Revista

BRASIL-EUROPA

Correspondência Euro-Brasileira©

 

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Revista Brasil-Europa - Correspondência Euro-Brasileira 122/20 (2009:6)
Editor: Prof. Dr. A.A.Bispo, Universidade de Colonia
Direção administrativa: Dr. H. Hülskath

Organização de Estudos de Processos Culturais em Relações Internacionais (ND 1968)
Academia Brasil-Europa
Instituto de Estudos da Cultura Musical do Mundo de Língua Portuguesa (ISMPS 1985)

© 1989 by ISMPS e.V. © Internet-edição 1998 e anos seguintes © 2009 by ISMPS e.V. Edição reconfigurada © 2014 by ISMPS e.V. Todos os direitos reservados
ISSN 1866-203X - urn:nbn:de:0161-2008020501

Doc. N° 2517


 


Rêdes sociais na História Político-Cultural
Vínculos entre as casas reinantes na Europa no período guilhermino
Alemanha-Áustria-Hungria-Itália e Rússia


Prosseguimento de reflexões encetadas em Viena, 2004 a partir de releituras das recordações de vida da filha de Guilherme II, Duquesa Viktoria Luise (1892-1980)

Arquivo A.B.E.

 


Viena. Foto A.A. Bispo 2009. Copyright

Este texto apresenta uma súmula de estudos motivados pelos 150 anos de Guilherme II (1859-1941). Sem objetivos políticos ou de engrandecimento da personalidade do último imperador da Alemanha, os trabalhos justificaram-se pela importância da época guilhermina para o Brasil, sobretudo sob o aspecto das regiões coloniais. Nesse sentido, inscreveram-se no programa da Academia Brasil-Europa dedicado a estudos do mundo de língua alemã e mundo de língua portuguesa.


A orientação teórico-cultural insere-se na tradição da sociedade dedicada à renovação dos estudos culturais (Nova Difusão 1968), a atual Organização de Estudos de Processos Culturais em Relações Internacionais - Academia Brasil-Europa.






Viena. Foto A.A.Bispo 2009. Copyright

Imagens do Hofburg, Viena. Fotos A.A.Bispo 2006

 
Os estudos euro-brasileiros dedicados a processos interculturais não podem partir de projeções anacrônicas de situações da atualidade européia no passado. Esse seria o caso se, ao considerar-se o período anterior à Primeira Guerra Mundial, tais processos fossem focalizados a partir da configuração européia conhecida do presente.

Aqui reside um dos grandes problemas das perspectivas bi-laterais, que determinam até hoje o trabalho de órgãos, centros de estudos e emissoras vinculadas a instituições de representação oficial. Por essa razão, a organização Brasil-Europa, através de sua Academia Brasil-Europa, vem defendendo, há anos, a renovação dos estudos de processos interculturais, escopo que se coloca necessariamente sobretudo devido às novas condições criadas pela aproximação e união dos países europeus.

Para o exame da situação européia anterior à Primeira Grande Guerra, a grande hecatombe que abriu o século XX e que levou à destruição de uma ordenação européia desenvolvida em longos e complexos processos históricos, torna-se necessário reconstruir constelações políticas de estado, contextos culturais, elos e relações de um universo que surge hoje como distante e em parte de difícil compreensão.

Uma das vias para esse exame é o proporcionado pelas rêdes de relacionamento entre as famílias reinantes nos vários países da Europa. Através desses elos, pode-se detectar caminhos de influência recíproca, de difusão de idéias, de conhecimentos, de tendências artísticas e literárias, possibilitando a compreensão de similaridades nas expressões culturais de regiões em parte afastadas geograficamente e permitindo a constatação de diferenças. A partir desses exames pode-se esperar até mesmo uma reorientação de perspectivas, levando a que a história do desenvolvimento político que levou à catástrofe da Primeira Guerra adquira uma fundamentação teórico-cultural.

