Relações culturais Brasil/EUA. BRASIL-EUROPA 129. Bispo, A.A. (Ed.). Organização de estudos culturais em relações internacionais





Revista

BRASIL-EUROPA

Correspondência Euro-Brasileira©

 
ONU.New York. Fotos A.A.Bispo©

New York. Fotos A.A.Bispo©
A Revista Brasil-Europa - Correspondência Euro-Brasileira abre, com este número, o ano de 2011 com estudos que dão continuidade a trabalhos realizados em cidades da América do Norte e relatados na edição anterior desta revista. As atenções são agora dirigidas exclusivamente às relações culturais Brasil/Estados Unidos, focalizando sobretudo a cidade de Nova York à luz de contextos americano-europeus.


Questionamento de perspectivas bilaterais do Transatlantismo


Assim como na publicação anterior, o objetivo dos estudos foi o do exame do interrelacionamento entre processos transatlânticos e interamericanos. Esse escopo é consequência da constatação de que a aproximação dos países europeus entre si e a sua integração econômica em mercado comum, assim como a aproximação dos países latinoamericanos e a sua participação no Mercosul e em outras configurações internacionais colocam novas condições e exigências para os estudos culturais em contextos globais.


Esses estudos foram sob muitos aspectos determinados pela história do passado colonial, por elos criados pela língua e por relações bi-laterais. As relações entre a Europa e o continente americano - as relações transatlânticas - foram e permaneceram marcadas pela perspectiva dos diferentes países europeus.


O transatlantismo na Alemanha é compreendido exclusivamente no sentido das relações desse país com os Estados Unidos, como consequência da Segunda Guerra. Essa compreensão, porém, resultado de situações históricas, condiciona perspectivas e cria divisões e categorizações que prejudicam o tratamento de questões culturais em contextos mais amplos da Alemanha com a América em geral.


O transatlantismo em Portugal é compreendido exclusivamente no sentido de elos determinados pelos Descobrimentos, explicados pela posição geográfica do país e pela sua "vocação atlântica", o que não corresponde amplamente à orientação histórica ao Oriente de Portugal e à presença da cultura portuguesa em várias outras regiões do mundo.


Esses e outros enfoques nacionais europeus de contextos e processos que relacionam a Europa e o continente americano necessitam ser considerados no seu todo e no seu vir-a-ser por uma pesquisa que se preocupa, ela própria, em superar delimitações irrefletidas de visões. Essa preocupação foi tematizada no contexto da A.B.E. já em 1983 em simpósio dedicado às relações entre o transatlantismo e o interamericanismo, sendo tratada em várias outras ocasiões, como relatado em números anteriores desta revista.


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Questionamento de perspectivas bilaterais do Interamericanismo


Também os estudos interamericanos exigem a consideração multilateral de perspectivas dos diferentes países das Américas, o exame de seus condicionamentos e restrições, assim como esforços de visões de conjunto, para além dos posicionamentos culturais dos pesquisadores envolvidos e de áreas de estudos marcadas na sua gênese e desenvolvimento por critérios nacionais, regionais e de idioma.


As relações entre a Europa e as Américas foram determinadas por processos históricos, evidenciados sobretudo em expansões colonizadoras e imigrações, de modo que a ocupação européia do continente americano e o vir-a-ser de suas várias nações se interrelacionam a partir de seus princípios, obrigando a que desenvolvimentos internos ao continente sejam considerados juntamente com aqueles que, através do Atlântico, os desencadearam.


Os vínculos entre processos históricos interamericanos com os transatlânticos são assim evidentes, poderiam constituir lugar comum, na prática, porém, não são considerados na intensidade a que fazem jus. Inúmeras são as possibilidades para examiná-los, dependendo de épocas, configurações e aspectos a serem estudados.


Brasil/Estados Unidos em século marcado por guerras mundiais


No número antecedente desta publicação, chamou-se a atenção a aspectos das relações franco-britânicas na América do Norte, como um dos aspectos de relevância a serem considerados nos estudos concernentes às Américas, uma vez que há a tendência a observar, no continente, diferenças e tensões entre esferas de formação ibérica e não-ibérica e entre hemisférios, de Sul e Norte.


No presente caso, chama-se a atenção ás relações entre as duas mais graves ocorrências na Europa no século XX - as duas Guerras Mundiais - que reconfiguraram a ordenação interna européia e o desenvolvimento das relações entre o Brasil e os Estados Unidos.


