35 anos em New York: Maria e Sérgio Pereira. BRASIL-EUROPA 129. Bispo, A.A. (Ed.). Organização de estudos culturais em relações internacionais





Revista

BRASIL-EUROPA

Correspondência Euro-Brasileira©

 




Pelo fato de ser o presente número desta revista dedicado a New York, o seu editor solicitou a Maria Pereira, cantora e pianista que há décadas ali reside e atua, dados a respeito de sua história de vida e de sua experiência, na certeza de que essas informações podem contribuir, como significativas peças de um mosaico, aos estudos da história cultural mais recente em contextos Brasil/Estados Unidos.


Esse pedido foi correspondido em forma de uma carta pessoal, versada na informalidade própria a uma antiga amizade. Embora não sendo um texto escrito com intuito de ser publicado, representa êle próprio um documento na sua espontaneidade, e roubar-lhe o tom coloquial seria empobrecê-lo.


Como mencionou em outra ocasião, Maria Pereira tem a sensação de ter vivido muitas vidas. Teve a fase do Rio Grande do Sul, onde cresceu nos pagos gaúchos. Veio depois a fase dos três anos intensos passados na Argentina, a sua primeira estada fora do Brasil, só, descobrindo o mundo. Seguiu-se então a fase de São Paulo, seis anos dos quais guarda a melhor das recordações, onde passou de aluna a profissional, e na qual conheceu a Sérgio Pereira, o seu marido. Finalmente, passou à fase de New York, que perfaz agora 35 anos.

Muitos brasileiros se recordam dos extraordinários sucessos da então Maria da Graça Cruz Dias em concertos dos Festivais e Cursos Internacionais de Curitiba de fins dos anos sessenta e início dos setenta, assim como de suas intensas atividades artísticas e docentes em instituições de São Paulo - como no antigo Conservatório Musical do Jardim América e da Faculdade de Música do Instituto Musical de São Paulo -, além daquelas de preparadora vocal de coros, entre outros do Coral da Universidade de São Paulo.


Essas e muitas outras de suas atuações necessitariam ser coligidas e consideradas adequadamente, também pelo interesse que apresentam por estabelecerem pontes entre diferentes estados brasileiros, países e culturas. Essa é uma tarefa, porém, que permanece em aberto.



Juliana Pereira, N.Y. Revista Brasil-Europa


Recital de Juliana, Junho de 2007



Gabriela e Juliana Pereira, N.Y. Revista Brasil-Europa
(...)


A meninada aqui anda bem ocupada, felizmente. Com a crise de empregos que andou por aqui, foi quase um milagre que não faltou o que fazer. Estou com dois casados. Gabi já fez oito anos de casada. Paulo esta cumprindo o primeiro. Ele se casou em janeiro passado. (...) foram colegas de High School (...). Ela se foi para a Harvard e êle para a Yale, e por quatro anos praticamente não se viram. Só um ano depois de terminada a faculdade é que voltaram a se reencontrar (...). Interessante, não?  Ela se chama Sarah e é diretora de óperas. Ela dirige o palco, na verdade o cargo dela é "stage director". Ela tem dirigido muito no Metropolitan Opera aqui de New York (no Lincoln Center), e tambem na Juilliard School, além de ir constantemente a Los Angeles, São Francisco, Washington e Colorado para montar óperas por lá. Já esteve também na Lituânia e este próximo verão vai ao Japão. E tudo isto enquanto faz um PhD em direção de teatro na Columbia University. (...)


Gabriela e Juliana:

Foto tirada em Maio de 2010

Comemoração do 125°. Aniversário da Brearley School,

escola onde ambas estudaram até a 12a. série.

De lá, foram para a universidade.

Esta foi uma festa para 1200 pessoas no Grand Ball Room do Hotel Waldorf Astoria em Nova Iorque.

Graças a Deus meus filhos têm tido muita sorte com os companheiros que escolheram. São todos muito bons, ativos e inteligentes. O namorado da Juliana é um sírio-americano, jornalista do Dow Jones (...) Ela continua trabalhando para o Metropolitan Museum of Art, como Gerente de E-Commerce. Ela recentemente terminou  um mestrado em Media Studies e já esta pensando em entrar num MBA. (...) Além disto, a Juliana continua tocando violino em ritmo quase profissional. Toca em concertos quase todas as semanas, em orquestras, grupos de câmara, às vezes como solista, enfim, não pára de tocar. Sérgio e eu estamos constantemente indo a concertos em que ela está envolvida. E, além disto tudo, está treinando para correr a maratona de New York este ano. Da para acreditar? A menina é ativa mesmo!