Dentre as rêdes constituídas pelas famílias reinantes no período anterior à Primeira Guerra Mundial cumpre dedicar uma particular atenção aos vínculos entre o Império Alemão e a Dupla Monarquia Austro-Húngara. As relações entre esses dois impérios assumem primordial significado por diversos motivos. Foram os principais países representantes das potências da Europa Central envolvidos na Primeira Guerra Mundial, aqueles que, com a derrota, mais perderam e mais representaram a ruína de uma configuração política e político-cultural que abrangera grande parte da Europa da segunda metade do século XIX e início do XX.

Significado do "Estado de muitos povos"

Sobretudo os estudos interculturais dedicados à Áustria dificilmente poderiam ser tratados adequadamente se considerados sob o enfoque bi-lateral "Áustria-Brasil" segundo concepções de estados do período posterior. A Áustria do período anterior à Primeira Guerra Mundial diferia de muito do estado atual, quer pelas suas dimensões, quer pela sua constituição populacional, quer pelos seus problemas internos e externos. Seria totalmente inadequado considerar a projeção austríaca no passado, os elos de intercâmbio com outras nações, os processos recíprocos dai resultantes a partir de uma imagem fundamentada na situação presente.

O significado excepcional da configuração de estado do passado nos estudos histórico-culturais evidencia-se pelo papel primordial desempenhado pelos conflitos internos do império austro-húngaro na deflagração da Grande Guerra e pelo fato de, com a entrada dos EUA no conflito, em 1917, a extinção da Áustria-Hungria ter-se tornado importante escopo de Guerra. Se com relação à Alemanha tratou-se de redução territorial, de reparações, de deposição do imperador, de abolição da forma monárquica de govêrno, no referente à Áustria tratou-se da superação de uma configuração de estado.

A Áustria-Hungria, porém, era um estado que apresentava muitas características que são hoje atuais: multiculturalidade, plurietnicidade, multinacionalidade, diversidade religiosa, de línguas e de interesses. Se em tal diversidade pode ser vista uma das causas do grande desenvolvimento e um dos fatores da importância cultural da Áustria no século XIX, em particular de Viena, nela residia também causas de problemas que exigiam reformas e novas formas de organização. Significativamente, o Arquiduque Franz Ferdinand (1863-1914), entre outros, chegou mesmo a considerar a idéia de criação de uma espécie de Estados Unidos da Grã-Áustria.

De memórias daqueles que vivenciaram essa época pode-se ganhar um quadro que testemunha, sob muitos aspectos, a existência de uma situação que lembra aquela apenas realcançada no presente. Assim, Hermann Oberth (*1894), nascido em Hermannstadt, Siebenbürger, físico e pioneiro de viagens espaciais, Professor na Escola Técnica de Viena e em Dresden, colaborador de Wernher von Braun nos EUA, lembrando-se de sua infância na sua cidade, salienta que, no início do século, as viagens em todo o amplo território da Dupla Monarquia eram muito fáceis, podendo-se ir da Hungria à Polonia ou à Itália e Rumênia sem a necessidade de passar por fronteiras ou alfândegas e sem câmbios de moeda. Também as viagens á Alemanha não apresentavam maiores problemas.  (Weltraumexperimente in der Badewanne, in: Kindheit im Kaiserreich: Erinnerungen an vergangene Zeiten, ed. Rudolf Pörtner, Düsseldorf, Wien, New York: Econ, 1987, 55-61)

Configuração austro-húngaro e perspectivas européias atuais

Estudos interculturais relativos à Europa sob as novas condições da união européia e da sua ampliação podem lucrar com análises mais pormenorizadas dessa situação histórica. Tem-se salientado que uma das razões das tensões e do fim dessa configuração de estado plurinacional seria a insuficiente capacidade de adaptação de estruturas e de reforma de sistema de govêrno e de administração. Essa incapacidade do sistema teria dificultado a solução de conflitos resultantes de interesses divergentes das várias culturas envolvidas. Um exame orientado segundo enfoques teórico-culturais, porém, podem inverter essa elucidação: fatores especificamente culturais é que teriam determinado o ruir do "Estado de muitos povos", e incapacidade de reformas seria uma de suas expressões.