Para a condução mais coerente desses estudos, optou-se por considerar a história das relações culturais euro-americano-brasileiras através da focalização de uma personalidade que como poucas marcou tais vínculos por grande parte do século: a pianista Guiomar Novaes (1895-1979).


Preliminares: "americanismo" como conceito e o debate entre ciência e religião


Introdutoriamente, dois complexos temáticos dizem respeito ao período anterior à Primeira Guerra. Um deles dirige a atenção à questão do "americanismo" e da "americanização", termos constantemente empregados em considerações relacionadas tanto em desenvolvimentos culturais concernentes a países da Europa como Brasil, mas cuja conceituação e conotações, nas suas origens, são em geral pouco presentes.


Um exame mais demorado revela, aqui, a inserção do termo em singulares contextos franco-americanos e eclesiásticos, denotando aspectos particularmente aptos a enfoques teórico-culturais, uma vez que se relacionam com processos integrativos de imigrantes na América e problemas receptivos na Europa.


Outro complexo temático introdutório diz respeito às relações científico-culturais internas no continente americano no início do século, relembrando o caso altamente singular de ter nada menos do que um Presidente dos Estados Unidos - Theodore Roosevelt (1858-1919) - liderado uma expedição ao Brasil. Relações travadas com personalidades brasileiras influenciaram desenvolvimentos posteriores. Essa viagem, porém, foi incentivada por uma personalidade que, hoje esquecida, marcou o debate entre o pensamento científico e o religioso da época: John Augustine Zahm CSC (1851-1921), autor de Evolution and Dogma.


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Pontes entre comércio, jornalismo e cultura nas relações Brasil/Estados Unidos


A seguir, trata-se da ponte estabelecida por um brasileiro que, vivendo e socializando-se nos Estados Unidos, ali criando, já no seculo XIX, períódicos em português para o fomento de elos, surge como um dos principais vultos da história do comércio e do jornalismo entre as duas nações: José Carlos Rodrigues (1844-1923), proprietário do Jornal do Commercio do Rio de Janeiro e bibliófilo que construiu uma das mais relevantes coleções de obras relativas às Américas no Brasil.


O seu nome exemplifica o significado particular de considerações conjuntas da história econômica e da cultural no caso das relações Brasil/Estados Unidos.


Artistas vindos da Europa e a questão do confronto com a mentalidade americana


Vários artigos desta edição são dedicados à reorientação geográfico-cultural do Brasil e de outros países causada Primeira Guerra Mundial: da Europa aos Estados Unidos. Artistas que atuavam no Velho Mundo, impedidos em desenvolver as suas carreiras, procuraram caminhos nos Estados Unidos, em particular em Nova York.


Nesse intento, apesar dos fortes elos existentes entre a vida cultural americana e a Europa - muitas das personalidades mais influentes dos Estados Unidos possuiam formação européia - depararam-se com concepções, práticas e estruturas distintas da organização sócio-cultural, mais explicitamente determinadas por intuitos econômicos e de alcance de sucesso material.


Essa situação pode ser exemplificada no caso do crítico e musicógrafo Henry Theophilus Finck (1854-1926), autor de "Success in music and how it is won", livro no qual dedicou sintomaticamente um capítulo ao tema "Music, Money, and Happiness".


Processos de integração e transformação de identidades de artistas nos EUA


O estudo dos caminhos encontrados por estrangeiros para a aceitação e integração na sociedade americana e o alcance de sucesso em período marcado pela vinda de grande número de artistas retornados e refugiados da Europa surge como tarefa especialmente adequada para estudos culturais dirigidos a processos de transformação de identidades.


Um caso que merece ser particularmente considerado no corrente ano é o de Percy Grainger (1882-1961), personalidade de músico e pesquisador de origem australiana. Com formação alemã, Grainger desenvolveu particular consciência nórdico-anglo-saxã e singular neo-patriotismo americano, testemunhando o significado de um empenho nacional pelos Estados Unidos daqueles que procuravam a integração na sociedade que os acolhia.


Interesse pela latinidade nas expressões artisticas - ótica franco-americana


Para estudos latino-americanos, a acentuação dos vínculos dos Estados Unidos com a França no contexto político-cultural internacional que levou à Guerra adquire particular importância. O fascínio pela cultura ibérica na França, explicável em parte como consequência histórica de suas tensões com a Alemanha desde a Guerra Franco-Prussiana e acentuadas com a Guerra Mundial representou a via indireta que levou à introdução e ao interesse por expressões culturais latinas nos Estados Unidos. Esses elos podem ser exemplificados na vida e obra de John Singer Sargent (1856-1925) e George Coopeland Jr. (1882-1971).