E já que comecei a contar deles, vou terminar. Gabi também terminou agora o segundo mestrado, este em escrita para crianças e adolescentes (o primeiro tinha sido em psicologia). Esta escrevendo bastante e lecionando. No momento, está dando os finalmentes num livro e tem vários artigos publicados em diversas revistas. (...) O marido dela, o Greg, é advogado e trabalha numa firma muito grande aqui em New York, na área de patenteamentos, principalmente farmacêuticos. Ele é ligado às ciências, aliás, tem um mestrado em física pela Cornell University. Foi lá que ele e a Gabi se conheceram, quando ela fazia o mestrado de psicologia.


Paulo Sergio Pereira. Revista Brasil-Europa
O Paulo trabalha com mercados financeiros, em outras palavras, está ligado à Wall Street. Trabalha para uma firma que faz marketing para uma série de fundos. Mas também gosta muito de análise de mercados, área que já trabalhou e a qual êle continua se dedicando quando tem tempo disponível. Gosta muito de ler, se informar e escrever a respeito dos mercados. Paulo e Juliana fazem parte no momento de um grupo de câmara. No momento estão preparando um Quarteto de Brahms para piano e cordas. Paulo prefere tocar viola e Juliana primeiro violino. O mesmo grupo, no passado, apresentou o Quinteto de Schubert (Trout) para piano e cordas. O grupo se intitulou informalmente "Juli and the Bankers", numa referência ao fato de ser composto pela Juliana e os demais trabalharem no Mercado financeiro aqui em Nova Iorque. Juliana se formou na Brown University e já conhecia todos os demais, pois eram amigos do Paulo na Yale University.


Sergio continua trabalhando com Café. Bastante ativo em diversas organizações, é atualmente Diretor da Câmara de Comércio Brasil-Estados Unidos, da qual foi Presidente em meados dos anos 80. Também é diretor da National Coffee Association of the USA. Profissionalmente é o Diretor de Vendas e Marketing da Cacique e viaja com frequência. Durante o verão, e sempre que possível eu o acompanho, o que nos dá oportunidade de conhecer países e culturas diferentes.


A música está sempre presente em nossas viagens. Em St. Petersburg, estivémos no Kirov Theater; em Moscow no Bolshoi. Uma tarde fomos visitar o Conservatório de Música de Moscow. Infelizmente, estava fechado, pois estavam preparando para o Tchaikovsky Competition que começaria no dia seguinte. Sergio "se entendeu"com o guarda, com bastante gestos e um mínimo de russo. Êste então nos levou para visitar o prédio inteiro. Foi quando falamos de minha profissão - professora de piano. O guarda muito gentil abriu o Grand Piano do Concert Hall, convidou-me para tocar e sentou-se com o Sergio no Auditório. Entusiasmadíssima toquei uma partita de Bach naquêle famoso salão, tendo, como platéia, meu marido e o guarda do Conservatório!


Quanto a mim, estou há onze anos lecionando piano na School for Strings. Estou agora começando a ver o resultado do meu trabalho. Estou com um grupo de alunos ótimos, além de também ter vários grupos de performance. Nestes grupos, tenho alunos de

Paulo Sergio:

Foto tirada em 1998 quando deixava a

orquestra da High School e se preparava para entrar na orquestra da Yale University.

todos os professores da escola. São aulas que muito me agradam, pois eu praticamente faço o roteiro que quero. Como tenho grupos de mais ou menos dez alunos por uma hora toda a semana, aproveito para incluir história da música, leitura à primeira vista, análise de partituras, além de performance. Acho que estas aulas andam dando muito resultado, pois tenho pais comentando que a criançada anda levantando as 5:30 da manha para estudar duas horas de piano antes de ir para a escola. E depois estudam à tarde de novo. Isto me deixa muito entusiasmada.


Tenho feito muito para mudar um pouco a mentalidade do povo daqui com respeito ao estudo de música. É claro que não inventei a fórmula, nem estou sozinha no processo, mas por eu ter visto meus filhos chegarem a tocar violino em alto nível e no entanto partiram para outra profissão, transformei-me numa entusiasta desta idéia. Acho que é tempo muito bem aplicado o que se põe no estudo de música. Não interessa o que o futuro vai trazer. A música só enriquece. A gente precisa fazer o melhor que pode, sem pensar se vai ou não se dedicar profissionalmente a ela no futuro.



Família Maria e Sérgio Pereira, N.Y. Revista Brasil-Europa


Gabriela, Paulo, Maria da Graça, Juliana e Sérgio Pereira, Christmas Gala Dinner 2006



No momento, tenho 14 alunos particulares; a maioria começou comigo aos três anos de idade. A mais velha tem 17 anos e vai para a universidade no ano que vem. É preciso vê-la tocando Ernesto Nazareth, além de tocar Scarlatti, Bach e compositores românticos!  Ela é fascinada por música brasileira! Tenho uma outra menina, coreana de doze anos, que toca Villa-Lobos como se fosse brasileira.  Com isso, a nossa música está ficando muito familiar dentro da escola e até fora dela. Este ano, a escola completa 40 anos e as comemorações serão no Carnegie Hall. A menina coreana vai tocar Villa-Lobos lá.


