Revista

BRASIL-EUROPA

Correspondência Euro-Brasileira©

 


As relações entre aspectos éticos e estéticos no processo criador adquirem uma especial atualidade, no contexto euro-brasileiro, na obra composicional de Jean Goldenbaum (*1982). As suas composições manifestam de forma particularmente expressiva intuitos de fundamentação ética da criação artística.


A convicção do significado da organização de idéias e o seu exercício foram resultado em grande parte dos seus estudos de Biblioteconomia na Universidade de São Paulo e de leituras, entre elas sobressaindo-se a Poética de Aristóteles.


Tendo iniciado seus estudos musicais aos dez anos de idade e assistido a aulas em Educação Musical, deveu a sua formação técnico-estética sobretudo a Sérgio Igor Chnee.


Na Alemanha, estudou Musicologia na Universidade de Augsburg, ao lado de Pedagogia da Música e Romanística, passando a atuar como colaborador científico do Prof. Dr. Johannes Hoyer, onde teve a oportunidade de orientar estudantes de mestrado. Presentemente, dá continuidade, nessa universidade, a seu trabalho de doutoramento. Atividades e projetos em que participou no Museu de Karthausen abriram-lhe horizontes para considerações conjuntas de momentos reflexivos, formativo-educacionais e da criação musical.


Nesse seu desenvolvimento pessoal, ganhou a convicção que o seu caminho seria aquele do despertar a reflexão do homem que ouve através de duas vertentes, estreitamente relacionadas: aquela antes racional, através de temática definida, baseada em valores, e aquela transmitida pela percepção estética, possibilitada pela música. Esta, associando-se a expectativas do ouvinte quanto à procura do novo, do original, do que ultrapassa imposições, possibilita, segundo Goldenbaum, a assimilação de mensagens que deseja transmitir.


Nesse seu anelo criador e transmissor, tem encontrado diferenças quanto à receptividade em diferentes contextos culturais. Mais do que no Brasil, sente maior interesse pela sua obra na Alemanha, onde constata maior ressonância por parte dos ouvintes. Esse interesse se manifesta nos debates que se seguem às apresentações.


Goldenbaum surge, assim, como um compositor que empresta à reflexão um papel fundamental na sua atividade criadora. A música torna-se, segundo o seu intento, em veículo, em instrumento da transmissão de convicções e mensagens, entendendo essa função não em sentido superficial, ilustrativo, mas como fator configurador do processo comunicativo.


O seu anelo é despertar, fomentar idéias de natureza ética, relacionadas com noções de paz, de liberdade, de tolerância, de igualdade, de verdade e de outros valores compreendidos como positivos. Concomitantemente, procura fornecer impulsos a uma ética de aperfeiçoamento pessoal, caracterizada pelo ímpeto interior de evolução pessoal, levando aquele que assim se auto-conhece ao tornar-se agente da transmissão de valores. Tem a expectativa que, através de música adequadamente configurada, seja possível despertar esse desenvolvimento interior do receptor de forma espontânea e livre.


A base de suas concepções é a de que o respeito à vida do próximo se estende a todos os seres vivos, não apenas ao homem. Corresponde, assim, a tendências da Ética que ficaram vinculadas sobretudo ao nome de Albert Schweizer. Entretanto, importantes influências para o desenvolvimento de suas concepções deve-as sobretudo a pensamentos de Gandhi. Não desejando fazer seus todos os aspectos do pensamento indiano, dirige a sua atenção sobretudo a uma unidade fundamental que procura perceber e desvendar em todas as religiões e correntes do pensamento. Crê que, se cada homem compenetrar-se na procura da Verdade, a encontrará em si, sentindo-se então na responsabilidade de seguir esse Caminho.


Uma das consequências dessa concepção ampla do respeito à vida é, para Goldenbaum, o Vegetarismo. Embora considerando esse termo pouco feliz, por ser muitas vezes compreendido apenas como uma forma de dieta alimentar, o Vegetarismo surge para êle como expressão de uma decisão fundamental, a de não matar, a de não assassinar o próximo. Justamente sob esse aspecto, porém, Jean Goldenbaum tem experimentado, no Brasil, dificuldades quanto à receptividade às suas concepções. Constata, em debates que se seguem a concertos, pouca disposição à discussão, até mesmo uma irracionalidade apaixonada dos contraentes, e que poderia ser vista como uma oposição indigna à liberdade humana do refletir e do sentir com relação a um assunto desconfortável.


Sinfonia do Bem/Symphony of the Good/Sinfonie des Guten


Uma expressão dessa fundamentação ética de seus anseios criadores pode ser vista a sua primeira sinfonia, explicitamente entitulada de Symphony of the Good.