Papel do management e do marketing na promoção de artistas


O sucesso de artistas estrangeiros nos Estados Unidos em época de de grande competitividade, dependendo não apenas de qualidades pessoais, mas de efetivo management, não pode ser adequadamente considerado sem o exame de aspectos relacionados com o comércio musical. No caso de pianistas, papel de importância coube a vínculos com manufaturas de pianos e às salas de concerto por elas instituidas para a nobilitação de seus instrumentos. Assim, o Aeolian Hall de Nova York e a firma Steinway de pianos marcaram o début da pianista brasileira Guiomar Novaes e, com êle, o início oficial da história músico-cultural americano-brasileira do século XX.


Patriotismo estadounidense e testemunhos neo-patrióticos de estrangeiros


Esses vínculos possibilitaram novas apresentações em salas de firmas, como em Boston, mas a integração na sociedade tão marcada por sentimentos nacionais como a americana, sobretudo em época de Guerra, não poderia ser alcançado sem testemunhos de claro posicionamento político-cultural de afinidades. Esse foi possibilitado, no caso da pianista brasileira, por Chopin, o músico emblemático da liberdade e da soberania da Polonia.


Como representante da França - país particularmente admirado culturalmente e aliado - e como mulher pôde a artista brasileira ser aceita em círculos sociais influentes, marcados pela ação feminina de beneficiência. Nesse âmbito, tornou-se possível dar testemunhos de seus sentimentos para com o país em que passava a viver, atuando a favor de escolas femininas, da juventude negra, e participando de atividades femininas dedicadas a angariar fundos para necessitados.


Compreende-se, nesse contexto, que não músicas de conotações exótico-brasileiras, mas obras de um compositor de cultura francesa marcassem essa fase da presença do Brasil nos Estados Unidos: Henrique Oswald (1852-1931).



Os "anos dourados" de Nova York de pós-Guerra


Os anos que se seguiram à vitória caracterizaram-se por uma extraordinária intensificação da vida músico-cultural das metrópoles americanas. A irradiação de Nova York como centro cultural e os intuitos de expansão promocional dos muitos artistas que ali viviam levaram a projetos de difusão cultural, à metropolização cultural de cidades vizinhas. Nesse processo, também o Brasil esteve presente. Considera-se, aqui, o The World-Famous Artists' Series, de Joseph A. Furstman em Newark, Nova Jersey.


Os "anos dourados" da vida musical de Nova York na década de 20 foram abertos também com a presença do Brasil através de um recital levado a efeito no Aeolian Hall, em fevereiro de 1920. A sonata de Liszt aqui interpretada - compositor que é comemorado no corrente ano de 2011 - pode ser vista como emblemática para o período de brilho que caracterizaria a década.


A avaliação adequada desse marco na história das relações Brasil-Estados Unidos apenas pode ser alcançada se o contexto geral da vida social e cultural de Nova York for levado em consideração: os demais artistas então em projeção, o ensino musical, a tendência ao popular e à popularidade, o interesse pela Rússia causado pela Revolução de 1917 e outros fatores.


A transformação pessoal de artistas que se projetavam e criavam imagens correspondia a expectativas e normas de uma sociedade marcada por crescente prosperidade econômica e pela moda parisiense. Também no mercado de gravações o Brasil esteve presente, e Guiomar Novaes foi um dos grandes nomes da Pianola Duo-Art, então apresentada como uma das grandes realizações da técnica.


1929 e a depressão econômica: o papel da mulher beneficiente


A crise da bolsa de 1929 e a depressão econômica que se seguiu determinaram uma nova fase da história das relações culturais Brasil/Estados Unidos. Como à época da Primeira Guerra, também aqui os círculos femininos desempenharam papel relevante nas suas ações culturais beneficientes, e também aqui o Brasil esteve presente sobretudo através da pianista brasileira.


Diferentemente do época da Primeira Guerra, a política da Boa Vizinhança de Franklin D. Roosevelt (1882-1945) levou a uma maior aceitação de expressões culturais de conotação nacional dos países latinoamericanos. Correspondendo a esse interesse, passaram a ser divulgadas obras de compositores brasileiros cuja linguagem sugeria diferenciações culturais.


Intelectuais e artistas judeus da Europa e florescimento cultural da Califórnia


A vinda de artistas judeus fugidos do regime nacionalsocialista alemão, intensificando o significado da cultura hebraica nos Estados Unidos, levou a um grande florescimento da vida musical na Califórnia, no qual também o Brasil esteve presente.