Configuração austro-húngara e estudos euro-brasileiros

As relações entre as duas potências de língua alemã são de especial significado para os estudos histórico-culturais sob a perspectiva do Brasil. Além dos elos derivados das grandes comunidades de imigrantes de língua alemã no Brasil, os vínculos do Brasil com a Alemanha e com a Áustria fundamentavam-se na própria rêde de parentesco entre as casas reinantes. No caso da Áustria, cumpre lembrar que a primeira imperatriz do Brasil foi a Arquiduquesa Leopoldina (1797-1826), filha de Francisco I (1768-1835).

Questões de imagens: Paradoxos


Cortejo comemorativo dos 76 anos do imperador Franz Joseph no Prater, em Viena.

 
O estudo das relações entre as duas grandes potências de língua alemã na Europa apresenta dificuldades relacionadas com problemas de imagem.

As imagens do imperador Guilherme II e do imperador Franz Joseph I (1830-1916)  diferem entre si de maneira singular. Franz Joseph I, da casa Habsburg-Lothringen, imperador da Áustria de 1848 a 1916 e, de 1848/67-1916, rei apostólico da Hungria e Croácia, possui, em geral, uma imagem de conotações benévolas. A de Guilherme II, é marcada por conotações negativas (Veja artigo a respeito nesta edição). Essa fato é singular, uma vez que Franz Joseph, na sua juventude, não gozou de popularidade, em parte pelas suas tendências conservadoras, anti-liberais e pelo apoio dado aos militares. Guardadas as diferenças de idade, Guilherme II, no seu interesse pelos novos desenvolvimentos técnico-científicos e na sua forma de agir politicamente poderia até mesmo surgir como progressista e liberal se comparado com Franz Joseph na sua juventude.

Trata-se, na diferença entre as imagens de Guilherme II e de Franz Joseph, mais de uma questão de memória do que de reconstrução historiográfica. Franz Joseph, falecido antes do término da Guerra, a 21 de novembro de 1916, ficou com o seu nome vinculado a uma época vista restrospectivamente como de brilho, de prosperidade econômica, de florescimento cultural. A sua avançada idade, e a bonomia que irradiava como ancião, associaram-se aos sentimentos despertados pelos acontecimentos trágicos que sofreu na sua vida familiar, entre êles a execução de seu irmão Maximiliano no México (1867), o suicídio de seu filho Rudolf (1889), o assassinato da imperatriz Elisabeth (1898) e do seu sobrinho Franz Ferdinand em Serajevo (1914).

Essa imagem positiva de Franz Joseph, vinculada que ficou com um mundo submerso de um passado dourado, não foi porém produto da nostalgia posterior à Guerra, como por vezes citado. Já nas últimas décadas do século XIX e início do XX era o imperador austríaco respeitado pela sua idade e experiência. Esse respeito, até mesmo veneração, valia para a Alemanha, onde Guilherme II nele via uma espécie de amigo mais velho, um monarca impregnado por antiga forma de cortesia e profundo sentido de dever. Talvez tenha sido esse sentido pela forma e por uma ética orientada por uma concepção de dever inerente a uma posição compreendida como de desígnio divino que uniu mais de perto os dois imperadores.