A obra foi apresentada pela primeira vez em abril de 2010 e gravada pela orquestra Camerata Cantareira, com convidados, regida por Sérgio Chnee, tendo como solistas Carla Domingues (soprano), Daniel Gonçalves (piano) e Marcos Pablo Dalmacio (violão). (Jean Goldenbaum, Sinfonie des Guten- Symphony of the Good - Sinfonia do Bem, Camerata Cantareira & gests, Sergio Chnee, produção da Liga do Realizar, com o suporte da Faculdade Cantareira, da Igreja da Paz e do Lar das Crianças/CIP).


Com 67 minutos de duração, a obra é constituida de oito partes, intercalando momentos puramente instrumentais com aqueles de solo vocal com acompanhamento de orquestra.


O texto dessas partes vocais, em inglês, de autoria do próprio compositor, transmite as suas convicções sobre os caminhos a serem tomados na direção do alcance dos valores propugnados.


Goldenbaum procura trazer à consciência três momentos no caminho da abstração de natureza ética. Partindo de como como o ser humano se comporta com relação à Natureza, de como se utiliza de sua situação do ser mais forte, trata da forma como que lida com o animal, arrogando-se o papel de divindade, de decidir quem vai ser amado e quem será reproduzido para morrer. Daqui parte a uma visualização do futuro, antevendo a possibilidade de movimentos sociais.


Entre a Overture e o Finale, a Sinfonia compreende seis momentos, identificados pelos títulos 1) Pacifism; 2) Vegetarianism; 3) Constant Reflection; 4) End of Egoism - Beginning of Respect; 5) Commitment to the Truth; 6) Awareness of Good and Evil.


Com relação à obra, o compositor José Antonio de Almeida Prado assim se expressou: "A audição desta magnífica obra revela o compositor Jean Goldenbaum, já possuidor de um métier seguro, cuja estética múltipla oferece possibilidades de um lirismo autêntico, e a habilidade de transformar seu texto em música de grande beleza e emoção".




Ecumenical suite, Ode to Friendschio e Gedankenexperimentmusik


Entre outras de suas obras, destacam-se Ecumenical suite, Ode to Friendschip e Gedankenexperimentmusik. A primeira, com o subtítulo de "Im Namen des Friedens der Freiheit und der Toleranz/In Name of Peace Freedom and Tolerance," para coro a cappella, composta em 2008 (Ikuro Edition), é configurada segundo conteúdos de diferentes tradições religiosas: Pater Noster, Shema Israel, Al-Fatiha, Gayatri, Om Mani Padme Hum. A obra tem ca. de 20 minutos de duração.


A Ode to Friendschip, concerto duplo para flauta, violão e orquestra, dedicada a seu mentor e amigo Sérgio Chnee, foi composta especialmente para o Wasa Sinfonieta Music Festival, realizado na cidade de Wasa, Finlândia, em janeiro de 2011, onde foi compositor residente.


É constituída por quatro movimentos, com ca. de 15 minutos de duração. Também aqui o compositor procurar buscar o novo com a preocupação de não afastar-se da compreensão do público, para poder nele incitar reflexão, o que para êle representa o maior potencial da arte.


Por ocasião de sua apresentação, a 9 de janeiro de 2011, o compositor dirigiu as seguintes palavras aos ouvintes:


Humbly I try to musically illustrate one of the lights of the Good in this world: the Friendship.

I am not referring to superficiality or about the instant pleasure of being beside someone or having company.

I am talking about the Real Friendship, which leads the loving human being to sacrifice himself even in the hardest days of our times. To sacrifice ourselves for the next shall be the greatest pleasure, for it is one of the steps to the achievement of Pure Love.

This is an Ode to Friendship. And I hope it may help to awake Love, Peace, Freedom and Respect in our hearts and souls.




A compreensão do significado da arte como instrumento para dar impulsos a uma ética de aperfeiçoamento pessoal no ouvinte indica os estreitos vínculos das concepções ético-estéticas de Goldenbaum com intenções pedagógicas. Um testemunho desses elos oferece a sua recente obra para piano solo de título "Música para as crianças crescerem diferentemente, tornarem-se adultos espiritualmente evoluídos e construírem um mundo melhor/Music for children to grow differently, become more spiritually evolved and build a better world" (2010).


Significado teórico-cultural dos anelos de Jean Goldenbaum


A reconscientização dos elos entre a Ética e a Cultura surge como uma das principais tarefas dos Estudos Culturais da atualidade. Inúmeras são as possibilidades de compreensão dessa exigência e de promoção do seu cumprimento.


No sentido amplo dessas relações, os elos entre a Ética e a Cultura tornam-se mais evidentes no crescente interesse por questões voltadas aos Direitos Humanos, com consequências para a política e difusão cultural.


No âmbito de projetos educativos, a consciência quanto à necessidade e mesmo o dever da reflexão ética de procedimentos pode ser constatada de forma cada vez mais intensa.