Lembro que, quando comecei a lecionar, os pais chegavam para mim e diziam que não queriam que os filhos fossem músicos, que devia ensinar só um pouco, como complemento de educação. Comecei a conversar com as famílias e contar o que tinha acontecido na minha casa. Aos poucos, uma a uma foram começando a perder o mêdo de ter um filho músico, e agora as famílias dão todo o apoio.


(...) sou apaixonada pelo processo do aprendizado. Vibro ao ver os olhinhos da criançada brilhando e o entusiasmo deles quando aprendem algo que lhes dá satisfação; quando superam uma dificuldade, como ficam com um ar de realização e segurança! Isto é algo que só acontece quando se faz a coisa a sério. E foi isto que me deu muito trabalho para ensinar aos pais. Ainda aparece um ou outro, de vez em quando, que vem com esta conversa de querer que os filhos aprendam só um pouquinho. Agora, eu já dou risada, pois sei que é uma questão de poucos meses para que mudem de opinião.


Fora disto, toco e canto para as missas das 7:00 hs. da noite numa igreja  de franciscanos perto de casa. E aproveito meu contato com os padres de lá para organizar muitos concertos na igreja. Vários jovens brasileiros que vêm estudar na Juilliard e em outras escolas daqui já fizeram concertos ali, principalmente quando precisam preparar repertórios para concursos internacionais e querem passar o programa antes de saírem mundo afora tocando. Foram vários pianistas, um oboísta, violinistas, enfim, executantes de diversos instrumentos. Até um contra tenor americano veio ali cantar, em concerto organizado por mim. Gosto muito de ajudar a juventude a começar. É bem difícil abrir as primeiras portas!


A.B.E.


Juliana, Sérgio, Maria da Graça, Paulo, Sarah, Gabriela e Greg, Novembro de 2006



Sabendo que o presente número desta revista considera muitos aspectos da vida de Guiomar Novaes, Maria Pereira, em outra carta, transmitiu a seguinte recordação:


Quando (...) participávamos do Coral da USP, fomos dar um recital em Campos do Jordão durante um dos Festivais de Inverno. Eu cantei vários solos com o coral e, no final do concerto, Guiomar Novaes (que estava sentada na primeira fila), veio me cumprimentar.  Conversamos um pouco e ela me pediu para cantar algo mais para ela. Eu, muito atirada, disse: "com todo o prazer, mas só se a Senhora se sentar naquele piano e tocar para nós". Pois nós cantamos ainda duas ou três músicas para ela e daí ela nos pediu para esperarmos um pouquinho. Ela estava alojada no mesmo local onde havíamos cantado. (...) Pois ela foi trocar de roupa e apareceu com um vestido preto longo; sentou-se ao piano e deu um show. Nós nos sentamos no chão em volta do piano e ela, feliz da vida, sorrindo e tocando para nós... foi um momento inesquecível!



Fotografia no título:

Juliana - Concert in Providence

Juliana participou em três dos quatro anos que cursou a universidade de um concurso para ser solista com a orquestra da Brown University. Ganhou nos três anos que participou. O terceiro ano da universidade ela cursou em Paris, na Sorbonne, através de um convênio entre as duas escolas. Lá também participou da orquestra de professores e alunos da Sorbonne.

A foto em questão foi tirada no Veterans Memorial Hall de Providence, Rhode Island. Êste foi o último ano dela na universidade. Ali se apresentou com o Concerto para Violino e Orquestra de Sibelius.





Indicação bibliográfica para citações e referências:
"
Da correspondência: Maria e Sérgio Pereira". Revista Brasil-Europa 129/27(2011:1). http://www.revista.brasil-europa.eu/129/Maria_e_Sergio_Pereira.html

 

Revista Brasil-Europa - Correspondência Euro-Brasileira 129/27 (2011:1)
Prof. Dr. A.A.Bispo, Dr. H. Hülskath (editores) e Conselho Científico
da
Organização Brasil-Europa de estudos teóricos de processos inter- e transculturais e estudos culturais nas relações internacionais (reg. 1968)
- Academia Brasil-Europa -
de Ciência da Cultura e da Ciência

e institutos integrados

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ISSN 1866-203X - urn:nbn:de:0161-2008020501

Doc. N° 2713



Da correspondência

35 anos em New York: Maria e Sérgio Pereira

 

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