Análise de mercado e "compra" de produtos culturais latino-americanos como estrategia


Para a compreensão do desenvolvimento cultural desses anos que antecederam a Segunda Guerra, a consideração da política econômica americana relativamente à América Latina na sua concorrência com a Alemanha surge como de particular significado. Ela permite reconhecer concepções que explicam a intensificação de aquisição de produtos latinoamericanos nos EUA e que exigiram maiores conhecimentos dos respectivos países.


O comércio foi acompanhado aqui pela organização de feiras, exposições, pela criação do Brazilian Bureau e outras instituições, com consequências para a vida cultural e, sobretudo, pelo desenvolvimento do jornalismo.


Expressões de bi-culturalidade no fomento privado do intercâmbio artístico


O empenho privado que caracteriza a sociedade norteamericana manifestou-se na singular iniciativa da pianista brasileira nela integrada, criando um Prêmio para o fomento do intercâmbio cultural Brasil/Estados Unidos em período de Guerra: o "Prêmio Guiomar Novaes". Um exame mais pormenorizado dessa iniciativa revela significativos elos politico-culturais, em particular com círculos femininos influentes da América do Norte, além de intuitos merecedores de maior atenção teórico-cultural, como o do fomento da competitividade.


Mementos de fins de uma era em Nova York e no Rio de Janeiro


Um evento que representou o fim de uma era nas relações Brasil/Estados Unidos foi um recital levado a efeito em 1951 no Carnegie Hall à morte de Octavio Pinto, homem de negócios, urbanista e compositor que determinou desenvolvimentos, hoje injustamente esquecido. Correspondentes americanos no Rio de Janeiro, nessa época, notificam que também no Brasil chegava ao fim uma fase histórica que remontava ao período da Guerra.



Antonio Alexandre Bispo




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Indicação bibliográfica para citações e referências:
Bispo, A.A.. "Relações culturais Brasil/Estados-Unidos nos seus elos com desenvolvimentos europeus: momentos de um século marcado por duas guerras mundiais". Revista Brasil-Europa 129/1 (2011:1). http://www.revista.brasil-europa.eu/129/Brasil-EUA.html



  1. Observação: o texto aqui publicado oferece apenas um relato suscinto de trabalhos. Não tendo o cunho de estudo ou ensaio, não inclui aparato científico. O seu escopo deve ser considerado no contexto geral deste número da revista. Pede-se ao leitor que se oriente segundo o índice desta edição e o índice geral da revista (acesso acima). Pede-se ao leitor, sobretudo, que se oriente segundo os objetivos e a estrutura da Organização Brasil-Europa, visitando a página principal, de onde obterá uma visão geral e de onde poderá alcançar os demais ítens relativos à Academia Brasil-Europa de Ciência da Cultura e da Ciência (culturologia e sociologia da ciência), a seus institutos integrados de pesquisa e aos Centros de Estudos Culturais Brasil-Europa: http://www.brasil-europa.eu


  2. Brasil-Europa é organização exclusivamente de natureza científica, dedicada a estudos teóricos de processos interculturais e a estudos culturais nas relações internacionais. Não tem, expressamente, finalidades jornalísticas ou literárias e não considera nos seus textos dados divulgados por agências de notícias e emissoras. É, na sua orientação culturológica, a primeira do gênero, pioneira no seu escopo, independente, não-governamental, sem elos políticos ou religiosos, não vinculada a nenhuma fundação de partido político europeu ou brasileiro e originada de iniciativa brasileira. Foi registrada em 1968, sendo continuamente atualizada. A A.B.E. insere-se em antiga tradição que remonta ao século XIX.


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Revista Brasil-Europa - Correspondência Euro-Brasileira 129/1 (2011:1)
Prof. Dr. A.A.Bispo, Dr. H. Hülskath (editores) e Conselho Científico
da
Organização Brasil-Europa de estudos teóricos de processos inter- e transculturais e estudos culturais nas relações internacionais (reg. 1968)
- Academia Brasil-Europa -
de Ciência da Cultura e da Ciência

e institutos integrados

© 1989 by ISMPS e.V. © Internet-edição 1998 e anos seguintes © 2010 by ISMPS e.V. Todos os direitos reservados
ISSN 1866-203X - urn:nbn:de:0161-2008020501

Doc. N° 2687



Tema em debate

Relações culturais Brasil/Estados-Unidos
nos seus elos com desenvolvimentos europeus

momentos de um século marcado por duas guerras mundiais

Trabalhos da A.B.E. em Nova York, Los Angeles e Boston - Ano Edward MacDowell 2010 e Ano Listz 2011

 

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