 8. Rhythm and Rhythmic Dictation; 9. Keyboard and Written Harmony; 10. Keyboard, Sharps, Flats, etc. leading to scales; 11. Harmonic Dictation; 12. Musical Memory and Fore Feeling."

Das outras escolas de música de Nova York, cumpre mencionar a New York School of Music and Arts, situada no Central Park West, corner 95th Street, e que se anunciava como a mais bela da cidade: "New York City's most beautiful school devoted to Music and the Arts". Dentre os seus professores, salientava-se Ralfe Leech Sterner, considerado como autoridade em arte vocal.

Na Malkin Music School, o pianista Garziglia oferecia até mesmo um recital cada segundo domingo do mês, às três horas da tarde, devendo, porém, os interessados marcar hora com a secretária da escola.

Professores de instrumento, acompanhamento, teoria e regência

Assim como na área do ensino do canto, alguns professores de instrumentos procuravam salientar-se através de métodos musicais inovativos. T. Antoinette Ward, por exemplo, atuando no Van Dyck Studios, à 8th Ave., apresentava-se sobretudo pelo seu método de desenvolvimento da mente e da capacidade de "pensar música" com determinação, acurácia e rapidez, dando controle no tocar em público, produção científica de som, liberdade interpretativa e interpretação totalmente musical, um "Infallible Method of Memorizing".

Alguns pianistas apresentavam a sua excelência como intérprete com o método de execução e de ensino. Assim, Alice Siever, moradora da 39 East 29th Street, oferecia-se para concertos, recitais, "coach", acompanhadora, recebendo alunos adiantados para piano e para a arte do acompanhamento, salientando representar o método Leschetizsky.

Ernest Ash, atuando no Apollo Studios, Carlton & Greene Avenues, Brooklyn N.Y.,  tinha como especialidade o ensino de piano baseado em "princípios científicos", preparando alunos para concertos e para o ensino através de trabalho técnico moderno de "peso" e "resistência", assim como de assuntos teóricos aplicados à leitura à primeira vista, à formação auditiva e ao toque. William C. Bridgman, regente de coro e orquestra, aceitava alunos de piano e teoria no seu estúdio no Metropolitan Opera House. Richard Hageman, também regente do Metropolitan Opera, oferecia aulas de acompanhamento e vocal coach no seu estúdio à 309 West 85th Street. Hageman era o acompanhador do recital de canto de Beatrice Martin, soprano, realizado no Aeolian Hall, no dia 19 de fevereiro de 1920.

No ensino do violino, destacava-se Rudolf Larsen, que preparava alunos para outro professor, Auer, e se oferecia também como executante para recitais e concertos, mantendo estúdio no 611 West 127th Street.

Professores em New York. Arquivo A.B.E.

Cantores americanos

O recital de Guiomar Novaes foi precedido pelo recital, no dia 11, de Éva Gauthier (1885-1950), mezzo-soprano canadense que trazia também o prestígio de uma formação no Conservatório de Paris e que cantou, entre outras, a popular peça Chinese Mother Goose Rhymes, de Bainbridge Crist (1883-1969), com "Orquestra Miniatura", publicada pela casa Carl Fischer.

Dos professores de canto americanos, salientavam-se Minnie M. McConnell, também com estúdio no 45 Metropolitan Opera House Building e, no mesmo endereço, Jessie Fenner Hill. Ferchland Roseland, que atuara durante oito anos com a companhhia da Metropolitan Opera, apresentando-se como especialista em canto e formador de voz, oferecia no The George Washington Hotel, oportunidades de aperfeiçoamento tanto para o cantor professional como para o amador de talento, conduzindo-os ao sucesso:

"Ferchland Roseland offers the opportunity to the professional singer and the talented amateur to Acquire the lacking requisites in their voices and their art that now keeps them from the success they are desirous of achieving."

Como outros exemplos de artistas que se promoviam, na época, pode-se citar a cantora Ida Geer Weller, que se  apresentava com a expressão do "cantar com inteligência", W. Henri Zay, que atuara até então em Londres, autor de The Practical Psychology of Voice and of Life (G. Schirmer), que acentuava, no seu reclame, que os seus alunos seriam cantores e professores de sucesso em "every civilized country in the world", Greta Masson, soprano que atuara como solista com a The Philharmonic Orchestra, ainda moradora no Hotel Des Artists, 1 West 67th Street, promovida pelo agente Haensel & Jones, do Aeolian Hall, como "Available for Concerts, Recitals, Festivals, etc.", e George Edward Shea, que se anunciava como Officier d'Académie e autor do livro Acting in Opera"(Schirmer's), oferecendo cursos em "Voice Operatic Acting", aceitando entrevistas apenas com hora marcada.

A procura de criação de imagens manifestou-se, no caso do soprano Helene Kanders, promovida pelo agente Lee Keedick, ao uso de elementos exóticos nos seus anúncios.

Helene Kanders. Arquivo A.B.E.

First All-American Concert

No dia 17 de fevereiro de 1920, realizou-se o primeiro concerto dedicado inteiramente à música americana de Nova York. O programa constou de canções de Karolyn Wells Bassett, C. Whitney Coombs, Fay Foster, Leslie Loth, Deems Taylor, Harriet Ware e Mana Zucca cantadas pela soprano Kathryn Lee com acompanhamento dos próprios compositores, e de obras instrumentais executadas pelo Elkady Trio. Esse concerto foi organizado pelo Concert Bureau Raoul Biais, estabelecido na 220 W. 42d Street, Nova York. Foi realizado no 63rd Street Music Hall, localizado entre Broadway e o Central Park, West.