Segundo as lembranças da filha de Guilherme, o 18 de agosto, dia de aniversário do imperador austríaco, era comemorado regularmente com um almoço no palácio de Wilhelmshöhe, onde então a família imperial alemã se encontrava nessa época do ano. Nessa ocasião, Guilherme II vestia até mesmo o uniforme de General austríaco. Entre os convidados, salientavam-se os membros da embaixada, muitos deles húngaros, tais como o próprio embaixador, o Conde L. v. Szögyény-Marich (1841-1916), que usava nessa ocasião uniforme dos madjares. Os membros da embaixada austríaca gozavam na família alemã de grande simpatia pela sua sociabilidade e cordialidade, e pelo fato de não serem tão formais como os alemães. Nas suas memórias,Viktoria Luise menciona que em nenhum outro local dançava-se a valsa vienense tão bem quanto na representação diplomática austríaca. (Herzogin Viktoria Luise, Ein Leben als Tochter des Kaisers, 12. ed., Göttingen-Hannover: Göttinger Verlagsanstalt, 1973, pág. 31)


Visita de Guilherme II em Viena. Saída da estação, com o imperador Franz Joseph, Universum-Jahrbuch 1906

 
Vínculo especial entre a Alemanha e a Áustria-Hungria

O vínculo especial entre a Alemanha e a Áustria era determinado pelo idioma e por fatores de proximidade cultural. Ambos os impérios vivenciaram na segunda metade do século XIX um crescimento econômico e florescimento cultural, manifestado na arquitetura e nas artes, em particular nas grandes metrópoles, Berlim e Viena.

Os vínculos de Franz Joseph com as casas reinantes na Alemanha eram múltiplos. A sua avó era a princesa Sophie da Baviera, esposa de Franz I (1768-1835), pai do Arquiduque Franz Karl (1802-1878), seu pai.  Em 1853, casou-se com a sua prima Elisabeth (1837-1898) de uma linha da família dos Wittelbacher, segundo filha do Duque Max Joseph da Baviera (1756-1825) e Ludovika Wilhelmine (1808-1892). Do casamento nasceram quatro filhos: Sophie Friederike (1855-1857); Gisela (1856-1932), que casou-se com o Príncipe Leopoldo da Baviera (1846-1930), filho do Príncipe Regente Luitpold da Baviera (1821-1912) e da sua espôsa Arquiduquesa Auguste Ferdinande da Áustria (1825-1864); o Príncipe Herdeiro Rudolf (1858-1889), que se casaria com a princesa Stephanie (1864-1945), filha de Leopoldo II (1835-1909) e da Arquiduquesa Marie Henriette da Áustria (1836-1902); e Marie-Valerie (1868-1924), que se uniria em 1890 com o Arquiduque Franz Salvator da Toscana (1866-1939).

Tanto Sophie quanto Elisabeth desempenharam importante papel na vida do imperador. Com a co-atuação de Elisabeth, através de seus elos com a nobreza húngara, conseguiu-se, em 1866/67, estreitar os elos entre os dois países, sendo Franz Joseph coroado a rei da Hungria, em 1867. O irmão do imperador, Maximilian, levado a aceitar a proposta de tornar-se imperador do México, foi ali executado em 1867 (Veja texto no número anterior desta revista).

De personalidade e tendências distintas do pai, o Príncipe Rudolf conseguiu interromper a sua formação militar para dedicar-se a estudos científico-naturais. Dedicava-se também à imprensa liberal. Com o seu suicídio, em 1889, o direito de sucessão passou ao irmão do imperador, Arquiduque Karl Ludwig (1833-1896) e, após a sua morte, a seu filho Arquiduque Franz Ferdinand (1863-1914), sobrinho do imperador.  Franz Ferdinand casou-se em 1900 com a condessa Sophie Choteck (1868-1914), nobre tcheca, porém não considerada como de linhagem adequada. Assim, os seus filhos não tinham direito à sucessão.

Segundo as informações de sua filha, Guilherme II era amigo particular do príncipe herdeiro, o Arquiduque Franz Ferdinand. Admirava-o como um homem inteligente, cuja capacidade não era adequadamente reconhecida no seu país. O Arquiduque estava consciente da situação perigosa que se criava na Dupla Monarquia, planejando reformas amplas para corresponder às necessidades das muitas nacionalidades. Um episódio rememorado pela filha de Guilherme II e que coloca o Arquiduque - e Guilherme II - em luz positiva, é aquele que trata de uma visita em Potsdam de Franz Ferdinand e sua mulher, a Duquesa de Hohenberg, originalmente Condessa Chotek. Como o casamento criava problemas protocolares, a situação foi solucionado de forma inteligente e sensível por Guilherme II.