Sob um ponto de vista teórico, porém, a reorientação do pensamento segundo princípios éticos não deixa de levantar questões e exigir exames mais aprofundados.


A Ética, tratando de normas e princípios determinados por vigência categórica, embora exigindo refletividade sobre aquilo que deva ser considerado como imperativo, implica numa relativação da relatividade que se costumou emprestar ao conceito de Cultura.


A exigência de um direcionamento da ação e da reflexão cultural segundo princípios éticos tem de ser acompanhada, necessariamente, por reexames da conceituação de Cultura nas suas relações com a compreensão de processos culturais e nas suas diferenciações quanto a noções de civilização e de evolução.


A dificuldade da condução dessas reflexões residem sobretudo no fato de que a relatividade na compreensão da cultura representa uma conquista do pensamento e da Antropologia Cultural. Apenas esse relativar no entendimento da cultura possibilitou um desenvolvimento no sentido de superação de categorizações inadequadas de esferas culturais, a de uma "alta" cultura em distinção a uma inferior, favorecendo os estudos de expressões populares. Possibilitou, sobretudo, a crítica e a auto-crítica de perspectivações irrefletidas, de um eurocentrismo ou Ocidente-centrismo.


Cada vez mais, porém, torna-se manifesta a necessidade de mais aprofundadas reflexões diferenciadoras, para além dessa relatividade imposta por exigências já agora históricas dos estudos culturais da Etnologia.


Podem graves desrespeitos a Direitos Humanos ser tolerados em nome da relatividade da cultura? Podem injustiças, atrocidades e crimes serem aceitos em nome da diversidade e do respeito às tradições culturais dos povos?


Já essas questões indicam que a discussão relativa à compreensão antropológico-cultural da cultura não está encerrada: o debate sobre aquilo a ser considerado como universal e como particular, entre aquilo a ser visto como absoluto ou relativo continua em aberto.


Esse debate, porém, se conduzido de forma adequada à própria natureza teórico-cultural do questionamento, não pode partir de pressupostos irrefletidos, colocados em nome da própria cultura ou tradição cultural. Exige esforços de repensá-las, de colocar em questão visões e concepções assumidas como evidentes, entre elas, sobretudo, a própria posição que o Homem a si se emprestou na compreensão do mundo.


A verdadeira concepção antropológico-cultural de relativação da cultura reside, assim, no relativar um edifício de concepção do mundo e do homem que a êle empresta, de forma absoluta, liberdades compreendidas como normativas que o levam a atrocidades e que as justificam.


A conquista realmente cultural e civilizatória que seria a relativação de um edifício antropocêntrico da visão do mundo e do homem pressupõe, porém, a reflexão ética.  Esse jogo de aparentes paradoxos e paradoxias entre o relativo e o absoluto, que sob determinadas perspectivas poderia ser compreendido como um jogo de sistemas referenciais, constitui uma das preocupações do atual debate teórico-cultural.


Como um dos pontos de partida para a discussão oferece-se frequentemente, em seminários e encontros, a questão do relacionamento entre a Ética e a Estética. Representando uma preocupação de pensadores e artistas já muitas vezes expressa e considerada, pode ser estudada sob o aspecto histórico e histórico-cultural, o que favorece uma introdução a esse complexo temático.




Indicação bibliográfica para citações e referências:
Bispo, A.A. (ed.), "Jean Goldenbaum:
Symphony of the Good/Sinfonie des Guten/Sinfonia do Bem". Revista Brasil-Europa 129/26(2011:1). http://www.revista.brasil-europa.eu/129/Jean_Goldenbaum.html


 

Revista Brasil-Europa - Correspondência Euro-Brasileira 129/26 (2011:1)
Prof. Dr. A.A.Bispo, Dr. H. Hülskath (editores) e Conselho Científico
da
Organização Brasil-Europa de estudos teóricos de processos inter- e transculturais e estudos culturais nas relações internacionais (reg. 1968)
- Academia Brasil-Europa -
de Ciência da Cultura e da Ciência

e institutos integrados

© 1989 by ISMPS e.V. © Internet-edição 1998 e anos seguintes © 2010 by ISMPS e.V. Todos os direitos reservados
ISSN 1866-203X - urn:nbn:de:0161-2008020501

Doc. N° 2712





Jean Goldenbaum:Symphony of the Good/Sinfonie des Guten/Sinfonia do Bem

Sessão por ocasião da Assembléia Geral pelos 25 anos de oficialização alemã do I.S.M.P.S. e.V., 11 de dezembro de 2010

 

_________________________________________________________________________________________________________________________________


Índice da edição     Índice geral     Portal Brasil-Europa     Academia     Contato     Convite     Impressum     Editor     Estatística     Atualidades

_________________________________________________________________________________________________________________________________