Também compositores apregoavam-se e faziam reclames para a sua obra, como a pianista-compositora Florence Parr Gere, que criava para piano, voz e coro, e que salientava que as suas canções eram interpretadas por cantores famosos, estando Mary Jordan cantando, com grande sucesso, as suas canções Ye Devon Maid, La Vie, I Am the Wind.

Outra musicista que se anunciava como compositora e acompanhadora era Kathleen Blair Clarke, com Studio à 67 West 46th Street, dizendo-se "Available for Concerts", tendo as suas canções, publicadas por G. Schirmer, interpretadas por cantores de sucesso, entre êles Fanchonette, por Florence Hinkle e Martha Atwood, My Heart's Country, por Paul Althouse e Dan Beddoe e Requiescat, dedicada e cantada por Rafael Diaz.

New York. Foto A.A.Bispo©

A popularidade alcançada pelas canções surgia, no ambiente sócio-cultural de Nova York do início dos anos 20, como sinal de excelência, mesmo para composiores e professores eruditos. Assim, Claude Warford, professor de canto dos Metropolitan Opera House Studios, apresentava-se com os seguintes comentários publicados no Musical America:

"Claude Warford, the New York vocal teacher and tenor, has written a song in The Voice that might become as popular as I Hear You Calling Me, were John McCormack to sing it in his concerts. It is in ballad style and is one of those songs the natural and wholly spontaneous melodic flow of which insures it popular favor."

No dia 23 de fevereiro, no Aeolian Hall, Frederic Warren oferecia o seu segundo Concerto de Baladas, com a participação de Nevada Van der Veer, Irene Williams, Reed Miller, Henry Weldon e Cornelius Van Vliet, acompanhados ao piano por John Warren Erb.

Uma intensa propaganda foi dedicada ao Debut Recital de Dicie Howell, soprano, no Aeolian Hall, a 5 de novembro de 1919. A cantora, cujo personal representative era Gretchen Dick, localizado na Broadway, era decantada pela sua excepcional beleza de sua voz e pelo seu pianíssimo, assim como pela sensibilidade e pelo instinto na escolha de repertório. Na estação, interpretava as populares canções "The Want of You", de Vanderpool, e "Smilin' Through", de Penn.

Cantores russos, italianos ou de formação italiana

O barítono russo Lazar S. Samoiloff, que havia sido professor da Escola de Música e Arte Dramática de Odessa, que se anunciava como recomendado por Titta Ruffo, Adamo Didur, Johannes Sembach, Nicolo Zerola, George Baklanoff, Mario Sammarco, Cesaro Sodero e outros grandes representantes da arte lírica, mantinha um Studio de Cultura Vocal no Carnegie Hall, afirmando transmitir o antigo método de Bel Canto italiano, para o qual expedia certificados.

Samoiloff oferecia, em reclames, alguns dos pontos principais de suas concepções. Essas, significativamente, possuiam fundamentação financeira: "Tenores are paids better than baritones. Therefore, most of the male singers aspire to be tenors. Result, they are not paid at all, their voices are ruined by being pulled beyond their range."

Com essa convicção, Samoiloff valorizava o papel do barítono, que êle próprio representava. Outras de suas concepções diziam respeito à têmpera do artista, que não deveria ser confundida com temperamento, e ao fato de que não a canção faria o cantor, mas o cantor é que criaria a canção. A ação de Samoiloff era, assim, dirigida à formação da personalidade do artista e da sua têmpera.

Samoiloff dividia o seu campo de atividades com um outro barítono e professor de canto, Bernhard Steinberg, com estúdio na 25 West 9oth Street, e que dizia oferecer uma preparação profunda e completa para a Grand Opera, Musical Comedy, Concert, Oratorio and Church, podendo os interessados ter com êle um exame de voz gratuito.

Também o Dr. Fery Lulek mantinha Estúdios Vocais especializados na colocação de voz, tendo alcançado o record de ter dado nada menos do que 32.000 lições em 7 anos!


Vários professores de canto italianos ou de formação italiana atuavam em Nova York. Emilio A. Roxas, compositor, professor de técnica vocal e que oferecia coach a cantores no seu estúdio em 2231 Broadway, salientava, no seu anúncio, ter estudado quatro anos com Giovanni Martinelli (1885-1969). Ilde Bellini, soprano, que também oferecia aulas de técnica vocal e coach, com estúdio na 42 Wet 120th Street, salientava ser formada pelo Real Conservatorio de Nápoles. S. Cudia, professor dramático, coach e produtor, mantinha o seu estúdio no Metropolitan Opera House.


(...)

Antonio Alexandre Bispo


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Indicação bibliográfica para citações e referências:
Bispo, A.A.."O Brasil nos 'anos dourados' de Nova York III: Projeção de individualidades, popularidade, popular songs e songwriters". Revista Brasil-Europa 129/15 (2011:1). http://www.revista.brasil-europa.eu/129/Popularidade_e_popular_songs_em_NY.html



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Revista Brasil-Europa - Correspondência Euro-Brasileira 129/15 (2011:1)
Prof. Dr. A.A.Bispo, Dr. H. Hülskath (editores) e Conselho Científico
da
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- Academia Brasil-Europa -
de Ciência da Cultura e da Ciência

e institutos integrados

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ISSN 1866-203X - urn:nbn:de:0161-2008020501

Doc. N° 2701



O Brasil nos "anos dourados" de Nova York III
Projeção de individualidades, popularidade, popular songs e songwriters

Trabalhos da A.B.E. em Nova York, Los Angeles e Boston - Ano Edward MacDowell 2010 e Ano Listz 2011


 

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