Nas suas memórias, Viktoria Luísa testemunha as muitas oportunidades que existiam para o convívio com o imperador austríaco, em Viena. Sobretudo na sua Vila de Ischl, os membros da família alemã podiam participar da vida quotidiana do monarca austríaco, que era marcada por grande modéstia e simplicidade

Em 1908, comemorou-se a passagem dos 60 anos de govêrno de Franz Joseph na Áustria. Em Viena teve lugar um grande cortejo. Por essa ocasião, a família imperial alemã e os representantes dos estados alemães dirigiram-se ao palácio de Schönbrunn. Foi uma das ocorrências mais significativas de ambos os países no período anterior à Primeira Guerra.


Rei Georgios da Grécia e Rei Vittorio Emanuele no Arco do Triunfo de Tito,
no Forum Romanum, 1906

 
Diferentes situações: Alemanha e Áustria-Hungria

Apesar da proximidade e da mútua simpatia proporcionada por esses elos, as diferenças entre ambos os impérios eram grandes. A Alemanha, sem ser um estado plurinacional como a Áustria-Hungria, procurava consolidar a unidade do Império fundado após a Guerra Franco-Prussiana de 1870/71, integrando os múltiplos pequenos reinos e principados. O alemão, apesar de incluir regiões, cidades e reinos católicos, sobretudo a Baviera, era, sob os Hohenzollern, protestante. A Dupla Monarquia, porém, apesar de incluir minorias de diferentes religiões, sobretudo na região balcânica sob a sua influência, era fundamentalmente católica.

As diferenças derivadas da situação geopolítica e histórica entre os dois países eram também consideráveis. Na Guerra alemã, de 1866, a Áustria perdera Veneza. A Áustria vivenciou além do mais as consequências da perda de das regiões norte da Itália, dos complexos problemas nas áreas balcânicas de sua esfera de influência, confrontando-se com tendências consideradas como pan-eslavas, internamente marcada pela situação de diversidade de nacionalidades, de língua e de cultura. As tensões nos países balcânicos levariam, por fim, à eclosão da Primeira Guerra Mundial, na qual também a Alemanha seria envolvida devido ao sistema de ligas.

No estudo da Grande Guerra, portanto, a consideração da situação na Áustria-Hungria relativamente às regiões do sudeste da Europa, no confronto com o Leste Europeu, em particular com a Rússia e com o império otomano surge como fundamental, e essa situação foi primordialmente de natureza cultural, determinada por diferenças de identidades religiosas, étnicas e nacionais. Os estudos de situações e processos interculturais possuem aqui um importante campo para o desenvolvimento de análises e exames de mecanismos que podem levar a hecatombes.

Pelo Congresso de Berlim, de 1878, a Áustria-Hungria passou a ocupar e administrar a Bósnia e Herzegowina, partes do império osmânico; em 1908 ambas as regiões seriam anexadas, o que foi acompanhado por tensões com relação a outros países europeus. Um dos intentos da Áustria era o de diminuir o poder de influência da Sérbia, vista como chave na política paneslava, o que contrariava os interesses russos.

As relações da Alemanha e da Áustria relativamente à Rússia possuiam diferentes pressupostos históricos e geopolíticos. A Áustria mantivera-se neutra na Guerra da Criméia, o que estremecera os elos entre as duas potências, mas o mais grave dizia respeito à colisão de interesses nos países balcânicos.  O desenvolvimento ao sul de ambos os impérios poderia ser considerado sob o pano de fundo do confronto de fronteiras e áreas de influência do Ocidente cristão contra o mundo islâmico. A recuperação cristã de Bizâncio, utopia intensivada pelo espírito da época romântica, servia como justificativa cultural-espiritual para tendências expansionistas. Para além das diferenças entre o Catolicismo e o Protestantismo na Europa Central deve-se também considerar aquelas entre estes e a Ortodoxia.

Relações com a Itália

A Áustria e a Áustria-Hungria constituiram, após a criação do Império Alemão, a liga dos dois países. Essa liga foi ampliada para três, com a entrada da Itália. Os laços entre a Alemanha, a Áustria e a Itália eram marcados por instabilidades derivadas da história política, que também possuiam dimensões culturais. A Áustria tinha sido expulsa da Lombardia na guerra contra Sardinha-Piemonte e a França de Napoleão III (batalhas de Magenta e Solferino), Na Primeira Guerra, a Itália se manteria neutra, apresentou os seus interesses relativamente a territórios que representavam para a Áustria importante passagem para o mar, entre elas Trieste, e, em 1915, passou para o lado da Entente.

Com relação à Alemanha, haviam ressentimentos causados pelo fato de O. v. Bismarck (1815-1898) ter salientado, de forma pouco sensível, que o caminho da Itália a Berlim se faria através de Viena. Guilherme II procurava levar em consideração os sentimentos dos aliados, sobretudo pelo fato de haver tensões latentes entre os parceiros, ou seja, entre a Itália e a Áustria-Hungria, uma situação compreensível sob o pano de fundo da história dos dois países.  O Imperador Franz Joseph, porém, não via com bons olhos uma visita oficial em Roma.

Viktoria Luise menciona, nas suas recordações, que conheceu o rei da Itália durante uma viagem a Corfu, em 1908, onde Guilherme II possuia uma propriedade. Nessa ocasião, Vittorio Emanuele III (1869-1947), que sucedeu a seu pai Umberto I (1844-1900), vítima de um atentado, encontrou-se com Guilherme II em Veneza. As relações eram boas, porém não tão cordiais como aquelas com a rainha Margherita (1851-1926).

Tratou-se, assim, no encontro de Guilherme II e Vittorio Emanuele em Veneza de um encontro de passagem, não oficial, para não contrariar Franz Joseph. Com similar intenção, em 1909, Guilherme II encontrou-se com o rei italiano em Brindisi, para de lá partir para Viena, de onde os imperadores enviaram telegrama de saudações ao rei da Itália. Embora não tendo muito sucesso com os seus esforços de melhorar o clima, Guilherme II procurou por outros meios ganhar simpatia, como, por exemplo, com uma visita que fêz ao túmulo do Rei Umberto I.

Não havia, entre o Império alemão e a Casa de Savóia relações de parentesco mais próximas. A mãe do rei da Itália, Margherita mantinha elos de amizade com o Imperador da Alemanha. Apesar dessas referências relativadoras, a filha de Guilherme II não deixa de reconhecer a atmosfera particularmente familiar e agradável que reinava na Côrte italiana, sugerindo aqui uma influência da rainha Helena, cujo pai, Nicolau de Montenegro, visitara a família imperial alemã em Potsdam.

A autora sugere porém, também motivos culturais e emocionais explicativos dessa distância entre a Itália e a Alemanha. Ela lembra que a mentalidade italiana não era exatamente favorável aos alemães devido a uma francofilia bastante acentuada.  A autora supõe também a existência de ressentimentos causados por falta de tato diplomático, por exemplo pelo envio de homens altos como representantes alemães à Côrte italiana, uma vez que Vittorio Emanuele era de baixa estatura.

Relações com a Rússia

Vínculos familares quase tão estreitos como aqueles com a Inglaterra unia a Alemanha com a Rússia. Guilherme II mantinha relações de amizade com o Czar Nicolau II (1868-1918), da família Romanow-Holstein-Gottorp. Foi intermediário no seu casamento com a princesa Alix (1872-1918), filha de do Grão-Duque Ludwig IV de Hessen e do Reno (1837-1892), casado com Alice, filha da rainha Victoria. Irene, irmã de Alix, era esposa do irmão de Guilherme II, o príncipe Heinrich (1862-1929). Com esse casamento, tornou-se primo do rei da Inglaterra e do imperador alemão.

Ao mesmo tempo, era sobrinho em terceiro grau de Guilherme, pois descendia de Charlotte da Prússia (1798-1860), esposa de seu bisavô Nikolaus I (1796-1855). Os planos de casamento foram feitos em encontro do Czar com Guilherme II realizado na cidade alemã de Bad Kreuznach. Ambos os soberanos mantinham um estreito relacionamento de amizade e também político.

Alix von Hessen-Darmstadt, para a união, converteu-se à Ortodoxia, recebendo o nome de Alexandra Fjodorowna. A coroação deu-se  14 de maio de 1896, uma cerimônia que ficou negativamente marcada pelo pânico na população que se encontrava reunida para a solinidade no campo de Chodynka.

Segundo as recordações de sua filha, Guilherme II, percebendo a situação política perigosa da Rússia, teria aconselhado o Czar a promover reformas liberais, sem poder ser escutado, porém, devido às circunstâncias políticas reinantes na Rússia. Segundo Viktoria Luise, a família do Czar era modelar e Nicolau II uma personalidade amável e humana. Teria sido uma pessoa altamente instruída, dominando vários idiomas fluentemente, entre êles francês, inglês e alemão. Conhecia vários países, entre êles o Japão. Estudara Direito em St. Petersburgo e possuia conhecimentos históricos e histórico-militares. Muitos desses problemas russos eram relacionados com o mundo extra-europeu, sobretudo aqueles com o Japão derivados de tentativas de ampliação da esfera de influência no Extremo Oriente. A Guerra Russo-Japonesa e a sua derrota representou um grande golpe para a Rússia. A imagem de Nikolaus II no Exterior sofreu com as suas medidas e falta de reformas. Em 1909, visitou Estocolmo, sendo alvo de um atentado.Com a Revolução de 1917, renunciou, sendo executado, juntamente com a sua família, a 18. de Julho de 1918 em local próximo ao Jekaterinburg, no Ural.

Uma mais decidida orientação teórico-cultural da pesquisa histórica poderá possivelmente elucidar atitudes de Nikolau II, consideradas em geral como avessas à modernização da Rússia e a reformas. O significado da religiosidade na sua formação foi reconhecido pela Ortodoxia russa, que o santificou, juntamente com a sua mulher e filhos, no ano 2000. Nas igrejas russo-ortodoxas do Leste - mas também do Ocidente - Nikolaus II é venerado em ícones.

Após a Primeira Guerra Mundial, os elos com o mundo de língua portuguesa com a família dos Habsburgos ficariam mantidos na memória através da presença de Karl I. (1887-1922), neto do irmão de Franz Joseph, que ocupou o trono austro-húngaro de 1916 a 1918 e que obteve abrigo na Madeira. Através da veneração por Karl I, o movimento de santificação de membros das antigas famílias reinantes também faz-se sentir no Ocidente.

(...)


Síntese de trabalhos apresentados por estudantes em seminários. As discussões terão prosseguimento




  1. Observação: o texto aqui publicado oferece apenas um relato suscinto de trabalhos. Não inclui aparato científico. O seu escopo deve ser considerado no contexto geral deste número da revista. Pede-se ao leitor que se oriente segundo o índice desta edição e o índice geral da revista (acesso acima). Pede-se ao leitor, sobretudo, que se oriente segundo os objetivos e a estrutura da Organização de Estudos de Processos Culturais em Relações Internacionais - Academia Brasil-Europa (A.B.E.) - e do Instituto de Estudos da Cultura Musical do Mundo de Língua Portuguesa (Institut für Studien der Musikkultur des portugiesischen Sprachraumes, I.S.M.P.S. e.V.), visitando a página principal, de onde obterá uma visão geral e de onde poderá alcançar os demais ítens: http://www.brasil-europa.eu


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